Art. 122. São órgãos da Justiça Militar:
I - o Superior Tribunal Militar;
II - os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei.
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Jurisprudências atuais que citam Artigo 122
TRF-5
EMENTA:
PJE 0800334-47.2020.4.05.8302
CONSTITUCIONAL. AÇÃO POPULAR. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO FIRMADO ENTRE O MUNICÍPIO DE TORITAMA/PE E A CEF, COM FUNDAMENTO NAS LEIS MUNICIPAIS 1.682/2019 E 1.704, AMBAS DE 2019 (VALOR DE R$ 10.000.000,00). RECURSOS ORIUNDOS DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DO MUNICÍPIO PRESTADOS COMO GARANTIA DA OPERAÇÃO DE CRÉDITO. ART. 167, IV, § 4º, DA CF. POSSIBILIDADE. NULIDADE CONTRATUAL. AFASTAMENTO. LESÃO AO ERÁRIO. INOCORRÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. Remessa ...
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...oficial de sentença (de 17/12/2020) que julgou improcedente o pedido do autor popular (atinente à declaração de nulidade do contrato de empréstimo nº 0526.039 - 90, firmado entre o Município de Toritama/PE e a CEF, com a declaração incidental de inconstitucionalidade material da Lei Municipal 1.682, de 12 de julho de 2019, e da Lei Municipal 1.704, de 01 de agosto de 2019, que serviram de fundamento para a celebração do contrato mencionado), julgando o mérito da demanda, nos termos do artigo 487, I, do CPC. Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos do artigo 17 da Lei 7.347/1985, aplicada à espécie por força da integração do microssistema processual coletivo. 2. Parecer ministerial ofertado (id. 4050000.25481446) opinando pela reversão da sentença de primeiro grau, ao mesmo tempo pelo acolhimento parcial da remessa necessária, considerando que: "Aplica-se, à hipótese, o art. 184 do Código Civil, com a insubsistência, porquanto separável do todo, apenas da cláusula da garantia indevidamente oferecida pelo ente municipal, mas sem prejuízo da manutenção do contrato em relação às demais cláusulas não impugnadas. (...) Anular todo o contrato de empréstimo, a esta altura de sua execução, seria um prejuízo para os munícipes que iria além do próprio dano já causado pela violação da cláusula de garantia do contrato, sem que esse instrumento possa ser tido como insubsistente, em seu todo." 3. Consta da sentença o seguinte:
"Trata-se de AÇÃO POPULAR, com pedido liminar, promovida por ANDRÉ TADEU DA MOTA FLORÊNCIO em face do MUNICÍPIO DE TORITAMA/PE e da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF), objetivando a declaração de nulidade do contrato de empréstimo nº 0526.039 - 90, firmado entre o Município de Toritama/PE e a CEF, com a declaração incidental de inconstitucionalidade material da Lei Municipal 1.682, de 12 de julho de 2019 e da Lei Municipal nº 1.704, de 01 de agosto de 2019, que serviram de fundamento para a celebração do contrato mencionado.
Preliminarmente, o autor requer a distribuição, por prevenção, para a 16ª Vara Federal, porque neste juízo foi julgado caso análogo (Processo nº 0808460-57.2018.4.05.8302), bem como o deferimento do pedido de justiça gratuita.
Alega que, diante do princípio da não afetação da receita, os recursos oriundos do Fundo de Partição dos Municípios (FPM), por serem originados da arrecadação de tributos, não poderiam ser cedidos ou dados em garantia de operação de crédito junto à CEF, porque isso é vedado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 167, IV. Afirma que uma das exceções à vedação mencionada somente ocorre na hipótese em que sejam as receitas do FPM dadas em garantia ou contragarantia à União, nos termos do art. 167, §4°, da CF/88.
Afirma que a Lei Municipal nº 1.682/2019 e a Lei Municipal nº 1.704/2019 (artigo 2º), ambas do Município de Toritama/PE, autorizam a obtenção de empréstimo em desrespeito aos mencionados preceitos constitucionais e que, com base nessas leis municipais, foi firmado entre o Município de Toritama/PE e a Caixa Econômica Federal operação de crédito (Contrato de empréstimo nº 0526039-90) por meio de linha de financiamento na ordem de R$ 10.000,000,00 (dez milhões de reais).
Explica que a ação popular objetiva o reconhecimento de lesividade do ato praticado em face dos interesses do patrimônio público e que esse contrato implica indícios de lesão ao patrimônio público diante de sua forma de garantia do pagamento, razão pela qual requer a procedência do pedido para que seja declarada a nulidade do Contrato de Empréstimo nº 0526039-90, com a declaração incidental de inconstitucionalidade material da Lei Municipal n° 1.682/2019 e Lei Municipal nº 1.704/2019.
Aduz o autor estar configurada a lesão ao patrimônio público, visto que estaria sendo violado o princípio da não afetação da receita, que tem como objetivo possibilitar ao legislador futuro a maior liberdade possível para a alocação de recursos também futuros no momento em que for elaborada a lei orçamentária do município. A partir dessas normas constitucionais, diz que está presente a probabilidade do direito.
Quanto ao perigo da demora, menciona que foi celebrado contrato de empréstimo entre os requeridos, em 22/08/19 e que foi liberada parcela na ordem de R$ 5.000.000,00 pela CAIXA para a execução de obras de infraestrutura e saneamento pela municipalidade, a qual já teve início. Requer que seja determinado que a CAIXA não efetue o repasse das parcelas do empréstimo e que o Município de Toritama/PE se abstenha de utilizar os valores já repassados e não gastos ainda, a fim de evitar maior lesividade ao patrimônio público.
Liminarmente, requer a suspensão da eficácia do contrato de empréstimo nº 0526.039 - 90, firmado entre o Município de Toritama/PE e a CEF, com a declaração incidental de inconstitucionalidade material da Lei Municipal 1.682, de 12 de julho de 2019 e da Lei Municipal nº 1.704, de 01 de agosto de 2019, que serviram de fundamento para a celebração do contrato mencionado, assim como sejam suspensos os seus efeitos financeiros, para suspender o repasse das parcelas restantes do montante de R$ 10.000.000,00 e para se abster de utilizar os valores já repassados e não gastos ainda, como medida apta a evitar o risco de dano ao erário público.
Atribuiu à causa o valor de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).
Por meio do despacho Id. 4058302.13462030, este juízo, com base na aplicação do art. 2º, da Lei 8.137/1992, determinou a intimação do Município de Toritama/PE e da Caixa Econômica Federal para se manifestarem sobre o pedido liminar no prazo de três dias, esclarecendo de que forma se dará a amortização, bem como o valor das parcelas a serem descontadas da conta do Município após o período de carência contratual.
A CEF apresentou manifestação sobre o pedido liminar na petição Id. 4058302.13752463, afirmando que, quanto à forma de amortização, está prevista nas cláusulas terceira, quarta, quinta e sexta do contrato. Ademais, quanto aos desembolsos, esclarece que foi realizado 1º desembolso, no valor de R$5.000.000,00 (cinco milhões) de reais, em 25/09/2019, e que, quando da prestação de contas, o Município de Toritama comprovou a utilização de R$ 2.819.976,67 (dois milhões, oitocentos e dezenove mil, novecentos e setenta e seis reais e sessenta e sete centavos), razão pela qual foi solicitada a devolução à CAIXA de R$ 2.180.023,33 (dois milhões, cento e oitenta mil, vinte e três reais e trinta e três centavos), mas o Município de Toritama solicitou a reprogramação do contrato e, após as devidas análises a reprogramação foi autorizada, com a assinatura do 1º termo aditivo do contrato. Explica que, em seguida, houve o 2º desembolso, no valor de R$ 7.180.023,33 (sete milhões, cento e oitenta mil, vinte e três reais e trinta e três centavos) no dia 19/02/2020, zerando o saldo a liberar da operação, e que o Município de Toritama vem quitando das prestações em dia, já tendo pago 6 (seis) prestações.
Quanto ao pedido de tutela de urgência, afirma que não há ilegalidade ou inconstitucionalidade nas leis e nem no contrato questionados, já que a vedação prevista no art. 167, IV, da CF, alcança apenas a receita de impostos próprios do ente tomador, não as receitas decorrentes de repasse de outro ente, como FPE/FPM, inclusive porque as receitas oriundas das transferências obrigatórias não preservam a natureza de impostos após o seu ingresso nos cofres estaduais ou municipais, conforme Parecer nº 2/2018/Gab/CGU/AGU. Afirma que os recursos repassados pela União, pelo FPE e FPM, não são impostos nem estão sujeitos ao princípio da não vinculação, pois quando os recursos do FPE ou do FPM são transferidos do Tesouro Nacional para os Estados e Municípios, deixam de ser receita de impostos, conforme julgado proferido nos autos da ADI 553.
Quanto ao pedido liminar de suspensão do repasse das parcelas restantes, reafirma que os desembolsos do valor contratado já foram realizados, tendo ocorrido sobre esse ponto a perda do objeto. Quanto ao pedido de tutela de urgência para o Município se abster de utilizar os valores já repassados e não gastos ainda, a CEF afirma que o financiamento é legal e constitucional e as obras e aquisições que estão sendo realizadas com base no contrato questionado são destinadas à população do Município de Toritama/PE, de modo que o perigo da demora é reverso. Salienta que o questionamento do autor está limitado a vinculação do FPM como garantia da operação e que só haverá bloqueio no valor correspondente da prestação caso o município não realize o pagamento da prestação mensal, o que não tem ocorrido no caso do contrato objeto desta ação, já que o Município vem efetuando o pagamento nas datas ajustadas.
O Município de Toritama/PE apresentou manifestação sobre o pedido liminar na petição Id. 4058302.13763241. Aduziu, em síntese, a ausência da probabilidade do direito alegado pelo autor pelas seguintes razões: a) a presunção de constitucionalidade da Lei Municipal; b) o parecer expresso e permissivo da CGU/AGU (Parecer 002.2018/Gab/CGU/AGU) com aval do Presidente da República; c) a decisão do STF no RE 184116-8 MS; d) as análises favoráveis dos Órgãos de Controle Externo Estadual (TCE/PE) e da União (TCU) quanto ao contrato n.º 0504410 - DVº 38 (Contratação do FINISA pelo Município de Caruaru/PE); e) a decisão suspensiva pelo TRF-5 de processo com mesmo objeto (Processo 0808460-57.2018.4.05.8302 - Contrato favorecendo o Município de Caruaru). Quanto ao perigo de dano, afirmou que inexiste, considerando: a) a finalidade do financiamento em questão; b) a capacidade de autossustentação dos investimentos a serem realizados; c) o rigor exigido para adesão ao programa de financiamento; d) o não comprometimento das finanças públicas do município pela adesão ao financiamento FINISA; e) o grave risco ao Município pela eventual concessão da liminar em tela.
Por meio da decisão Id. 4058302.13810686, este juízo indeferiu o pedido liminar e determinou a citação dos demandados para, querendo, apresentarem contestação no prazo de 20 (vinte) dias, nos termos do art. 7º, IV, da Lei nº 4.717/65.
A CAIXA apresentou contestação no Id. 4058302.14041745, arguindo preliminares e juntando documentos.
O MPF tomou ciência da decisão e requereu vista dos autos após manifestação das partes (Id. 4058302.14139845).
O MUNICÍPIO DE TORITAMA/PE formulou requerimento de prorrogação de prazo, nos termos do inciso IV do art. 7º da Lei nº 4.717/1965 ou, alternativamente, nos termos do disposto no art. 3º, § 3º da Resolução 314 do Conselho Nacional de Justiça (Id. 4058302.14656601).
Foi deferido o pedido do MUNICÍPIO DE TORITAMA/PE de prorrogação do prazo para contestar por mais 20 (vinte) dias.
No id. 4058302.14947902, o autor atravessou réplica em face da contestação da CEF. Juntou documentos.
Em seguida, contestação do MUNICÍPIO DE TORITAMA (id. 4058302.15082027). Juntou documentos.
A parte autora atravessou réplica em face da contestação da edilidade (id. 4058302.15101394). Juntou documentos.
Intimados para se manifestarem acerca das alegações levantadas e documentos juntados por força de réplica, o MUNICÍPIO DE TORITAMA (id. 15130410), atravessou petição pugnando: pela decretação da nulidade do aditamento das razões de pedir da inicial realizado por força de réplica; a inadmissibilidade da juntada dos documentos novos; a condenação do autor as penas da litigância de má-fé; subsidiariamente, requereu a possibilidade de manifestação da ré acerca da petição de aditamento, nos exatos moldes do art. 329, inciso II, do CPC, bem como a possibilidade de manifestação acerca de todo e qualquer documento novo apresentado pelo autor após a citação nos termos do §1º do art. 437 do CPC.
A CEF, por sua vez, apontou que a "réplica" apresentada pelo Autor constitui aditamento à inicial, sendo certo que o aditamento não é possível haja vista que não contou com o consentimento dos Réus, inobservando, portanto, o artigo 329, inciso II do CPC/15. Ao final, requereu o desentranhamento da "petição de aditamento e de todos os documentos que a instruem, bem como a condenação do autor por litigância de má-fé. Ainda, requereu que, caso não entenda de plano pelo imediato desentranhamento do aditamento, que seja observado o procedimento previsto no inciso II do artigo 329 do CPC, sob pena de não o fazendo restar configurado o cerceamento ao direito de defesa e a lesão aos princípios de contraditório e do devido processo legal.
Manifestação do MPF no id. 4058302.15463661. Na ocasião pugnou parcial procedência do pedido, restringindo-se a nulidade à garantia oferecida pelo ente municipal. Opinou, portanto, pela declaração de inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei Municipal nº 1.682/2019, alterado pela Lei Municipal nº 1.704/2019, por ofensa ao limite constitucional insculpido no art. 167, inciso IV, da Constituição Federal.
Petição da parte autora no id. 15476394, argumentando, em síntese, que não há que se falar em alteração da causa de pedir, tendo em vista que a tese sobre o tema se trata de matéria de ordem pública, podendo ser arguida a qualquer tempo.
Por meio da decisão Id. 4058302.15658086, este juízo, considerando que, por ocasião da réplica, o autor popular acrescentou dois fundamentos, excluiu da apreciação judicial o ponto sobre as informações fiscais do Poder Executivo colhidas no Relatório de Gestão Fiscal, referente ao último quadrimestre de 2019, bem como as informações de Balanços Anuais dos três exercícios (2018-2017-2016). Ademais, deferiu o pedido de aditamento das razões de pedir da inicial concernente à inconstitucionalidade da lei municipal que autorizou a operação de crédito por inobservância da forma estabelecida na Lei Orgânica do Município de Toritama, oportunizou o prazo comum de 15 (quinze) dias para a CAIXA e o MUNICÍPIO DE TORITAMA se manifestarem acerca das alegações e documentos atravessados pelo autor popular por ocasião das réplicas.
A CAIXA informou sobre a interposição de agravo de instrumento (Id. 4058302.16067358).
A CAIXA apresentou manifestação sobre a réplica e documentos por meio delas apresentados (Id. 4058302.16072054), alegando que houve o aditamento da inicial sem o consentimento do réu, o que é vedado. Quanto à alegada inconstitucionalidade, acostou aos autos o projeto de lei que autorizou a contratação da operação, no qual fica demonstrado que, considerando que a Câmara Municipal de Toritama é composta por 13 (treze) vereadores, a votação observou o quórum de maioria absoluta. Pugnou pelo desentranhamento de todas as petições nas quais foram verificadas a reprovável manobra autoral e de todos os documentos que a instruem e afirmou que a atitude do autor configura litigância de má-fé.
O MUNICÍPIO DE TORITAMA apresentou manifestação sobre a réplica e documentos por meio delas apresentados (Id. 4058302.16097866), aduzindo que não merece ser acolhida a alegação de vício insanável de ilegalidade.
Foi juntada cópia de decisão proferida no Agravo de Instrumento n° 0811758-63.2020.4.05.0000 em que o relator indeferiu o pedido liminar (Id. 4058302.16276760).
Decisão de saneamento do feito (id. 4058302.16325848), ocasião em que restaram afastadas as preliminares apresentadas pela CAIXA (a) indeferimento da inicial por ausência de lesividade do ato; b) impugnação ao valor da causa) e pelo município de Toritama/PE (a) ausência de documento indispensável à propositura da ação, consistente em título de eleitor válido; b) inépcia da inicial pela formatação confusa contida na inicial; c) inadequação do valor da causa). Ao final, restaram as partes intimadas para apresentarem no prazo de 10 (dez) dias suas alegações finais.
Alegações finais do autor popular reiterando os termos da petição inicial (id. 4058302.16512361), do município de Toritama/PE, pugnando pela improcedência do pedido (id. 4058302.16633348) e da CAIXA, ocasião em que reiterou a preliminar de ausência de lesividade ao patrimônio público. (id. 4058302.16639038)
Vieram-me os autos conclusos
FUNDAMENTAÇÃO
A Constituição Federal de 1988, dando protagonismo à participação popular no controle da gestão pública, em atenção primordial ao princípio da moralidade, dispõe em seu artigo 5º, LXXIII que "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência".
O citado dispositivo constitucional é regulamentado pela Lei nº 4.717/1965, em grande parte recepcionada pela Constituição Federal, de onde se extrai o processamento do presente feito.
Inicialmente consigno que as preliminares arguidas pelos réus foram rejeitadas quando da decisão saneadora, tendo a CAIXA reiterado a preliminar de ausência de lesividade ao patrimônio público. Em razão de não haver alteração do cenário fático e jurídico apresentado nestes autos refuto a preliminar pelos argumentos já expostos na referida decisão. (id. 4058302.16325848)
DA SUPOSTA INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS MUNICIPAIS QUE AUTORIZARAM A REALIZAÇÃO DA OPERAÇÃO DE CRÉDITO COM GARANTIA DE RECURSOS DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS:
O autor popular impugna a constitucionalidade das leis que autorizaram a celebração do contrato de mútuo entre o Município de Toritama/PE e a Caixa Econômica Federal. Apresentou cópia da Lei Orgânica do Município comprovando que a aprovação do orçamento e de realização de empréstimos depende de lei complementar. Aduz que em virtude da autonomia do ente federativo, a previsão de lei complementar deve ser observada pela Câmara de Vereadores e pelo Prefeito Municipal, de forma que a lei autorizativa da celebração do empréstimo, lei ordinária, seria inconstitucional.
No particular, dispõe o art. 18, §1º, da Lei Orgânica do Município de Toritama:
Quanto se tratar da votação do Orçamento, de empréstimos, de auxílio a empresa, concessão de privilégios e matéria que verse interesse particular, além de outros referidos por esta Lei e pelo Regimento Interno, o número mínimo e votos é de maioria absoluta de seus membros para aprovação.
De início, necessário mencionar que caso seja acolhido esse argumento, a consequência seria a nulidade do contrato e, consequentemente, a reposição dos figurantes no mesmo estado em quem se encontravam, com o Município tendo que devolver à Caixa Econômica Federal o valor de R$ 10.000.000,00 objeto do contrato, o que a toda evidência é de impossível materialização, pois o Município programou o pagamento na forma pactuada e não teria condições de, nesse momento, restituir toda a importância à Caixa Econômica Federal, sem contar que o recurso já foi utilizado para a realização das obras que consistem no motivo determinante do financiamento para o Município de Toritama.
Configurando o Brasil uma República Federativa, os entes federativos detêm autonomia para tomar decisões políticas, desde que evidentemente não contrariem algum princípio ou norma de reprodução obrigatória da Constituição Federal, ou algum procedimento previamente estabelecido pela Constituição Federal. É o caso das matérias que podem ser reguladas por lei complementar.
Em relação ao direito financeiro, a Constituição Federal de 1988 prevê a necessidade de três leis complementares para estabelecer normas gerais, considerando que se trata de competência concorrente de União e Estados e em relação às quais os Municípios podem, se couber e houver peculiaridade regional, suplementar. São elas:
Art. 161. Cabe à lei complementar:
I - definir valor adicionado para fins do disposto no art. 158, parágrafo único, I;
II - estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e entre Municípios;
III - dispor sobre o acompanhamento, pelos beneficiários, do cálculo das quotas e da liberação das participações previstas nos arts. 157, 158 e 159.
Parágrafo único. O Tribunal de Contas da União efetuará o cálculo das quotas referentes aos fundos de participação a que alude o inciso II.
Art. 163. Lei complementar disporá sobre:
I - finanças públicas;
II - dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público;
III - concessão de garantias pelas entidades públicas;
IV - emissão e resgate de títulos da dívida pública;
V - fiscalização financeira da administração pública direta e indireta; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
VI - operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
VII - compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito da União, resguardadas as características e condições operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional.
Art. 165 (...)
§ 9º Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual;
II - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.
III - dispor sobre critérios para a execução equitativa, além de procedimentos que serão adotados quando houver impedimentos legais e técnicos, cumprimento de restos a pagar e limitação das programações de caráter obrigatório, para a realização do disposto nos §§ 11 e 12 do art. 166. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 100, de 2019) (Produção de efeito)
Há duas leis complementares de grande importância para o direito financeiro nacional: a Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) e a Lei 4.320/1964, a qual foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com a natureza de lei complementar. Ademais, ainda não foi editada a lei complementar a que se refere o art. 165, §9º, I, da Constituição, pelo que prossegue o regime concernente ao plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual sendo regulado pelo art. 35, §2º, do ADCT:
Art. 35 (...):
§ 2º Até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º, I e II, serão obedecidas as seguintes normas:
I - o projeto do plano plurianual, para vigência até o final do primeiro exercício financeiro do mandato presidencial subseqüente, será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa;
II - o projeto de lei de diretrizes orçamentárias será encaminhado até oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa;
III - o projeto de lei orçamentária da União será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa.
Os Municípios, como dito anteriormente, não tem competência concorrente, mas apenas suplementar. Eles não podem exercer competência plena para regular determinada matéria de competência comum, porque somente no âmbito da competência concorrente isso é possível, e apenas para os Estados (art. 24, §§3º e 4º, da Constituição Federal).
Ademais, nenhuma norma geral de direito financeiro existente no Brasil, nem mesmo a norma transitória vigente enquanto não houver lei complementar regulamentando a matéria com minúcias, dispõe que a lei orçamentária anual, a lei de diretrizes orçamentárias e o plano plurianual devem ser regulamentados por lei complementar.
O caso não é de autonomia do ente federativo, mas de observância do procedimento estabelecido pela Constituição Federal, de modo que no exercício de sua competência para editar norma geral, a União não editou lei complementar ou norma transitória exigindo que matéria orçamentária e de empréstimo seja aprovada por lei complementar. A jurisprudência do STF é nesse sentido:
O Município é competente para legislar sobre meio ambiente com União e Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja e harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c 30, I e II, da CRFB). [RE 586.224, rel. min. Luiz Fux, j. 5-3-2015, P, DJE de 8-5-2015, Tema 145.]p
Do voto do Ministro Relator, Luiz Fux, vale transcrever alguns trechos:
O art. 24 da Constituição Federal estabelece uma competência concorrente entre União e Estados-membros, determinando a edição de norma de caráter genérico pela primeira e de caráter específico na segunda hipótese.
Sendo assim, o constituinte originário definiu que o sistema formado pela combinação da legislação estadual com a edição de um diploma legal federal traduz a disciplina de todos os interesses socialmente relevantes para os temas elencados no citado dispositivo.
Por essa razão, se há inconstitucionalidade, ela reside na exigência de lei complementar para tratar de orçamento e empréstimos contida na Lei Orgânica do Município de Toritama/PE. A propósito, a Constituição do Estado de Pernambuco estabeleceu uma redação consentânea com a Constituição Federal no seu art. 122, ao dispor:
Art. 122. Os orçamentos anuais do Estado e dos Municípios obedecerão às disposições da Constituição da República, às normas gerais de direito financeiro e às desta Constituição.
O dispositivo expressamente estabeleceu uma ordem de normas a serem seguidas: a) Constituição Federal; b) normas gerais de direito financeiro; c) Constituição Estadual. Em momento algum a Constituição do Estado de Pernambuco estabeleceu que a lei orçamentária, a lei de diretrizes orçamentárias e a lei do plano plurianual deveriam ser instrumentalizadas por meio de lei complementar. Entretanto, como desbordaria da própria impugnação, e considerando que a lei municipal que autorizou a operação de crédito está em consonância com a Constituição Federal de 1988, rejeito a arguição de inconstitucionalidade do autor popular, visto que sua impugnação é direcionada à Lei Municipal nº 1.682/2019 e à Lei Municipal 1.704/2019.
Ademais, ressalte-se que as leis municipais supramencionadas foram aprovadas por maioria absoluta, o que retira qualquer razão da questão prejudicial ao mérito.
Presentes os pressupostos processuais e os requisitos de admissibilidade da demanda, passo ao exame do mérito. Para fins de exposição organizada o raciocínio que fundamente a conclusão a ser exposta, apresentam-se os argumentos em tópicos.
DAS TESES JURÍDICAS DAS PARTES E DOS ENVOLVIDOS NO JULGAMENTO DO ACÓRDÃO TCU 005.218/2018-7 NO QUE CONCERNE À NATUREZA DAS RECEITAS DAS TRANSFERÊNCIAS:
O argumento central do autor popular reside na inconstitucionalidade da Lei Municipal 1.682/2019, e da Lei 1.704/2019, e consequentemente do contrato 0526.039-90, no qual figuram como mutuante a Caixa Econômica Federal e como mutuário o Município de Toritama/PE.
De acordo com o autor popular, as referidas leis violam frontalmente o disposto no art. 167, IV, §4º, e art. 160, caput, parágrafo único e incisos, todos dispositivos da Constituição Federal de 1988.
Os réus, por seu turno, defendem que o disposto no art. 167, IV e §4º, refere-se apenas aos recursos de impostos próprios, e não às receitas advindas de transferências constitucionais.
O autor popular aduz que essa distinção não é relevante, e que as receitas do FPM e do FPE são ao fim e ao cabo receitas de impostos. Anexa precedente do STF cuja decisão não levou em consideração essa distinção. Rebatendo o fundamento para o indeferimento da tutela liminar, o autor popular afirma que a vinculação de receitas a dívidas contratuais tem o mesmo efeito de engessar o administrador que a vinculação por lei, concluindo que somente é possível o oferecimento em garantia desses recursos nos casos expressamente previstos na Constituição Federal, e não há previsão constitucional admitindo essa vinculação de receitas do FPE e do FPM, ou de impostos, para pagamento de dívidas dos Municípios com instituições financeiras.
Passo a tratar do caso.
Dispõe a Lei 1.682/2019 do Município de Toritama:
Art 1º Fica o Poder Executivo do Município-de'Toritama autorizado a contratar e garantir operação de crédito do FINISA (Financiamento a Infraestrutura. e ao Saneamento), modalidade de apoio financeiro destinado à aplicação em 'despesa de capital, junto à Caixa. Econômica Federal até o limite de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) destinados à execução do Programa de Investimentos nas áreas de Infraestrutura Urbana e aquisição de Maquinários e veículos no Município de Toritama
Parágrafo único. Os recursos resultantes do financiamento autorizado neste artigo serão obrigatoriamente aplicados na execução do projeto exposto no caput (FINISA), vedada a aplicação de tais recursos em despesas correntes, em consonância com o §1º do art. 35, da Lei Çomplementar Federal nº 101, de 04 de maio de 2000.
Art. 2o Para garantia do principal e encargos da operação de crédito, fica o Poder Executivo do Município de Toritama autorizado a ceder ou vincular em garantia, em caráter irrevogáveI e irretratável, a modo pro solvendo, as receitas a que se referem os artigos 158 e 159, inciso I, alínea "b", e § 3º da Constituição Federal, nos termos do § 4º do art. 167, da Constituição Federal ou outros recursos que, com idêntica finalidade, venham a substituí-los, bem corno outras garantias em direito admitidas.
§lº. Para a efetivação da cessão ou vinculação em garantia dos recursos previstos no caput deste artigo, fica a Caixa Econômica. Federal autorizada a transferir os recursos cedidos ou vinculados nos montantes necessários à amortização da dívida nos prazos contratualmente estipulados.
(...)
§4º.Para pagamento do principal, juros, tarifas bancárias e outros encargos da operação de crédito, fica a Caixa Econômica Federal autorizada a debitar na conta corrente mantida em sua agência, a ser indicada no contrato, onde são efetuados os créditos dos recursos do Município nos montantes necessários à amortização e pagamento final da dívida.
Art. 3º. Os recursos provenientes da operação de crédito a que se refere esta Lei deverão ser consignados como receita no Orçamento ou em créditos adicionais, nos termos do inc. ÍI, § 1º, do art. 32, da Lei Complementar 101/2000.
Art. 4º. O Poder Executivo Municipal incluirá na 'Lei Orçamentária Anual, na Lei de Diretrizes Orçamentária e no Plano Plurianual, na categoria econômica de Despesas de Capital os recursos necessários aos investimentos a serem realizados, provenientes do FINISA/Despesa de Capital, no montante mínimo necessário à realização do projeto e das despesas relativas à amortização do principal, juros e demais encargos, decorrentes da operação de crédito autorizada por esta Lei, observado, o disposto no parágrafo único do art. 20 da Lei no 4.320., de 17.03.1964, com abertura de programa especial de trabalho.
Art. 5º Fica o Chefe do Podei Executivo autorizado a abrir créditos adicionais destinados a fazer face aos pagamentos de obrigações decorrentes da operação de crédito ora autorizada,
Art.6º Os recursos provenientes do FINISA deverão ser divulgados em separado no Portal da Transparência Municipal, assim como todas as despesas custeadas com recursos do financiamento e, ainda, os pagamentos das parcelas principais da operação de crédito, valores de juros e taxas.
Art. 7º Fica autorizado ao Poder Executivo Municipal reestimar a receita de capital, conforme previsão do artigo 72 da Lei Municipal 1.645/2018 (Lei Orçamentária Anual - LOA do Exercício de 2019), para fazer face ao pagamento das despesas de capital oriundas da operação de crédito.
A Lei 1.704/2019, apenas realizou uma correção de erro material no art. 2º, caput, estabelecendo como um dos fundamentos normativos o art. 167, IV, da Constituição Federal, e não o §4º, como está na redação originária da Lei 1.682/2019.
No caso em exame, a Caixa concedeu financiamento de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) para custar despesas de capital, para ser quitado em cento e vinte meses, havendo um período de vinte e quatro meses de carência (cláusula 3.3, do contrato), e noventa e seis meses para pagamento efetivo da dívida (cláusula 3.5.1). No período de carência serão devidos apenas juros de carência. Os juros foram fixados na razão da soma da taxa de CDI acrescidas de 4,90% ao ano (cláusula 5.1). Em caso de inadimplemento, o valor da parcela será acrescida de multa contratual, que variará de 0,5% a 4% se o prazo de atraso for entre um a quatro ou mais dias (cláusulas 7.1 e 7.2), e de juros de mora de 1% ao mês ou 12,68% ao ano (cláusula 7.3). Na cláusula 15 do contrato se estabelece que eventual inadimplemento será garantido por meio de desconto direto no FPM, regulando todo o procedimento para que surta seu efeito.
Dispõe o art. 167, IV, da Constituição Federal:
Art. 167. São vedados:
(...)
IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
A primeira exceção da vedação da vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa consiste justamente na repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, da Constituição Federal. Isso porque esses recursos são repassados por meio de uma repartição doutrinariamente conhecida como indireta, a qual demanda sempre a análise de alguns critérios antes de o recurso ser repassado, com vistas a corrigir desigualdades regionais. Na maioria das vezes se realiza por meio de fundos, como no caso em exame. Assim, ao invés de a União efetuar a destinação diretamente, o faz por intermédio de um fundo, em consonância com a previsão constitucional.
Ressalte-se que esses recursos objeto de destinação constitucional expressa tem por objetivo concretizar um regime financeiro no federalismo cooperativo, em que Estados e Municípios devem ter recursos financeiros suficientes para cumprir as tarefas constitucionais, que não são pequenas, a eles atribuídas. Esses recursos têm dupla titularidade, visto que, uma vez arrecadados, não podem ter destinação diversa da estabelecida na Constituição Federal de 1988.
No julgamento do RE 572762, o STF entendeu que as receitas que por determinação constitucional devam ser transferidas aos entes subnacionais teriam dois titulares, o que exerce a competência tributária, e aquele que deve ser o destinatário de parte da receita. No caso, discutia-se constitucionalidade de lei estadual que concedia benefício fiscal a empresas, que poderia consistir na postergação do recolhimento do ICMS. Ficou assentado que o Estado arrecadava os impostos e os repassava a título de benefício fiscal aos empresários do setor beneficiado por intermédio de um fundo.
Constou no voto do Ministro Relator, Ricardo Lewnadowski:
É o caso da parcela do ICMS mencionada no art. 158, IV, da Carta Magna, que, embora arrecadada pelo Estado, integra de jure o patrimônio do Município, não podendo o ente maior dela dispor a seu talante, sob pena de grave ofensa ao pacto federativo (voto do Ministro relator, Ricardo Lewandowski).
O Ministro Cezar Peluso, em seu voto, chegou a referir que a importância ingressava nos cofres do Estado e que depois o repassava ao fundo responsável pela destinação do incentivo fiscal. De acordo com o Ministro, o Estado alterava a base de cálculo da transferência, o que não seria possível. Para tanto, o Estado deveria repassar os vinte e cinco por cento do arrecadado bruto ao Município, e repassar para as empresas, a título de incentivo fiscal, apenas da sua parte (75%). Ficou assentado, assim, que a parcela do FPM/FPE pertence ao Município e ao Estado destinatário, uma vez arrecadado efetivamente.
As outras exceções contidas no dispositivo mencionado consistiriam na destinação de recursos à saúde, para o desenvolvimento do ensino, para a atividade da administração tributária e para garantir operações de crédito para antecipação de receita
Além dessas exceções contempladas no art. 167, IV, ao princípio da vedação de vinculação da receita de impostos, há ainda as contidas no art. 204, parágrafo único (vinculação de 0,5% da receita tributária líquida para os Programas de Apoio a Inclusão e Promoção Social), no art. 216, §6º (vinculação de 0,5% da receita tributária líquida dos Estados e do DF a Fundos destinados ao financiamento de programas culturais), e no art. 100, § 19, que permite aos entes subnacionais que não tenham condições de quitar suas dívidas oriundas de precatórios judiciais nos prazos previstos na Constituição, obter financiamentos para esse fim e dar em garantia do pagamento as receitas de impostos.
Dispõem o art. 160, parágrafo único, e incisos, e o art. 167, §4º:
Art. 160. É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos.
Parágrafo único. A vedação prevista neste artigo não impede a União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
I - ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
II - ao cumprimento do disposto no art. 198, § 2º, incisos II e III. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
(...)
§ 4.º É permitida a vinculação de receitas próprias geradas pelos impostos a que se referem os arts. 155 e 156, e dos recursos de que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II, para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos para com esta. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
A interpretação feita pelo autor popular é de que somente nessas hipóteses o Município poderia dar em garantia os recursos do FPM. Assim, não haveria inconstitucionalidade se a União fosse garantidora do financiamento e o Município desse à União, em garantia da dívida, os recursos oriundos do FPM. Ademais, esses recursos teriam natureza de impostos e, por isso, a vedação de vinculação a eles se estenderia.
No julgamento do Acórdão TCU 005.218/2018-7, consta extenso debate de pareceres antes do voto do Ministro Relator. Em parecer do Secretário da Semag (titular da Secretaria), defendeu-se que a transferência dos recursos de impostos arrecadados pela União na forma da Constituição não modifica a natureza das receitas, que continuam sendo receitas de impostos. Vale transcrever a síntese desse raciocínio:
"20. Se o princípio da não-afetação dos impostos alcançasse somente a parcela do IR e do IPI que permanece com a União, haveria inaceitável tratamento diferenciado na destinação da receita dos mesmos impostos pelos entes que integram as três esferas de governo, dado que as regras gerais sobre os orçamentos públicos são definidas na Carta Política e devem ser aplicadas sem distinções, não comportando elasticidade hermenêutica. Frise-se: a titularidade do imposto não é determinante para definir a natureza jurídica do tributo no âmbito de cada ente da Federação".
Aduz o titular da Semag que o fato de a União registrar essas transferências como despesa, na forma do art. 166, §3º, II, c), não desnatura a origem da receita, advinda de impostos. Entende que enquanto no art. 160, da CF, há apenas autorização para bloquear a transferência dos recursos, no art. 167, §4º, inserido pela Emenda Constitucional 03/1993, há autorização para apropriação, em verdadeira exceção ao princípio da vedação da vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, a qual deve ser interpretada restritivamente, de modo a ser possível apenas quando a garantia for oferecida à União. Mencionou também o previsto no art. 76-A e no art. 76-B, do ADCT, no que concerne à desvinculação de receitas do Estado e dos Municípios, asseverando que ficou de fora da desvinculação as transferências constitucionais da União, o que reforça a ideia de que esses recursos não podem ser vinculados a nenhum título. Outro argumento levantado é que o princípio da vedação de vinculação não abrange impostos, mas sim receita de impostos, entendendo por isso que é uma expressão mais ampla.
O MPTCU seguiu na mesma esteira. Aduz que o fato de as receitas de impostos transferidas transmudarem a natureza contábil, de receita tributária para transferência corrente, afigura-se irrelevante, porque continuariam sendo receitas oriundas de impostos. Menciona o art. 34, VII, e), e o art. 212, para interpretar a expressão "receita resultante de impostos, compreendida a resultante de transferências", como elucidativa, no sentido de deixar claro que as resultantes de transferência não perdem a natureza de impostos.
O Ministro Relator do Acórdão TCU 005.218/2018-7 entendeu que as receitas de transferências não se constituem em receitas de impostos para fins do art. 167. IV, CF/1988:
"24. Segundo amplamente explanado na parte inicial deste Voto, há fartos argumentos a demonstrar que os recursos do FPE e do FPM, após transferidos aos entes federativos, no procedimento de repartição de receitas tributárias, passam a ser considerados como receitas próprias, não se subsumindo à regra geral de não-afetação de impostos inserta no art. 167, inciso IV, da Lei Maior".
"25. É precisamente o fato de os recursos do FPE e do FPM serem receitas próprias que impede a conclusão absoluta e incondicional, obtida a contrário senso, de que a exceção prevista no §4º do mesmo artigo constitucional (possibilidade de vinculação de receitas de impostos e de repartição de receitas tributárias para "prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos".
"26. Não foi esse o objetivo do constituinte derivado ao estabelecer aquela exceção, inserida no corpo constitucional por meio da EC 3/1993. Conforme demonstrado nas justificativas da PEC 48/1991, que deu origem à referida emenda, a excepcionalidade prevista no §4º do multicitado art. 167 da Lei Maior teve o objetivo de viabilizar a repactuação de dívidas dos Estados, Municípios e Distrito Federal perante a União, mediante a destinação de parte da arrecadação de impostos pelos respectivos entes subnacionais e de parcela dos recursos próprios advindos do FPE e do FPM e da arrecadação do Imposto Territorial Rural, para garantir o pagamento de obrigações perante a União. Vale repetir o dispositivo:
§ 4º É permitida a vinculação de receitas próprias geradas pelos impostos a que se referem os arts. 155 [impostos de competência dos Estados e do Distrito Federal] e 156 [impostos de competência dos Municípios e do DF], e dos recursos de que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b [impostos que compõem o FPE/FPM], e II [50% do Imposto Territorial Rural - ITR], para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos para com esta." (Grifei)". 27. Assim, pela via da interpretação histórica (mens legislatoris) dessa norma constitucional, conclui-se que seu objetivo não foi vedar, a contrário senso, toda e qualquer vinculação de receitas oriundas de impostos (incluindo os provenientes de repartição de receitas tributárias) fora das exceções previstas no referido texto.
Esse entendimento foi acolhido pelo TCU. O modo como o TCU interpreta o disposto no art. 160, caput, parágrafo único e incisos, e o art. 167, IV, e §4º, é no sentido de que esses dispositivos não estabeleceram de modo específico a vedação de vinculações de receita do FPM e do FPE. Ao contrário, a regulação da vinculação dos recursos do FPE e do FPM excepcionada por meio da Emenda Constitucional 03/1993, foi estabelecida como forma de facilitar a repactuação da dívida dos entes subnacionais com a União. A autorização para reter as transferências importaria em permitir à União ficar com parcela de recursos que pertencem aos entes subnacionais, o que somente poderia ser feito por emenda constitucional, visto que mexe com o pacto federativo.
2 - INTERPRETAÇÃO DO STF AO ART. 167, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL:
Limito-me na análise a tratar de acórdãos mais recentes, da última década, considerando a modificação na conformação da Corte. São também acórdãos referidos pelo autor popular. Em todos eles, com exceção do 2.5, o STF aplicou o princípio da vedação de vinculação de receitas e serão explicitados nos pontos considerados mais importantes para tentar encontrar um raciocínio que orienta as decisões da Excelsa Corte.
2.1. ADI 553: OBJETO: NORMA DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO QUE VINCULAVA RECURSOS DO FPE PARA UM SETOR POLÍTICO ESPECÍFICO:
A regra impugnada na ação era a seguinte:
Art. 226 - Fica criado o Fundo de Desenvolvimento Econômico, voltado para o apoio e estímulo de projetos de investimentos industriais prioritários do Estado.
§ 1º - Ao Fundo de Desenvolvimento Econômico serão destinados recursos de, no mínimo, 10% (dez por cento) do total anualmente transferido para o Estado, proveniente do Fundo de Participação dos Estados, previsto no artigo 159, inciso I, letra 'a', da Constituição da República, dos quais 20% (vinte por cento) se destinarão a projetos de microempresas e de empresas de pequeno porte. (...)
Art. 56 - Durante dez anos o Estado aplicará, no mínimo, 10% (dez por cento) dos recursos do Fundo para o Desenvolvimento de que trata o artigo 226 nos projetos de infra-estrutura para industrialização, assegurando o desenvolvimento econômico das regiões norte e noroeste fluminenses, de acordo com os planos municipais e regionais de desenvolvimento, ficando assegurada aos Municípios do noroeste fluminense a metade dos recursos destinados às regiões.
Destaco o voto Ministro Edson Fachin:
O fundamento da norma cinge-se à liberdade do legislador orçamentário em contexto democrático. Isso porque direciona à arena política a deliberação periódica e a decisão coletiva sobre o destino das receitas públicas, privilegiando a legalidade orçamentária como pilar central do orçamento público.
Constou no voto do Ministro Luis Roberto Barroso:
A não afetação dos impostos, ressalto, presta-se a proteger as finanças públicas dos entes, uma vez que o Estado deve ter disponibilidade da sua arrecadação para finalidades públicas diversas, dentro dos parâmetros que o Poder Executivo definir na gestão orçamentária, prevista em lei. Faz-se necessário que haja receita tributária desvinculada de uma contraprestação estatal prevista em lei, a fim de que o ente público tenha liberdade de empregar os recursos de modo a melhor atender o interesse público.
2.2. ADI 1374:
A norma impugnada da Constituição do Estado do Maranhão tinha o seguinte teor:
Art. 198. - O Estado e os Municípios aplicarão, anualmente, no mínimo, cinco por cento de sua receita de impostos, inclusive a proveniente de transferências, na produção de alimentos básico.
Vale transcrever trechos do voto do Min. Celso de Melo:
Assentadas essas premissas, impende relembrar que o princípio da não afetação do produto resultante de impostos traduz vedação constitucional incidente sobre todas as pessoas políticas, pois impede que se proceda à vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas as situações disciplinadas pelo próprio texto da Constituição Federal, que autoriza, excepcionalmente, em caráter taxativo,...
Isso significa, à semelhança do que já se registrava sob a égide do ordenamento constitucional anterior (CF/69, art. 23, §§ 8º, 9º, 10 e 13), que os valores resultantes da aplicação dos percentuais incidentes sobre o produto da arrecadação de certos impostos estaduais pertencem, por direito próprio, aos Municípios, porque se trata de parcelas de receita a estes atribuídas pela Constituição da República, razão pela qual a União e os Estados-membros - ressalvadas, unicamente, as hipóteses excepcionais a que alude o art. 160, parágrafo único, da Carta Política - não podem reter ou impor qualquer restrição à entrega e ao emprego de tais recursos nem determinar a sua destinação.
Em suma: a Constituição da República criou, em benefício das pessoas municipais, um espaço mínimo de liberdade decisória que não pode ser afetado nem comprometido, em seu concreto exercício, por ingerências normativas de outras entidades estatais que culminem por lesar a integridade da autonomia do Município, compreendida esta também em sua dimensão e em sua projeção financeiras.
2.3. ARE 665291/RS
A norma impugnada era a que se transcreve abaixo:
LEI MUNICIPAL 923/2009, MUNICÍPIO TUPANDI/RS:
'Art. 2º. Os recursos do fundo Municipal de desenvolvimento de Tupandi/RS - FMD, instituído pela presente lei, serão constituídos pelo que segue:
a) dotação orçamentárias específicas,
b) resultado operacional próprio, e
c) outras receitas destinadas ao Fundo.
§ 1º. O montante dos recursos do Fundo será limitado ao ICMS, relativo à cota-parte do Município, e, especificamente ao incremento deste imposto, gerado pelas empresas beneficiárias como fruto de investimentos realizados no município, apurado individualmente no Índice de Retorno do ICMS dos Municípios, com base em seu valor Adicionado Fiscal, no conceito caixa.
§ 2º. Os recursos referidos na alínea "a" deste artigo serão consignados, anualmente, na proposta orçamentária do Poder Executivo, de forma a coibir os compromissos assumidos contratualmente, pelo Município, após a aprovação de cada projeto enquadrado'.
(...)
'Art. 5º. Os benefícios a serem concedidos pelo FMD com recursos, conforme art. 2º estarão sempre limitados ao que segue:
§ 1º. A empresa beneficiária somente poderá receber os recursos previstos no fundo, após a afetiva realização da receita decorrente de empreendimentos na fazenda municipal, sendo vedado ao município antecipar a liberação dos benefícios previstos na presente lei'.
Constou no voto Ministro Barroso (Relator):
Tal como constatou a decisão agravada, e ao inverso do que pretende fazer crer a parte agravante, é de se concluir que há sim vinculação de receita do ICMS a fundo. O que difere o caso concreto dos julgados apontados nas razões da decisão ora impugnada é que, nestes últimos, a vinculação ocorreu de forma direta e explícita e, no caso em exame, a vinculação ocorre por vias escusas, de forma indireta.
Observa-se no voto que a vinculação indireta de que trata o Ministro Barroso decorre da previsão legal de necessidade de acréscimo de arrecadação, a indicar que não necessariamente haveria destinação dessa receita. Mas o fato de ela depender de um fator externo é irrelevante, pois uma vez perfectibilizado ele, o tributo teria destinação vinculada ad aeternum.
2.4. ADI 820-0
A discussão no acórdão girou em torno do disposto no art. 202, caput e §2º, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. O caput determinava a aplicação de não menos que trinta e cinco por cento dos recursos de impostos na manutenção dos serviços de educação. O §2º estabelecia que pelo menos 10% deveria ser destinado para conservação das escolas públicas municipais. O debate travou-se acerca da vinculação estabelecida desse percentual mínimo de 10% para a conservação das escolas públicas estaduais porque a iniciativa teria sido da Assembleia Legislativa e porque engessaria o Poder Executivo, o qual dever ter certa liberdade para aplicação dos recursos orçamentários.
Um dos argumentos consistiu na aplicação obrigatória, mesmo não havendo necessidade, quando seria possível existir outras áreas diversas da própria educação carecendo de recursos, os quais não poderiam ser destacados por lei de iniciativa do Poder Executivo em virtude da vinculação. Vê-se, aqui, que a vedação de vinculação foi estabelecida, na visão do STF, como uma preocupação de evitar que o Poder Executivo fique impedido de direcionar os recursos para áreas mais prioritárias.
2.5. ADI 2447/MG
Impugnou norma da Constituição do Estado de Minas Gerais que destinou 2,0% da receita corrente ordinária para o desenvolvimento das atividades da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Universidade Estadual de Montes Claros. Entendeu o STF que a inconstitucionalidade residiu no vício de iniciativa, pois a emenda constitucional teria sido de iniciativa da Assembleia Legislativa, e não do Poder Executivo. Entendeu que não havia violação à vedação de vinculação porque a previsão não estabelecia um percentual acima do mínimo já previsto para ser destinado à Educação, ou seja, seria um percentual dentro daquele já estabelecido na Constituição Federal, albergado pela autonomia do ente federativo. Esse precedente, portanto, não se aplica minimamente ao caso.
2.6. ADI 1759/SC:
Impugnou o art. 129, §3º, V, da Constituição do Estado de Santa Catarina, introduzido pela Emenda Constitucional 14, de 10/11/1997, que determinava que fosse destinado obrigatoriamente 10% da receita corrente do Estado aos programas de desenvolvimento da agricultura, pecuária e abastecimento. Nesse caso, o debate girou em torno da iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo para elaborar a proposta de emenda constitucional, e a vedação de vinculação de receita de impostos fora das hipóteses da Constituição. Não houve debate acerca do fundamento dessa vedação, a qual foi aplicada como fundamento para a declaração de inconstitucionalidade.
2.7. ADI 2529-5/PR
Impugnou os arts. 4º e 6º, da Lei 13.133/2001, do Estado de Paraná, que destinavam percentual do montante arrecadado de ICMS ao Fundo Estadual de Cultura. A norma foi considerada inconstitucional porque se tratava de hipótese, na época, não contemplada como exceção prevista na Constituição para vinculação de receita de impostos.
2.8. ADI 4511/DF
Impugna norma do Distrito Federal que direcionava o incremento de arrecadação de ICMS para custear benefícios tarifários a grandes consumidores industriais de água. Na fundamentação do STF há apenas menção à jurisprudência do STF a respeito da vedação da não vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa.
2.9. ADI 4.102/RJ
Impugna as seguintes normas da Constituição Estadual do Rio de Janeiro:
"Art. 309. (...) - Constituição do Estado do Rio de Janeiro
§ 1º O poder público destinará anualmente à Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ dotação definida de acordo com a lei orçamentária estadual nunca inferior a 6% da receita tributária líquida, que lhe será transferida em duodécimos, mensalmente.
Art. 314. O Estado aplicará, anualmente, nunca menos de 35% (trinta e cinco por cento) da receita de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino público, incluídos os percentuais referentes à UERJ (6%) e à FAPERJ (2%). (...)
§ 2º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao ensino obrigatório, nos termos dos planos nacional e estadual de educação, e garantirá um percentual mínimo de 10% (dez por cento) para a educação especial. (...)
§ 5º Os recursos federais transferidos ao Estado para aplicação no ensino de 1º grau serão distribuídos entre o Estado e os Municípios na exata proporção entre o número de matrículas na rede oficial de 1º grau de cada um e o número total de matrículas na rede pública estadual e municipal e repassados integralmente aos municípios no mês subseqüente ao da transferência feita pela União.
Art. 332. O Estado do Rio de Janeiro destinará, anualmente, à Fundação de Amparo à Pesquisa - FAPERJ, 2% (dois por cento) da receita tributária do exercício, deduzidas as transferências e vinculações constitucionais e legais.
No voto Ministra Cármen Lúcia foi feito o seguinte destaque:
A pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que são inconstitucionais as normas que estabelecem vinculação de parcelas das receitas tributárias a órgãos, fundos ou despesas, seja porque desrespeitam a vedação contida no art. 167, inc. IV, da Constituição da República, seja porque restringem a competência constitucional do Poder Executivo para a elaboração das propostas de leis orçamentárias.
2.10. ADI 5897/SC:
Na ementa, no que importa para o caso em exame, consta o seguinte: 5. O artigo 167, IV, da Constituição Federal veda o estabelecimento de vinculação de receitas proveniente de impostos, quando não previstas ou autorizadas na Constituição Federal, porquanto cerceia o poder de gestão financeira do chefe do Poder Executivo e obsta o custeio das despesas urgentes, imprevistas ou extraordinárias, que se façam necessárias ao longo do exercício financeiro, tanto mais que deve dar-se aplicação aos recursos de receita pública consoante critérios de responsabilidade fiscal consentâneos com os anseios democráticos. Precedentes: ADI 1.759, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJe de 20/8/2010; ADI 1.750, Rel. Min. Eros Grau, Plenário, DJ de 13/10/2006. 6. A vedação à vinculação da receita é norma que preserva a separação dos poderes, o princípio democrático e a responsabilidade fiscal, de modo que o artigo 167, IV, da Constituição faz jus à sua simétrica aplicação por todos os entes da Federação.
No corpo do voto do relator, Ministro Luiz Fux, consta o seguinte:
Consigno, por oportuno, que a inserção, por iniciativa parlamentar, nos textos constitucionais estaduais de matérias cuja veiculação por lei se submeteria à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo subtrai a este último a possibilidade de manifestação, uma vez que o rito de aprovação das normas das Constituições Estaduais e de suas emendas, a exemplo do que se dá no modelo federal, não contempla sanção ou veto da chefia do Executivo, caracterizando, também por esse viés, burla à formatação constitucional da separação dos Poderes.
Assim, ressalvadas as hipóteses excepcionais previstas na Constituição, a função legislativa de frear e limitar a discricionariedade do Executivo na elaboração do orçamento deve ocorrer no momento de deliberação e aprovação da proposta orçamentária, não por meio da vinculação abstrata de receitas.
Por engessar o administrador público, as normas que determinam a vinculação de receitas de impostos devem ser excepcionais. É que, via de regra, espera-se do Estado a aplicação dos recursos de receita pública consoante critérios de responsabilidade fiscal consentâneos com os anseios democráticos da plataforma política que o elegeu. A liberdade e flexibilidade garantem, ainda, o custeio das despesas urgentes, imprevistas ou extraordinárias, que se façam necessárias ao longo do exercício financeiro.
(...)
Ainda que se avente que, em certas hipóteses, possa ser admitida a delegação normativa de poderes conferidos pelo constituinte, a proibição da vinculação de receita de impostos, como regra que protege a separação de poderes e o princípio democrático, impede uma leitura expansiva dos poderes normativos delegados. Somente são admitidas as exceções expressamente previstas em lei, não podendo o legislador complementar ampliar esse rol à revelia das disposições constitucionais.
Esta proteção constitucional é reforçada pela excepcionalidade à qual a norma de vedação à vinculação de receitas faz jus.
(...)
Some-se que a possibilidade de aumento dos percentuais mínimos pelos entes federados autorizada pelo artigo 11 da Lei Complementar 141/2012 é irrestrita. No limite, a previsão habilitaria toda sorte de arbitrariedades, comprometendo todos os recursos disponíveis no orçamento e esvaziando o poder de alocação de recursos para outras rubricas de notável envergadura, como educação ou segurança pública, ou mesmo para outros Poderes e órgãos autônomos. Sem respaldo constitucional, as Assembleias Estaduais e as Câmaras de Vereadores disporiam de um poder ilimitado para vincular todos os recursos, alterando a lógica do processo legislativo orçamentário insculpido no artigo 165 da Carta Maior e engessando o Poder Executivo.
Para evitar este cenário, a melhor exegese impõe a interpretação literal em matéria de vinculação orçamentária. Sob esse prisma, a ausência de autorização expressa na Carta Maior para a elevação dos percentuais mínimos pelas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas implica a proibição da criação de novas vinculações de receita.
Em aditamento ao seu voto, discorreu o Ministro Alexandre de Moraes:
Com todo respeito à posição em contrário, então, aqui, a meu ver, a conjugação do art. 165 com 167 traz: a impossibilidade da vinculação, salvo, obviamente, o que a Constituição expressamente determina, é uma excepcionalidade. E, no caso de se entender que o Estado poderia, por lei complementar, a total exclusão do Chefe do Poder Executivo, permitiria que, em outras áreas, também começasse a se vincular, ampliando saúde e educação, por melhor que seja a intenção, e retirando totalmente administração por parte do Chefe do Poder Executivo.
Por isso que a Constituição veda no art. 167 a vinculação.
O Ministro Ricardo Lewandowski fez a seguinte observação:
A meu ver, até antecipando, mas sem pronunciar meu voto ainda, concordo que este art. 167, IV, da Constituição institui o princípio da não vinculação de verbas oriundas de impostos, salvo naquela situação que excepciona exatamente para tentar impedir esse engessamento orçamentário, que hoje dificulta a gestão administrativa por parte dos entes federativos brasileiros.
2.11. CONCLUSÕES A PARTIR DOS VOTOS TRANSCRITOS:
Depreende-se de todos os acórdãos analisados que a interpretação do STF é guiada pelo resguardo do princípio da separação dos poderes, o princípio democrático e o princípio da responsabilidade fiscal. Com isso, assegura-se ao Poder Executivo margem de discricionariedade para promover a alocação eficiente dos recursos, claro, sempre observando a lei orçamentária. A vinculação estabelecida em lei impede o gestor público de organizar os gastos em consonância com as necessidades coletivas. Haveria o risco de, por determinação legal, o Chefe do Poder Executivo ser obrigado a destinar recursos para fazer frente a uma despesa que naquele exercício é desnecessária, deixando de atender a necessidades mais prementes. A jurisprudência do STF trazida ao processo não se manifestou sobre a situação da vinculação de recursos do FPM ou do FPE para garantir contratos com instituições financeiras que integram a Administração Pública indireta.
Dentre os precedentes mencionados, no julgamento da ADI 553, o STF julgou caso em que parcela do FPE seria destinado a uma despesa específica. O STF entendeu aplicável o disposto no art. 167, IV, da Constituição Federal de 1988. Não se deteve sobre a natureza dos recursos, se de imposto, ou de transferência corrente que se incorpora ao Município, isso porque a preocupação do Tribunal sempre está voltada a assegurar ao Chefe do Poder Executivo relativo espaço de liberdade para programar a execução de políticas públicas em conformidade com a vontade do eleitorado que o elegeu.
Essa mesma preocupação se encontra no julgamento da ADI 1759, em que impugnada norma da Constituição do Estado de Santa Catarina que vinculava 10% da receita corrente do Estado aos programas de desenvolvimento da agricultura, pecuária e abastecimento. Dois fundamentos foram lançados: a) inconstitucionalidade formal consubstanciada pela inobservância da competência exclusiva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo em relação às leis orçamentária, de diretrizes orçamentárias e ao plano plurianual; b) inconstitucionalidade material consubstanciada pela violação do contido no art. 167, IV, da Constituição Federal de 1988.
Ocorre que o conceito receita corrente é muito mais amplo do que receita de impostos, pois esse último está contido naquele. Receita corrente é aquela que aumenta a disponibilidade financeira do Estado e tem por objetivo custear a manutenção da máquina pública. De acordo com o art. 11, §1º, da Lei 4320/1964, as receitas correntes compreendem as receitas tributária, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas Correntes. Por entender que havia também inconstitucionalidade material, percebe-se que a preocupação do STF reside na usurpação por parte do Poder Legislativo da competência constitucional do Poder Executivo de executar políticas públicas.
Assim, se o aspecto técnico a respeito da natureza dos recursos de transferência constitucional não foi levado em consideração pelo STF, não se pode desconsiderar que a preocupação do STF é com a vinculação estabelecida pelo legislador em lei ou na Constituição Estadual ou na Lei Orgânica, e não com a vinculação estabelecida em contrato e apenas com autorização do legislativo, e para uma despesa específica com duração temporária.
A propósito, as partes discutem acerca do alcance e da atualidade do raciocínio firmado no julgamento do RE 184.116/MS, julgado em 07/11/2000. O STF entendeu que a vinculação vedada no art. 167, IV, da CF/1988 é a ligada a tributos próprios, e não a transferências para os Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios. Esse precedente também foi utilizado pelo TCU e se revela aplicável para o caso em exame.
3 - DA NATUREZA DA RECEITA ADVINDA DE TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS E APLICAÇÃO DO ART. 167, IV, DA CF:
Depreendeu-se da análise dos precedentes do STF que o Tribunal, na sua jurisprudência recente, não se deteve sobre a natureza das receitas advindas de transferências constitucionais da União aos Estados e Municípios. Depreendeu-se, outrossim, que o STF faz uma interpretação ampla do art. 167, IV, da CF/1988, para fins de impedir que o Poder Legislativo, por meio de vinculações legais, ou por inserções na Constituição Estadual ou Lei Orgânica Municipal, termine por invadir a esfera de discricionariedade que é atribuída ao Poder Executivo na elaboração do orçamento e na definição de políticas públicas que considera prioritárias, ressalvados os casos já estabelecidos na Constituição. Para concretizar o princípio da separação de poderes, o Tribunal não se fixa em critérios técnicos de definição de receitas. Desse modo, não há uma vinculação do magistrado de primeiro grau que se depara com a situação fática trazida ao processo, visto que não foi objeto de análise específica pelo STF.
Como dito anteriormente, no julgamento do Acórdão TCU 005.218/2018-7, consta extenso debate de pareceres antes do voto do Ministro Relator. Em parecer do Secretário da Semag (titular da Secretaria), defendeu-se que a transferência dos recursos de impostos arrecadados pela União na forma da Constituição não modifica a natureza das receitas, que continuam sendo receitas de impostos. Vale transcrever a síntese desse raciocínio:
"20. Se o princípio da não-afetação dos impostos alcançasse somente a parcela do IR e do IPI que permanece com a União, haveria inaceitável tratamento diferenciado na destinação da receita do mesmos impostos pelos entes que integram as três esferas de governo, dado que as regras gerais sobre os orçamentos públicos são definidas na Carta Política e devem ser aplicadas sem distinções, não comportando elasticidade hermenêutica. Frise-se: a titularidade do imposto não é determinante para definir a natureza jurídica do tributo no âmbito de cada ente da Federação".
Aduz o titular da Semag que o fato de a União registrar essas transferências como despesa, na forma do art. 166, §3º, II, c), não desnatura a origem da receita, advinda de impostos. Entende que enquanto no art. 160, da CF, há apenas autorização para bloquear a transferência dos recursos, no art. 167, §4º, inserido pela Emenda Constitucional 03/1993, há autorização para apropriação, em verdadeira exceção ao princípio da vedação da vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, a qual deve ser interpretada restritivamente, de modo a ser possível apenas quando a garantia for oferecida à União. Afirma que os arts. 76-A e 76-B, do ADCT, inseridos pela Emenda Constitucional 93/2016, reafirmam que as receitas de transferência não podem receber qualquer vinculação. Outro argumento levantado é que o princípio da vedação de vinculação não abrange impostos, mas sim receita de impostos, entendendo por isso que é uma expressão mais ampla.
O MPTCU seguiu na mesma esteira. Aduz que o fato de as receitas de impostos transferidas transmudarem a natureza contábil, de receita tributária para transferência corrente, afigura-se irrelevante, porque continuariam sendo receitas oriundas de impostos. Menciona o art. 34, VII, e), e o art. 212, para interpretar a expressão "receita resultante de impostos, compreendida a resultante de transferências", como elucidativa, no sentido de deixar claro que as resultantes de transferência não perdem a natureza de impostos.
Como o Acórdão do TCU foram lançada uma variedade muito maior de argumentos, serão eles abordados, até porque as partes também usam alguns deles.
Vale transcrever os dispositivos mencionados:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
(...)
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
(...)
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:
(...)
III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
Art. 160. É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos.
Parágrafo único. Essa vedação não impede a União de condicionar a entrega de recursos ao pagamento de seus créditos.
Parágrafo único. A vedação prevista neste artigo não impede a União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
Parágrafo único. A vedação prevista neste artigo não impede a União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
I - ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
II - ao cumprimento do disposto no art. 198, § 2º, incisos II e III. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
Art. 166. (...)
§ 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:
I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;
II - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:
a) dotações para pessoal e seus encargos;
b) serviço da dívida;
c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal
Art. 167. (...)
IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
(...)
§ 4.º É permitida a vinculação de receitas próprias geradas pelos impostos a que se referem os arts. 155 e 156, e dos recursos de que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II, para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos para com esta. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
§ 1º A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não é considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do governo que a transferir.
Art. 76-A. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, 30% (trinta por cento) das receitas dos Estados e do Distrito Federal relativas a impostos, taxas e multas, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, e outras receitas correntes. (Incluído dada pela Emenda constitucional nº 93, de 2016) Produção de efeitos
Parágrafo único. Excetuam-se da desvinculação de que trata o caput: (Incluído dada pela Emenda constitucional nº 93, de 2016) Produção de efeitos
I - recursos destinados ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde e à manutenção e desenvolvimento do ensino de que tratam, respectivamente, os incisos II e III do § 2º do art. 198 e o art. 212 da Constituição Federal; (Incluído dada pela Emenda constitucional nº 93, de 2016) Produção de efeitos
II - receitas que pertencem aos Municípios decorrentes de transferências previstas na Constituição Federal; (Incluído dada pela Emenda constitucional nº 93, de 2016) Produção de efeitos
III - receitas de contribuições previdenciárias e de assistência à saúde dos servidores; (Incluído dada pela Emenda constitucional nº 93, de 2016) Produção de efeitos
IV - demais transferências obrigatórias e voluntárias entre entes da Federação com destinação especificada em lei; (Incluído dada pela Emenda constitucional nº 93, de 2016) Produção de efeitos
V - fundos instituídos pelo Poder Judiciário, pelos Tribunais de Contas, pelo Ministério Público, pelas Defensorias Públicas e pelas Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito Federal. (Incluído dada pela Emenda constitucional nº 93, de 2016) Produção de efeitos
Art. 76-B. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, 30% (trinta por cento) das receitas dos Municípios relativas a impostos, taxas e multas, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, e outras receitas correntes. (Incluído dada pela Emenda constitucional nº 93, de 2016) Produção de efeitos
Parágrafo único. Excetuam-se da desvinculação de que trata o caput: (Incluído dada pela Emenda constitucional nº 93, de 2016) Produção de efeitos
I - recursos destinados ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde e à manutenção e desenvolvimento do ensino de que tratam, respectivamente, os incisos II e III do § 2º do art. 198 e o art. 212 da Constituição Federal (Incluído dada pela Emenda constitucional nº 93, de 2016) Produção de efeitos
II - receitas de contribuições previdenciárias e de assistência à saúde dos servidores; (Incluído dada pela Emenda constitucional nº 93, de 2016) Produção de efeitos
III - transferências obrigatórias e voluntárias entre entes da Federação com destinação especificada em lei; (Incluído dada pela Emenda constitucional nº 93, de 2016) Produção de efeitos
IV - fundos instituídos pelo Tribunal de Contas do Município. (Incluído dada pela Emenda constitucional nº 93, de 2016) Produção de efeitos
Entendida em sua origem, a receita decorrente de transferências constitucionais tributárias, ressalvada a prevista no art. 159, III, da CF/1988, é oriunda de impostos, pois se trata de destinação de receita de impostos arrecadados pela União. A pergunta é se o disposto no art. 167, IV, da CF/1988, ao tratar da vedação da vinculação de receita de impostos, também abrange as receitas advindas de transferências constitucionais. O argumento do Secretário da SEMAG e do MPTCU é que os dispositivos transcritos acima conduzem a essa conclusão necessária.
A análise dos dispositivos não parece conduzir a esse resultado interpretativo. O art. 34, VII, e), por exemplo, estabelece como hipótese de intervenção federal no Estado a aplicação abaixo do mínimo legal no serviço de saúde pública, fixando como base de cálculo a receita oriunda de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências. Uma interpretação literal não permite concluir as receitas provenientes de transferências teriam a mesma natureza das receitas de impostos, porque vem seguida da expressão "estaduais". Assim, uma interpretação literal dá ensejo a uma contradição: as transferências constitucionais teriam natureza de receitas de impostos estaduais, o que certamente é um equívoco. No art. 35, o constituinte utilizou uma expressão genérica, receita municipal, e nem por isso se chegará à conclusão de que estão excluídas as provenientes de transferências. Não foram utilizados dois conceitos, impostos municipais e receitas provenientes de transferências. Nem por isso elas estão excluídas, mas da redação não se pode concluir que se confundem com as receitas de impostos. A interpretação literal, conduzida pelo MPTCU, certamente não é a mais adequada, apesar de o argumento utilizado residir nessa espécie de interpretação.
O art. 166, III, b), classifica as transferências tributárias constitucionais da União para Estados, Distrito Federal e Municípios, como despesas. Essa classificação contábil não terá muita relevância, pois o que importa é a natureza do recurso quando entra nos entes subnacionais.
O art. 76-A, parágrafo único, II, do ADCT, apenas repete o que a jurisprudência do STF e a doutrina sedimentaram, que os recursos já arrecadados de receitas derivadas originárias de impostos, no percentual estabelecido pela Constituição Federal, pertencem ao ente subnacional. Mais acima, no tópico 1 do mérito, esse tema foi mencionado quando se tratou do julgamento do RE 572762.
O art. 76-B, do ADCT, nada diz que corrobore a tese de que as receitas de impostos estão sujeitas ao princípio de vedação de não vinculação, nelas incluídas as receitas de transferências constitucionais, que tem a natureza de obrigatórias. Em relação aos impostos, a previsão é inócua, pois, como se viu, imposto é um tributo não vinculado. Admitir a desvinculação da receita de impostos é um contrassenso, e seria até desnecessário, pois apenas repete o que já é estabelecido no art. 167, IV, da CF. A ressalva do inciso II não se refere às transferências constitucionais, que são obrigatórias também, e sim para aquelas cuja obrigação tenha fonte na lei. A propósito, vale transcrever a classificação das transferências obrigatórias, conforme entendimento da Secretaria do Tesouro Nacional (SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Ministério da Fazenda. Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público. 8ª. ed. (p.66), 2018.):
3.6.4.3. Transferências Constitucionais e Legais
Enquadram-se nessas transferências aquelas que são arrecadadas por um ente, mas devem ser transferidas a outros entes por disposição constitucional ou legal.
Exemplos de transferências constitucionais: Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Compensação dos Estados Exportadores (FPEX) e outros.
Exemplos de transferências Legais: Transferências da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir), Transferências do FNDE como: Apoio à Alimentação Escolar para Educação Básica, Apoio ao Transporte Escolar para Educação Básica, Programa Brasil Alfabetizado, Programa Dinheiro Direto na Escola.
O ente recebedor deve reconhecer um direito a receber (ativo) no momento da arrecadação pelo ente transferidor em contrapartida de variação patrimonial aumentativa, não impactando o superávit financeiro.
O art. 76-B, parágrafo único, III, portanto, nada dispõem acerca das transferências obrigatórias constitucionais, motivo pelo qual não pode ser utilizado como argumento em defesa da impossibilidade de o Município utilizar essas receitas para oferecer-lhes em garantia de operações de crédito perante instituições financeiras oficiais.
O estabelecido no art. 167, §4º, e no art. 212, §1º, da mesma forma, não dispõem que os recursos decorrentes de transferências têm a mesma natureza de receitas de impostos previstas no art. 167, IV, da Constituição Federal. O que ocorre é que o Constituinte determinou que uma determinada receita tenha o mesmo tratamento daquelas provenientes de impostos próprios, para um fim específico. A propósito, a Emenda Constitucional 94/2016, estabeleceu outra exceção ao princípio da vedação de vinculação de receita de impostos:
Art. 100 (..)
§ 19. Caso o montante total de débitos decorrentes de condenações judiciais em precatórios e obrigações de pequeno valor, em período de 12 (doze) meses, ultrapasse a média do comprometimento percentual da receita corrente líquida nos 5 (cinco) anos imediatamente anteriores, a parcela que exceder esse percentual poderá ser financiada, excetuada dos limites de endividamento de que tratam os incisos VI e VII do art. 52 da Constituição Federal e de quaisquer outros limites de endividamento previstos, não se aplicando a esse financiamento a vedação de vinculação de receita prevista no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 94, de 2016)
Nota-se que o dispositivo previu a possibilidade de o ente subnacional obter financiamento, quando o montante total dos débitos decorrentes de condenações judiciais em precatórios e obrigações de pequeno valor, em doze meses, ultrapassar a média do comprometimento percentual da receita corrente líquida nos cinco anos imediatamente anteriores, para saldar a dívida, dando em garantia receitas decorrentes de impostos. O dispositivo não mencionou as receitas de transferências constitucionais. Classificando-se o pagamento de precatório como uma despesa corrente, o fato de não ter ocorrido menção expressa às receitas de transferências constitucionais não excluem que elas não possam ser dadas em garantia para esse fim específico, não porque elas tenham natureza de receita de impostos, e sim porque, sendo receita própria do Município, pode ser por ele disponibilizada, desde que não haja violação a dispositivo legal ou constitucional.
Outro argumento utilizado pelo Secretário da Semag reside na diferença por ele vista entre receita de impostos e impostos, concluindo que a primeira expressão é mais ampla e por essa razão abrange a segunda e, consequentemente, as transferências constitucionais. Esse argumento não pode ser acolhido porque o imposto é um tributo, e a receita de imposto é o resultado do que ingressa nos cofres públicos. O imposto é o tributo previsto em lei, ao passo que a receita do imposto é o resultado da arrecadação do tributo.
O art. 167, IV, da Constituição Federal de 1988, assim, deve ser entendido no sentido de que a lei não pode estabelecer o destino do tributo cuja natureza é de imposto:
"Em suma, os impostos não podem ser vinculados por lei infraconstitucional, ao passo que os demais tributos podem" (LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro. Editora Juspodium, 9ª ed., 2020, p. 165).
Por essa razão, o Ministro relator do Acórdão TCU 005.218/2018-7, entendeu que a vedação de vinculação de receita de impostos do art. 167, IV, da CF/1988, não abrange as receitas de transferências:
"24. Segundo amplamente explanado na parte inicial deste Voto, há fartos argumentos a demonstrar que os recursos do FPE e do FPM, após transferidos aos entes federativos, no procedimento de repartição de receitas tributárias, passam a ser considerados como receitas próprias, não se subsumindo à regra geral de não-afetação de impostos inserta no art. 167, inciso IV, da Lei Maior".
"25. É precisamente o fato de os recursos do FPE e do FPM serem receitas próprias que impede a conclusão absoluta e incondicional, obtida a contrário senso, de que a exceção prevista no §4º do mesmo artigo constitucional (possibilidade de vinculação de receitas de impostos e de repartição de receitas tributárias para "prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos").
A receita municipal, em sua grande parte, advém de transferências do FPM. Esses recursos, ao ingressarem nos cofres municipais, convertem-se em receita própria do Município. A partir desse momento ele pode dar a destinação que entende melhor a esse recurso, observada a Constituição e demais normas de Direito Financeiro. A transferência tem por objetivo assegurar que os Municípios exerçam efetivamente a autonomia a eles conferida constitucionalmente. Se parte desses recursos, por decisão política, devem ter uma destinação específica, na forma do art. 198, §2º e incisos, e do art. 212, caput, da Constituição Federal de 1988, não significa que devam ter o mesmo tratamento estabelecido para fins do art. 167, IV, da Constituição Federal de 1988.
A utilização dos recursos do FPM poderá ser feita para o custeio de uma obra cuja execução esteja autorizada pela lei orçamentária com recursos oriundos do FPM. Se essa obra durar mais de um exercício financeiro para sua conclusão, necessariamente haverá alocação desses recursos para esse fim específico. Essa seria uma decisão política. É uma situação diferente da despesa com previsão legal. Como houve uma decisão política de levar adiante uma obra cuja execução vai durar mais de um exercício financeiro, uma vez concluída a obra não mais haverá obrigatoriedade do dispêndio, que poderá ser destinado a outro setor carente. Ao contrário, quando já previsão legal de uma despesa, tornando-a obrigatória, essa destinação tem que ser realizada mesmo quando não haja necessidade em um determinado exercício financeiro, o que contraria o princípio da separação dos poderes.
No caso em exame, não tendo o Município recursos suficientes para promover as reformas e aquisições necessárias para um mesmo exercício, celebrou contrato de financiamento com a CEF e deu em garantia do pagamento para eventual inadimplemento recursos do FPM. A retenção de valores do FPM somente ocorrerá em caso de inadimplemento, entretanto, dificilmente parte do custeio de uma despesa de capital pelo Município não adviria da mesma fonte.
Não se pode acolher a argumentação do autor popular de que a vinculação de recursos do FPM ao pagamento de eventual inadimplemento constituiria vinculação com a mesma força daquela prevista em lei. Em primeiro lugar, porque a vinculação estabelecida no presente caso foi decorrente do exercício constitucional do Poder Executivo de iniciar a programação orçamentária. Em segundo lugar, porque a despesa de capital é necessária e, não tendo recursos suficientes, socorreu-se o Município de financiamento para custeá-la. O pagamento a ser feito em noventa e seis meses, assim, é necessário, porque a própria despesa era necessária. Quando ocorre vinculação por lei a situação é completamente diferente, porque o Chefe do Poder Executivo se vê obrigado a destinar recursos do FPM para um fim específico que não decorreu de sua discricionariedade na concretização de políticas públicas, e que lhe obriga a destinar sempre os recursos para o mesmo fim mesmo que não haja necessidade e haja outros setores mais carentes de investimento que o Prefeito Municipal estaria impedido de atender.
Todas essas operações são fiscalizadas pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco e pelo Ministério Público do Estado de Pernambuco. Eventual risco de comprometimento das contas públicas deverá ser considerado por essas instituições. No presente processo, não há prova nesse sentido, pois o Município comprovou que tomou providências para diminuir o gasto público e auferir receitas oriundas de do desenvolvimento econômico decorrente da obra, com recursos que serão destinados ao pagamento do financiamento.
Em conclusão, o fato de a Constituição Federal de 1988 vincular parcela de recursos oriundos de transferências constitucionais não os converte em receitas de impostos para fins do art. 167, IV, da CF/1988. A esses recursos, em virtude de decisão do constituinte, em algumas hipóteses é dado um mesmo tratamento para fins específicos, tanto que não são utilizados como parâmetro de cálculo para garantir financiamentos obtidos para pagar precatórios atrasados, na forma do art. 100, §19, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional 94/2016. Os recursos oriundos de transferência constitucional aos entes subnacionais, ao ingressar em seus cofres públicos, adquirem a natureza de recursos próprios e podem ser destinados a garantir financiamentos obtidos em instituições financeiras oficiais, pois se trata de decisão política do Chefe do Poder Executivo. O princípio da vedação de vinculação da receita de impostos é dirigido ao legislador, e não ao Chefe do Poder Executivo.
5 - DAS NORMAS DA LINDB QUE TRATAM DO CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS DE DIREITO FINANCEIRO E O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA:
Ao prolatar o Acórdão TCU 005.218/2018-7, o Tribunal de Contas da União traçou um panorama sobre o contexto fático envolvendo o longo tempo em que o tipo de operação questionado nessa ação popular é firmada pelos Municípios com instituições financeiras oficiais, o nível de inadimplemento e os riscos para o impacto da dívida pública.
Sobre o largo tempo em que essas operações são praticadas, consta no voto do Ministro Relator:
Entre as ponderações trazidas pela Caixa, destaco a informação de que tais operações vêm sendo realizadas há mais de vinte anos, e já contaram com "o respaldo de julgamento do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n° 184.116, julgado em 07/11/2000 [já analisado]" (peça 48, p. 2). Tais informações evidenciam que, caso esta Corte de Contas decida obstar novas operações da espécie, tal deliberação provocará severo impacto no modus operandi adotado pelos entes subnacionais para obter financiamentos.
(...) 43. No caso das informações recebidas do Banco Central, merece destaque o registro de que "Historicamente, a inadimplência dessas operações tem sido próxima de zero, não chegando, na média, a 0,01%, pois a garantia prestada tem sido exercida sem dificuldades na imensa maioria das vezes". 44. Em relação às operações sob a responsabilidade da Caixa Econômica Federal (principal agente concedente desse crédito), o Banco Central informa ser "muito baixa a necessidade de recorrer ao bloqueio ou débito de saldo". Aduz que, segundo dados de 2017, "de um saldo estimado de fluxo de recebimento das parcelas das operações de crédito de R$ 190 milhões mensais, apenas cerca de 3% a 4% do saldo devedor global" foi "pago em atraso com o acionamento da garantia". 45. A situação do Estado do Rio de Janeiro é um caso isolado (operações de crédito junto ao BNDES garantidas por recursos do FPE, que apresentaram default e foram baixadas para prejuízo), e o estudo realizado pelo Banco Central (peça 49, item 50) revela, em suma, as seguintes conclusões:
baixo comprometimento do fluxo mensal de recursos do FPE ou FPM frente às obrigações mensais dos entes subnacionais contraídas junto ao Sistema Financeiro Nacional sem garantia da União;
inadimplência quase inexistente; e
bom funcionamento do mecanismo de execução da garantia do FPE ou FPM até o presente momento.
Depois o relator passa a tratar dos riscos a serem monitorados: 49. Conforme assinalado na parte inicial deste Voto, a STN alerta para o "crescente nível de endividamento dos entes subnacionais" e a "ausência de informações quanto ao nível de comprometimento dos recursos do FPE e do FPM de estados e municípios dados em garantias dessas operações", o que pode implicar risco à "eficácia do sistema de garantias da União", pois o "nível de alavancagem dos recursos do FPE/FPM, pode comprometer a satisfação da União no recebimento de seus créditos". Isso porque "o lastro para essas operações [tanto as garantidas pela União quanto as tomadas diretamente junto aos agentes financeiros] é constituído pelo mesmo conjunto de receitas".
Chama a atenção de imediato que essas operações de crédito dos Municípios com instituições financeiras oficiais são realizadas há mais de duas décadas e, quando o STF teve que se manifestar a respeito, entendeu pela sua constitucionalidade. Essa prática foi referendada por Parecer da AGU GMF 07, publicado em 04/04/2018, aprovado pelo Presidente da República e com eficácia vinculante para a Administração Pública Federal. Ademais, conforme mencionado durante a fundamentação da sentença, o TCU, na sessão de 09/10/2019, também referendou esse entendimento.
Diante desse contexto, o princípio da segurança jurídica, no aspecto objetivo, deve ser levado em consideração na decisão judicial. Nesse sentido, avulta em importância o disposto no art. 23 e no art. 24, ambos da LINDB:
Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais. (Regulamento)
Parágrafo único. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)
Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Esses dois dispositivos preveem a necessidade de resguardar o princípio da segurança jurídica, evitando mudanças bruscas, no sentido de imprevisíveis, e drásticas, no sentido de serem de grande intensidade em seus efeitos, posto que previsíveis (ÁVILA, Humberto. Teoria da Segurança. Malheiros, 4ª ed., 2016, p. 618-619).
O Município de Toritama e a Caixa Econômica Federal apenas seguiram todos os parâmetros objetivos e vinculantes para a Administração Pública Federal que corroboraram uma prática de mais de duas décadas. As orientações gerais da época da celebração do contrato, 2019, atribuíam às receitas de transferência constitucional a natureza de recurso próprio, não sujeito ao princípio da vedação de vinculação de receita de impostos, ressalvadas as exceções constitucionais.
Por mais que não se possa falar de tutela da confiança em relação aos entes da Administração Pública, porque esta se consubstancia em uma dimensão subjetiva vinculada a direitos fundamentais que tem como titulares pessoas naturais ((...), (...). Ob. (...)., p. 173), não se pode esquecer que o princípio da segurança jurídica também tem uma dimensão objetiva que se aplica a todos e que é responsável pela própria existência da vida em sociedade de maneira estável:
"Se a segurança jurídica é empregada no sentido de princípio objetivo, obviamente a cognoscibilidade, a confiabilidade e a calculabilidade do ordenamento jurídico em geral também são imprescindíveis para o funcionamento do próprio ente estatal. A abstração e a tipificação são instrumentos técnicos para garantir a função-certeza inerente ao conceito de segurança jurídica, sendo essa certeza avaliável na perspectiva do emissor dos comandos normativos, como assevera (...) Jr. Não por outro motivo a doutrina emprega a expressão Funktionsfähigkeit des Staates para denotar a idéia de que sem racionalidade, não há como assegurar a funcionalidade do próprio ente estatal" ((...), (...). Ob. (...)., p. 172-173)
Outro aspecto a ser destacado é que, em termos gerais, o nível de inadimplemento é mínimo. De acordo com o Banco Central, corresponde a 0,01% dos casos. Ademais, o Município de Toritama tomou precauções para poder quitar o financiamento, reduzindo despesas contínuas, que resultarão em economia, e cobrando preços públicos dos utentes do espaço público destinado ao comércio pelos feirantes da cidade, cuja receita também será destinada para pagar as parcelas do financiamento.
O Município também apresentou comprovação de que tem apenas, desde 2019, um único programa de parcelamento da União com retenção de parcelas do FPM que não comprometem as receitas municipais. No documento de id. 4058302.13763244 há extrato discriminado de créditos e débitos relacionados aos recursos do Fundo de Participação dos Municípios durante o ano de 2019. Nele é possível vislumbrar que a retenção de valores para fins de pagamento do citado parcelamento é pequeno frente ao volume de recursos envolvidos.
A titulo de exemplo, no mês de agosto de 2019, quando ocorreu a assinatura do contrato, o crédito para a municipalidade alcançou a importância de R$ 2.384.603,30, tendo a retenção direcionada à Receita Federal do Brasil totalizado R$ 34.371,18.
Ademais, relatou a municipalidade que com a aquisição dos veículos - parte do valor do financiamento será destinado a aquisição de caminhões compactadores que serão utilizados na limpeza urbana, além de automóveis destinados a frota municipal - haverá economia com as despesas de locação de veículos, deixando a Prefeitura de desembolsar mensalmente a importância de 208.543,60, totalizando no exercício financeiro de 2019 o montante de R$ 2.502.523,17. Em sua contestação, colacionou tabela discriminando os referidos valores, com a relação dos alugueres de veículos referentes à Prefeitura de Toritama/PE, ao Fundo Municipal de Saúde e ao Fundo Municipal de Assistência Social. (fl. 16)
No caso, em razão da economia relatada, aponta a municipalidade a viabilização das parcelas do financiamento, acrescentando, ainda, que diante do aporte financeiro na Feira do Jeans, em razão das melhorias estruturais, projeta um aumento da arrecadação, passando dos atuais R$ 3.900.000,00 para R$ 6.240.000,00.
Deve ser consignado que os recursos do FPM são apenas garantias ao contrato e, desde que o município continue honrando o compromisso, não haverá retenções em valores decorrentes do FPM. (item 15.2 do contrato - id..4058302.13454885). Ademais, a CAIXA, em manifestação preliminar à decisão que negou a liminar pretendida, aduziu que o Município de Toritama vem quitando das prestações em dia, já tendo pago, até aquela ocasião, 6 (seis) prestações.
Em casos desse jaez, conquanto as estimativas de aumento de arrecadação sejam meras projeções, igualmente no que sucede com as leis orçamentárias, é viável reconhecer que haja certo incremento da arrecadação tributária do município com a requalificação da Feira do Jeans, visto que deve repercutir no movimento de pessoas e compras no local. Esse fato, juntamente com a redução de custos em face do encerramento de contrato de aluguel de frota, bem como a evidência do pagamento tempestivo das parcelas, denotam a suportabilidade do pagamento das parcelas do contrato que, em 2022, alcançam a quantia de R$ 186.083,05, valor esse compatível com a propugnada e não impugnada alegação de economia com a aquisição da frota própria do município.
Relevante para a solução da questão é a previsão contida nos arts. 20 e 21, da LINDB:
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.
Esses dois dispositivos são importantes porque deixam claro que, em matéria de Direito Financeiro, a aplicação do direito deve considerar sempre o aspecto consequencialista:
"Sendo assim, não basta ao órgão decisor fazer referência à lei para entender como justificada a sua decisão. Não se fundamenta uma decisão apenas indicando a fonte, como se fosse suficiente para justificar o destinatário da norma a correção do direito. Deve-se dizer o que foi feito, com base no que foi feito, como foi feito e por que foi feito, a fim de que não haja decisão com base em valores abstratos e sem análise consequencialista, conforme determina a novel legislação" (LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro. 9ª ed., Juspodium, 2020, p. 687-688).
O contrato foi firmado com carência de vinte e quatro meses, para ser quitado em 96 meses a juros anuais de 4,90% acrescidas de taxa de CDI, uma taxa baixa se considerado o volume de capital emprestado (10.000.000,00), e esse baixo índice com uma carência de vinte e quatro meses advém certamente da garantia oferecida, que diminui o risco da operação.
A nulidade do contrato importaria em dever do Município de devolver o valor principal do empréstimo, sem acréscimo de juros e demais encargos financeiros (art. 33, §1º, da Lei Complementar 101/2000), valor que certamente o Município não teria disponibilidade, ocasionando dano ele e à Caixa Econômica Federal. A declaração de nulidade apenas da cláusula não atenderia à Caixa, pois os juros baixos e a carência de vinte e quatro meses foram pactuados em virtude do baixo risco do contrato, a ponto de se poder dizer que o motivo determinante do contrato ter sido celebrado nesses moldes foi a garantia oferecida, valendo ressaltar, que estava em conformidade com o entendimento vigente na época da contratação, e compartilhado pelo magistrado que prolata essa sentença.
A declaração de nulidade, do contrato ou simplesmente da cláusula, com reconhecimento da inconstitucionalidade das leis que autorizaram a operação, promoveria uma consequência desproporcional, diante da inexistência de situação fática de risco ou de prejuízo ao erário premente.
As normas de Direito Financeiro conduzem a essa conclusão. E, no presente caso, conforme mencionado anteriormente, a operação não viola a Constituição Federal de 1988.
Por todo o exposto, a rejeição da pretensão do autor popular é medida que se impõe." 4. O cerne da questão trazida à apreciação refere-se ao cabimento de Lei Municipal oferecer em garantia (em contrato bancário -operação de crédito junto à CEF firmado pela edilidade) o FPM, em face do disposto no art. 167 da CF/1988 (violação ao princípio da não afetação da receita).
O art. 167, IV, § 4º, da CF/1988 dispõe:
Art. 167. São vedados:
(...)
IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
(...)
§ 4º É permitida a vinculação das receitas a que se referem os arts. 155, 156, 157, 158 e as alíneas "a", "b", "d" e "e" do inciso I e o inciso II do caput do art. 159 desta Constituição para pagamento de débitos com a União e para prestar-lhe garantia ou contragarantia. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021)" 5. O TCU, no julgamento do Acórdão 2.435/2019 - Plenário, concluiu que:
a) os recursos do FPM, após transferidos aos entes federativos, no procedimento de repartição de receitas tributárias, passam a ser considerados como receitas próprias, não se subsumindo à regra geral de não-afetação de impostos inserta no art. 167, inciso IV, da Constituição Federal;
b) a exceção prevista no § 4º do art. 167 da Constituição Federal, ao permitir a vinculação de recursos do FPM "para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos para com esta", não deve ser interpretada a contrário senso, como forma de situar no campo de incidência da regra geral de vedação (art. 167, inciso IV) todas as demais hipóteses de oferta desse tipo de recurso como garantia de empréstimos. 6. "Inclusive, o Tribunal de Contas da União, no já mencionado Acórdão 2.435/2019, fez menção a um estudo realizado pelo Banco Central, o qual chegou à conclusão que a inadimplência era quase inexistente e que o mecanismo de execução da garantia do FPM tinha um bom funcionamento. No pertinente, transcreve-se trecho do acórdão: "as conclusões sobre a viabilidade jurídico-constitucional do procedimento enfocado nesta Representação não são apenas acertadas, mas também consentâneas com o primado da segurança jurídica e a própria realidade subjacente dessa espécie de operação, a revelar - segundo estudo do Banco Central do Brasil - baixíssimo grau de inadimplência e pequeno comprometimento do fluxo mensal de recursos dos fundos de participação" Destaque-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 184.116/MS, entendeu que a vinculação vedada no art. 167, inciso IV, da Constituição Federal é a ligada a tributos próprios, e não transferências para os Fundos de Participação dos Municípios. Tal precedente também foi mencionado pelo Tribunal de Contas da União e pode ser aplicado ao caso em que se julga." Ver: TRF5, T., PJE 0801405-84.2020.4.05.8302, Rel. Des. Federal Convocado Bruno Leonardo Câmara Carrá , Data da assinatura: 18/07/2022. 7. No mesmo sentido: TRF5, 3ª T., PJE 08020642420194058401, Desembargador Federal Rogério de Meneses Fialho Moreira, julg. em 19/08/2021. 8. "Para o cabimento da ação popular, é necessário que se demonstre a ilegalidade do ato administrativo, bem como se prove sua lesividade seja sob o aspecto material seja sob o moral. Não se deve adotar a lesividade presumida em função da irregularidade formal do ato." (EREsp nº 260.821-SP, Rel. originário Min. Luiz Fux, Rel. para Acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgados em 23/11/2005) (...). Assim, entende-se ausente o binômio ilegalidade-lesividade, pressuposto elementar para a procedência da ação." (TRF5, 2ª T., PJE 0800294-07.2016.4.05.8205, Rel. Des. Federal Leonardo Henrique de Cavalcante Carvalho, Data da assinatura: 18/12/2020). 9. A propósito, confira-se: TRF5, 2ª T., PJE 08000400220194058311, rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima,j. em 05/04/2022; TRF5, 2ª T., PJE 0809536-83.2022.4.05.8300, Rel. des. Federal Paulo Cordeiro, Data da assinatura: 01/09/2022. 10. Em relação à alegação de lesão ao patrimônio público, o suposto dano somente viria a acontecer se, decorrido o prazo de execução, não fosse realizado o pagamento, ou ainda, se os recursos recebidos em decorrência da pactuação tivessem um objeto ilegal. Assim, não é possível concluir pela existência de lesão baseado unicamente no fato que foi realizado empréstimo com lastro nos recursos recebidos a título de FPM. 11. Além de inexistirem evidências atinentes à eventual extrapolação da capacidade de endividamento do Município, nem de demonstração da impossibilidade de cumprimento do contrato firmado (notadamente quanto à resolução dos compromissos financeiros assumidos), tem-se que, além do prazo total pactuado (120 meses, sendo 24 de carência e 96 de amortização - termo inicial o ano de 2019), o cronograma de desembolso apresentado para realização dos pagamentos não corrobora a idéia de flagrante risco à necessidade de utilização do FPM (que, inclusive, não corresponde a receita de tributos, cuja vinculação é constitucionalmente vedada), ainda mais quando, no caso, a contratação do empréstimo teve como finalidade o custeio de despesa de capital necessária ("conforme plano de investimento - por meio do finisa: programa de financiamento à infraestrutura e ao saneamento"), a qual, inclusive, também incrementará a viabilidade dos pagamentos, a diminuir a possibilidade de eventual inadimplência. 12. Há de ser mantida a sentença, pelos seus próprios fundamentos, prevalecendo o entendimento de que as parcelas do FPM podem ser oferecidas em garantia na contratação de operação de crédito junto às instituições financeiras federais. 13. Remessa oficial desprovida.
nbs
(TRF-5, PROCESSO: 08003344720204058302, REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 14/02/2023)
Acórdão em REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL |
14/02/2023
DETALHES
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TJ-BA
EMENTA:
Cuida-se de recurso extraordinário interposto por GILBERTO FERREIRA DURAQUE, com fundamento no artigo 102, III, “a”, da Constituição Federal, em face do Acórdão proferido pela Seção Criminal, que julgou improcedente a ação revisional por ele ajuizada, o qual foi mantido com a rejeição dos embargos de declaração articulados pela defesa. Alega o recorrente, em síntese, a violação aos artigos 5° XXXVII, LIII e LIV, 122 ...
« (+2613 PALAVRAS) »
...e 124, da Constituição Federal, e ao artigo 8°, da Convenção Americana de Direitos Humanos. O Ministério Público apresentou contrarrazões. É o relatório. O recurso extraordinário sob análise não reúne condições de admissibilidade, tendo em vista os fundamentos a seguir delineados. Em relação ao princípio do devido processo legal (art. 5° LIV, da CF), convém salientar que é pacífico no âmbito da jurisprudência do STF que eventual violação a tal postulado não configura, em regra, ofensa direta à Lei Maior, mas, quando muito, ofensa meramente reflexa. Confira-se: (…) a jurisprudência desta Suprema Corte é assente no sentido de que a afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, quando depende, para ser reconhecida como tal, da análise de normas infraconstitucionais, não configura ofensa direta e frontal à Constituição da República. (ARE 1050454 A GR/GO - Órgão julgador: Segunda Turma – Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI – Julgamento: 07/05/2018 – Publicação: 05/06/2018). (…) A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que, em regra, as alegações de ofensa a incisos do artigo 5º da Constituição Federal podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição. (AI 765066 AgR/RJ - Relator(a): Min. ELLEN GRACIE - Órgão julgador: Segunda Turma - Julgamento: 02/08/2011 - Publicação: 18/08/2011). Destaque-se, por oportuno, a tese fixada pelo STF que, ao examinar o ARE nº 748.371/MT-RG, deu ensejo ao Tema 660, consubstanciando a ausência de repercussão geral: Ementa. Alegação de cerceamento do direito de defesa. Tema relativo à suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal. Julgamento da causa dependente de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais. Rejeição da repercussão geral. Tema 660 - Violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa quando o julgamento da causa depender de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais. Extensão do entendimento ao princípio do devido processo legal e aos limites da coisa julgada. (ARE 748371 RG - Órgão julgador: Tribunal Pleno - Relator(a): Min. GILMAR MENDES - Julgamento: 06/06/2013 - Publicação: 01/08/2013). Tanto mais porque o enfrentamento das arguições defensivas nessa cota requer a prévia incursão na legislação infraconstitucional expressamente referenciada pelo recorrente em suas razões, a evidenciar, sem lugar a dúvida, a inadequação do manejo do recurso extraordinário no presente caso. Por esta senda também é de rigor apontar, no que concerne à alegada afronta aos artigos 5°, XXXVII e LIII, 122 e 124, da Constituição Federal, e ao artigo 8°, da Convenção Americana de Direitos Humanos, que as arguições vertidas demandam a prévia incursão na legislação infraconstitucional disposta no Código de Processo Penal e no Código Penal Militar, a revelar a inadmissibilidade da insurgência. A esse respeito, confira-se: EMENTA DIREITO PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 5º, XXXV, XL, LIII, LIV E LV, 93, IX, E 125, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/2015. 1. Inexiste violação do art. 93, IX, da Constituição Federal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o referido dispositivo constitucional exige a explicitação, pelo órgão jurisdicional, das razões do seu convencimento. Enfrentadas todas as causas de pedir veiculadas pela parte, capazes de, em tese, influenciar o resultado da demanda, fica dispensado o exame detalhado de cada argumento suscitado, considerada a compatibilidade entre o que alegado e o entendimento fixado pelo órgão julgador. 2. Obstada a análise da suposta afronta aos preceitos constitucionais invocados, porquanto dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à espécie, procedimento que foge à competência jurisdicional extraordinária desta Corte Suprema, nos termos do art. 102 da Magna Carta. 3. As razões do agravo não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, principalmente no que se refere à ausência de ofensa a preceito da Constituição da República. 4. Agravo interno conhecido e não provido. (ARE 1252725 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 17-05-2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 25-05-2021 PUBLIC 26-05-2021). Sublinhe-se, ainda, que o entendimento firmado pelo Colegiado é convergente com a postura do Supremo Tribunal em torno da matéria debatida, sendo de rigor a incidência do teor do enunciado 286, do STF. Confira-se: 1. Mauro Kronka Sant Anna interpôs recurso extraordinário (eDoc n. 24, fls. 44 – eDoc n. 25, fls. 16) em face de acórdão do Superior Tribunal de Justiça (eDoc n. 24, fls. 35-41) que está assim ementado: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR PELA LEI N. 13.491/2017. INCIDÊNCIA IMEDIATA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A Terceira Seção do STJ, no julgamento do Conflito de Competência n. 161.898/MG, da relatoria do Ministro SEBASTIÃO REIS JUNIOR, DJe de 20/2/2019, firmou o entendimento de que a alteração de competência promovida pela Lei n. 13.491/2017 é de natureza processual, motivo pelo qual deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso, mesmo que o fato tenha ocorrido antes da vigência da nova lei, como é o caso dos autos. 2. Diante das alterações de direito material previstas na Lei n. 13.491/2017, caberá à Justiça Militar processar e julgar os crimes previstos na legislação penal comum, bem como aplicar os institutos típicos do direito penal e processual penal comum mais benéficos ao tempo do crime. 3. Agravo regimental desprovido. (CC 165.536 AgR, ministro Antonio Saldanha Palheiro). Alega, em síntese, que o acórdão recorrido violou as normas contidas no art. 5º, XL, da Constituição da República. O agravo previsto no art. 1.042 do Código de Processo Civil foi interposto (eDoc n. 25, fls. 42 – eDoc n. 26, fls. 15) contra decisão que inadmitiu o apelo extremo (eDoc n. 25, fls. 37-39). É o relatório. 2. O processo está em condições de ser julgado, nos termos do art. 52, parágrafo único, do Regimento Interno. Dispenso a remessa ao Ministério Público Federal. Tal o contexto, entendo não assistir razão à parte recorrente. Observo que o acórdão recorrido, ao analisar a legislação infraconstitucional (Lei n. 13.491/2017), fixou a competência da Justiça Militar, valendo destacar, no ponto, a fundamentação: Como antes analisado, a Terceira Seção do STJ, no julgamento do Conflito de Competência n. 161.898/MG, da relatoria do Ministro SEBASTIÃO REIS JUNIOR, entendeu que a alteração de competência promovida pela Lei n. 13.491/2017 é de natureza processual, motivo pelo qual deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso, mesmo que o fato tenha ocorrido antes da vigência da nova lei, como é o caso dos autos. Além disso, ao contrário do alegado pelo agravante, essa orientação não implica prejuízo ao acusado, uma vez que, conforme consignado naquela oportunidade pela Terceira Seção, diante das alterações de direito material previstas na Lei n. 13.491/2017, caberá à Justiça Militar processar e julgar os crimes previstos na legislação penal comum, bem como aplicar os institutos típicos do direito penal e processual penal comum mais benéficos ao tempo do crime. Assim, rever o posicionamento do acórdão recorrido, passaria, necessariamente, pela interpretação de lei infraconstitucional, inviável no âmbito da instância extraordinária. Dentre vários outros, cito os seguintes precedentes que dispõem no mesmo sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. MATÉRIA CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO PENAL. OFENSA REFLEXA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. É inviável o processamento do apelo extremo quando sua análise implica rever a interpretação de normas infraconstitucionais que fundamentaram a decisão a quo. A afronta à Constituição, se ocorrente, seria apenas indireta. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 981.001, ministro Edson Fachin) DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 170, III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/2015. 1. A controvérsia, nos termos do já asseverado na decisão guerreada, não alcança estatura constitucional. Não há falar em afronta ao preceito constitucional indicado nas razões recursais. Compreensão diversa demandaria a análise da legislação infraconstitucional encampada na decisão da Corte de origem, bem como a reelaboração da moldura fática, a tornar oblíqua e reflexa eventual ofensa à Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. Desatendida a exigência do art. 102, III, “a”, da Lei Maior, conforme a remansosa jurisprudência desta Suprema Corte. 2. As razões do agravo não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, principalmente no que se refere à ausência de ofensa a preceito da Constituição da República. 3. Agravo interno conhecido e não provido. (RE 1.130.733 AgR, ministra Rosa Weber). Em caso fronteiriço, a ministra Rosa Weber, ao negar seguimento ao ARE 1.252.725, reconheceu a natureza processual da alteração de competência realizada pela Lei n. 13.491/2017, e o aspecto indireto da ofensa ao art. 5º, XL, da Constituição, valendo transcrever, no ponto, a fundamentação: Com efeito, com a prolação da sentença e o julgamento da apelação antes da entrada em vigor da Lei nº 13.491/2017, ocorreu a denominada perpetuatio jurisdictionis, ou seja a impossibilidade de aplicação de lei nova acerca da competência a esse feito. Firme nesta Corte o entendimento de que as normas de direito processual penal são regidas pelo princípio do tempus regit actum, nos termos do art. 2º do Código de Processo Penal (CPP). Assim, tendo a sentença condenatória e o acórdão do recurso de apelação sido preferidos antes da entrada em vigor da Lei nº 13.491, de 13.10.2017, não há que se falar em deslocamento de competência. Nesse contexto, verifico que as instâncias ordinárias decidiram a questão com fundamento na legislação infraconstitucional aplicável à espécie (art. 2º do Código de Processo Penal), razão pela qual, consideradas as circunstâncias jurídico-normativas da decisão recorrida, reputo inocorrente afronta os arts. 5º, XL e LIII, e 125, § 4º, da Constituição da República. De mais a mais, o entendimento adotado no acórdão recorrido não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, razão pela qual não se divisa a alegada ofensa aos arts. 5º, XL e LIII, e 125, § 4º, da Lei Maior. Ademais, destaco o parecer da Procuradoria-Geral da República, cujos fundamentos também adoto como razões de decidir: 6. Como visto, a controvérsia debatida nos presentes autos refere-se à aplicação da Lei nº 13.491/2017 - que redefiniu o conceito de certos crimes militares em tempos de paz e ampliou a competência da Justiça Militar para “os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal” (artigo 9º, II do CPM) - aos delitos perpetrados antes do seu advento. Ao que consta, o recorrente e os corréus, policiais militares, foram denunciados por se associarem para prática de crimes contra a Administração Pública Militar (artigo 288 do Código Penal), entre 2010 e 2011. 7. Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, “A Lei n. 13.491/2017 não tratou apenas de ampliar a competência da Justiça Militar, também ampliou o conceito de crime militar, circunstância que, isoladamente, autoriza a conclusão no sentido da existência de um caráter de direito material na norma. Tal aspecto, embora evidente, não afasta a sua aplicabilidade imediata aos fatos perpetrados antes de seu advento, já que a simples modificação da classificação de um crime como comum para um delito de natureza militar não traduz, por si só, uma situação mais gravosa ao réu, de modo a atrair a incidência do princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (arts. 5º, XL, da CF e 2º, I, do CP).” (fls. 3.036). 8. Pontuou que “A existência de um caráter híbrido na norma não afasta a sua aplicabilidade imediata, pois é possível conformar sua incidência com o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, mediante observância, pelo Juízo Militar, da legislação penal (seja ela militar ou comum) mais benéfica ao tempo do crime” (fls. 3.037). 9. Como visto, decidiu-se pela competência da justiça militar para processar e julgar o caso, em detrimento da justiça comum, após análise da legislação infraconstitucional aplicável à espécie (Código Penal Militar e Código de Processo Penal Militar). Frisou-se não ser o caso de aplicação da regra da perpetuação da jurisdição, por não ter sido proferida sentença de mérito (artigo 43 do CPC). 10. Destarte, quanto à alegação de ofensa ao artigo 5º, XL, da Constituição Federal, conforme asseverado na decisão que inadmitiu o recurso, há vários precedentes que estabelecem que a resolução da controvérsia atinente à eventual violação ao princípio da irretroatividade da lei penal, quando dependente do reexame prévio de norma infraconstitucional, revela ofensa indireta ou reflexa à Constituição Federal, o que, por si só, não desafia a instância extraordinária1 . 11. De qualquer forma, o entendimento do acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência da Suprema Corte que estabelece que a lei de natureza processual tem aplicação imediata aos inquéritos e ações penais em curso, mercê de o fato delituoso ter ocorrido antes da sua entrada em vigor: “(…) a redação do § único do art. 9º do Código Penal Militar, promovida pela Lei nº 9.299/96, a despeito de sua topografia, ostenta nítida natureza processual, razão por que deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso, salvo se já houver sido proferida sentença de mérito. (...) A doutrina acerca do tema é assente no ‘as disposições concernentes à jurisdição e à competência aplicam-se imediatamente, salvo se já houver sentença relativa ao mérito – hipótese em que a causa prossegue no juízo onde surgiu o veredictum – ou se suprimindo o tribunal primitivo” (MAXIMILIANO, Carlos. Direito Intertemporal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995, p. 312-313, nº 269)” (HC 111406, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe-160 de 16/8/2013). 12. A despeito de sua natureza híbrida (lei processual e material), correto o entendimento de que deve haver a incidência imediata da Lei nº 13.491/2017, aos fatos praticados antes do seu advento, em observância ao princípio tempus regit actum, na forma do artigo 5º do Código de Processo Penal Militar e artigo 2º do Código de Processo Penal . 13. Trata-se de competência absoluta, por se tratar da matéria (crime militar), logo, os autos devem ser remetidos imediatamente ao juízo competente, conforme dispõe o artigo 43 do CPC c/c artigo 3º do CPP, salvo se já houver sentença, quando ocorre a perpetuação da competência. Garante-se, assim, a eficácia do art. 125, § 4º, da Constituição Federal, que diz que compete à Justiça Militar julgar os crimes militares. 14. E, ao contrário do alegado, não houve violação ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa porque o Superior Tribunal de Justiça, ao definir a competência, expressamente determinou ao Juízo Militar que seja observada a legislação penal (seja ela militar ou comum) mais benéfica ao tempo do crime. Não há, portanto, inconstitucionalidade a ser reconhecida. 3. Em face do exposto, não conheço do recurso extraordinário. 4. Publique-se. Brasília, 1º de fevereiro de 2022. Ministro NUNES MARQUES Relator (STF - ARE 1273247 / SP - Relator(a): Min. NUNES MARQUES - Julgamento: 01/02/2022 - Publicação: 16/02/2022). Ante o exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário, com base no art. 1.030, inciso I, alínea “a”, do CPC/15 (TEMA 660) e, por não ser este o único fundamento do presente ato decisório, o inadmitido, no que tange à matéria remanescente suscitada no feito. Publique-se. Intimem-se. Desembargadora Márcia Borges Faria 2ª Vice-Presidente
(TJ-BA, Classe: Revisão Criminal, Número do Processo: 8026137-62.2023.8.05.0000, Órgão julgador: 2ª VICE-PRESIDÊNCIA, Relator(a): MARCIA BORGES FARIA, Publicado em: 30/10/2023)
TJ-BA
EMENTA:
ACÓRDÃO APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE DESCUMPPRIMENTO DE MISSÃO (ART. 196 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). PLEITO MINISTERIAL DE REFORMA DA SENTENÇA. JUIZ AUDITOR QUE, MONOCRATICAMENTE, DECLAROU A INCONSTITUCIONALIDADE DO TIPO PENAL, ABSOLVENDO SUMARIAMENTE A ACUSADA. PROVIMENTO DO RECURSO PARA ANULAR A DECISÃO JUDICIAL. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA QUE NÃO SE APLICA À JUSTIÇA MILITAR. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR. USURPUÇÃO DA COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO CONSELHO ESPECIAL DE JUSTIÇA, ÓRGÃO COLEGIADO A QUEM COMPETE O JULGAMENTO DOS OFICIAIS DA POLÍCIA MILITAR. APELO CONHECIDO E PROVIDO, para reconhecer a nulidade da sentença proferida pelo juiz auditor de origem, determinando ...
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...o prosseguindo do feito, com a realização da sessão de julgamento pelo Conselho Especial de Justiça. I – Cuida-se de Recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público do Estado da Bahia, insurgindo-se contra a sentença proferida pelo Juiz Auditor da Vara de Auditoria Militar, que reconheceu, em controle difuso, a inconstitucionalidade do art. 196 do Código Penal Militar, absolvendo sumariamente a acusada Ingrid Taís Santos de Andrade. II – Narra a peça acusatória, in verbis (ids. 38112082-38112083): “[…] que, em 13 de outubro de 2011, o comando do BPChq expediu portaria em IPM nº Correg, Setorial – 015/10/2011, designando a TEN PM Ingrid Taís Santos de Andrade, para apurar suposta prática de crime praticado por policiais militares em 26 de agosto de 2011. Porém, a oficiala, desidiosamente, descumpriu os prazos legais. Consta do conjunto probatório, que a encarregada comunicou o início dos trabalhos do citado IPM no dia 03/10/2012, e somente em 21/03/13 solicitou ao DPT, cópia do Laudo cadavérico do vitimado, peça imprescindível ao deslinde das investigações, o que foi atendido no mês seguinte, sendo então confeccionado relatório conclusivo em 15/04/13. Não obstante o lapso temporal, que ficou na posse dos autos, diligências indispensáveis deixaram de ser cumpridas, o que motivou a baixa dos autos pela Corregedoria Geral em 17/09/2013, sendo recebida pela encarregada no dia 02/10/13. No entanto, as investigações foram reiniciadas no dia 17/11/14, após solicitação da oficiala, em 06/11/2014, de afastamento das atividades por 05 (cinco) dias, para conclusão da apuração (fl. 53). Porém, embora tenha sido concedido dispensa das atividades ordinárias, a denunciada somente concluiu os trabalhos em 15/04/16, quando elaborou relatório final e encaminhou os autos à Corregedoria geral. Em vista do exposto, cumpridas as formalidades legais pertinentes, tem-se configurado o crime descrito no art. 196, § 1º do Código Penal Militar […]”. III – Em suas razões de inconformismo, em apertada síntese, pugna o Apelante pela reforma da sentença e retomada do curso regular da ação penal, tendo em vista que a absolvição sumária, pelo princípio da especialidade, não é aplicável no âmbito da Justiça Militar, por ausência de previsão legal, sustentando, ainda, a constitucionalidade do art. 196 do CPM. IV – Merece acolhimento a pretensão ministerial para que seja reconhecida a nulidade da sentença proferida pelo Juiz a quo, por violação às normas e regras, legais e constitucionais, pertinentes à competência e ao devido processo legal no âmbito da Justiça Militar. V – Analisando os autos, verifica-se que o MM. Juiz de Direito a quo, atuando como Juiz Auditor da Vara de Auditoria Militar da Comarca de Salvador/BA, após o término da instrução processual e apresentação das alegações finais, por ambas as partes, prolatou, monocraticamente, sentença em que reconheceu a inconstitucionalidade do art. 196 do Código Penal Militar, sob o argumento de que o dispositivo legal fere o princípio da taxatividade, sendo demasiadamente aberto acerca da elementar “missão”. Em virtude disso, o magistrado de origem absolveu sumariamente a ré. VI – Inicialmente, no que concerne à possibilidade de aplicação da absolvição sumária, introduzida no Código de Processo Penal pela Lei nº 11.719/2008, no âmbito da Justiça Militar, já se manifestou contrariamente o Superior Tribunal Militar, em decisão unânime, nos seguintes termos: “[…] 1. As alterações promovidas pela Lei nº 11.719/08 dizem respeito apenas ao Código de Processo Penal e não ao Código de Processo Penal Militar. Precedentes do STM. Inteligência da Súmula nº 15 do STM. 2. A competência para decidir qualquer questão de fato ou de direito suscitada durante a instrução criminal é do Conselho de Justiça, conforme o art. 28, V, da Lei de Organização Judiciária Militar. 3. Preliminar acolhida para declarar a nulidade do processo, a partir da Decisão que absolveu sumariamente o réu, com o retorno dos autos ao Juízo de origem para prosseguimento do Feito […]” (STM, AP nº 00000365920137010101/RJ, Relator: Lúcio Mário de Barros Góes, Data de Julgamento: 21/08/2014, Data da Publicação no DJE: 05/09/2014). VII – O procedimento do Código de Processo Penal Militar, aplicável aos crimes apenados com reclusão e detenção, encontra-se previsto no seu art. 384 ao art. 450, podendo ser resumido da seguinte forma: 1 – Oferecimento da denúncia; 2 – Recebimento ou rejeição da denúncia; 3 – Citação; 4 – Convocação do Conselho Permanente de Justiça ou sorteio e posse do Conselho Especial de Justiça; 5 – Instrução criminal com a oitiva da vítima, inquirição das testemunhas e interrogatório do réu; 6 – Requerimento de diligências; 7 – Alegações Finais; 8 – Sessão de julgamento; 9 – Leitura da sentença em sessão pública (Rosseto, Enio Luiz. Curso de processo penal militar [livro eletrônico], 1ª ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021). VIII – Verifica-se, portanto, que não há previsão legal de absolvição sumária no Código de Processo Penal Militar, devendo o feito, após a conclusão da instrução processual, ser encaminhado para alegações finais e, em seguida, para sessão de julgamento, havendo jurisprudência consolidada do Superior Tribunal Militar, do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, pelo princípio da especialidade, prevalecem as regras da codificação militar. Ademais, segundo o STF: “[...] não se pode mesclar o regime penal comum e o castrense, de modo a selecionar o que cada um tem de mais favorável ao acusado, devendo ser reverenciada a especialidade da legislação processual penal militar e da justiça castrense, sem a submissão à legislação processual penal comum do crime militar devidamente caracterizado [...]” (STF, HC 122673/PA, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, Publicação: DJe 01-08-2014) (no mesmo sentido: STJ, HC 165042/RS, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, T6 - SEXTA TURMA, Publicação: DJe 25/02/2016; STM, HC 00001108420157000000/MS, Relator: Fernando Sérgio Galvão, Publicação DJe: 10/08/2015). IX – Incabível, assim, a absolvição sumária procedida pelo magistrado de origem, por violação ao devido processo legal e ao princípio da especialidade. Seguindo essa mesma linha intelectiva, manifestou-se a Douta Procuradoria de Justiça (id. 39938945): “[…] A inaplicabilidade do Código de Processo Penal no âmbito da Justiça Militar justifica-se pelo fato de ser aplicável, na Justiça Castrense, o Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/69) e o Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.002/69). E, nesse ponto, é importante destacar que o próprio estatuto processual penal militar prevê a possibilidade de os casos omissos serem supridos pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso concreto e somente em não havendo prejuízo da índole do processo penal militar (CPPM, art. 3º, alínea “a”). Acerca da impossibilidade da absolvição sumária, em se tratando de crime militar, já se posicional o Superior Tribunal Militar, de forma unânime e reiteradas vezes […]”. X – Outrossim, a competência da Justiça Militar está prevista entre os arts. 122 e 125 da Constituição Federal de 1988, cabendo à Justiça Militar estadual o processamento e julgamento dos militares dos Estados, pela prática dos crimes militares definidos em lei. A partir da Emenda Constitucional nº 45/2019, passaram a existir dois órgãos de jurisdição na Justiça Militar de primeiro grau: o juiz de direito do juízo militar, a quem compete o julgamento dos delitos militares contra civis e as ações contra atos disciplinares militares; e o Conselho de Justiça, sob a presidência do juiz de direito, a quem compete os demais crimes militares (art. 125, §§ 4º e 5º, CF/1988). XI – Acerca dos Conselhos de Justiça, esclarece Enio Luiz Rosseto serem órgãos de “[...] composição mista e de maioria militar, presididos pelo juiz de direito e integrados por quatro oficiais militares. Se o acusado for oficial, são sorteados para o Conselho Especial de Justiça quatro oficiais militares de posto e patente superiores ao oficial acusado ou, no caso de igualdade de posto e patente, mais antigo. Ao menos um dos juízes militares deve ser oficial superior (major, tenente-coronel ou coronel). [...] O Conselho Permanente de Justiça julga praças. Entre os oficiais que o compõe um deles deve ser superior e os demais de posto de tenente ou capitão [...]”. (Rosseto, Enio Luiz. Curso de processo penal militar [livro eletrônico], 1ª ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021) XII – Na hierarquia da Polícia Militar são oficiais superiores o coronel, o tenente-coronel e o major; oficial intermediário o capitão; e oficiais subalternos o 1ª e o 2º tenentes (Cartilha da Justiça Militar, TJ/BA, 2019), razão pela qual, no caso em tela, foi formado um Conselho Especial de Justiça para processamento e julgamento da acusada, tenente da Polícia Militar (id. 38112941). Trata-se de competência de órgão colegiado e, portanto, subjetivamente complexa ou plúrima, não podendo o juiz singular, em decisão monocrática, reconhecer a inconstitucionalidade da norma que tipifica o crime, absolvendo o réu. XIII – De fato, nos termos do § 2º do art. 438 do CPPM, cabe ao juiz togado redigir a sentença, ainda que discorde dos seus fundamentos ou da sua conclusão, podendo, entretanto, justificar o seu voto, se vencido, no todo ou em parte, após a assinatura. A redação do dispositivo esclarece que o juiz auditor é apenas um dentre os cinco julgadores, devendo prevalecer a decisão da maioria daqueles que compõem o Conselho de Justiça. Digno de nota que, ainda que o controle difuso de constitucionalidade possa ser exercido a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, devem ser respeitadas as normas processuais e constitucionais, não sendo admissível que o juiz auditor usurpe a competência do órgão colegiado. XIV – Seguindo essa mesma linha intelectiva, o Supremo Tribunal Federal, no HC nº 114.327/BA, denegou a ordem de habeas corpus, entendendo que invade a competência do Conselho Permanente da Justiça, nos termos do art. 28, V, da Lei 8.457/1992 (Lei de Organização Judiciária Militar), a decisão monocrática, proferida pelo juiz de direito, que reconhece a incompetência absoluta da Justiça Militar, após o recebimento da denúncia. No inteiro teor do julgado, esclarece-se, quando à competência, que “[...] após o recebimento da denúncia os atos decisórios, tais como os referentes a competência e ao mérito da causa competem ao Conselho de Justiça, cabendo ao Juiz-Auditor apenas praticar isoladamente os atos ordinários, os despachos de mero expediente e aqueles descritos no art. 30 da Lei 8.457/1992 [...]”. XV – O Superior Tribunal Militar, adotando idêntica orientação, anulou decisão do juiz auditor que arquivou um procedimento especial de deserção (STM, Correição Parcial 382420097060006/BA, Rel. Min. José Coêlho Ferreira, j. 09/02/2012, DJU 06/03/2012) (no mesmo sentido: RSE 0000173-19.2010.7.01.0401/RJ, Rel. Min. José Américo dos Santos, j. 28/04/2011, DJU 09/06/2011). XVI – Destaque-se, por oportuno, que não cabe a esta Turma Julgadora, sob risco de supressão de instância, a análise da recepção do art. 196 do Código Penal Militar pela Constituição Federal de 1988, e de todos os debates pertinentes a sua eventual inconstitucionalidade superveniente, tendo em vista que a matéria ainda não foi submetida ao órgão colegiado competente. XVII – Parecer da Procuradoria de Justiça, pelo conhecimento e provimento do Recurso de Apelação. XVIII – APELO CONHECIDO E PROVIDO, para reconhecer a nulidade da sentença proferida pelo juiz auditor de origem, determinando o prosseguindo do feito, com a realização da sessão de julgamento pelo Conselho Especial de Justiça. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n.º 0312143-37.2017.8.05.0001, provenientes da Comarca de Salvador/BA, em que figuram, como Apelante, o Ministério Público do Estado da Bahia, e, como Apelada, Ingrid Taís Santos de Andrade. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Colenda Segunda Turma da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade, em conhecer e DAR PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO, para reconhecer a nulidade da sentença proferida pelo juiz auditor de origem, determinando o prosseguindo do feito, com a realização da sessão de julgamento pelo Conselho Especial de Justiça, e assim o fazem pelas razões a seguir expostas no voto da Desembargadora Relatora.
(TJ-BA, Classe: Apelação, Número do Processo: 0312143-37.2017.8.05.0001, Órgão julgador: 2ª VICE-PRESIDÊNCIA, Relator(a): RITA DE CASSIA MACHADO MAGALHAES, Publicado em: 30/08/2023)
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