DECISÃO: O Estado do Rio de Janeiro ajuizou a presente ação cível originária em face da União, do Banco do Brasil S/A e da Caixa Econômica Federal, em que postula, em sede de tutela provisória, a concessão de medidas que permitam o reequilíbrio
orçamentário-financeiro do autor.
Em síntese, a inicial articula os seguintes pontos:
(i) O Estado do Rio de Janeiro alcançará um déficit fiscal de R$ 52 bilhões até 2018, em virtude do qual o Chefe do Poder Executivo editou o Decreto n. 45.692/16, que reconheceu formalmente o estado de calamidade financeira daquela unidade
federativa. Por seu turno, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro ratificou esse ato, por meio da Lei n. 7.483/2016;
(ii) O autor iniciou tratativas diretas com a União, com vistas à celebração de acordo que contivesse
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...instrumentos para o restabelecimento do equilíbrio fiscal do Estado, o que resultou na assinatura, em 26.01.2017, do Termo de Compromisso para
Recuperação Fiscal do Estado do Rio de Janeiro, no qual ambas as partes se comprometem a promover todas as medidas necessárias, programáticas, estruturais e de responsabilidade do Estado do Rio de Janeiro e da União, capazes de promover o reequilíbrio
financeiro-fiscal do Estado do Rio de Janeiro, evitando colapso na prestação de serviços públicos essenciais à população;
(iii) Entretanto, há discordância entre o Estado e a União quanto à interpretação de dispositivos da Lei Complementar nº 101/2000, das Resoluções do Senado Federal nº 40/2001, 43/2001 e 48/2007 e demais atos infraconstitucionais neles baseados. O
autor defende que a própria Lei de Responsabilidade Fiscal afasta os óbices nela previstos para a autorização de novos empréstimos, a concessão de aval para novas operações financeiras e a continuidade da execução de operações de crédito anteriormente
contratadas enquanto perdurar o estado de calamidade. Além disso, sustenta que regras restritivas de operações de crédito, transferências voluntárias, concessões de garantias e contragarantias não se aplicam na hipótese em que haja o reconhecimento de
estado de calamidade pública por parte do ente federativo, à luz do artigo 65, I e II, da Lei de Responsabilidade Fiscal;
(iv) Ademais, o autor sustenta que a calamidade o autoriza, nos termos do art. 65, I, da Lei de Responsabilidade Fiscal, a receber transferências voluntárias, obter garantia de outro ente e contratar operações de crédito, mesmo que não observe os
limites de despesa com pessoal e da dívida consolidada. Além disso, o ente estaria dispensado de atingir os resultados fiscais previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias e de observar a limitação de empenho prevista no art. 9º da Lei de
Responsabilidade Fiscal;
(v) Os artigos 1º, incisos I, III e IV, 37, 40, 196, 203 e 206 da Constituição autorizariam a relativização da Lei de Responsabilidade Fiscal. Outrossim, a aplicação absoluta do artigo 167, inciso X, da Constituição, segundo o qual é vedada a
transferência voluntária de recursos e a concessão de empréstimos, inclusive por antecipação de receita, pelos Governos Federal e Estaduais e suas instituições financeiras, para pagamento de despesas com pessoal ativo, inativo e pensionista, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, revela-se desproporcional.
Em virtude desses fatos, em sede de tutela provisória, o autor pleiteia seja declarada a possibilidade de que, com fundamento no artigo 65 da Lei Complementar nº 101/2000: (i) os réus realizem as operações de crédito indicadas na Cláusula Quinta,
item (iv) do acordo celebrado entre o Estado do Rio de Janeiro e a União, inclusive aqueles com garantias a serem prestadas pelo Tesouro Nacional; (ii) os réus confiram imediato cumprimento aos termos dos compromissos assumidos nos itens (i) e (ii) da
Cláusula Quinta do Acordo firmado entre tal ente federativo e o Estado do Rio de Janeiro, determinando-se, por conseguinte, que se abstenham de executar as cláusulas de contragarantia dos contratos em vigor firmados com o Estado do Rio de Janeiro, bem
assim, a suspensão de todos os efeitos que lhe seriam imputados na condição de devedor dessas obrigações; e (iii) sejam afastadas as restrições de aplicação dos recursos provenientes das operações de crédito eventualmente realizadas, permitindo-se sejam
os recursos utilizados para o pagamento da folha de servidores ativos, inativos e pensionistas, bem como a cobertura do déficit previdenciário.
Na sequência, em razão de aditamento ao Termo de Compromisso firmado entre o Estado do Rio de Janeiro e a União, o autor apresentou aditamento aos pedidos iniciais desta ação, nos seguintes termos:
(a) a alteração do pedido veiculado na alínea (b) do item 7.1 da petição inicial, para que conste nos seguintes termos: também inaudita altera parte, conceder tutela de urgência, para os fins de se determinar ao Réu que dê imediato cumprimento aos
compromissos assumidos nos itens (i), (ii) e (iii) da Cláusula Quinta do Termo de Compromisso firmado entre tal ente federativo e o ESTADO DO RIO DE JANEIRO, determinando-se, por conseguinte, que se abstenham de executar as cláusulas de contragarantia
dos contratos em vigor firmados com o ESTADO DO RIO DE JANEIRO, bem assim, a suspensão de todos os efeitos que lhe seriam imputados na condição de devedor dessas obrigações;
(b) o acréscimo de uma nova alínea (b1) ao item 7.1 da petição inicial, para constar o seguinte pedido: igualmente em caráter inaudita altera parte, conceder tutela de urgência, para os fins de se determinar ao Réu que dê imediato cumprimento ao
compromisso assumido no item (v) da Cláusula Quinta do Termo de Compromisso, introduzido pelo Primeiro Termo Aditivo ao Termo de Compromisso celebrado entre o Estado do Rio de Janeiro e a União em 26/01/2017, autorizando-se a manutenção e confirmação do
aval prestado pela União nos instrumentos relativos ao custeio e/ou financiamento dos programas arrolados no referido item (v), alíneas a a i;
(c) a alteração da redação da alínea (c) do item 7.1, para constar o seguinte pedido: ao final, confirmar os termos da tutela de urgência indicada na alínea a, b e c;
(d) a alteração da redação da alínea (d) do item 7.1., para constar o seguinte pedido: também ao final, declarar a aplicabilidade neste caso concreto, nos termos descritos nos Capítulos III e IV desta peça exordial, do artigo 65 da Lei Complementar
nº 101/2000 e das demais disposições constitucionais retromencionadas, e, por conseguinte, declarar a inaplicabilidade dos incisos III e X do artigo 167, assim como do §3º do artigo 195, da Constituição da República e das demais vedações contidas na Lei
de Responsabilidade Fiscal, bem como das Resoluções nº 40/2001, nº 43/2001, nº 48/2007, que constituam óbice à realização imediata das operações de crédito indicadas na Cláusula Quinta, item (iv) do acordo entre o ESTADO DO RIO DE JANEIRO e a União,
inclusive aqueles com garantias a serem prestadas pelo Tesouro Nacional e com destinação para pagamento da folha de servidores ativos, inativos e pensionistas e, ainda, para cobertura de déficit previdenciário; e
(e) a alteração da redação da alínea (e) do item 7.1, para constar o seguinte pedido: ainda ao final, condenar a União ao cumprimento imediato dos compromissos assumidos nos itens (i), (ii) e (ii) da Cláusula Quinta do Acordo firmado entre tal ente
federativo e o ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Em manifestação, a Caixa Econômica Federal aduziu: (i) para a concessão de financiamentos, a Caixa Econômica Federal deve obediência ao ordenamento em vigor; (ii) o art. 1º da Resolução nº 3.751/2009 exige que instituições financeira, ao operarem
com órgãos e entidades do setor público, devem exigir comprovação dos limites e condições para a contratação de operações de crédito com os Estados, na forma do art. 33 da LRF; (iii) o art. 33 da LRF considera nula a operação de crédito realizada com
infração às disposições da referida lei complementar; (iv) eventual liminar criaria forte insegurança jurídica quanto à devolução do valor da operação de crédito.
O Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Saneamento Básico e Meio Ambiente do Rio de Janeiro e Região (SINTSAMA-RJ) e a Federação Nacional dos Trabalhadores em Energia, Água e Meio Ambiente (FENATEMA) requereram ingresso na qualidade de amici
curiae.
Por seu turno, o Banco do Brasil S/A sustentou: (i) preliminarmente, não ser parte legítima para figurar no polo passivo da ação, pois os pedidos foram formulados apenas em face da União, além do que a exigência de comprovação dos limites e
condições relativos à realização de operações de crédito de cada ente da Federação é direcionada ao Ministério da Fazenda, que é o responsável legal pela análise e autorização de operações de crédito pelos entes interessados; (ii) a situação de
calamidade a que se refere o art. 65 da LRF deve ser interpretada à luz do art. 2º, IV, do Decreto Federal nº 7.257/2010, restringindo-se a situações de anormalidade imprevisível decorrentes de fato da natureza; (iii) não é possível interpretação
extensiva para suspender as restrições dos artigos 25, § 1º, IV, a, b, c e d, 32, III e IV, e 40, § 1º, II, § 2º e § 5º, todos da LRF, bem como as previstas nas Resoluções nº 40/2001, 43/2001 e 48/2007; (iv) o art. 1º, § 1º, da Lei Estadual nº
7.483/2016 é inconstitucional por versar sobre matéria de Lei Complementar (art. 163 da CRFB), ao afastar normas da LRF; (v) os artigos 167, III e X, e 195, § 3º, da Constituição, impedem a operação desejada pelo autor; e (vi) a instituição financeira
ré não pode ser compelida a realizar operação de crédito, em razão dos princípios da legalidade e da livre iniciativa.
A União alegou: (i) a cláusula nona do termo de compromisso prevê expressamente a necessidade de edição de lei para a sua eficácia; (ii) o acolhimento da pretensão autoral violaria a separação dos Poderes; (iii) a cláusula quinta do termo de
compromisso assegura à União o prazo de até 30 (trinta) dias, a contar da sua assinatura, para apresentar ao Congresso Nacional os projetos de lei nela enumerados; (iv) o quadro fiscal do Estado não revela calamidade pública; (v) a situação de
calamidade a que se refere o art. 65 da LRF deve ser interpretada à luz do art. 2º do Decreto Federal nº 7.257/2010, bem como dos artigos 21, XVIII, 136 e 148, I, da Constituição, restringindo-se a situações de anormalidade imprevisível decorrentes de
fato da natureza; (v) a diminuição dos valores recebidos a título de royalties, por si só, não seria suficiente para causar uma situação excepcional de calamidade, além do que o Estado não poderia utilizar esse tipo de receita para custear gastos com
pessoal; (vi) o constante aumento de gastos com pessoal há muito indicava uma situação de desequilíbrio fiscal, visto que o Estado do Rio de Janeiro experimentou crescimento total com esse tipo de despesa de 146,62% entre 2009 e 2015; (vii) a utilização
de recursos de depósitos judiciais para financiar despesas correntes também contribuiu para a corrosão das contas do Estado; (viii) o art. 65 da LRF não admite a má gestão como escusa para o descumprimento da própria lei; (ix) não há fundamento apto a
justificar o afastamento dos artigos 167, III e X, e 195, § 3º, da Constituição; (x) o acolhimento da pretensão geraria periculum in mora inverso.
A Procuradoria-Geral da República apresentou parecer pelo indeferimento do pedido de antecipação de tutela.
Designei audiência de conciliação para 13.02.2017, na qual compareceram o Sr. Governador do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão; o Procurador-Geral do Estado do Rio de Janeiro, Leonardo Espíndola; o Subprocurador-Geral do Estado do Rio de
Janeiro, Claudio Pierucceti; o Secretário de Estado da Casa Civil, Christino Áureo; o Secretário de Estado de Fazenda e Planejamento, Gustavo Barbosa; o Procurador da Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro, Felipe de Melo Fonte; o Sr. Ministro da
Fazenda, (...); a Advogada-Geral da União, (...); a Secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi; o Vice-Presidente da Caixa Econômica Federal, Roberto SantAnna; o Diretor Jurídico da Caixa Econômica Federal, Jailton Zanon;
pelo Banco do Brasil, (...) a auditora do Tribunal de Contas da União, Lucieni Pereira; o Consultor Jurídico do Tribunal de Contas da União, Odilon Cavallari; e o Subprocurador-Geral da República, (...).
Registrou-se em ata a suspensão do processo, por 30 (trinta) dias, para que as partes adotassem as medidas nela indicadas, verbis:
As partes acordaram em suspender o presente processo judicial pelo prazo de até 30 (trinta) dias, período no qual se comprometem a:
(i) pelo Estado do Rio de Janeiro, promover a aprovação de projeto de lei perante a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro para a alienação da integralidade das ações da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), bem como promover a
aprovação das demais medidas de sua responsabilidade, conforme Termo de Compromisso assinado entre as partes e constante dos autos;
(ii) pela União, promover a aprovação dos projetos de lei complementar previstos no Termo de Compromisso constante dos autos perante o Congresso Nacional.
Em manifestação de 06.03.2017, o Estado do Rio de Janeiro reiterou a concessão da liminar requerida na inicial, de forma excepcional e restrita ao contrato n. 2646/0C-BR, celebrado entre o autor e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
cujo objeto consiste na execução do Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía da Guanabara, com vistas a prorrogar o termo contratual previsto para 20.03.2017.
Em resposta, a União requereu, em 13.03.2017, que fosse obedecido o interregno de suspensão do processo, estabelecido na audiência de conciliação, para que as medidas ali avençadas pudessem ser concretizadas. Sucessivamente, requereu o indeferimento
do pedido. No mesmo sentido foram as manifestações do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal.
Mais uma vez, em 12.04.2017, o Estado do Rio de Janeiro reiterou o pedido contido na petição de 06.03.2017. Para tanto, noticiou ter recebido notificação do BID para desmobilização das obras que são objeto do contrato, bem como para a devolução dos
recursos ainda não aplicados.
Por fim, em 26.05.2017, o Estado do Rio de Janeiro apresentou nova petição, em que reitera o pedido liminar, com base em quatro fatos novos: (i) aprovação da
Lei estadual n. 7.529/17, que autoriza a alienação da CEDAE em garantia; (ii) iminente
sanção do PL Estadual n. 2240/16, que majorou a alíquota de contribuição previdenciária; (iii) aprovação e sanção da
Lei Complementar n. 159/2017, que institui o Plano de Recuperação Fiscal dos Estados; e (iv) iminente bloqueio de R$ 536 milhões de
reais das contas do Estado do Rio de Janeiro, por parte da União, em decorrência da execução das contragarantias dos empréstimos inadimplidos, contratados sob aval do governo federal.
É o relatório.
(STF, ACO 2981 TA, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Decisão Monocrática, Julgado em: 31/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-117 DIVULG 02/06/2017 PUBLIC 05/06/2017)