DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. APELO DO INSS DESPROVIDO. APELO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME:1. Apelações cíveis interpostas pelo autor e pelo INSS contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido de reconhecimento de tempo especial e concessão de aposentadoria. O autor busca o reconhecimento de períodos adicionais como tempo especial e a concessão de aposentadoria especial ou por tempo de contribuição, com reafirmação da DER se necessário,
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...e alteração da sucumbência. O INSS alega a inviabilidade do reconhecimento da nocividade de agentes como ruído, químicos e poeira, citando a eficácia de EPIs e requerendo efeito suspensivo. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:2. Há três questões em discussão: (i) a possibilidade de reconhecimento de períodos de trabalho como tempo especial, considerando a exposição a agentes nocivos como ruído, agentes químicos (amônia, anilina, ácido fórmico, hidrocarbonetos, cromo, poeira vegetal, poeira de sílica, solventes orgânicos) e a eficácia dos EPIs; (ii) o direito à concessão de aposentadoria especial ou por tempo de contribuição; e (iii) a aplicação dos consectários legais (correção monetária, juros de mora, custas e honorários advocatícios). III. RAZÕES DE DECIDIR:3. A preliminar de cerceamento de defesa foi rejeitada, pois a documentação apresentada foi considerada suficiente para o mérito da ação, tornando desnecessária a realização de perícia, em conformidade com o art. 370 do CPC e a jurisprudência que permite ao julgador avaliar a necessidade de provas.4. As diretrizes para o reconhecimento da atividade especial foram articuladas, reafirmando que a legislação aplicável é a vigente à época da prestação do serviço, a validade do PPP a partir de 2004, a aceitação de laudos extemporâneos e a avaliação qualitativa para agentes químicos, além de detalhar os limites de tolerância para ruído conforme a evolução legislativa.5. As alegações da Autarquia sobre a habitualidade e permanência da exposição a agentes nocivos foram consideradas improcedentes, pois a jurisprudência entende que a especialidade pode ser reconhecida mesmo sem a quantidade exata de tempo de exposição, desde que o segurado estivesse sujeito diuturnamente a condições prejudiciais à saúde, sendo a exposição inerente à rotina de trabalho.6. A decisão detalhou as diretrizes sobre a eficácia do EPI, conforme o IRDR 15/TRF4 e o Tema 1.090/STJ, estabelecendo que a informação de eficácia no PPP, em princípio, afasta o tempo especial, mas o segurado pode comprovar a ineficácia, sendo a dúvida favorável a ele. Situações como descumprimento da NR-6 ou exposição a agentes sabidamente não neutralizáveis (ruído, cancerígenos) justificam a desconsideração da eficácia do EPI.7. A extemporaneidade do laudo técnico não impede o reconhecimento da atividade especial, pois se presume que as condições de trabalho anteriores eram, no mínimo, tão nocivas quanto as constatadas posteriormente, dada a evolução tecnológica e das normas de segurança.8. A especialidade da atividade por exposição ao ruído é reconhecida conforme os limites de tolerância vigentes em cada período (80, 90 ou 85 dB) e, para picos de ruído, pelo NEN ou nível máximo. O uso de EPI é considerado ineficaz para neutralizar os danos do ruído, conforme o Tema 555 do STF, que estabelece que a declaração de eficácia do EPI no PPP não descaracteriza o tempo especial para ruído acima dos limites legais.9. A poeira vegetal é reconhecida como agente nocivo prejudicial à saúde, especialmente ao trato respiratório, e, por constar na LINACH como agente cancerígeno, sua exposição justifica o reconhecimento da especialidade sem necessidade de análise quantitativa, sendo irrelevante o uso de EPI.10. A exposição à poeira de sílica, listada como agente cancerígeno no Grupo 1 da LINACH, caracteriza a especialidade da atividade independentemente de análise quantitativa, sendo suficiente a avaliação qualitativa. O uso de EPI/EPC não elide a exposição a esse agente, e o reconhecimento da especialidade pode retroagir a períodos anteriores à Portaria Interministerial nº 09/2014.11. O trabalho em indústria calçadista, mesmo em funções de "serviços gerais", é reconhecido como especial devido ao notório contato com agentes químicos como hidrocarbonetos de colas e outros insumos. A prova pericial por similaridade é aceita para comprovar a exposição, não se tratando de enquadramento por categoria profissional, mas de adequação à realidade fática da atividade.12. A exposição a hidrocarbonetos e óleos minerais, que contêm benzeno (agente cancerígeno do Grupo 1 da LINACH), justifica o reconhecimento da atividade especial por avaliação qualitativa, conforme o Decreto nº 8.123/2013 e a Portaria Interministerial MTE/MS/MPS nº 09/2014. O uso de EPI é irrelevante para esses agentes, e o reconhecimento da especialidade não é limitado pela data da alteração normativa, pois o agente sempre foi cancerígeno.13. O autor tem direito à aposentadoria especial na DER (19/07/2018), pois cumpriu o tempo mínimo de 25 anos de trabalho em condições especiais, totalizando 25 anos, 11 meses e 26 dias, conforme o art. 57 da Lei nº 8.213/91.14. O tempo total de contribuição do autor, mesmo com a conversão dos períodos especiais pelo fator 1,4, totaliza 37 anos, 7 meses e 17 dias, o que é insuficiente para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição na DER (19/07/2018), conforme os requisitos da Lei nº 8.213/91.15. A conversão do tempo especial em comum é permitida, inclusive após 1998, utilizando o fator 1,4 para homens (25 anos especial para 35 comum), conforme o Decreto 3.048/99 e jurisprudência do STJ. Contudo, a Emenda Constitucional nº 103/2019 vedou a conversão de tempo especial em comum para períodos cumpridos após 13/11/2019.16. Conforme o Tema 709 do STF, é constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece ou retorna ao labor nocivo. A data de início do benefício (DIB) é a DER, mas o pagamento cessa após a implantação se houver continuidade ou retorno à atividade especial. Valores recebidos de boa-fé até 23/02/2021 são irrepetíveis, e o desligamento da atividade é exigível apenas após a implantação do benefício, mediante devido processo legal pelo INSS.17. Os consectários foram fixados de ofício, determinando a aplicação do INPC para correção monetária a partir de 04/2006 e juros de mora de 1% ao mês até 29/06/2009, e taxa da poupança a partir de 30/06/2009. A partir de 09/12/2021, incide a taxa Selic, conforme a EC 113/2021. Contudo, devido à alteração da EC 113/2021 pela EC 136/2025, que criou um vácuo legal, a partir de 10/09/2025, aplica-se a Selic com base no art. 406, § 1º, do Código Civil, ressalvando-se a definição final dos índices para a fase de cumprimento de sentença devido à pendência de ADI e Tema 1.361/STF.18. O INSS é isento do pagamento de custas processuais no Foro Federal e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, mas deve arcar com eventuais despesas processuais, conforme as leis específicas de cada estado.19. Os honorários advocatícios foram fixados em 10% sobre as parcelas vencidas, conforme o art. 85 do CPC/2015 e a Súmula 76 do TRF4, considerando a sucumbência do INSS.20. A implantação imediata do benefício de aposentadoria especial ou por tempo de contribuição foi determinada, nos termos do art. 497 do CPC, a ser efetivada pelo INSS em até 30 dias, facultando-se ao autor a opção pelo benefício mais vantajoso. IV. DISPOSITIVO E TESE:21. Negado provimento à apelação do INSS. Parcial provimento à apelação do autor para reconhecer os períodos de 07/01/2013 a 12/10/2014, 17/09/2001 a 31/03/2004, 20/08/2007 a 23/10/2012 e 01/03/2018 a 13/06/2018 como especiais, e para conceder o benefício de aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição, facultada a opção pelo melhor benefício. Alterados os honorários sucumbenciais e fixados de ofício os índices de correção monetária aplicáveis. Determinada a implantação imediata do benefício. Tese de julgamento: 22. O reconhecimento da atividade especial por exposição a agentes nocivos, como ruído e agentes químicos cancerígenos (hidrocarbonetos, cromo, sílica, poeira vegetal), é possível mesmo com laudos extemporâneos ou uso de EPI, desde que comprovada a habitualidade e permanência, garantindo o direito à aposentadoria especial ou por tempo de contribuição. ___________Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 100, § 5º; EC nº 103/2019, art. 3º, art. 21, art. 25, § 2º; EC nº 113/2021, art. 3º; EC nº 136/2025, art. 3º; Lei nº 8.213/1991, art. 29, II, art. 29-C, art. 33, art. 41-A, art. 57, § 3º, § 8º, art. 58, § 1º, § 2º, art. 142; Lei nº 9.289/1996, art. 4º, I; Lei nº 9.494/1997, art. 1º-F; Lei nº 9.732/1998; Lei nº 9.876/1999; Lei nº 11.960/2009; Lei Estadual nº 8.121/1985, art. 11; Lei Estadual nº 14.634/2014, art. 5º; Lei Complementar-SC nº 755/2019, art. 7º; Decreto nº 53.831/1964, art. 2º, Anexo, Cód. 1.1.6, 1.2.11; Decreto nº 83.080/1979, Anexo I, Cód. 1.0.0, 1.2.10; Decreto nº 2.172/1997, Anexo IV; Decreto nº 3.048/1999, art. 68, §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 9º, art. 70, Anexo IV, Cód. 1.0.3, 1.0.10, 1.0.17, 1.0.18, 1.0.19, 2.0.1; Decreto nº 4.882/2003; Decreto nº 8.123/2013; Portaria Interministerial MTE/MS/MPS nº 09/2014; Portaria nº 3.214/1978 do MTE, NR-6, NR-15, Anexo 13; IN INSS/PRES nº 77/2015, art. 278, § 1º, I, art. 279, § 6º, art. 284, p.u.; CPC/2015, art. 85, §§ 2º, 3º, 4º, III, 5º, 6º, 11, art. 86, art. 240, caput, art. 370, art. 487, I, art. 497, art. 1.009, § 2º, art. 1.010; CC/2002, art. 389, p.u., art. 406, § 1º.Jurisprudência relevante citada: STF, RE 174.150-3/RJ; STF, ARE 664.335 (Tema 555); STF, RE 870.947 (Tema 810); STJ, REsp 192.681, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, j. 24.03.2003; STJ, REsp 1398260/PR (Tema 694); STJ, REsp 1886795/RS (Tema 1083); STJ, REsp 1890010/RS (Tema 1083), Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Seção, j. 18.11.2021; STJ, REsp 1151363/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, j. 23.03.2011; STJ, Súmula 204; STJ, Súmula 111; STJ, Tema 1090; TFR, Súmula 198; TRF4, EINF 0010314-72.2009.404.7200, Rel. Des. Federal Celso Kipper, Terceira Seção, j. 07.11.2011; TRF4, IRDR 5054341-77.2016.4.04.0000 (IRDR 15/TRF4), 3ª Seção, j. 22.11.2017; TRF4, AC n.º 2003.04.01057335-6, Rel. Des. Federal Celso Kipper, 5ª Turma, j. 02.05.2007; TRF4, AC 5067089-60.2011.4.04.7100, Rel. João Batista Pinto Silveira, Sexta Turma, j. 30.09.2022; TRF4, AC 5000822-16.2019.4.04.7104, Rel. João Batista Pinto Silveira, Sexta Turma, j. 25.08.2022.
(TRF-4, AC 5000004-05.2022.4.04.7122, , Relator(a): ÉZIO TEIXEIRA, Julgado em: 17/12/2025)