PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO
ARTIGO 19 DA
LEI Nº 4.717/65. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MPF. REJEITADA. LEGITIMIDADE DA UNIÃO. INTERESSE NO FEITO. NULIDADE DA SENTENÇA. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS DE PROCEDIMENTO FORMAL. AGRAVO RETIDO. INCLUSÃO DO CADE NA LIDE. ASSISTENTE LITISCONSORCIAL. POSSIBILIDADE LEGAL DE INTERVENÇÃO. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. APLICAÇÃO DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS PELO CADE.
LEI Nº 8.884/94. INSTAURAÇÃO CONCOMITANTE DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA E PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS. TRÂNSITO EM JULGADO DE SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE
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...JUSTIÇA DE SÃO PAULO EM ACP. DECISÃO BASEADA EM MATÉRIA FÁTICA. CADE E UNIÃO NÃO COMPUSERAM A LIDE. POSSIBILIDADE DE NOVO AJUIZAMENTO. LITISPENDÊNCIA DA AÇÃO AJUIZADA NA JUSTIÇA ESTADUAL. INOCORRÊNCIA.
Ressalte-se que se trata de caso de remessa obrigatória, embora a Lei nº 7.347/1985 silencie a respeito, uma vez que, por interpretação sistemática das ações de defesa dos interesses difusos e coletivos, conclui-se aplicável analogicamente o artigo 19 da ação popular (Lei nº 4.717/65). Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que a sentença que extinguir a ação civil pública por ausência de interesse de agir está sujeita ao reexame necessário. Precedente.
O artigo 12 da Lei nº 8.884/94, que dispunha sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico e se encontrava em vigor na data do ajuizamento da ação (01/04/2005), conferia ao CADE a prerrogativa de requerer ao MPF a adoção de medidas judiciais para a defesa da ordem econômica e financeira, com base nas atribuições previstas no artigo 6º, inciso XIV, alínea “b”, da Lei Complementar nº 75/1993. No mesmo sentido o artigo 47 da Lei nº. 12.529/2011.
Registra-se que o artigo 6°, inciso XIV, alínea “b”, da LC nº 75/93 confere ao Ministério Público a prerrogativa de, verbis: “promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, especialmente quanto: (...) b) à ordem econômica e financeira” [ressaltado].
Para o Superior Tribunal de Justiça: “17. O novel art. 129, III, da Constituição Federal habilitou o Ministério Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social não se limitando à ação de reparação de danos. 18. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público (neste inserido o histórico, cultural, urbanístico, ambiental, etc), sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade), bem como à defesa da ordem econômica, consoante dispõe o parágrafo único do art. 1º da lei 8.884/94 (...)” (REsp n. 677.585/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 6/12/2005, DJ de 13/2/2006, p. 679).
A despeito de a legitimidade do autor encontrar amparo legal, cabe salientar que o Ministério Público Federal tem atribuição para atuar nas causas de competência da Justiça Federal e em que houver um interesse federal envolvido, entre os elencados no artigo 109 da Constituição (artigo 37, inciso I, da LC 75/93). In casu, há interesse da União, porquanto, de acordo com o artigo 21, inciso XII, da Constituição Federal, é de sua competência a exploração, direta ou mediante autorização, concessão ou permissão, dos portos marítimos. No mesmo sentido, o artigo 1ª da Lei nº 8.630/93 (Lei dos Portos) e artigo 1º da Lei nº 12.815/2013 estabelecem que cabe à União explorar diretamente ou por concessão os portos e instalações portuárias e as atividades desempenhadas pelos operadores portuários. No caso, os serviços são explorados indiretamente pelos requeridos, na qualidade de concessionários da União, o que evidencia o interesse do ente federal.
Registra-se que o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a legitimidade ativa do MPF para: “a propositura de ações civis públicas, visando à tutela de direitos individuais homogêneos, mesmo que disponíveis e divisíveis, quando socialmente relevante o bem jurídico cuja proteção é intentada” (AREsp n. 1.325.652/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 11/11/2022.). No mesmo sentido: AgInt no REsp n. 1.568.892/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 6/6/2022, DJe de 10/6/2022, AgInt no REsp n. 1.785.635/CE, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16/3/2021, DJe de 13/4/2021 e REsp n. 984.005/PE, relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 13/9/2011, DJe de 26/10/2011.
De acordo com o artigo 21, inciso XII, da Constituição Federal, compete à União a exploração, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, dos portos marítimos. Por sua vez, o CADE é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, como prevê o artigo 1º do Decreto nº 7.738/2012, órgão integrante da administração pública federal direta. Desse modo, resta claro o interesse da União.
A União manifestou o interesse no feito e requereu o seu ingresso no polo passivo, com fundamento no artigo 21, XII, alíneas “d" e "f", da Constituição Federal (Id. 101990321 – fls. 135/145), o que foi deferido pelo magistrado. A pretensão de exclusão da lide é incompatível com o pedido anterior de ingresso no polo passivo, o que é vedado pelo artigo 292, § 1º, inciso I, do CPC/73, vigente à época dos fatos.
Quanto à existência de trânsito em julgado de sentença proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em ação civil pública idêntica, apesar de ambas as ações tratarem de questões similares e que poderiam, eventualmente, ensejar o reconhecimento de causa impeditiva da propositura desta ação, constatam-se os seguintes óbices: ambas são ações civis públicas e a legislação de regência, qual seja, a Lei nº 7.347/85, preceitua em seu artigo 16: “A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova".
Nas situações em que a discussão recai sobre direitos essencialmente coletivos, o processo fica sujeito às regras do microssistema próprio das ações coletivas, que abrange, especialmente, as contidas na Lei da Ação Civil Pública, na Lei da Ação Popular e no Código de Defesa do Consumidor (como se depreende dos artigos 90 do CDC e 21 da LACP), sempre à luz da Constituição Federal. Ao se tratar de direito difuso ou coletivo propriamente dito, a coisa julgada será erga omnes, salvo se o pedido aduzido em juízo for julgado improcedente por insuficiência de provas. Em tais circunstâncias, os legitimados previstos no artigo 82 do CDC poderão repropor a ação.
Destaque-se que, mesmo que o julgador não tenha declarado expressamente que a improcedência se deve à insuficiência das provas, se a sentença tiver sido proferida sem a totalidade das provas disponíveis à época, deve-se entender a insuficiência do conjunto probatório para o convencimento a permitir eventual repropositura da ação. Trata-se de uma interpretação em prol da defesa dos direitos transindividuais, que se sustenta em razão das características especiais da coisa julgada coletiva. Assim, a decisão proferida nas referidas ações atingirá a esfera jurídica de todos os membros da coletividade ou de um determinado grupo, conforme consta no artigo 81 do CDC, parágrafo único, I e II, porquanto a satisfação de um implicará a de todos, da mesma forma que a lesão de um também será a de toda a coletividade. É por esse motivo que se assegura a repropositura de uma mesma ação, com base em provas novas, a fim de se evitar a produção de coisa julgada oponível a toda a coletividade decorrente de um julgamento em que não se atingiu o convencimento sobre a ocorrência ou não dos fatos alegados em razão da insuficiência das provas. Precedente.
Constata-se que o CADE e a União não compuseram nenhum dos polos na ação ofertada na Justiça estadual, o que possibilita afirmar que a imutabilidade e a indiscutibilidade da coisa julgada na esfera estadual NÃO PODEM SER OPOSTAS aos que não participaram da sua produção, notadamente quando deveriam, o que alteraria, inclusive, a competência para o julgamento daquela ação, examinada por juízo absolutamente incompetente. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no mesmo sentido, ao afirmar que: "A nulidade por incompetência absoluta do juízo e ausência de citação da executada no feito que originou o título executivo são matérias que podem e devem ser conhecidas mesmo que de ofício, a qualquer tempo ou grau de jurisdição, pelo que, perfeitamente cabível sejam aduzidas, como in casu o foram, por meio de simples petição, o que configura a cognominada"exceção de pré-executividade ". (STJ - EREsp: 667002 DF 2008/0129342-7, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 17/06/2015, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 06/08/2015). Destarte, a ação estadual apresentada como fato impeditivo da propositura desta ação não gera a consequência alegada, uma vez que examinada por juízo absolutamente incompetente, o que afasta a formação da coisa julgada.
A nulidade da sentença decorre de vícios de procedimento formal (error in procedendo), pela inobservância de requisitos necessários à prática do ato, capazes de invalidar a decisão judicial, decorrentes da infração à norma processual pelo julgador. Por sua vez, a apreciação da demanda de forma equivocada, a análise das provas e aplicação do direito de forma errônea ou a interpretação desacertada da norma não caracterizam vício de integração e não acarretam a nulidade ou cassação do decisum, mas a sua reforma. Nesse sentido: "Como é cediço, o error in procedendo, ou erro de forma, é vício processual, decorrente do descompasso entre a decisão e as regras processuais, já o error in judicando, ou erro de conteúdo, é vício de fundo, em que se alega o descompasso da decisão com normas de direito material. Na primeira situação, tem-se a anulação da decisão, já na segunda, tem-se sua reforma (AgRg no REsp 1797306/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 23/05/2019)” (AgRg no REsp n. 1.977.077/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 10/6/2022.).
A análise do magistrado decorreu da interpretação lógico-sistemática extraída do pedido e causa de pedir apresentados na inicial e foi fundamentada na Lei nº 8.884/90 e jurisprudência aplicável à espécie, bem como considerada a decisão proferida pelo Plenário do CADE no Processo Administrativo n° 08012.007443/99-17. Entendeu que a pretensão do autor havia sido totalmente satisfeita pela decisão do CADE, motivo pelo qual concluiu ter havido a perda superveniente do interesse de agir. Ocorreu a aplicação do direito ao caso concreto, ainda que de forma contrária à tese defendida pelas apelantes. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça: “Os pedidos formulados na demanda devem ser interpretados pelo método lógico-sistemático, bem como a própria causa de pedir, extraindo-se da peça tudo que a parte pretende obter. Esse entendimento é aplicável à petição inicial, à contestação e aos recursos. Os argumentos da inicial do agravo de instrumento foram compatíveis com a decisão de primeiro grau agravada, sendo possível colher de suas razões o inconformismo e o interesse na reforma” (AgInt no AREsp n. 1.553.187/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 11/2/2020, DJe de 18/2/2020). .
O artigo 89 da Lei nº 8.884/94, que dispunha sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, vigente à época dos fatos, conferia ao CADE a faculdade de intervir nos feitos em que se discutisse a aplicação desta lei, na qualidade de assistente. Ademais, há interesse jurídico do CADE no presente feito, porquanto, como mencionado pela autarquia, a decisão judicial proferida pode afetar diretamente a decisão administrativa e influenciar na relação jurídica administrativa existente entre o CADE e as apeladas, o que autoriza a sua admissão na qualidade de assistente litisconsorcial, como prevê o artigo 54 do CPC/73.
A aplicação de sanções administrativas pelo CADE por infrações da ordem econômica independe das medidas judiciais adotadas pelo Ministério Público Federal para a defesa da ordem jurídica, econômica e financeira, como previa o artigo 12, parágrafo único, da Lei nº 8.884/94, que se encontrava em vigor na data do ajuizamento, inclusive para requerer a reparação civil. Nesse sentido, o artigo 19 da norma estabelecia que a aplicação de sanções por infrações à ordem econômica não excluía a punição de outros ilícitos legalmente previstos. Por sua vez, o artigo 29 conferia aos prejudicados, por si ou pelos legitimados, o direito de ajuizar ação para a defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, para a cessação de práticas violadoras à ordem econômica, bem como o recebimento de indenização pelas perdas e danos sofridos (artigo 1º, V, da Lei nº 7.347/1985), independentemente do processo administrativo, que não seria suspenso nesse caso. Para o Superior Tribunal de Justiça, a instauração concomitante de ação civil pública e procedimento administrativo para a apuração e punição de um mesmo fato não viola o princípio do ne bis in idem, à vista da independência das esferas civil, penal e administrava. Precedente.
Verifica-se que a causa se encontra em condições de imediato julgamento (artigo 515, § 3º, do CPC/73).
A exigência da taxa THC2/SSE para liberação dos contêineres é ilegal e abusiva, uma vez que não encontra amparo legal ou contratual e objetiva a remuneração de serviços que são pagos pelos armadores aos requeridos por meio da tarifa denominada box rate.
As resoluções da ANTAQ, que embasam a cobrança, violam o artigo 20, inciso II, “b”, da Lei 10.233/2001, pois possibilitam situações que configuram competição imperfeita ou infração da ordem econômica, bem como o artigo 27, inciso IV, porquanto não garantem o acesso e uso dos importadores à infraestrutura portuária em condições isonômicas, independentemente da opção de armazenagem das cargas, seja no recinto alfandegado dos operadores ou independentes, não asseguram os direitos dos usuários e não fomentam a competição entre os operadores.
Não há que falar em dano moral coletivo, eis que este depende da ofensa a interesses legítimos, valores e patrimônio ideal de uma coletividade que devam ser protegidos, o que não ocorreu na hipótese.
Agravo retido desprovido. Sentença reformada nos termos do
artigo 515,
§ 3º, do
CPC/73 para julgar parcialmente procedente o pedido inicial, a fim de reconhecer a ilegalidade da cobrança da denominada THC2 e determinar a suspensão imediata da referida cobrança a partir da intimação do presente acórdão.
(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0003277-84.2004.4.03.6104, Rel. Desembargador Federal ANDRE NABARRETE NETO, julgado em 14/05/2024, Intimação via sistema DATA: 17/05/2024)