CÍVEL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. DADO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
1. Pedido de indenização por danos morais e materiais. A parte autora alega que colocou em penhor junto à requerida as seguintes joias: uma pulseira e um colar, através do contrato n.º 1617.213.00007750-1. Aduz que, após o roubo, a Caixa Econômica Federal (Ré) enviou, por meio de correspondência, aviso de ocorrência e pagamento de indenização, o qual informava que as suas joias haviam sido roubadas e que a Autora seria indenizada no montante R$ 1.079,11. Alega que, apesar da avaliação das joias somar o montante de R$ 1.316,00 (mil trezentos e dezesseis reais), esse foi o valor dado pela CEF, não sendo o valor real das joias. Afirma que
...« (+2350 PALAVRAS) »
...se tratava de joias de família, de valor inestimável. Requer a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, no montante de R$ 30.000,00 e pagamento de danos materiais no montante de R$ 8.773,33.2. Conforme consignado na sentença:
"Trata-se de ação através da qual pretende a parte autora a condenação da Caixa Econômica Federal - CEF ao pagamento de indenização por danos materiais e morais.
Alega, em síntese que penhorou algumas joias no banco réu que posteriormente foram roubadas de dentro da agência. Requer a condenação da CEF em danos materiais e morais.
Citada, a CEF apresentou contestação pugnando pela improcedência do pedido.
A pedido da parte autora foi realizada perícia na especialidade gemologia.
É o relatório.
Decido.
Concedo os benefícios da Justiça Gratuita.
No mais, verifico que as partes são legítimas e estão bem representadas, estando presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, pelo que passo ao exame do mérito.
Inicialmente, friso que o parágrafo segundo do artigo 3º da Lei 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, foi expresso em incluir os serviços de natureza bancária como serviços prestados em relação de consumo.
Além disso, empresas públicas como a Caixa Econômica Federal foram expressamente abrangidas pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme se depreende do art. 22, a seguir transcrito:
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.
Claro está, portanto, que a Caixa Econômica Federal, enquanto instituição bancária autorizada a funcionar pelo Banco Central, tem o dever de fornecer serviços adequados, eficientes e seguros aos seus clientes/consumidores.
Dessa forma, aplica-se o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual a responsabilidade do fornecedor de serviços é objetiva, respondendo ele por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos, responsabilidade essa que somente pode ser afastada quando comprovado que o defeito inexiste ou que se deu em virtude de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.
No presente caso foi firmado contrato de penhor entre as partes com cláusulas específicas onde constou o valor da avaliação do bem penhorado. A parte autora tomou conhecimento e anuiu com as cláusulas específicas conforme observa-se do contrato de fls. 23/24 do arquivo nº 03.
Ademais, nos termos do artigo 1.435, inciso I, do Código Civil, a CEF como depositária, ao responder pelo extravio, enviou correspondência à autora informando sobre a ocorrência e pagamento de indenização.
A autora, em depoimento pessoal, afirmou que não recebeu a indenização ofertada pela CEF, pois preferiu ajuizar a presente ação de indenização. Afirmou ainda que o valor sentimental das joias era baseado no fato de que estas eram passadas de geração em geração, desde a sua avó.
O informante do juízo, irmão da autora, no entanto, informou que as joias eram de uso pessoal da autora e desconhecia quais joias especificamente foram dadas em penhor.
Dessa forma, quanto ao pedido de danos morais, entendo que não houve comprovação acerca do caráter emocional das joias, não havendo que se falar em indenização.
Além disso, não tendo havido qualquer falha na prestação do serviço pela CEF que somente executou o contrato de penhor conforme previsão legal e contratual, mostra-se improcedente o pedido formulado pela autora.
Diante do exposto e do mais que dos autos consta, resolvo o mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil e JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por VERONICA MAETZU (...). (...)"3. Recurso da parte autora: Alega que suas jóias furtadas eram de valor sentimental e foram passadas de geração para geração pela família da autora. Salienta que a recorrida não adotou as providências cabíveis para proteger os bens de família que foram penhoradas pela recorrente. Salienta que tem o direito de ser indenizada por danos materiais em valor de mercado por suas joias roubadas. Aduz que restam demonstrados os fatos e o direito da Recorrente em obter da Recorrido a indenização pelos danos morais sofridos, em decorrência do Roubo de suas joias penhoradas.4. Laudo pericial (evento 48): "(...) A partir dos exames realizados foram estabelecidos valores, ainda que de forma indireta, considerando o metal nobre utilizado (Ouro 18klts), gemas quando descritas e mão de obra para a manufatura de cada peça. Foram feitas pesquisas junto às ourivesarias e no mercado varejista de joias e gemas a fim de estabelecer um parâmetro referente às informações existentes. Contudo, visto que a Caixa Econômica Federal não apresenta o peso das peças na sua individualidade este expert adota a média de peso para cada peça. Cabe destacar ainda que os valores obtidos são para a reposição visto que a intenção do Requerente não era a venda da peça. Os exames foram realizados nos contratos e nas informações nelas constantes, ainda que incompletas, conforme consta no item 5 das avaliações de cada contrato de penhor, cuja avaliação totalizou a importância de R$ R$ 4.077,30 (Quatro Mil, Setenta e Sete Reais e Trinta Centavos). (...)."5. O contrato celebrado pelas partes prevê o pagamento de indenização pela CEF, nos seguintes termos: "O(s) objeto(s) que for(em) roubado(s), furtado(s) ou extraviado(s) sob custódia da CAIXA, será(ão) indenizado(s) em 1,5 (um inteiro e cinco décimos) vezes o valor de sua avaliação devidamente atualizada com base na variação do índice de atualização da correção monetária das contas de poupança, apurado no período entre a data de concessão do empréstimo e a data do pagamento da indenização." - cláusula 12.1 (evento 19). No contrato de penhor celebrado pela parte autora (1617.213.00007750-1), consta o valor do empréstimo de R$ 1.118,60 e o valor da avaliação das joias de R$ 1.316,00 - data do empréstimo: 20/02/2017; data do vencimento: 22/03/2017.6. A respeito da indenização decorrente do roubo de joias objeto de contrato de penhor, assim decidiram a TNU e o STJ:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. CONTRATO DE PENHOR. ROUBO DE JOIAS APENHADAS. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA LIMITADORA DE INDENIZAÇÃO A 1,5 (UMA VEZ E MEIA) O VALOR DA AVALIAÇÃO. DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA PELA 2.ª TURMA RECURSAL DO PARANÁ. ALEGAÇÃO DE DISSÍDIO COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DA 1.ª TURMA RECURSAL DE MATO GROSSO, DA 1.ª TURMA RECURSAL DE GOIÁS E DA 2.ª TURMA RECURSAL DO RIO DE JANEIRO. INDENIZAÇÃO JUSTA. VALOR DE MERCADO FIXADO PERICIALMENTE. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. COMPROVAÇÃO DO FATO QUE GEROU A DOR. DIVERGÊNCIA DEMONSTRADA. NULIDADE DA SENTENÇA E DO ACÓRDÃO. NECESSIDADE DE PERÍCIA PARA AFERIÇÃO DO VALOR DAS JOIAS,BEM COMO PARA FIXAÇÃO DOS DANOS MORAIS. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO A QUO, PARA NOVO JULGAMENTO (TNU - QUESTÕES DE ORDEM N.º 6 E 20). CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMENTO DO INCIDENTE. - Comprovada a similitude fático-jurídica e a divergência entre o acórdão recorrido e os paradigmas do STJ (REsp. n.º 113311 PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJ 5 nov. 2009; REsp. n.º 273089 SP, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 24 out. 2005; REsp. n.º 153274 SP, Rel. Min. Castro Filho, DJ 28 out. 2002); da 1.ª TR-MT (RI n.º 200636007003449, Rel. Juiz Federal Cesar Augusto Bearsi, DJ 31 mar. 2006; RI n.º 200536009128438, Rel. Juiz Federal Raphael Cazelli de Almeida Carvalho, DJ 2 ago. 2007), da 1.ª TR-GO (RI n.º 200235007026970, Rel. Juíza Federal Maria Divina Vitória, DJ 30 out. 2002); e da 2.ª TR-RJ (TI n.º 20045162000349501, Rel. Juiz Federal Marcelo Luzio Marques Araújo, DJ 21 ago. 2007), tem cabimento o incidente de uniformização. - É abusiva e, portanto, nula a cláusula de contrato de penhor bancário que fixa em uma vez e meia o valor da avaliação do bem apenhado, no caso de roubo, furto ou extravio, devendo a justa indenização corresponder ao valor de mercado dos bens, devida, ainda, indenização por danos morais, ante a comprovação do fato ensejador da lesão. - Hipótese na qual a recorrente alega que o acórdão da Turma Recursal de origem, que confirmou a sentença de improcedência de sua pretensão, divergiria da jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça e da 1.ª TR-MT, da 1.ª TR-GO e da 2.ª TR-RJ, no sentido de ser abusiva a cláusula de contrato de penhor bancário que fixa em 1,5 (uma vez e meia) o valor da avaliação, no caso de roubo, furto ou extravio dos bens apenhados, devendo a justa indenização corresponder ao valor de mercado desses bens, devida, ainda, indenização por danos morais, ante a comprovação da lesão. - Situação em que a sentença de improcedência, confirmada pela Turma de origem, concluiu não ser abusiva a cláusula limitadora da indenização, bem como entendeu não configurados os danos morais, não demonstração de serem as joias de família. - A TNU já firmou entendimento de que é abusiva e, portanto, nula a cláusula de contrato de penhor bancário que fixa em uma vez e meia o valor da avaliação, no caso de roubo, furto ou extravio dos bens empenhados, devendo a justa indenização corresponder ao real valor de mercado dos bens (PEDILEF n.º 200770500021888, Rel. Juíza Federal Simone dos Santos Lemos Fernandes, DOU 22 jul. 2011). - Necessidade de realização de perícia, para aferir o valor das joias, bem como para fixação do quantum devido a título de danos morais, incidindo a Questão de Ordem n.º 20 da TNU segundo a qual "Se a Turma Nacional decidir que o incidente de uniformização deva ser conhecido e provido no que toca a matéria de direito e se tal conclusão importar na necessidade de exame de provas sobre matéria de fato, que foram requeridas e não produzidas, ou foram produzidas e não apreciadas pelas instâncias inferiores, a sentença ou acórdão da Turma Recursal deverá ser anulado para que tais provas sejam produzidas ou apreciadas, ficando o juiz de 1º grau e a respectiva Turma Recursal vinculados ao entendimento da Turma Nacional sobre a matéria de direito". - Incidente conhecido e parcialmente provido para, reafirmando o precedente mencionado, anular a sentença e o acórdão impugnado, para determinar a remessa dos autos ao Juízo a quo, para que profira novo julgamento, ficando as instâncias vinculadas ao entendimento da TNU sobre a matéria de direito (TNU - Questões de Ordem n.º 6 e 20). - grifos meus (PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL n.º 200870500027986, TNU, DJ 31.08.2012, Relator JUIZ FEDERAL JANILSON BEZERRA DE SIQUEIRA) (grifos nossos).
EMEN: CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PENHOR. JOIAS. FURTO. FORTUITO INTERNO. RECONHECIMENTO DE ABUSO DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE LIMITA O VALOR DA INDENIZAÇÃO EM FACE DE EXTRAVIO DOS BENS EMPENHADOS. VIOLAÇÃO AO ART. 51, I, DO CDC. OCORRÊNCIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. No contrato de penhor é notória a hipossuficiência do consumidor, pois este, necessitando de empréstimo, apenas adere a um contrato cujas cláusulas são inegociáveis, submetendo-se à avaliação unilateral realizada pela instituição financeira. Nesse contexto, deve-se reconhecer a violação ao art. 51, I, do CDC, pois mostra-se abusiva a cláusula contratual que limita, em uma vez e meia o valor da avaliação, a indenização devida no caso de extravio, furto ou roubo das joias que deveriam estar sob a segura guarda da recorrida. 2. O consumidor que opta pelo penhor assim o faz pretendendo receber o bem de volta, e, para tanto, confia que o mutuante o guardará pelo prazo ajustado. Se a joia empenhada fosse para o proprietário um bem qualquer, sem valor sentimental, provavelmente o consumidor optaria pela venda da joia, pois, certamente, obteria um valor maior. 3. Anulada a cláusula que limita o valor da indenização, o quantum a título de danos materiais e morais deve ser estabelecido conforme as peculiaridades do caso, sempre com observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 4. Recurso especial provido. - grifos meus (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1155395, 4ª Turma do STJ, DJE DATA:29/10/2013, Relator Ministro RAUL ARAÚJO) (grifos nossos).7. Deste modo, reconheço a nulidade da cláusula 12.1 do contrato de penhor celebrado entre as partes, fazendo jus a parte autora à indenização por danos materiais, correspondente ao valor das jóias empenhadas. Acolho, outrossim, o valor apurado na perícia judicial realizada nestes autos posto que a CEF não apresentou impugnação apta a infirmá-lo; por sua vez, o valor da tributação do valor das peças, pretendido pela parte autora, não integra o valor destas e, portanto, não pode ser considerado. Ressalte-se, por oportuno, que, do valor fixado devem ser descontados os valores de indenização eventualmente já recebidos pela parte autora na via administrativa nos termos do contrato, bem como eventual saldo devedor dele em aberto.8. No entanto, não caracterizado o dano mora no caso em apreço, ante a falta de prova.9. No que tange ao termo inicial para incidência da correção monetária, a incidir de acordo com a Resolução CJF 267/13, anote-se que, nas indenizações por dano moral, deve ser observada a data do seu arbitramento, a teor da Súmula n° 362/STJ, que dispõe: "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento." Esse entendimento está fundado no preceito de que "fixada pela sentença a indenização em valor determinado, a correção monetária flui a partir da data em que prolatada a decisão, à consideração de que o quantum se encontrava atualizado naquele momento" (REsp n. 75.076-RJ(DJ 18.10.99), relator o Ministro Barros Monteiro).10. O termo inicial da contagem dos juros moratórios, por sua vez, não se confunde com o da correção monetária, posto que, em se tratando de responsabilidade extracontratual, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, nos termos dos artigos 398 e 406 do Código Civil de 2002 e Súmula nº 54 do E. STJ.11. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA, para reformar a sentença e condenar a parte ré a pagar à autora: a) a importância de R$ 4.077,30 (Quatro Mil, Setenta e Sete Reais e Trinta Centavos), a título de indenização por danos materiais, a ser atualizada conforme determina o Manual de Orientação para Procedimentos e Cálculos da Justiça Federal -
Resolução nº 267/13 do CJF. O valor da indenização deverá observar a compensação do valor da indenização eventualmente pago na via administrativa, bem como a compensação de eventuais débitos que a parte autora possua com a parte ré, em razão do contrato de penhor discutido nestes autos, mediante a comprovação adequada, em sede de execução do julgado.
12. Sem condenação em honorários, nos termos do
art. 55 da
Lei 9.099/95, porquanto não há recorrente vencido.
13. É o voto.
(TRF 3ª Região, 11ª TURMA RECURSAL DE SÃO PAULO, 16 - RECURSO INOMINADO - 5017043-77.2017.4.03.6100, Rel. JUIZ(A) FEDERAL MAIRA FELIPE LOURENCO, julgado em 30/04/2020, e-DJF3 Judicial DATA: 11/05/2020)