FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÕES. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE PACTO ANTENUPCIAL (0760384-04/2019). AÇÃO DE DIVÓRCIO E PARTILHA DE BENS (0742279-87/2020). RELAÇÃO DE PREJUDICIALIDADE. JULGAMENTO CONJUNTO.
ART. 55,
§ 3º,
CPC. APELAÇÃO DOS AUTOS Nº 0760384-04/2019. DECADÊNCIA. COAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. PRAZO QUADRIENAL. CONSUMAÇÃO. PACTO ANTENUPCIAL. VALIDADE. CELEBRAÇÃO APÓS O CASAMENTO RELIGOSO DAS PARTES. AUSÊNCIA DO REGISTRO CIVIL NO PRAZO LEGAL. SIMULAÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. APELO DESPROVIDO. HONORÁRIOS MAJORADOS CONFORME
ART. 85,
§ 11...« (+2001 PALAVRAS) »
..., DO CPC. APELAÇÕES DOS AUTOS Nº 0742279-87/2020. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DO AUTOR. REJEIÇÃO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEIÇÃO. PARTILHA DE FLAT E INDENIZAÇÃO DE BENFEITORIAS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. PARTILHA DE RESERVA DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. SALDO CONSTITUÍDO ANTES E DURANTE O MATRIMÔNIO. REVISÃO DE PARTILHA DE IMÓVEIS E DIREITOS HEREDITÁRIOS. PEDIDO PREJUDICADO. PARTILHA DE MÓVEIS QUE GUARNECEM A RESIDÊNCIA DO EX-CASAL. POSSIBILIDADE. APELO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DA RÉ DESPROVIDO. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. REDIMENSIONAMENTO. IMPROVIDA A APELAÇÃO DOS AUTOS Nº 0760384-04/2019. PARCIALMENTE PROVIDA A APELAÇÃO DO AUTOR E IMPROVIDO O APELO DA RÉ NOS AUTOS Nº 0742279-87/2020. 1. Julgamento conjunto das apelações interpostas nos Processos nº 0760384-04.2019.8.07.0016 (anulação de pacto antenupcial) e nº 0742279-87.2020.8.07.0001 (divórcio e partilha de bens), em razão da evidente relação de prejudicialidade entre as ações, com base no art. 55, § 3º, do CPC. 2. Apelação dos autos nº 0760384-04/2019 (ação de anulação de pacto antenupcial). 2.1. Apelação interposta contra sentença que declarou a decadência do direito e julgou improcedente o pedido de declaração da nulidade do pacto antenupcial celebrado entre as partes, pelo qual foi adotado o regime da comunhão universal de bens. 2.1.1. Nesta sede recursal, a autora requer a reforma da sentença para ?afastar a declaração de decadência, seja com relação à causa de pedir principal, que é uma nulidade não sujeita a qualquer prazo prescricional, seja com relação à causa de pedir subsidiária, a existência de coação, por que houve prova suficientemente da sua ocorrência e inexistência de qualquer prova de sua cessação antes do fim da sociedade conjugal?. Discorre que o pacto antenupcial padece de vícios de nulidade absoluta, que não se sujeitam a qualquer prazo decadencial, por violação ao art. 1.639 do CC e simulação do negócio jurídico. Reitera a tese de que teria sido coagida para celebrar o pacto antenupcial, devendo ser afastado o entendimento do juízo sentenciante quanto à decadência do direito de postular a anulação do negócio jurídico. 2.2. Cinge-se a controvérsia em verificar se o pacto antenupcial celebrado pelas partes padece de nulidade ou anulabilidade, e, nesta segunda hipótese, se a arguição foi feita em observância aos prazos estabelecidos pelo Código Civil. 2.3. Decadência do direito à anulação do pacto antenupcial. 2.3.1. Prevista pelo art. 151 do Código Civil, a coação decorre de uma ameaça grave exercida sobre o indivíduo, contra sua vontade, para o acontecimento do negócio jurídico. 2.3.2. Não se verifica nos autos elementos de prova a justificar a afirmada coação quando da celebração do pacto antenupcial, ônus que incumbia à autora enquanto fato constitutivo do direito vindicado, nos termos do art. 373, I, do CPC. 2.3.3. Ainda que o entendimento fosse pela comprovação de que o negócio jurídico teria sido firmado sob coação, o caso seria de reconhecimento da decadência do direito à anulação do pacto, tal como decidiu o magistrado sentenciante. 2.3.4. Os vícios de vontade são causas de anulação dos negócios jurídicos, submetendo-se aos prazos decadenciais previstos nos arts. 178 e 179 do Código Civil. 2.3.5. Em negócio jurídico supostamente realizado com vício de consentimento, como na hipótese de pacto de estabelecimento de regime de bens em escritura pública alegadamente firmado mediante coação, o prazo decadencial para pleitear sua anulação é de quatro anos, conforme estipula o artigo 178, caput, do Código Civil. Em complemento, o inciso I do referido dispositivo prescreve que esse prazo deve ser contado a partir do dia em que ela cessar. 2.3.6. Levando-se em conta que a demanda somente fora ajuizada após a consumação do prazo quadrienal aplicável à espécie, a decadência pronunciada na sentença deve ser mantida. 2.4. Nulidade do pacto antenupcial por violação ao art. 1.639 do CC e simulação do negócio jurídico. 2.4.1. Dispõe o art. 1.639 do Código Civil que ?é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver?. A norma exterioriza a liberdade de o particular dispor acerca de seus bens antes do matrimônio e de modo diverso ao regime legal oficial, adotado no art. 1.640 da legislação civilista (comunhão parcial de bens). 2.4.2. Por sua vez, o art. 1.516 do CC estabelece que a atribuição de efeitos civis ao casamento religioso depende do registro, que deve ser feito em observância ao prazo decadencial de 90 dias (art. 1.532 do CC), após o que se torna necessária nova habilitação pelos nubentes. 2.4.3. No caso, o que se verifica é que a cerimônia religiosa realizada em 2012 não atendeu aos requisitos exigidos para produzir os efeitos civis, configurando apenas uma união religiosa. A cópia integral da habilitação de casamento das partes demonstra que o procedimento teve início em 25/09/2015, atendendo às exigências legais, com a expedição da certidão de habilitação em 04/11/2015, data em que celebrado o casamento civil. Desse modo, mesmo constando do registro civil do casamento que as partes realizaram um casamento religioso com efeitos civis em 04/08/2012, o fato é que as exigências legais para o casamento civil somente foram atendidas a partir do mês de setembro de 2015. O casamento religioso realizado em 30/08/2012 não atendia às exigências legais para que pudesse surtir os efeitos civis e tanto assim é que os interessados não cuidaram de promover o seu registro civil no prazo estabelecido no art. 1.516, § 2º, c/c art. 1.532, do Código Civil. Logo, o pacto antenupcial e o registro de casamento ocorrido em 04/11/2015 prevalecem sob o casamento religioso, que não seguiu as exigências da lei, tampouco foi registrado no prazo devido. 2.4.4. Segundo o art. 167, §1º, do CPC, haverá simulação nos negócios jurídicos quando contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira, hipótese não verificada no caso em tela. A condição de solteiros declarada pelas partes quando da celebração do pacto em questão era verdadeira à época, uma vez que, conforme visto acima, o casamento anterior a este fato, celebrado no religioso, não produziu quaisquer efeitos civis. Assim, também quanto a esse ponto as alegações recursais não devem prosperar. 2.5. A apelação dos autos nº 0760384-04/2019 deve ser improvida. 2.6. Com base no art. 85, §11, CPC, devem ser majorados os honorários advocatícios de 10% para 12% sobre o valor da causa (R$ 27.000,00). 3. Apelações dos autos nº 0742279-87/2020 (ação de divórcio e partilha de bens). 3.1. Observa-se, inicialmente, que, em decisão de julgamento parcial do mérito, foi decretado o divórcio conforme transação judicial firmada entre as partes. O trânsito em julgado ocorreu em 25/06/2021, prosseguindo o feito quanto ao pedido de partilha de bens. 3.2. Nesta sede, trata-se de dupla apelação contra a sentença sobre o pedido de partilha de bens, que julgou a pretensão inicial parcialmente procedente, para partilhar os bens móveis e imóveis adquiridos na constância do casamento nos termos de sua fundamentação. 3.2.1. Em razão da sucumbência recíproca, as partes foram condenadas, à razão de 50% cada, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 70 URH (R$ 24.904,60), nos valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do DF, conforme tabela vigente no momento da prolação da sentença, nos termos do art. 85, § 8-Aº do CPC. 3.3. Preliminar de não conhecimento do recurso do autor - Rejeição. 3.3.1. Em contrarrazões, a requerida suscita o não conhecimento do recurso do autor no ponto em que trata de indenização por benfeitorias realizadas no imóvel situado no Lago Sul. Afirma que, ?se a sentença negou o pleito do autor ao fundamento da falta de comprovação dos desembolsos, o autor deveria enfrentar esses fundamentos da sentença sob pena de violar o art. 1.010, inc. III, do Código de Processo Civil?. 3.3.2. Por exigência dos arts. 1.010, II e III, CPC, a apelação deve atender ao princípio da dialeticidade, que se materializa na exposição das razões de fato e de direito pelas quais se pleiteia a cassação ou a reforma da sentença, impugnando-a especificamente. Da leitura da peça, é possível compreender, com clareza, que a pretensão recursal se volta contra o conteúdo do julgado apelado, não sendo possível falar em afronta ao aludido preceito. 3.4. Preliminar de cerceamento de defesa - Rejeição. 3.4.1. O juiz é o destinatário da prova, portanto é dele a legitimidade para aferir se a causa já está suficientemente instruída, de modo a firmar o seu convencimento sobre a necessidade ou não de dilação probatória ou complementação de provas (CPC, art. 370). No caso, a sentença foi prolatada mediante julgamento antecipado da lide, nos moldes previstos no art. 355, I, CPC. O magistrado considerou que os elementos coligidos aos autos eram suficientes para o deslinde da controvérsia, analisando a documentação constante do processo. Portanto, não se justifica a cassação da sentença para oportunizar a dilação probatória. 3.5. Mérito do recurso do autor. 3.5.1. De acordo com o art. 373, inciso II, do CPC, incumbe ao autor comprovar o fato constitutivo do direito alegado. No caso, o requerente não demonstrou a afirmada propriedade da apelada sobre o apartamento nº 302 do ?MARINA FLAT & NÁUTICA?. Também inexistem provas acerca dos gastos supostamente realizados pelo apelante para a realização das benfeitorias no imóvel doado à recorrida, situado na QI 19 do Lago Sul. Logo, correta a sentença ao afastar a pretensão de partilha de tais bens. 3.5.2. No que tange à partilha das aplicações previdenciárias da recorrida, vale frisar que o juízo de origem, apesar do capítulo 5 da sentença, em que aparentemente teria sido rejeitada a partilha desses valores, posteriormente reconheceu que as aplicações em previdência privada estão inclusas na partilha definida no capítulo 10 do decisum, conforme esclarecimento realizado em sede de julgamento de embargos de declaração. A parte ré não apresentou qualquer impugnação nesse tocante, razão pela qual preclusa a matéria. O regime da comunhão universal de bens, aplicável na hipótese dos autos, ?importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges? (art. 1.667, CPC). Logo, equivoca-se a sentença ao delimitar os valores partilháveis ao saldo constituído durante a união matrimonial. Como o regime adotado foi o de comunhão total de bens, o saldo existente antes do casamento também deve ser objeto de partilha entre o ex-casal, devendo ser excluído, apenas, o que foi constituído após a separação de fato. 3.6. Mérito do recurso da requerida. 3.6.1. Não havendo que falar em nulidade do pacto antenupcial firmado entre as partes, reputa-se prejudicado o recurso da ré no que tange ao pedido de revisão da partilha do imóvel localizado no Ouro Vermelho, do imóvel situado no Condomínio Quintas do Sol do Jardim Botânico e dos direitos hereditários. 3.6.2. No que tange à impugnação da partilha dos móveis que guarnecem a residência do ex-casal, verifica-se que os vídeos mencionados pelo sentenciante como demonstrativos dos bens a serem partilhados foi produzido juntamente com o Oficial de Justiça que procedeu ao afastamento do autor e reconduziu a requerida ao imóvel. Observa-se, inclusive, que a testemunha indicada pela ré também estava presente na ocasião. Logo, ao contrário do alegado pela ré, é plenamente cabível atribuir força probante aos vídeos em questão, devendo ser mantida a sentença neste ponto por seus próprios fundamentos. 3.7. A apelação do autor nos autos nº 0742279-87/2020 deve ser parcialmente provida, a fim de determinar que a partilha das aplicações previdenciárias titularizadas pela requerida observe o saldo constituído antes e durante a união matrimonial, devendo ser excluído, apenas, o que foi constituído após a separação de fato (20/04/2019). O valor encontrado, depois de atualizado monetariamente, será objeto de partilha na proporção de 50% para cada ex-consorte. 3.8. A apelação da requerida nos autos nº 0742279-87/2020 deve ser improvida. 3.9. Honorários. 3.9.1. Nos autos nº 0742279-87/2020, os honorários foram fixados na sentença em 70 URH, o que equivale a R$ 24.904,60 (R$ 12.452,30 para cada parte), uma vez que, na data da prolação da sentença (setembro de 2022), o valor da URH era de R$ R$ 355,78 (https://oabdf.org.br/urh/). 3.9.2. Considerando que o apelo do autor deve ser parcialmente provido, impõe-se a revisão da distribuição dos ônus de sucumbência. 3.9.3. Nos moldes do
art. 86 do
CPC, o autor deve responder por 40% dos encargos sucumbenciais, enquanto a requerida arcará com os 60% restantes, mantidos os honorários advocatícios arbitrados pelo sentenciante em R$ 24.904,60, com base no
art. 85,
§ 8º-A, do
CPC. 4. Apelação dos autos nº 0760384-04/2019 improvida. Apelações dos autos nº 0742279-87/2020: apelo do autor parcialmente provido e apelo da requerida improvido.
(TJDFT, Acórdão n.1786501, 07422798720208070001, Relator(a): JOÃO EGMONT, 2ª Turma Cível, Julgado em: 22/11/2023, Publicado em: 28/11/2023)