CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C PEDIDO DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE MULTA. PRIMEIRO RECURSO ESPECIAL. INCORPORADORA. INCIDÊNCIA DO
CDC. TERMO INICIAL DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS MORATÓRIOS.
SÚMULA 284/STF. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. MULTA.
ART. 35,
§ 5º, DA
LEI Nº 4.591/64. VENIRE
... +1019 PALAVRAS
...CONTRA FACTUM PROPIRUM E SUPRESSIO. NÃO APLICAÇÃO. REGIME DE INCORPORAÇÃO ADOTADO. SÚMULAS 5 E 7/STJ. SEGUNDO RECURSO ESPECIAL. ADQUIRENTES. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 500, § 1º, DO CC ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO. POSSIBILIDADE. INDENIZAÇÃO PARCIALMENTE DEVIDA. VENDAS AD MENSURAM e AD CORPUS. MULTA DO ART. 35, § 5º, DA LEI Nº 4.591/64. REDUÇÃO EQUITATIVA. CABIMENTO.
1. Ação indenizatória c/c condenação ao pagamento de multa ajuizada em 01/08/2012, da qual foram extraídos os presentes recursos especiais interpostos em 16/10/2019 e em 17/10/2019 e conclusos ao gabinete em 06/08/2021.
2. O propósito do primeiro recurso especial consiste em definir a) se houve negativa de prestação jurisdicional, b) se a ausência de insurgência no curso da construção e o recebimento da obra configura comportamento contraditório e supressio, impedindo a cobrança da multa prevista no art. 35, § 5º, da Lei nº 4.591/64, c) se o regime de incorporação adotado foi por empreitada ou por administração e d) qual o termo inicial da correção monetária e dos juros de mora. Por sua vez, o propósito recursal do segundo recurso especial é dizer se a) a Corte de origem incorreu em negativa de prestação jurisdicional; b) o disposto no art. 500, § 1º, do CC/02 aplica-se às relações de consumo, c) os recorrentes fazem jus à indenização em razão da diferença de metragem apurada e d) é possível, com base no art. 413 do CC/02, a redução equitativa da multa prevista no art. 35, § 5º, da Lei nº 4.591/64.
3. Recurso especial da Incorporadora.
3.1. Com relação às alegações de não incidência do CDC à espécie e de incorreção do termo inicial da correção monetária e dos juros moratórios, não foram indicados os dispositivos legais supostamente violados, de modo que incide, por analogia, o óbice da Súmula 284/STF.
3.2. Não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional quando o Tribunal de origem examina, de forma fundamentada, as questões a ele devolvidas, aplicando o direito que entende cabível à espécie.
3.3. A Lei nº 4.591/64 prevê duas modalidades de incorporação imobiliária: por empreitada e por administração (art. 48). No regime de construção por administração, a obra torna-se um empreendimento coletivo dos adquirentes, controlado por intermédio de uma comissão de representantes, a quem cabe, entre outras coisas, o recebimento de valores em contas abertas em nome do condomínio. Na espécie, para alterar a conclusão alcançada na origem, no sentido de que foi adotado o regime de incorporação por empreitada, seria necessário o reexame de cláusulas contratuais e das provas produzidas nos autos, o que é vedado pelas Súmulas 5 e 7 do STJ.
3.4. A ausência de insurgência dos adquirentes, no curso da execução das obras e o fato de a ação visando à aplicação da penalidade prevista no art. 35, § 5º, da Lei nº 4.591/64 ter sido proposta após a conclusão da construção e a imissão na posse do imóvel, não caracteriza comportamento contraditório, tampouco autoriza o reconhecimento da supressio. Isso porque se trata de multa de natureza cogente e, desde o início das tratativas, a incorporadora tem ciência de que a ausência de registro do memorial de incorporação gerará para o adquirente a pretensão de exigi-la. Além disso, a finalidade da penalidade em questão não é propriamente indenizar o comprador, mas atender ao interesse social na regularidade dos empreendimentos dessa natureza.
3.5. A ausência de cotejo analítico entre os acórdãos confrontados e de demonstração da similitude fática impede o conhecimento do recurso especial.
4. Recurso especial dos adquirentes.
4.1. Na hipótese em exame deve de ser afastada a existência de omissão no acórdão recorrido, pois as matérias impugnadas foram enfrentadas de forma objetiva e fundamentada no julgamento da apelação.
4.2. A multa estabelecida no art. 35, § 5º, da Lei nº 4.591/64 tem como fato determinante o descumprimento, pela incorporadora, da sua obrigação de registrar a incorporação no prazo previsto na legislação. A sua natureza é de cláusula penal, razão pela qual é possível a sua redução equitativa, pelo juiz, nos termos do art. 413 do CC/02. Esse dispositivo legal é lei posterior, que consagra uma cláusula geral de redução de cláusula penal, devendo ser aplicada conjuntamente às disposições já existentes. Assim, na hipótese, afigura-se correta a redução da penalidade realizada pelas instâncias ordinárias com base em circunstâncias concretas.
4.3. O contrato de compra e venda que tenha por objeto bem imóvel pode ser celebrado por medida de extensão (venda ad mensuram) ou ainda como coisa certa e determinada (venda ad corpus). Sendo a venda ad mensuram, se a área entregue não corresponder às dimensões indicadas no contrato, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área e, se isso não for possível, reclamar a resolução do contrato ou o abatimento proporcional do preço (art.
500 do CC/02).
4.4. Se os elementos existentes não forem capazes de evidenciar a modalidade de venda de imóvel adotada e a diferença encontrada não superar 1/20 da área enunciada, presume-se que a referência às dimensões foi meramente enunciativa (art. 500, § 1º, do CC/02).
Mesmo nas relações de consumo, é necessário avaliar cada hipótese concreta a fim de definir se a compra e venda de imóvel é ad corpus ou ad mensuram, sendo possível aplicar o disposto no art. 500, § 1º, do CC/02.
4.5. Nas relações regidas pelo CDC, para definir se a diferença supera ou não 1/20 da área enunciada (art. 500, § 1º, do CC/02), deve-se utilizar como parâmetro a dimensão referida no material publicitário veiculado, se mais favorável ao consumidor em comparação com aquela constante do contrato de compra e venda, já que a publicidade suficiente precisa vincula o fornecedor e integra o contrato celebrado (art. 30 do CDC).
4.6. No particular, o quadro-fático delineado na origem evidencia que a perícia constatou diferença entre a área divulgada na publicidade e a metragem efetivamente entregue. Em algumas unidades, essa diferença não supera 1/20 da área enunciada, razão pela qual os adquirentes não têm direito à indenização, sobretudo porque, conforme sublinhado no acórdão recorrido, não ficou demonstrado que, em tais circunstâncias, eles não teriam realizado o negócio. No entanto, a diferença constatada na maioria das unidades é superior a 1/20 da metragem referida no material publicitário, de modo que os adquirentes fazem jus à indenização pleiteada.
5. Recurso especial de Moura Dubeux Engenharia S/A parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido e recurso especial de Antonio Correia de Albuquerque e Outros conhecido e parcialmente provido.
(STJ, REsp n. 1.952.243/PE, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 29/8/2023.)