ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. DIFERENÇAS DE CORREÇÃO MONETÁRIA INCIDENTES SOBRE A PRIMEIRA PARCELA DE PREÇO DE OUTORGA DE CONCESSÃO DE SERVIÇO MÓVEL CELULAR. JULGAMENTO DA APELAÇÃO NA VIGÊNCIA DO CPC/73. PEDIDO DE VISTA. RETOMADA DO JULGAMENTO SEM PUBLICAÇÃO DE INCLUSÃO EM PAUTA. PREJUÍZO À DEFESA NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PRECEDENTES DO STJ. VIOLAÇÃO DOS
ARTS. 489 E 1.022 DO
CPC/2015. INEXISTÊNCIA. INCONFORMISMO. NECESSIDADE DE INSCRIÇÃO DO DÉBITO EM DÍVIDA ATIVA E DECADÊNCIA. ALEGAÇÕES CONTRADITÓRIAS E GENÉRICAS.
SÚMULA 284/STF.
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...INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. FUNDAMENTOS INATACADOS. SÚMULA 283/STF. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ANÁLISE PREJUDICADA. OFENSA AO ART. 28 DA LEI 9.069/95. AUSÊNCIA. CORREÇÃO MONETÁRIA DEVIDA, CONFORME PREVISÃO CONTRATUAL. PERÍODO DE VINTE E TRÊS MESES. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL CONHECIDO, PARA CONHECER, EM PARTE, DO RECURSO ESPECIAL E, NESSA EXTENSÃO, NEGAR-LHE PROVIMENTO.
I. Agravo em Recurso Especial interposto contra decisão publicada na vigência do CPC/2015, que inadmitiu Recurso Especial, aviado contra acórdão publicado em 19/06/2013.
II. Originalmente, trata-se de Ação Declaratória ajuizada por ATL - ALGAR TELECOM LESTE S.A. (incorporada pela CLARO S/A) contra a ANATEL, para declarar a correção da sistemática de cálculo de correção monetária usada para pagamento da primeira parcela do preço do contrato de concessão, com vencimento em 02/04/99, avença firmada em 02/04/98. Divergem as partes em relação ao período no qual deve incidir correção monetária (sobre as parcelas dos valores do contrato) que, como bem explanado pela Relatora, pode ser assim resumido: (i) a empresa entende que esta correção somente pode incidir anualmente, nos termos do art. 28 da lei n°. 9.069/95 c/c os arts. 2° e 3° da lei n°. 10.192/2001; e (ii) a Anatel entende que a proibição de incidência da correção refere-se somente ao primeiro ano, e que depois disso tal parcela passa a incidir pro rata, independentemente do transcurso de um novo período anual. A sentença julgou improcedente o pedido. Interposta Apelação, foi ela improvida, pelo Tribunal de origem, dando ensejo ao Recurso Especial.
III. Segundo o contrato de concessão firmado entre as partes, 40% do preço seria pago na data da assinatura da avença, e o restante (60%) em três parcelas iguais e anuais, com vencimento, respectivamente, em doze, vinte e quatro e trinta e seis meses, a contar da data da assinatura do contrato - no caso, 02/04/98, pelo que as parcelas venceriam em 02/04/99, 02/04/2000 e 02/04/2001 -, incidindo correção monetária sobre as parcelas pelo IGP-DI, a contar da data do recebimento da documentação de habilitação e propostas, que se deu em 07/04/97.
IV. Sustenta a autora que - nos termos do art. 28, caput e § 1º, da Lei 9.069/95 e do art. 3º, caput e § 1º, da Medida Provisória 1.277/96, reeditada e convertida na Lei 10.192/2001 - a correção monetária deve sempre incidir sobre a parcela "a cada período de doze meses. Isto é, deve incidir no 12° mês após a entrega da proposta e, depois disso, deve incidir no 24° mês após a entrega da proposta, e assim por diante, incidindo sempre uma única vez a cada período de doze meses e apenas ao final dele". Por tal razão, como a entrega da documentação e das propostas deu-se em 07/04/97, defende que, como pagou a primeira parcela em 31/03/99, antes de implementado, em 07/04/99, mais um período de doze meses a contar da entrega da documentação de habilitação e propostas, em 07/04/97, só deve pagar correção monetária sobre a primeira parcela, de 07/04/97 a 07/04/98. Já a ANATEL sustenta que decorrido, em 07/04/98, um ano da data da entrega da documentação de habilitação e propostas, em 07/04/97, incide correção monetária sobre os vinte e três meses e dias, de 07/04/97 a 31/03/99, quando efetuado o pagamento da primeira parcela.
V. A recorrente alega, preliminarmente, ofensa aos arts. 236, § 1º, 552 e 565 do CPC/73 e 935 do CPC/2015, aduzindo que o julgamento da sua Apelação iniciou-se em 13/10/2010, e, formulado pedido de vista, o julgamento prosseguiu em 15/04/2013 - na vigência do CPC/73 -, sem publicação de pauta para apresentação de voto-vista, do que decorreria a nulidade do julgamento. O acórdão recorrido entendeu que, iniciado o julgamento, com sustentação oral de ambas as partes, seguido de pedido de vista - cujo voto apresentado após, laconicamente, cingiu-se a acompanhar o Relator -, a recorrente não demonstrou prejuízo à defesa, com a ausência de publicação de pauta, para prosseguimento do julgamento, em 15/04/2013, pelo que rejeitou a alegação de nulidade.
VI. A conclusão adotada pelo Tribunal de origem, no particular, não destoa da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmada na vigência do CPC/73, no sentido de que, havendo "pedido de vista dos autos, em sessão já iniciada - proferido o voto do Ministro Relator, após a sustentação oral dos procuradores de ambas as partes - afigura-se desnecessária a publicação da reinclusão do feito em pauta de julgamento para ser prolatado o voto-vista, vez que tal situação equivale ao adiamento do término do julgamento. Em caso de adiamento, a jurisprudência desta Corte é pacífica em considerar desnecessária a publicação da pauta" (STJ, REsp 867.016/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJe de 06/08/2009). Nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 1.217.255/TO, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 21/11/2014; EDcl no REsp 1.115.275/PR, Rel. Ministro CAMPOS MARQUES (Desembargador convocado do TJ/PR), QUINTA TURMA, DJe de 22/03/2013; EDcl no RMS 18.318/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe de 29/06/2012. Inaplicabilidade do art. 935 do CPC/2015, porquanto o julgamento da Apelação deu-se, após o voto-vista, em 15/04/2013, na vigência do CPC/73.
VII. Quanto à alegada violação dos arts. 489, § 1º, IV, e 1.022, II, do CPC, deve-se ressaltar que o acórdão recorrido não incorreu em qualquer vício, uma vez que o voto condutor do julgado apreciou, fundamentadamente, todas as questões necessárias à solução da controvérsia, dando-lhes solução jurídica diversa da pretendida pela parte recorrente. Vale destacar, ainda, que não se pode confundir decisão contrária ao interesse da parte com ausência de fundamentação ou negativa de prestação jurisdicional. Precedentes do STJ.
VIII. Em relação à apontada ofensa aos arts. 2º, § 5º, VI, da Lei 6.830/80, 39, §§ 1º e 2º, e 41 da Lei 4.320/65 e 585, VII, do CPC/73 - por entender obrigatório o lançamento do crédito em dívida ativa, providência que, não tomada no caso, ensejaria a decadência -, as alegações da parte recorrente, quanto à necessidade de inscrição do débito em dívida ativa, são contraditórias, pois, ao postular, na origem, em 02/06/2009, a antecipação dos efeitos da tutela, afirmou que "foi surpreendida pela prematura inscrição dos valores em dívida ativa e o consequente ajuizamento de execução fiscal" e que "a mencionada inscrição foi realizada em 23.03.2009 e a correlata execução fiscal foi promovida na mesma data". Ressalte-se que, na referida Execução Fiscal, referente à primeira parcela, com vencimento em 02/04/99, a parte recorrente opôs Exceção de Pré-executividade, cuja rejeição é impugnada no AREsp 1.911.265/SP, também em julgamento na presente data, e, conforme se depreende da leitura daqueles autos, tal questão - relativa à ausência de lançamento - sequer é objeto de discussão pelas partes. Ademais, a parte agravante apenas faz alegações genéricas quanto à ocorrência de decadência, sem indicar qual o prazo e respectivo termo inicial entenderia aplicável ao caso. Assim, é o caso de incidência, por analogia, do óbice da Súmula 284/STF.
IX. Quanto à alegada ofensa aos arts. 202, I, do Código Civil e 899, § 2º, do CPC/73, o Tribunal de origem, no acórdão recorrido, concluiu que, "conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1522093/MS, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELIZZE, Terceira Turma, julgado em 17/11/2015, DJe 26/11/2015), 'a propositura de demanda em que se debate o próprio crédito - seja ela anulatória, revisional ou cautelar de sustação de protesto - denota o conhecimento do devedor do interesse do credor em exigir seu crédito. Ademais, a atuação judicial do credor em defesa de seu crédito implica o inevitável afastamento da inércia'. Acrescentou-se que, 'desse modo, aplica-se a interrupção do prazo prescricional, nos termos do art. 202, I, do CC, ainda que a judicialização da relação jurídica tenha sido provocada pelo devedor'. Nem importa a natureza da ação".
X. Tal fundamentação do acórdão recorrido - no sentido de que "a propositura de demanda em que se discute o próprio crédito (...) nem importa a natureza da ação" interrompe o prazo prescricional - restou incólume, nas razões do Recurso Especial. Portanto, é de ser aplicado o óbice da Súmula 283/STF, por analogia.
XI. Com efeito, estando o acórdão recorrido amparado em precedente deste Superior Tribunal de Justiça, deveriam ter sido enfrentados os fundamentos determinantes do julgado apontado, ou com a demonstração de que não se aplica ele ao caso concreto, ou de que há julgados contemporâneos ou posteriores do STJ em sentido diverso, o que não ocorreu, no caso. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "não basta, para afastar o óbice da Súmula 83 do STJ, a alegação genérica de que o acórdão recorrido não está em consonância com a jurisprudência desta Corte, devendo a parte recorrente demonstrar que outra é a positivação do direito na jurisprudência do STJ, com a indicação clara de precedentes contemporâneos ou supervenientes aos referidos na decisão agravada" (STJ, AgInt no AREsp 1.685.430/AL, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 24/11/2020), o que não ocorreu, na hipótese, no Recurso Especial.
XII. Não sendo conhecido o presente Recurso Especial, no ponto em que discutida a interrupção do prazo prescricional, reconhecida pelo Tribunal de origem, qualquer que seja a natureza da ação, resta prejudicada a análise da alegada ofensa aos arts. 1º do Decreto-lei 20.910/32 e 205 e 206, § 5º, I, do Código Civil, via da qual a recorrente requer seja aplicável o prazo prescricional de cinco anos. Ainda que sejam relevantes os fundamentos expostos pela recorrente, quanto ao prazo prescricional quinquenal, o exame de tal questão somente teria pertinência na hipótese de ser afastada a interrupção do prazo prescricional, reconhecida pelo Tribunal de origem. Isso porque, na forma da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "quando a interrupção de prescrição se der em virtude de demanda judicial, o novo prazo só correrá da data do último ato do processo, que é aquele pelo qual o processo se finda" (STJ, REsp 216.382/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJU de 13/12/2004). Em igual sentido: STJ, AgInt no AREsp 1.183.983/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, DJe de 31/03/2022; AgInt no AREsp 1.742.892/SP, Rel. Ministro PAULO SÉRGIO DOMINGUES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 20/06/2023; AgInt no AREsp 1.737.128/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/07/2021.
XIII. Assim, mantido o entendimento adotado pelo Tribunal de origem - no sentido de que o ajuizamento da presente Declaratória, em 18/12/2000, teria interrompido a prescrição para a cobrança das diferenças da primeira parcela, vencida em 02/04/99 -, o prazo prescricional somente voltaria a correr após o trânsito em julgado desta ação. Desta forma, inócua, no momento, a discussão relacionada a qual prazo prescricional seria aplicável ao caso (se de cinco ou dez anos).
XIV. Com relação à alegada ofensa aos arts. 28, §§ 1º e 6º, da Lei 9.069/95, 2º, §§ 1º e 4º, e 3º, § 1º, da Lei 10.192/2001, 3º e 21, § 4º, da Lei 8.666/93 e 4º, II, da Lei 9.784/99, cumpre destacar que, conforme o Edital de Concorrência 001/96 e o Contrato de Concessão do Direito de Exploração do Serviço e pelo Uso de Radiofreqüências associadas, firmado pelas partes, a recorrente comprometeu-se a pagar o valor remanescente do preço de outorga em três parcelas, com vencimento em doze, vinte e quatro e trinta e seis meses, respectivamente, da data da assinatura do contrato (02/04/98), que seriam atualizadas pela variação do IGP-DI desde a data do recebimento da documentação de habilitação e propostas (07/04/97).
Ou seja, quando da assinatura do contrato, a recorrente já tinha ciência de que, conforme pactuado, a primeira parcela seria atualizada pela variação do IGP-DI ocorrida entre 07/04/97 - data do recebimento da documentação de habilitação e propostas - e 02/04/99, data do vencimento da primeira parcela.
XV. Não há, desta forma, "claúsula de correção monetária cuja periodicidade seja inferior a um ano", capaz de atrair a aludida vedação, prevista na Lei 9.069/95. A hipótese não versa sobre o pagamento de parcelas mensais, submetidas a correção ou reajuste em períodos inferiores a um ano. No caso, houve concessão de prazo para pagamento da primeira parcela, que deve ser atualizada monetariamente pela variação do IGP-DI ocorrida em um período de vinte e três meses.
XVI. O § 6º do art. 28 da Lei 9.069/95 é expresso ao determinar que "o devedor, nos contratos com prazo superior a um ano, poderá amortizar, total ou parcialmente, antecipadamente, o saldo devedor, desde que o faça com o seu valor atualizado pela variação acumulada do índice contratual ou do IPC-r até a data do pagamento". Assim, se para a amortização antecipada do saldo devedor, o valor deve ser atualizado "até a data do pagamento", com maior razão o montante devido pela recorrente, quanto à primeira parcela, com vencimento em 02/04/99, paga em 31/03/99, deve ser integralmente corrigido pela variação do IGP-DI ocorrida entre 07/04/97 e 31/03/99, período superior a doze meses, conforme previsto no contrato.
XVII. A jurisprudência do STJ, analisando o art. 28 da Lei 9.069/95, firmou entendimento no sentido de que "o objetivo da norma foi postergar o cálculo da devida atualização para o fim do lapso temporal de um ano, minorando, assim, os efeitos negativos da antiga rotina brasileira de reajuste cotidiano dos preços, que impulsionava a combatida hiperinflação (...) assente na jurisprudência da Corte que evidentemente possível a atualização quando vencido o período anual. (Precedentes: REsp n.º 160.504/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 16/08/1999;
REsp n.º 247.226/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU de 17/12/2004; REsp n.º 815.385/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJU 18/12/2006)" (STJ, REsp 770.675/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJU de 17/12/2007). Em igual sentido: "O Plano Real determinou a correção monetária em períodos anuais (
Lei 9.069/95,
Art. 28). Vencidos os 12 meses, a atualização dos valores é possível" (STJ, AgRg no Ag 893.884/MS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, DJe de 14/04/2008).
XVIII. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "a correção monetária nada mais é do que um mecanismo de manutenção do poder aquisitivo da moeda, não devendo representar, consequentemente, por si só, nem um plus nem um minus em sua substância" (STJ, REsp 1.265.580/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, DJe de 18/04/2012).
XIX. Agravo em Recurso Especial conhecido, para conhecer, em parte, do Recurso Especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento.
(STJ, AREsp n. 2.088.827/DF, relatora Ministra Assusete Magalhães, relator para acórdão Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 16/4/2024, DJe de 10/6/2024.)