AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. EXERCÍCIO DO PODER DISCIPLINAR NA EXECUÇÃO DA PENA. RECONHECIDA A FALTA DISCIPLINAR CONSISTENTE EM PARTICIPAÇÃO EM MOVIMENTO DE SUBVERSÃO DA ORDEM (
ART. 50,
INC. I, DA
LEP). RECURSO INTERPOSTO PELA DEFESA CONTRA DECISÃO QUE HOMOLOGOU PAD, RECONHECEU A FALTA DISCIPLINAR E APLICOU AS SANÇÕES PREVISTAS NA LEI (ALTERAÇÃO DE DATA-BASE E PERDA PROPORCIONAL DE DIAS REMIDOS NO PATAMAR MÁXIMO). COMPETÊNCIA DO DIRETOR DA UNIDADE PRISIONAL PARA INSTRUIR O INCIDENTE E RECONHECER A PRÁTICA DE FALTA GRAVE. JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL QUE EXERCE O CONTROLE DE LEGALIDADE (SEM VINCULAÇÃO À DECISÃO DO CONSELHO DISCIPLINAR). ENTENDIMENTO FIRMADO
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...PELAS CORTES SUPERIORES (SÚMULA N.º 533 DO STJ, CONCILIADA À TESE FIRMADO PELO STF NO TEMA N. 941. ). MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA NO TOCANTE À HOMOLOGAÇÃO DO PAD, RECONHECIMENTO E CLASSIFICAÇÃO DA FALTA DISCIPLINAR. ACOLHIDO O PLEITO RELATIVO À DECRETAÇÃO DE PERDA DE DIAS REMIDOS. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA PARA A ADOÇÃO DO PATAMAR MÁXIMO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. A Terceira Câmara Criminal decidiu, à unanimidade,conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, reduzindo a decretação de perda de dias remidos ao patamar mínimo legal (1/6). Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Getúlio Corrêa e Desembargador Ernani Guetten de Almeida. Presidiu a sessão o Exmo. Sr. Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann. Funcionou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Dr. (...) da Luz Fontes. Florianópolis, 15 de setembro de 2020.Desembargador Júlio César M. (...) RELATÓRIO Tratam os autos de agravo em execução penal interposto pelo apenado (...) contra decisão emanada pelo Juízo da Execução Penal nos autos n. 466-82.2010.8.24.0039, que homologou PAD (n. 42/2020), confirmou a prática de falta grave (art. 50, inc. I, LEP), consistente em incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina, e aplicou as sanções de alteração de data-base e perda de 1/3 dos dias remidos (com manutenção do regime fechado). O reeducando, por seu recurso, pleiteia a não homologação do procedimento administrativo disciplinar e, subsidiariamente, a redução da fração aplicada a título de revogação de dias remidos para o mínimo legal. O recurso foi contra-arrazoado. O Juízo manteve a decisão combatida. Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. (...), que opinou pelo conhecimento e parcial provimento do recurso. Este é o relatório. VOTO Após examinar os pressupostos recursais de admissibilidade, verifico que o recurso deve ser conhecido em sua integralidade. Passo ao exame da matéria devolvida a conhecimento desta Câmara. Como relatado, por seu recurso, pretende o apenado a reforma da decisão que homologou PAD, confirmou a falta grave e aplicou as sanções. Para tanto, objetiva sua absolvição por ausência de provas ou, alternativamente, a redução da fração aplicada pela perda da remição. O recurso, adianto, merece parcial provimento. Segundo a Lei de Execuções Penais, o poder disciplinar na execução da pena privativa de liberdade é exercido pelo Diretor do estabelecimento prisional (art. 47, LEP), de modo que a ele cumpre apurar a conduta faltosa do apenado, mediante a instauração de procedimento administrativo (art. 59, LEP). Ao enfrentar esse tema e interpretar tais dispositivos do ordenamento infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (REsp 1378557/RS), assentou que a instauração do PAD é imprescindível e que, no bojo desse procedimento, deverá ser plenamente garantido o direito de defesa do detento (art. 5º, inc. LV, CF). O julgado deu lugar à súmula n.º. 533 do STJ: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO PENAL. 1. RECONHECIMENTO DE FALTA GRAVE. IMPRESCINDIBILIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD). DETERMINAÇÃO EXPRESSA DO ART. 59 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. PODER DISCIPLINAR. ATRIBUIÇÃO DO DIRETOR DO PRESÍDIO (LEP, ARTS. 47 E 48). DIREITO DE DEFESA A SER EXERCIDO POR ADVOGADO CONSTITUÍDO OU DEFENSOR PÚBLICO NOMEADO. OBSERVÂNCIA DA GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. 2. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar, no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado. 2. Recurso especial não provido. (REsp 1378557/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2013, DJe 21/03/2014) Para além disso, examinando os fundamentos determinantes desse julgamento, verifica-se ter restado assentado também que o exercício do poder disciplinar pela autoridade administrativa abrange: a) a apuração do fato; b) a subsunção dele à norma (definindo-se a natureza da infração); c) e, ato seguinte, a aplicação das sanções disciplinares. Nesse contexto, ademais, foi expressamente reconhecido que ao Juiz da Execução Penal cabe: a) no caso de infração de natureza grave, aplicar sanções que a lei prevê como de sua privativa competência (art. 48, par. único, LEP); e b) realizar o inafastável controle de legalidade da atuação administrativa (CF/1988, art. 5º, inciso XXXV). Ademais, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento sob o rito dos recursos com repercussão geral (RExt n. 972.598/RS), apreciou o tema 941, fixando a seguinte tese: "A oitiva do condenado pelo Juízo da Execução Penal, em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público, afasta a necessidade de prévio Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre eventual ausência ou insuficiência de defesa técnica no PAD instaurado para apurar a prática de falta grave durante o cumprimento da pena". Nos fundamentos desse julgamento, igualmente é reforçado o entendimento de que o procedimento administrativo poderá sempre ser revisto na esfera judiciária para exame da legalidade do ato. Nesse ponto, reputo importante destacar que não vejo incompatibilidade ou oposição entre tais entendimentos no que tange à competência para reconhecimento da falta disciplinar. Note-se: nem o posicionamento do STJ torna o Juízo um mero homologador da decisão administrativa, nem o entendimento firmado pelo STF torna letra morta a disposição legal que atribui à autoridade prisional processar, reconhecer e classificar a falta disciplinar cometida. Tanto isso é verdade que o próprio STJ, muito antes da recente decisão do STF, já afirmava a ausência de vinculação do Juízo da Execução à decisão do Conselho Disciplinar no que tange ao reconhecimento da falta disciplinar (vide AgRg no REsp 1813064/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 01/08/2019 ou HC n. 381.237/MG, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, SEXTA TURMA, DJe de 23/3/2017). O cerne da tese firmada pelo STF, é preciso atentar, consiste na afirmação de inexistência de nulidade quando, ausente o PAD, o Juízo promova audiência de justificação. Tal disposição, é evidente, não altera a legislação infraconstitucional e, portanto, não torna regra a não realização de PAD na instância administrativa, tampouco reputa inútil a decisão administrativa. De modo semelhante, o STJ, ao assentar a imprescindibilidade da instauração de PAD pelo Diretor do estabelecimento prisional, não nega o inafastável controle de legalidade da atuação administrativa pela autoridade judiciária, tampouco a competência do Juiz de decidir sobre incidentes da execução (art. 66, inc. III, alínea f, da LEP) ou de zelar pelo correto cumprimento da pena (art. 66, inc. VI, da LEP). Oportuno ressaltar, ainda, que na fundamentação de ambos os julgamentos há a afirmação de que, ao Juízo da Execução Penal, cabe sempre revisar a legalidade do ato, prevalecendo obviamente a decisão judicial sobre a administrativa. Não há dúvidas, portanto, de que ao Poder Judiciário cabe sempre a última palavra quanto à legalidade do ato. E isso, é importante frisar, não significa um exame restrito aos aspectos formais da etapa administrativa, afinal, no exercício do controle de legalidade, resguarda-se a observância e repele-se a infringência às normas legais, e não às normas legais que digam respeito à forma dos atos. E este vem sendo exatamente o posicionamento adotado por esta Câmara há muito tempo: em suma, por ocasião do controle de legalidade judicial, em se constatando a necessidade de intervenção para afastar vícios e resguardar direitos, é possível ao Juiz da Execução rever a decisão administrativa, inclusive para afastar ou para reconhecer a falta grave, ou para alterar classificação se for o caso, não estando, portanto, vinculado à decisão da autoridade administrativa. Partindo-se, portanto, do entendimento supra exposto quanto ao exercício do poder disciplinar no âmbito da execução penal, entendo que a decisão recorrida, no ponto relativo ao reconhecimento da falta, deve ser confirmada. No caso em comento, é atribuído ao reeducando o cometimento da conduta de subversão à ordem, consistente em agressão a um colega de cela. Conforme dispõe o art. 50, I, da Lei de Execução Penal, comete este tipo de falta o condenado à pena privativa de liberdade que incitar ou participar de movimento para subverter a ordem e a disciplina. A prova existente nos autos acerca dos fatos imputados foi bem analisada no parecer subscrito pelo Procurador de (...), razão pela qual adoto seus termos, técnica denominada de fundamentação per relationem (cuja legitimidade jurídico-constitucional é reconhecida há muito pelas Cortes Superiores, quando a transcrição ocorre em complemento às próprias razões de decidir): No mais, consta nos autos vídeo das câmeras de monitoramento do ergástulo (fl. 1148 do PEC), o qual, conforme bem apontado pelo juízo de origem: "demonstram tão somente, na minutagem 16'50" (vídeo 1) que dois presos saíram da cela e o que estava sem camisa, careca, identificado pelo procurador como o ora representado, continua a discutir e agir de forma agressiva em face dos demais ocupantes da enxovia. Ainda, a alegada corda no pescoço do reeducando (...) não é vista no vídeo e, portanto, o argumento que foram vítimas no episódio não prospera. Ademais, observa-se que foram realizados exames de corpo de delito nos internos envolvidos (fls. 1134-1139 do PEC), sendo que apenas o laudo pericial relativo ao ora recorrente registrou a ocorrência de lesão à integridade física, o que, todavia, fica esclarecido da simples análise de suas declarações no sentido de que "no momento em que saiu da cela, bateu com o rosto na porta". Não obstante tal conclusão do laudo pericial, cumpre-se ressaltar que tal elemento não se mostra suficiente por si só ao acolhimento do argumento defensivo de que o apenado teria sido vítima da agressão, e, além disso, esclarece-se que ainda que não tenham sido consumadas as lesões corporais nos demais envolvidos nos fatos apurados, sabe-se que nos termos do art. 49, parágrafo único, da Lei de Execuções Penais, "punese a tentativa com a sanção correspondente à falta consumada", de modo que o mero contexto de tentativa de agressões mútuas no interior da cela já seria suficiente ao reconhecimento da infração disciplinar ora imputada. Não há falar, portanto, em ausência de mínimo lastro probatório. No que tange à própria configuração do fato como a falta prevista no inciso I do art. 50 da LEP, igualmente não há dúvidas acerca da correção das decisões administrativa e judicial objeto do presente recurso. Ora, aceitar como procedente a assertiva de que a conduta perpetrada pelo reeducando não se enquadra como falta grave, ao nosso ver, seria o mesmo que incitar e promover a desordem no interior dos estabelecimentos penais, com sério risco à ordem e à disciplina dos ergástulos públicos. É certo que a disciplina consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações das autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho (art. 44 da Lei de Execução Penal). Da mesma forma, é dever do condenado ter obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se (art. 39, inciso II, da Lei de Execução Penal). Igualmente, estabelece o art. 50, VI, da Lei de Execução Penal que: Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que [...] inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei. Há que se ter em mente também a extrema relevância da existência de uma boa disciplina no interior dos estabelecimentos penais, notadamente para que seja possível a convivência harmônica entre os detentos e o desenvolvimento de atividades necessárias ao processo de reinserção social. Sendo o PAD adequadamente processado, como já supra examinado, amoldando-se a conduta no rol taxativo das faltas disciplinares (art. 50, I, da LEP), sendo a justificativa ineficiente para descaracterizar a configuração da falta e havendo suficiente lastro probatório, deve ser homologado o Processo Administrativo Disciplinar, confirmando-se o cometimento da falta grave e fixando-se as consequências jurídicas desta, na forma do art. 48, parágrafo único, da mesma lei. Irretocável, assim, a decisão recorrida no ponto. Quanto à decretação de perda de dias remidos no patamar máximo, concordo mais uma vez com a manifestação ministerial: Por outro lado, quanto ao pleito de redução da fração aplicada a título de perda dos dias remidos, compreende-se que razão assiste ao ora recorrente, porquanto "cabe ao juízo da execução fixar a fração aplicável de perda dos dias remidos na hipótese de cometimento de necessidade de fundamentar a decisão em elementos concretos, conforme o
art. 57 da
Lei de Execução Penal" (HC 248232/RJ, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, j. 3-4-2014)
(TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0001513-45.2020.8.24.0038, de Joinville, rel. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva, Primeira Câmara Criminal, j. 23-7-2020). Ocorre que, na hipótese, malgrado o juízo de origem tenha embasado sua fundamentação no histórico de 2 (duas) infrações disciplinares praticadas pelo apenado durante o resgate da reprimenda, vê-se que razão assiste à Defesa Técnica quando sustenta que uma das infrações nem sequer fora reconhecida em desfavor do apenado por esse Tribunal de Justiça Estadual (autos do agravo em execução n. 0001233-93.2018.8.24.0022). Logo, em tal contexto peculiar, não subsistindo as razões invocadas pelo magistrado para aplicação da fração máxima e não se vislumbrando, de plano, maior gravidade da conduta praticada em relação a outras semelhantes, somos pelo provimento do recurso no ponto, com a consequente redução do quantum aplicado a título de revogação dos dias remidos para a fração de 1/6 (um sexto). No mesmo sentido, colaciona-se o seguinte precedente dessa Terceira Câmara Criminal: AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. RECURSO INTERPOSTO PELA DEFESA CONTRA DECISÃO QUE, AO HOMOLOGAR PAD E CONFIRMAR A PRÁTICA DE FALTA GRAVE (ART. 50 E 52 DA LEP), DECRETOU A PERDA DOS DIAS REMIDOS EM SUA FRAÇÃO MÁXIMA SEM FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRETENSÃO ACOLHIDA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO HÁBIL PARA DECRETAR A PERDA DOS DIAS REMIDOS EM 1/3. RAZÃO GENÉRICA, SEM DELIMITAÇÃO QUANTO À GRAVIDADE CONCRETA DO FATO E/OU EVENTUAIS CONSEQUÊNCIAS DANOSAS DESTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0004099-82.2019.8.24.0008, de Blumenau, rel. Júlio César M. Ferreira de Melo, Terceira Câmara Criminal, j. 13-8-2019). Diante do exposto, esta Procuradoria Criminal se manifesta pelo conhecimento e parcial provimento ao agravo interposto. Com efeito, a ausência de fundamentação idônea impede a fixação da perda dos dias remidos no importe máximo de 1/3. Em situação análoga, este Relator já consignou: AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. RECURSO INTERPOSTO PELA DEFESA CONTRA DECISÃO QUE HOMOLOGOU PAD, CONFIRMOU A PRÁTICA DE FALTAS GRAVES E APLICOU AS SANÇÕES DE MANUTENÇÃO NO REGIME FECHADO E DECRETAÇÃO DE PERDA DE DIAS REMIDOS. RECONHECIDA A FALTA DISCIPLINAR CONSISTENTE EM PARTICIPAÇÃO EM MOVIMENTO DE SUBVERSÃO DA ORDEM COM INOBSERVÂNCIA DOS DEVERES PRE (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0000386-23.2020.8.24.0022, de Curitibanos, rel. Júlio César M. Ferreira de Melo, Terceira Câmara Criminal, j. 15-09-2020)