Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 PROCESSO Nº 0199445-20.2019.8.05.0001 RECORRENTE: VINICIUS STIVES MARQUES DE SOUZA RODRIGUES RECORRIDA: ADRIANO MUNIZ CUNHA RELATORA: Juíza Ivana Carvalho Silva Fernandes SÚMULA DE JULGAMENTO RECURSO INOMINADO. CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDAS. CAUSAS COMUNS. COMPRA E VENDA DE ÉGUA. AUTOR QUE VENDEU O ANIMAL AO RÉU. ALEGAÇÃO DE MAUS TRATOS. ATO ILÍCITO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. Realizado julgamento do Recurso do processo acima epigrafado, A TERCEIRA TURMA RECURSAL decidiu, à unanimidade de votos, CONHECER e NEGAR
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...PROVIMENTO ao recurso da parte autora, para manter a sentença em todos os seus termos. Condenação nas custas e honorários advocatícios, em 10%, suspensa em razão da concessão da gratuidade da justiça. Salvador (BA), data da assinatura eletrônica. IVANA CARVALHO SILVA FERNANDES Juíza Relatora VOTO Dispensado o relatório nos termos claros do artigo 46 da Lei n. º 9.099/95. Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de sua admissibilidade, conheço do recurso. Inicialmente, não há razões para o não acolhimento do pedido de gratuidade de justiça da parte Recorrente, tendo em vista que o juízo de admissibilidade já foi devidamente realizado pela Magistrada a quo. Ademais, não há informações ou indícios nos autos que comprovem que a parte autora possui condições de arcar com as custas processuais sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Também a matéria foi disciplinada no Novo Código de Processo Civil, em seu art. 99, caput e § 3º, prevê que o referido benefício pode ser pleiteado a qualquer tempo, sendo suficiente para sua obtenção que a pessoa física afirme não ter condição de arcar com as despesas do processo. Assim, mantenho a concessão da gratuidade da justiça à parte recorrente e isento das custas e preparo, tendo em vista a inexistência de elementos indiciários que induzam em sentido contrário (NCPC, art. 98) e rejeito a impugnação suscitada. Alega o autor que celebrou com o réu um contrato de compra e venda de equino com reserva de domínio. Aponta que após a entrega do animal (uma égua), o réu quedou-se inadimplente e que o animal estava sendo submetido a maus tratos, razão pela qual diligenciou as medidas necessárias à sua remoção e retomada. Pediu a declaração de rescisão contratual e indenização pelos danos materiais e morais sofridos. O réu, por seu turno, apontou que o animal não estava sendo submetido a maus tratos, que a égua cruzou com um cavalo de sua propriedade e ficou prenha, que não havia inadimplência e que teve sua honra abalada por falsa acusação de roubo. Pediu a improcedência dos pedidos autorais e formulou pedidos contrapostos de indenização pelos danos materiais e morais sofridos, retratação pública do autor e de restituição da égua e do potro. O juízo a quo julgou improcedentes os pedidos autorais e procedentes os pedidos contrapostos, nos seguintes termos: “Diante do exposto acima, JULGO IMPROCEDENTE OS PEDIDOS, extinguindo o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC. Quanto ao pedido contraposto, formulado pela parte demandada, JULGO PROCEDENTE EM PARTE, para condenar a parte autora a: a) a) a pagar a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de danos morais, a ser monetariamente atualizada pelo índice dos Juizados Especiais do TJ-BA, bem como acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, calculados pro rata die e na forma simples, incidindo ambos os encargos a partir da citação (art. 397, parágrafo único, do CC c/c art. 405 do CC) até o dia do efetivo adimplemento. b) b) restituir o animal e o potro, arcando com todas as despesas do transporte, além de realizar todos os exames e fornecer atestado de saúde, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de aplicação de multa diária, no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), limitado a 10 (dez) vezes. c) a pagar a quantia de R$ 820,00 (oitocentos e vinte reais), à título de danos materiais, a ser monetariamente atualizada pelo índice dos Juizados Especiais do TJ-BA, bem como acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, calculados pro rata die e na forma simples, incidindo ambos os encargos a partir da citação (art. 397, parágrafo único, do CC c/c art. 405 do CC) até o dia do efetivo adimplemento.”. No mérito, depois de minucioso exame dos autos, estou persuadida de que a irresignação manifestada pela parte recorrente não merece acolhimento. A sentença foi precisa ao apontar: “A parte autora citou o artigo 526 do Código Civil, parte final, para fundamentar a retirada, por decisão própria, do animal que estava na posse da parte promovida. Nos termos do art. 526 do CC/02, na hipótese de mora do comprador no adimplemento das prestações, abrem-se ao vendedor duas alternativas: a) o ajuizamento de ação para a cobrança das prestações vencidas e vincendas, com os acréscimos legais; ou, b) a recuperação da posse da coisa vendida. Como se extrai da literalidade do mencionado dispositivo legal, essas alternativas são excludentes entre si: cabe ao vendedor optar pela cobrança das prestações em atraso e do saldo devedor em aberto – o inadimplemento resulta no vencimento antecipado da dívida – ou pelo exercício de seu direito potestativo de desconstituição do negócio jurídico, por meio da recuperação da coisa vendida (o que não prejudica seu direito à compensação pela depreciação do bem e outras despesas decorrentes do inadimplemento, conforme o disposto no art. 527 do CC/02). Independentemente da opção exercida pelo vendedor, é imprescindível "a constituição do comprador em mora", que, nos termos do art. 525 do CC/02, ocorre mediante protesto do título ou interpelação judicial. Dessa forma, entendo que foi indevida a retirada, forçada, do animal (objeto dessa ação), sem o devido ajuizamento de ação cabível.”. Qualquer pessoa, mesmo devedora, tem direitos que não podem ser violados. Isso significa que mesmo que haja urgência e você possua uma boa intenção, é proibido pela legislação a retirada do semovente sem a permissão do comprador. Por mais que tivesse constatado que o animal estava sendo submetido a maus tratos, deveria ter se atentado para as necessárias formalidades. Para as urgências, o Poder Judiciário possui seu sistema de plantões, apto a atender às demandas urgentes que lhe sejam apresentadas. O vendedor não pode expor o comprador inadimplente publicamente e nem invadir ou tomar o animal. É preciso respeitar a legislação e o contrato firmado entre as partes. Não procedendo da forma como determina a legislação pertinente, deve arcar com os danos advindos da sua conduta indevida. Sobre o tema, vejamos os seguintes julgados: RECURSO INOMINADO. RESPONSABILIDADE CIVIL. COMPRA E VENDA DE EQUINO. INADIMPLEMENTO. APREENSÃO PELO AUTOR. DENÚNCIA À AUTORIDADE POLICIAL. PREÇO. DANO MORAL. O autor não provou que o preço do animal era de R$ 4.500,00, sendo seu o ônus de demonstrar tal fato - constitutivo de seu direito -, nos termos do art. 333, I, do CPC. Testemunha arrolada pelo autor que não presenciou a realização do negócio, limitando-se a referir ter ouvido que o preço do animal seria aquele afirmado pelo autor. Ao contrário, testemunhas arroladas pelo réu confirmam que o preço do animal consistiu em duas máquinas entregues pelo réu ao autor. Desta forma, admitido pelo réu que o preço era de apenas dois mil reais, em não havendo prova segura em sentido contrário, prevalece a versão defensiva. Do mesmo modo, ainda que o autor considerasse que o réu não havia pago integralmente o preço do cavalo a ele vendido, não poderia pura e simplesmente apropriar-se do animal, já na posse do comprador, uma vez que a propriedade da coisa móvel transfere-se pela simples tradição, sendo irrelevante que o réu tenha quedado inadimplente, pois mesmo assim a compra e venda não se resolvia de plano direito, sem a necessidade de recurso ao Poder Judiciário. Desta forma, o autor não pode pretender ser indenizado por danos morais, em virtude de o réu, frente ao exercício arbitrário das próprias razões praticado pelo vendedor, ter comunicado à autoridade policial a subtração do animal, com isso restando o autor preso em sua residência e conduzido para prestar esclarecimentos, uma vez que, ao menos em tese, incorreu na prática de crime. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos. RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Recurso Cível Nº 71004299632, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Pedro Luiz Pozza, Julgado em 22/08/2013) (TJ-RS - Recurso Cível: 71004299632 RS, Relator: Pedro Luiz Pozza, Data de Julgamento: 22/08/2013, Terceira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 26/08/2013) – destaquei. DIREITO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. SUPOSTO INADIMPLEMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE AUTOTUTELA. EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA O DEFERIMENTO DA LIMINAR DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM FAVOR DO ARRENDATÁRIO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO MANTIDA. 1- Trata-se de Agravo de Instrumento interposto em face de decisão interlocutória que concedeu liminar de reintegração de posse do bem em questão em favor do ora agravado. 2 – No presente recurso, o agravante defende a reforma do decisum atacado com fundamento: a) na previsão contratual de que o atraso cumulativo de uma parcela do arrendamento ensejaria a imediata rescisão contratual, com a consequente devolução ao arrendador do imóvel objeto do contrato, de forma que não configuraria esbulho a retomada da posse; b) no abandono do bem pela parte adversa; c) na ausência de detenção de posse pelo agravado no momento do ajuizamento da ação; d) nos danos ocasionados pela concessão de liminar. 3 – Sendo a ação proposta dentro de ano e dia do esbulho afirmado na petição inicial e estando a exordial devidamente instruída, ‘’o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração, caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada’, consoante disposto no art. 558 c/c 562, ambos do CPC. 4 - No caso concreto, pelo que consta dos autos, as partes firmaram Contrato de Arrendamento Mercantil (fls. 36 – 40), referente à área em litígio, constando como arrendador o agravante/demandado e arrendatário o agravado/autor. O prazo estabelecido de vigência do contrato foi de 60 (sessenta) meses, iniciando-se na data de 05/05/2015. 5 - O arrendatário propôs Ação de Reintegração de Posse em setembro de 2016, afirmando que o arrendador, em dezembro de 2015, invadiu a propriedade arrendada, impedindo o requerente de exercer a sua posse, apesar de todos os valores acertados terem sido adimplidos. Por outro lado, o arrendador sustenta que retomou a posse do imóvel, pois, além de o requerente/agravado não ter efetuado o pagamento devido pelo arrendamento, abandonou o imóvel. 6. Mesmo que confirmado o inadimplemento, é certo que o ordenamento jurídico pátrio veda, em regra, o exercício da autotutela, de forma que, em uma análise perfunctória, na hipótese de o arrendador verificar a existência de descumprimento contratual por parte do arrendatário, a medida adequada a ser adotada seria o ajuizamento de ação própria para rescindir o contrato e reaver a posse do imóvel, não se admitindo o exercício arbitrário das próprias razões, com a retomada do bem através de invasão. 7. Ademais, mesmo constando cláusula resolutiva expressa no instrumento contratual, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça em casos similares é de que tal circunstância não dispensa o ajuizamento de demanda para rescisão do contrato e consequente reintegração de posse. 8. Firmadas essas premissas, observa-se, em um juízo de cognição sumária, que o autor da ação originária preencheu todos os requisitos para o deferimento da liminar de reintegração da posse, quais sejam: a) a posse anterior, tendo em vista que a mesma foi outorgada ao demandante por força do contrato de arrendamento firmado entre os litigantes; b) o esbulho praticado pelo réu, bem como a sua respectiva data, uma vez que o próprio demandado admite que retomou o imóvel em março de 2016, sem anuência do arrendatário; c) a perda da posse. Além disso, a ação é de força nova, haja vista que não houve decurso de prazo superior a um ano entre o esbulho alegado e a propositura da demanda. 9 - Recurso conhecido e desprovido. Decisão mantida. ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, nos autos do Agravo de Instrumento, processo nº 0629649-89.2018.8.06.0000, por unanimidade, por uma de suas Turmas, em conhecer do recurso, para negar-lhe provimento, tudo de conformidade com o voto do e. Relator. Fortaleza, 27 de fevereiro de 2019. (TJ-CE - AI: 06296498920188060000 CE 0629649-89.2018.8.06.0000, Relator: HERACLITO VIEIRA DE SOUSA NETO, Data de Julgamento: 27/02/2019, 1ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 28/02/2019) – destaquei. Verifica-se que o ilustre Juízo a quo examinou com acuidade a demanda posta à sua apreciação, afastando com clareza as teses sustentadas pelo Recorrente. Por essa razão, ao meu sentir, o decisum não merece reforma. Assim, a sentença fustigada é incensurável e, por isso, merece confirmação pelos seus próprios fundamentos. Em assim sendo, servirá de acórdão a súmula do julgamento, conforme determinação expressa do art. 46, da Lei n° 9.099/95, segunda parte, in verbis: “O julgamento em segunda instância constará apenas data, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos seus próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão”. Com essas considerações, e por tudo mais constante dos autos, decido no sentido de CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso da parte Autora, para manter a sentença em todos os seus termos. Condeno a Recorrente ao pagamento de custas e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, desde que a parte contrária esteja acompanhada de advogado. Tal ônus fica suspenso, contudo, pelo prazo de 5 (cinco) anos, nos termos do
art. 98,
§3º do
CPC, ante o direito da Recorrente à Gratuidade da Justiça. Salvador (BA), data da assinatura eletrônica. IVANA CARVALHO SILVA FERNANDES Juíza Relatora
(TJ-BA, Classe: Recurso Inominado, Número do Processo: 0199445-20.2019.8.05.0001, Órgão julgador: TERCEIRA TURMA RECURSAL, Relator(a): IVANA CARVALHO SILVA FERNANDES, Publicado em: 18/01/2024)