JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C CANCELAMENTO DE TRANSAÇÃO BANCÁRIA C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS C/C PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO. DIREITO A AÇÃO REGRESSIVA.
ARTIGO 934 DO
CÓDIGO CIVIL. PRELIMINAR REJEITADA. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DA
SÚMULA 297 DO STJ. TRANSFERÊNCIA VIA PAGAMENTO INSTANTÂNEO ? PIX.
ARTIGO 32,
V, DA
RESOLUÇÃO N° 1 DE 12/08/2020,
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...DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. SÚMULA 479 DO STJ. TRANSAÇÃO REALIZADA EM DUPLICIDADE. ATENDIMENTO EM AGÊNCIA BANCÁRIA. CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR NÃO DEMONSTRADA. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 373, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. RESTITUIÇÃO DEVIDA. DANO MORAL QUE CARECE DE COMPROVAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. AUSÊNCIA DE ELEMENTO ADICIONAL E DE COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO. MERO ABORRECIMENTO. 1 ? Ressoa dos autos em epígrafe que a parte autora, ora recorrida pleiteou em juízo ressarcimento material e moral em razão de ato ilícito praticado pela reclamada, ora recorrente, em decorrência da duplicidade de transação financeira realizada em sua conta bancária, tendo o seu pedido sido julgado parcialmente procedente na instância singular, motivo pelo qual, o reclamado, ora recorrente ingressa com a súplica recursal em voga, sob a alegação principal de ilegitimidade passiva e de que inexiste ato ilícito reparável. 2 ? Nos termos da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. 3 ? Ab initio, afasta-se a preliminar de incompetência do Juizado Especial Cível, em razão da necessidade de integração do polo passivo, uma vez que a Instituição Financeira detém o direito de propôr ação regressiva em face do terceiro que entende ser o responsável pelo fato, conforme disciplina o artigo 934 do Código Civil, in verbis: ?Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.? 4 ? A responsabilidade das instituições bancárias é objetiva frente aos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros, como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno ao teor da Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: ?As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias?. 5 ? Confira-se o seguinte precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça: ?AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. OFENSA AOS ARTS. 165, 458 E 535 DO CPC/73. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RESPONSABILIDADE CIVIL CONFIGURADA. TESE DECIDIDA EM JULGAMENTO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Não prospera a alegada ofensa aos arts. 165, 458 e 535 do Código de Processo Civil/73, tendo em vista que o v. acórdão recorrido, embora não tenha examinado individualmente cada um dos argumentos suscitados pela parte, adotou fundamentação suficiente, decidindo integralmente a controvérsia. 2. "As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno" (REsp 1.199.782/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe de 12/09/2011). Recurso Representativo de Controvérsia. 3. Infirmar as conclusões do julgado, como ora postulado, para reconhecer que não não ficou demonstrada a existência de qualquer falha da instituição financeira na prestação dos seus serviços, inexistindo, assim, o dever de indenizar, demandaria o revolvimento do suporte fático-probatório dos autos, o que encontra vedação na Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1136982/MA, Rel. Ministro Lázaro Guimarães, 4ª Turma, j. Em 20/02/2018).? 6 ? Não obstante, acerca da responsabilidade das Instituições Financeiras nas transações por meio do pagamento instantâneo ? PIX, estabelece o artigo 32, V, da Resolução n° 1 de 12/08/2020, do Banco Central do Brasil: ?Art. 32. Os participantes do Pix devem: (...) V - responsabilizar-se por fraudes no âmbito do Pix decorrentes de falhas nos seus mecanismos de gerenciamento de riscos, compreendendo a inobservância de medidas de gestão de risco definidas neste Regulamento e em dispositivos normativos complementares; (Redação dada, a partir de 28/9/2021, pela Resolução BCB nº 147, de 28/9/2021, produzindo efeitos a partir de 16/11/2021.).? 7 ? Conforme se infere dos autos em epígrafe, a parte autora alega que em 27/01/2022 restou frustrada a tentativa de transferência do valor de R$13.900,00 (treze mil e novecentos reais) a terceiro (de quem havia adquirido um veículo), via pagamento instantâneo ? PIX, através do aplicativo da Instituição Financeira instalado em seu aparelho celular. 8 ? Diante do ocorrido, se dirigiu até a agência bancária da reclamada situada no município de Pirenópolis/GO, ocasião em que houve a tentativa de transferência pelo preposto da Instituição Financeira, diretamente de seu computador, a qual restou novamente infrutífera. Contudo, aduz que instantes depois o funcionário da ré solicitou seu aparelho celular para realizar a tentativa por este, logrando êxito na transferência. 9 ? Por conseguinte, ao verificar sua conta bancária o autor, ora recorrido, constatou que a transação havia sido realizada em duplicidade, utilizando, inclusive, o limite do cheque especial. Salienta que o erro ocorreu pelo preposto da ré que não verificou o saldo de sua conta na primeira tentativa de transferência. 10 ? Na espécie, o ônus da prova incumbiria à instituição financeira quanto à inverdade da afirmação do consumidor de que não realizou as transações contestadas, ou mesmo em relação à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado pela parte autora, à luz do que estatui o artigo 373, II do Código de Processo Civil. 11 ? Conforme se extrai dos comprovantes de transferências carreados pela própria Instituição Financeira, vislumbra-se que a primeira transação ocorreu às 14h22min41seg, via ?Celular?, e a segunda ocorreu às 14h23min29seg, via ?Mesa do Gerente?. A vista disso, resta patente a falha na prestação de serviços da reclamada, uma vez que seu preposto não constatou o êxito da primeira transação realizada no aparelho celular do autor, o qual encontrava-se em atendimento junto ao funcionário na agência da reclamada, e em menos de 01 (um) minuto após, realizou novamente a transação através do sistema do Banco. 12 ? Não obstante, a recorrente, logo após constatar a duplicidade da transação, tomou as providências devidas, comunicando o fato a Instituição Financeira recorrida, cumprindo o seu dever, conforme consta dos autos e do dispositivo 373, inciso I do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente. 13 ? Lado outro, embora a reclamada alegue que não houve erro no processamento das transações, não apresentou nos autos provas contundentes de suas alegações, não desincumbindo-se de seu ônus probatório, conforme disciplina o artigo 373, inciso II do Código de Processo Civil. 14 ? Nesse sentido, segue o entendimento da jurisprudência pátria: ?APELAÇÃO. Ação indenizatória. Sentença de parcial procedência. Inconformismo da parte autora. Acolhimento. Parte autora que efetuou a transferência de numerário bancário à parte corré, prestadora de serviço com quem contratou, através de operação via "Pix". Consumação imediata da operação via "Pix" que é a regra e a expectativa. Operação que não se consumou imediatamente, gerando mensagem de "análise". Falta de informação ao consumidor sobre o estado da operação primeira, que implica em quebra do dever de informação pela instituição financeira. Reiteração pelo consumidor, por mais duas vezes, da mesma operação no anseio de ver concluída sua negociação, cuja culpa não se pode lhe imputar. Instituição financeira que tem o dever de analisar a segurança e discrepâncias das operações via "Pix", nos termos do artigo 36 da Resolução BCB nº1, de 12 de agosto de 2020. Caso concreto em que as operações suspensas foram concluídas somente no dia seguinte, sendo que todas elas eram do mesmo valor para o mesmo destinatário, em evidentes reiterações da primeira operação frustrada, visando sua conclusão. Responsabilidade objetiva da instituição financeira, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Sentença reformada. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1000430-37.2022.8.26.0624; Relator (a):Rogério Murillo Pereira Cimino; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Foro de Tatuí -2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/01/2023; Data de Registro: 17/01/2023).? 15 ? Havendo falha na prestação do serviço, deve a parte reclamada, ora recorrida, responder nos termos do artigo 14 do Código do Consumidor. 16 ? Os danos materiais restaram devidamente comprovados, vez que reconhecido o equívoco na segunda transação realizada, conforme comprovado no evento 01, arquivos 04 e 05, sendo a restituição do quantum de R$13.900,00 (treze mil e novecentos), medida de rigor. 17 ? Quanto ao dano moral, o ônus probatório, conforme dispõe o artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil, é de quem alega, sendo que a inversão do ônus prevista no Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 6º, inciso VIII, não tem o condão de afastar a parte autora do dever de produção de prova minimamente condizente com o direito vindicado, não bastando a simples menção do direito, pois imprescindível a sua demonstração, sob pena de improcedência da pretensão. 18 ? No caso dos autos, não há elemento de convicção que socorra as alegações da parte reclamante quanto ao dano experimentado, uma vez que não se desincumbiu de demonstrar os fatos mínimos constitutivos do seu direito, isto é, não há elemento ainda que diminuto de convicção no sentido de ter havido algum prejuízo que refugisse do comum. 19 ? Insta salientar que, sobre os danos imateriais, menciona-se o ensinamento de Sérgio Cavalieri Filho, segundo o qual ?só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos? (Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 83/84). 20 ? Acerca da questão, a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, consolidou o entendimento que a mera falha na prestação de serviço, por si só, não é capaz de gerar o dever de indenizar, pois, desacompanhada de qualquer circunstância excepcional, não configura graves constrangimentos ou intenso sofrimento passível de reparação pecuniária. 21 ? A título exemplificativo, veja-se o seguinte julgado: ?PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. SERVIÇOS DE TELEFONIA. COBRANÇA INDEVIDA. NÃO INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. COMPROVAÇÃO DO DANO. NECESSIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Necessário consignar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo 3/STJ: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Segundo entendimento consolidado no STJ, o dano moral deve ser demonstrado quando houver a falha na prestação ou cobrança do serviço, mas inexiste ato restritivo de crédito ou inscrição em cadastro de inadimplentes. Precedentes. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1584123/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 20/08/2019)?. 22 ? A situação em apreço não pode ser considerada isoladamente como um fato causador do dever de indenizar, pois, trata-se de mero aborrecimento, uma vez que não restou demonstrado nenhum fator adicional, bem como não constata-se o desvio produtivo ou perda do tempo útil do reclamante. 23 ? Destarte, à míngua de situação excepcional ou de inequívoca comprovação do prejuízo, as alegações genéricas acerca dos danos supostamente vivenciados não configuram substrato apto ao reconhecimento de lesão de cunho extrapatrimonial, porquanto os fatos narrados caracterizam-se como mero dissabor cotidiano ao qual todos estamos sujeitos, incapazes, pois, de ferir um direito de personalidade. 24 ? Desta feita, por não se tratar de dano in re ipsa, não restaram comprovados os requisitos dispostos nos
artigos 186 e
927 do
Código Civil, razão pela qual não há que se empunhar contra a parte reclamada condenação por danos morais. 25 ? Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença fustigada reformada apenas para afastar a condenação da reclamada, ora recorrida, em indenização por danos morais, mantendo-se quanto ao mais.
(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Recurso Inominado Cível 5140469-60.2022.8.09.0051, Rel. MÔNICA CEZAR MORENO SENHORELO, Goiânia - 2º Juizado Especial Cível, julgado em 23/03/2023, DJe de 23/03/2023)