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Art. 48. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se tomarão pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular as decisões a que se refere este artigo, quando violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude.
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Jurisprudências atuais que citam Artigo 48
TJ-MT Concurso de Credores
EMENTA:
RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – PRODUTOR RURAL – EMPRESÁRIO INDIVIDUAL – AUSÊNCIA DE UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDENCIA – REDAÇÃO EXPRESSA DO ARTIGO 51 DA LEI Nº 11.101/2005 - DESCUMPRIMENTO DO ARTIGO 48, CAPUT, DA LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL - REGISTRO PÚBLICO DE EMPRESÁRIOS INDIVIDUAIS EFETUADO CERCA DE TRÊS MESES ANTES DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO - BIÊNIO LEGAL NÃO COMPROVADO – NATUREZA CONSTITUTIVA DA INSCRIÇÃO PARA O EMPRESÁRIO RURAL – ENUNCIADO 202/CJF - EXIGÊNCIA CONTIDA NOS ARTIGOS 966, 967 ...
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...E 971, TODOS DO CC/2002 C/C OS ARTS. 48, E 51, INCISO V, AMBOS DA LRF – EXTENSÃO DA RECUPERAÇÃO PARA A SUSPENSÃO/NOVAÇÃO DE DÉBITOS CONSTITUÍDOS E/OU GARANTIDOS POR PESSOAS FÍSICAS – VEDAÇÃO – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO ART. 170, IV, DA CF; DOS ARTS.49-A E 50, §§2º E 3º E 422, TODOS DO CC; E DO ART. 198, III, DA LEI Nº 9.279/1996 - EMPRESA QUE NÃO POSSUI NENHUMA ATIVIDADE OPERACIONAL – NÃO SUJEITA À RECUPERAÇÃO JUDICIAL – ARTIGO 47 DA LEI Nº 11.101/2005 - DECISÃO REVOGADA EM PARTE - RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.
Até que sobrevenha a uniformização de entendimento no STJ, impõe-se a aplicação, ipsis literis, do artigo 51, inciso V, da Lei nº. 11.101/05, o qual estabelece que a recuperação judicial somente poderá ser utilizada por quem for empresário ou sociedade empresária, e regularmente inscrito no Registro Público de Empresas ou Junta Comercial para o caso do empresário se pessoa física há mais de 02 (dois) anos.
O artigo 971 do Código Civil faculta ao empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, requerer o Registro Público de Empresas Mercantis, situação em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os fins, ao empresário sujeito a registro, sendo a natureza dessa inscrição constitutiva. Inteligência do Enunciado 202 do Conselho de Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil.
Para postular a Recuperação Judicial, a Lei 11.101/2005 exige do devedor (artigo 1º) a comprovação do exercício de atividade empresarial de forma regular nos dois anos anteriores ao pedido, cujo prazo se demonstra com a juntada de certidão expedida pela Junta Comercial no caso do empresário individual, seja ele rural ou não rural (artigos. 48 e 51 da LREF).
Caso dos autos em que os empresários, sócios de pessoas jurídicas do agronegócio, efetuaram seu registro como empresários individuais a menos de dois anos do pedido de recuperação judicial, faltando-lhes, pois, o requisito temporal legal para o acolhimento de seu pedido recuperacional.
Logo, não se revela admissível a extensão da suspensão de ações/execuções e a novação dos débitos constituídos ou garantidos por sócios da recuperanda na condição de pessoas físicas. Afinal, ao se comprometer ao pagamento de um débito na condição de pessoa física, o contratante gera no credor a justa expectativa de que, em caso de ser necessária a execução, não correria o risco de ter frustrada a excussão regular para a satisfação de seu crédito por um possível pedido recuperação judicial.
Além disso, admitir a suspensão das dívidas também em relação ao sócio significaria negar vigência ao artigo 422 do Código Civil, ante a necessária observância da boa-fé que deve imperar nas relações contratuais, ao novel artigo 49-A, caput, do Código Civil, bem como à possibilidade de o credor se valer da tese de confusão patrimonial a permitir a desconsideração da personalidade jurídica, tal como consta da nova redação do artigo 50, §§1º, 2º, e 3º, do Código Civil.
Haveria ainda a chancela do Poder Judiciário à prática da concorrência desleal, favorecendo a produção/venda de produtos/safra/alimentos por preços mais vantajosos posto que não precisariam pagar a integralidade dos débitos contraídos para aquisição de insumos (amparados pelo beneplácito da recuperação judicial), em nítida ofensa ao artigo 198, III, da Lei nº 9.279/1996, bem como expressa violação ao direito à livre concorrência constitucionalmente garantido pela Constituição Federal, em seu artigo 170, IV, o qual expressa fielmente o princípio constitucional que ampara o sistema empresarial, a ordem econômica e todo o mundo capitalista, no qual se insere nosso ordenamento jurídico brasileiro.
A empresa que busca o soerguimento, contudo, não possui nenhuma atividade operacional, não faz jus à recuperação judicial, uma vez que não atinge o objetivo do artigo 47 da Lei nº 11.101/2005, já que não haverá a realização de fomento e muito menos existirá empregos para serem mantidos.-
R E L A T Ó R I O
Eminentes pares:
Trata-se de recurso de agravo de instrumento, interposto pela SINAGRO PRODUTOS AGROPECUÁRIOS S/A, em face da decisão interlocutória proferida na Ação de Recuperação Judicial nº 1000866-96.2020.8.11.0037, manejado por (...) IENERICH, CPF 011.158.441-80, IURI FRANCO ROCHA, CPF 015.231.621-39 e (...), CPF 856.468.819-00, bem como pelas empresas BR COMÉRCIO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS LTDA, CNPJ 10.530.266/0001-08, BR PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA, CNPJ 28.392.121/0001-45, BR COMÉRCIO DE CEREAIS LTDA, CNPJ 23.937.313/0001-76, e BR PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA, CNPJ 28.392.121/0001-45, que após perícia preliminar, deferiu o processamento da recuperação judicial das empresas e das pessoas físicas dos empresários rurais - todos acima nominados -, sem que estes últimos tivessem inscrições na JUNTA COMERCIAL (JUCEMAT) por mais de 02 (dois) anos.
Insatisfeita, aduz em suma a agravante que não foram preenchidos os requisitos legais previsto no inciso I e § 1º do artigo 51 da Lei nº 11.101/2005, para deferimento da recuperação judicial, diante da ausência de demonstração objetiva da crise financeira e da incompletude documental.
Adiante, pondera que a real finalidade do pedido de recuperação judicial formulado pelas agravadas não é a manutenção da atividade econômica, mas a possibilidade de pagamento dos débitos com o desconto, em atitude desleal para com os seus credores.
Alega ainda que se verificou no próprio laudo de constatação prévia inúmeras inconsistências de suma importância, como a possibilidade de os devedores não estarem informando a totalidade de bens e, mais importante, a ausência de apresentação da escrituração contábil em razão da não inscrição prévia dos produtores na Junta Comercial, necessária para que o perito avalie, valide e certifique as informações apresentadas, pois, pelo contrário, será permitida a livre manipulação dos números e resultados que não condizem com a realidade.
Declara também que os agravados não demonstraram satisfatoriamente as razões da crise e seus impactos através de documentação necessária, bem como deixaram de apresentar a escrituração contábil que confira confiabilidade das informações prestadas, conforme prescreve o artigo 51, §1º da Lei nº 111.101/2005.
Assim, na concepção da agravante, resta demonstra a total ausência de confiabilidade das informações contábeis e fiscais apresentadas pelo “Grupo”, as quais são incongruentes e não se prestam ao deferimento do processamento da recuperação judicial, alegando que a decisão agravada se ateve meramente ao critério de pontuação extremamente subjetiva, mas ignorou os pontos mais importantes apresentados pelo perito, que infirmam toda a análise realizada, na medida em que não se pôde obter a validação das informações contábeis, com indícios de que tenham sido manipuladas.
No mais, sustenta que resta por completo ausentes os requisitos essenciais para o deferimento da recuperação judicial aos produtores rurais, diante da inexistência de comprovação do exercício das atividades e registro na Junta Comercial por prazo superior ao biênio legal, assim, ausentes os requisitos dos artigos 48, caput, e 51, inciso V, ambos da Lei nº 11.101/2005, portanto, sendo impossível a admissibilidade do pedido de recuperação judicial dos agravados produtores rurais.
Ao final, pugna a agravante pela liminar recursal, de modo a suspender os efeitos da decisão agravada que deferiu o plano de recuperação judicial aos agravados, bem como seja concedido o efeito ativo para determinar que cada produtor rural apresente seu plano de recuperação de forma individualizada, caso não seja excluído.
A liminar recursal foi deferida em parte no ID nº 44055474 para suspender o processamento da recuperação judicial em relação aos agravados pessoas físicas e produtores rurais (...) IENERICH, IURI FRANCO ROCHA e (...).
Os agravados apresentaram contrarrazões ao Agravo de Instrumento no teor do ID nº 51950954.
Instada a se manifestar, a douta Procuradoria Geral da Justiça apresentou seu parecer no ID nº 54697463, opinando pelo parcial provimento do instrumental.
Sem informações do Juízo singular.
É o relatório.-
V O T O
Eminentes pares:
Conforme se denota, a Juíza singular ponderou que embora o registro dos produtores rurais tenha ocorrido há pouco tempo perante a Junta Comercial do Estado de Mato Grosso (20/01/2020), todavia, filia-se à corrente que adota o posicionamento de que o registro formal teria natureza meramente declaratória, e não constitutiva, de modo que o exercício da atividade rural pela autora pode ser demonstrado por outros meios de prova.
Pois bem.
Muito embora a Juízo singular adote o posicionamento de que o exercício da atividade rural pelo produtor rural pode ser demonstrado por outros meios de prova, sendo desnecessário o registro de 02 anos na Junta Comercial, tenho entendimento totalmente contrário, cujo fundamento exponho, aproveitando em parte a liminar recursal, verbis:
“(...) Pelos argumentos apresentados no recurso, entendo presentes em parte, ao menos prima facie, os requisitos previstos no artigo 300 do CPC/15, para conceder o efeito suspensivo, nos termos do inciso I do artigo 1.019 do citado Codex.
(...);
No tocante ao segundo aspecto, efeito ativo para determinar que cada produtor rural apresente seu plano de recuperação de forma individualizada, este se mostra aparentemente incongruente entre a fundamentação recursal e o pedido de efeito ativo.
Isto porque, a agravante expôs de forma clara e precisa que os produtores rurais não fazem jus à recuperação judicial já que não comprovaram o exercício das atividades e registro na Junta Comercial por prazo superior ao biênio legal, assim, ausentes os requisitos dos artigos 48, caput, e 51, inciso V, ambos da Lei nº 11.101/2005, portanto, sendo impossível a admissibilidade do pedido de recuperação judicial dos agravados produtores rurais.
Em sede de liminar recursal, pretende a agravante que cada um dos produtores rural apresente seu plano de recuperação de forma individualizada, logo, se os produtores rurais não preenchem os requisitos para a recuperação judicial, tanto faz apresentarem o plano coletivamente ou individualmente porquanto continuam ausentes os requisitos, conforme suscitado na tese recursal.
No entanto, diante dos fundamentos trazidos no corpo do recurso, é plenamente cabível a suspensão do processamento da recuperação judicial em relação aos produtores rurais, como já realizado em outros quatro agravos de instrumento (RAI nº 1010846-81.2020.8.11.0000 da SICREDI -, RAI nº 1009644-69.2020.8.11.0000 do BANCO DO BRASIL, RAI nº 1009950- 38.2020.8.11.0000 da ADAMA e RAI nº 1013011-04.2020.8.11.0000 da ZOOFORT), cujas transcrições podem ser facilmente acessadas no site oficial deste Tribunal, através do sistema PJE.
Ante o exposto, defiro em parte liminar recursal, para suspender o processamento da recuperação judicial em relação aos agravados pessoas físicas e produtores rurais (...) IENERICH, IURI FRANCO ROCHA e (...) (...)”
Vale ressaltar ainda que quando estive na Vice-Presidência deste Tribunal (biênio 2017/2018), classifiquei alguns recursos relativos à matéria em discussão, sugerindo-os como representativos de controvérsia a fim de que o STJ pudesse afetá-lo ao rito dos recursos repetitivos, contudo, o pedido foi rejeitado.
Na oportunidade, apresentei os seguintes questionamentos para ser dirimidos:
1) - Se os sócios - pessoas físicas - podem ser incluídos na recuperação judicial de sociedade empresaria rural da qual fazem parte, sem que tenham sido inscritos há mais de dois (02) anos na Junta Comercial.
2) - Se o produtor rural individual, ou seja, empresário rural - pessoa física - que exerce atividade empresarial há mais de dois (02) anos, pode pedir recuperação judicial, ainda que sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial) tenha se efetivado a menos de dois (02) anos.
Todavia, o Superior Tribunal de Justiça deixou de afetá-los ao rito dos recursos repetitivos, in verbis:
“PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 1.036 E SEGUINTES DO CPC. ART. 257 RISTJ. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL RURAL. INSCRIÇÃO A MENOS DE DOIS ANOS NO REGISTRO PÚBLICO DE EMPRESAS MERCANTIS. ART. 971 CÓDIGO CIVIL. ARTS. 48, CAPUT, E 51, V, LEI 11.1012005. 1. A questão de direito que se pretende afetar ao rito dos recursos repetitivos consiste na possibilidade de o empresário individual rural (produtor rural) - pessoa física - requerer o benefício da recuperação judicial, ainda que não se tenha inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis há mais de 2 (dois) anos da data do pedido (art. 971 do Código Civil cc arts. 48, caput, e 51, V, da Lei n. 11.1012005). 2. Embora de grande relevância para o país, esta Corte Superior não emitiu posicionamento fundamentado sobre o tema em destaque. 3. Diante da ausência de precedentes sobre a referida questão de direito e em homenagem ao princípio da segurança jurídica, deve-se aguardar, para fins de afetação ao rito previsto no art. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil, a formação de jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça, orientação que vem sendo adotada pela Segunda Seção na afetação e análise de temas repetitivos. 4. Questão jurídica não afetada ao rito dos recursos repetitivos (art. 257-A, § 2º, RISTJ).” (STJ, Recurso Especial nº 1.686.022 – MT (2017/0176709-8), Rel. Ministro MARCO BUZZI – Relator do acórdão – Ministro LUIZ FELIPE SALOMÃO, decisão proferida em 28/11/2017).
Diante desta não afetação da matéria, consequentemente, não há ainda uniformização de entendimento do Superior Tribunal de Justiça e muito menos nos Tribunais pátrios, assim sendo, dos inúmeros recursos que apreciei sobre a questão, sempre me posicionei pela corrente daqueles que entendem que o produtor rural deve comprovar o exercício empresarial de forma regular na Junta Comercial, nos dois anos anteriores, conforme determina a lei de regência.
Sem embargo aos entendimentos divergentes sobre o assunto, até que sobrevenha a uniformização de entendimento no STJ, sob minha ótica, impõe-se a aplicação, ipsis literis, da Lei nº. 11.101/05, a qual estabelece que a recuperação judicial somente poderá ser utilizada por quem for empresário ou sociedade empresária, cuja prova se dá mediante a regular inscrição no Registro Público de Empresas ou Junta Comercial para o caso do empresário se pessoa física há mais de 02 (dois) anos.
Desta forma, tão somente faz jus à recuperação judicial, o empresário ou sociedade empresária que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de dois anos, e que atenda aos requisitos descritos no art. 48 da Lei 11.101/2005.
Conquanto a ausência de registro não impeça a qualificação da atividade do produtor rural como profissional, tampouco regularidade dessa atividade, o registro na Junta Comercial, atualmente, é tido como ato constitutivo, e não meramente declaratório, do direito de o produtor rural pleitear a sua recuperação judicial.
Inclusive, o Enunciado 202 do Conselho de Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil, define com precisão que o registro do produtor rural possui natureza constitutiva. Confira:
“Enunciado 202: O registro do empresário ou sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao regime jurídico empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade rural que não exercer tal opção.” Grifei.
Com relação à comprovação do exercício regular da atividade empresária, a redação do § 2º do art. 48 da Lei 11.101/05 disciplina que compete ao produtor rural a prova do exercício por período superior a 02 (dois) anos, podendo se dar através de diversas formas, tais como: a apresentação de nota de produtor rural, comprovante de recolhimento de tributos, cópias de contratos bancários rurais ou dos quais se denote a natureza da atividade econômica desenvolvida, bem como de documentos contábeis, mas não afasta a obrigatoriedade de apresentar a prova do registro na Junta Comercial.
Nesse contexto, ensina (...):
“Se para os credores, pouco importa se o devedor é empresário regular ou não, porque o que lhes interessa é a recepção de seus créditos, para o direito não é assim. Na medida em que se anuncia a recuperação judicial como uma espécie de privilégio da lei, é natural que seja reservada somente para os que se conduzem na forma da lei. Por isso, só o ‘empresário de direito’ pode obter recuperação judicial. Esta é vedada ao profissional irregular. Só a sociedade empresária personificada faz jus ao benefício. É fato que para a definição do destinatário da falência, a qualidade de agente econômico resulta da mera prática profissional. Tal não ocorre com a recuperação judicial. A demonstração do exercício regular é essencial. Só poderá desfrutar da recuperação judicial o agente econômico personalizado, quer dizer, devidamente inscrito no registro oficial competente, há mais de 2 (dois) anos” (Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas, Ed. Atlas, 2005. P. 156/157). Grifei.
Na hipótese dos autos, vale reiterar que os agravados, produtores rurais, não comprovaram o registro de sua condição há mais de 02 (dois) anos, conforme determina o artigo 48, §2º, da Lei n. 11.101/05, pois os aludidos produtores rurais obtiveram registro na Junta Comercial cerca de três meses da distribuição do processo de recuperação judicial, que se deu em maio de 2020, portanto, não preenchendo os requisitos do artigo 48 e 51, V, da Lei n.º 11.101/2005:
Nessa linha, do STJ e das diversas Câmara deste TJMT, inclusive recentíssima jurisprudência desta Segunda Câmara Cível:
“RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO POR MAIS DE 2 ANOS. NECESSIDADE DE JUNTADA DE DOCUMENTO COMPROBATÓRIO DE REGISTRO COMERCIAL. DOCUMENTO SUBSTANCIAL. INSUFICIÊNCIA DA INVOCAÇÃO DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL. INSUFICIÊNCIA DE REGISTRO REALIZADO 55 DIAS APÓS O AJUIZAMENTO. POSSIBILIDADE OU NÃO DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESÁRIO RURAL NÃO ENFRENTADA NO JULGAMENTO. 1.- O deferimento da recuperação judicial pressupõe a comprovação documental da qualidade de empresário, mediante a juntada com a petição inicial, ou em prazo concedido nos termos do CPC 284, de certidão de inscrição na Junta Comercial, realizada antes do ingresso do pedido em Juízo, comprovando o exercício das atividades por mais de dois anos, inadmissível a inscrição posterior ao ajuizamento. Não enfrentada, no julgamento, questão relativa às condições de admissibilidade ou não de pedido de recuperação judicial rural. 2.- Recurso Especial improvido quanto ao pleito de recuperação.” (STJ REsp 1193115/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 07/10/2013).
PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – SENTENÇA QUE EXTINGUE O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR CARÊNCIA DE AÇÃO – PRODUTORES RURAIS – EMPRESÁRIOS INDIVIDUAIS – REGISTRO NA JUNTA COMERCIAL – IMPRESCINDIBILIDADE DO DECURSO DO PRAZO DE 02 DOIS ANOS – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1 - Até que sobrevenha a uniformização de entendimento no STJ, por meio de Recurso julgado sob a sistemática dos repetitivos, impõe-se a aplicação, ipsis literis, do art. 51, inciso V, da Lei nº. 11.101/05, o qual estabelece que a recuperação judicial somente poderá ser utilizada por quem for empresário ou sociedade empresária, e regularmente inscrito no Registro Público de Empresas ou Junta Comercial para o caso do empresário se pessoa física há mais de 02 (dois) anos. 2 – No caso dos autos, conquanto os produtores rurais tenham satisfeito alguns pressupostos, cumulativos, do artigo art. 48 da Lei 11.101/2005, não satisfizeram a prova da inscrição na Junta Comercial há pelo menos 02 (dois) anos, o que obsta o processamento da recuperação judicial." (TJMT N.U 1002313-25.2019.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CLARICE CLAUDINO DA SILVA, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 11/03/2020, Publicado no DJE 19/03/2020)
"AGRAVO INTERNO - CONSÓRCIO FAMILIAR COMPOSTO POR PRODUTORES RURAIS - RECUPERAÇÃO JUDICIAL - CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIOS - REGISTRO NA JUNTA COMERCIAL - BIÊNIO LEGAL NÃO COMPROVADO (ART. 48 DA LEI 11.101/2005) - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. O deferimento da recuperação judicial pressupõe a comprovação da qualidade de empresário, mediante a juntada de certidão de inscrição na Junta Comercial , por período superior a dois anos. Não se submete aos efeitos da recuperação judicial o crédito constituído sob o regime não empresarial." (TJMT - N.U 1000173-78.2019.8.11.0092, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Vice-Presidência, Julgado em 21/08/2019, Publicado no DJE 28/08/2019)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – DECISÃO QUE DEFERE PROCESSAMENTO – LITISCONSÓRCIO ATIVO – DEMONSTRAÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO – FIRMA INDIVIDUAL – REGISTRO NA JUNTA COMERCIAL – COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO POR MAIS DE 2 ANOS – INCLUSÃO DAS PESSOAS FÍSICAS QUE TITULARIZAM AS EMPRESAS INDIVIDUAIS – IMPOSSIBILIDADE – CRÉDITO RURAL – AUSÊNCIA DE REGISTRO DE PRODUTOR RURAL – INCLUSÃO DE CRÉDITOS ANTERIORES AO REGISTRO NA JUNTA COMERCIAL – IMPOSSIBILIDADE – SUSPENSÃO DA PUBLICIDADE DOS APONTAMENTOS DE PROTESTOS E NEGATIVAÇÕES EM NOME DAS RECUPERANDAS EM ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO É admissível a formação do litisconsórcio ativo, se evidenciado a existência de grupo econômico e certa simbiose patrimonial entre as pessoas jurídicas, notadamente se o processamento separado das ações de recuperação de cada uma das sociedades, essencialmente interligadas, pode comprometer o soerguimento do grupo. O deferimento da recuperação judicial pressupõe a comprovação da qualidade de empresário, mediante a juntada de certidão de inscrição na Junta Comercial, por período superior a dois anos. Não se submete aos efeitos da recuperação judicial o crédito constituído sob o regime não empresarial. Como o deferimento do processamento da recuperação judicial não atinge o direito material dos credores, não há falar em exclusão dos débitos, devendo ser mantidos, por conseguinte, os registros do nome do devedor nos bancos de dados e cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, assim como nos tabelionatos de protestos." (TJMT N.U 1012794-63.2017.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/08/2018, Publicado no DJE 03/09/2018)
RECURSO DE AGRAVO REGIMENTAL OU INTERNO (ART. 1.0121, DO NCPC) - DEFERIMENTO DE PROCESSAMENTO DE PEDIDO DE RECUPERAÇAO JUDICIAL - PRODUTORES EMPRESÁRIOS RURAIS NÃO INSCRITOS EM TEMPO HÁBIL NA JUNTA COMERCIAL COMO EMPRESÁRIOS - IMPOSSBILIDADE DA RECUPERAÇÃO - CRÉDITO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - NÃO SUJEIÇÃO À RECUPERAÇÃO JUDICIAL - PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO - POSSIBILIDADE - INEXISTÊNCIA DE JUÍZO UNIVERSAL - RECURSO DESPROVIDO. "No que respeita ao dissídio jurisprudencial em relação ao REsp 1.193.115/MT, não está demonstrado, por ausência de similitude fática entre os arestos em confronto. Com efeito, referido julgado não trata de situação em que o empresário altera o ramo de atividades e busca obter a recuperação judicial, mas sim de empresário rural, para quem a inscrição na Junta Comercial é indispensável, dada sua natureza constitutiva da condição de empresário. (...) Também a AC 994.09.293031 cuida de situação em que agricultor já exercendo atividade rural requer a recuperação judicial, sem a realização, porém, do registro na Junta Comercial, de caráter constitutivo." (REsp 1478001/ES, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe 19/11/2015, excerto do voto condutor) Crédito de proprietário fiduciário que não se submete as regras da recuperação judicial, máxime em se considerando a não comprovação de que o bem é essencial para o funcionamento da agravante. Veículo de passeio e de luxo. Liminar deferida. Dicção do artigo 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. Decisão reformada. Recurso Provido." (TJ/SP - AI 2026356-13.2014.8.26.0000 - SP - Relator Francisco Occhiuto Júnior, 32ª Câmara de Direito Privado - DJE 29/05/2014)" (TJMT - N.U 0097733-27.2016.8.11.0000, NILZA MARIA PÔSSAS DE CARVALHO, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 18/10/2016, Publicado no DJE 24/10/2016)
Inclusive, sobre referido tema, o eminente Presidente desta Câmara - Desembargador SEBASTIÃO MORAES FILHO, convocado para Primeira Câmara, em 19/11/2019, para julgamento do RAI nº 1008147-54.2019.8.11.0000, em questão envolvendo a discussão acerca dos dois anos para pedido de recuperação judicial, com brilhantismo discorreu sobre o tema e também sobre o princípio da boa-fé na formação dos contratos, principalmente daqueles que contraem dívida junto aos seus credores sem que estivessem registrados como produtor rural, o registrando pouco dias antes de pedir a recuperação judicial, surpreendendo a todos:
“(...)A matéria em si não tem unanimidade perante este sodalício e, de igual forma, junto ao colendo Superior Tribunal de Justiça, merecendo uma longa reflexão a respeito da situação concreta nos seus múltiplos e variados aspectos.
Temos que os substanciosos votos antagônicos são verdadeiras aulas em relação ao processo de recuperação judicial pertinente a participação ou não do agravado ELOI BRUNETA. Inclusive, tive acesso a dois julgados do STJ que, com todo respeito, ouso divergir e, neste contexto, não se trata de decisão de cunho repetitivo e tão somente posicionamento isolado de alguns Ministros do Tribunal Cidadão.
Pedindo vênia a ambos os posicionamentos, prefiro trilhar por outros argumentos relevantes e pertinentes que transcendem em relação ao contrato, sua formação, sua modificação, como prescrito no ordenamento civil e, sobretudo ante a máxima de que o contrato faz lei entre as partes.
Dito isto, o primeiro enfoque reside no artigo 113 do Código Civil Brasileiro - Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa fé e os usos do lugar de sua celebração’.
Disto se extrai que, quando da formação dos contratos pelo agravado junto aos seus credores, ele não estava registrado como produtor rural, o que aconteceu poucos dias antes de pedir a recuperação judicial. E nesta situação jurídica foi feito o contrato entre as partes.
Desta forma, em primeiro tópico, este seu ato unilateral não pode atingir contratos pretéritos por violar o princípio da boa fé objetiva.
Neste sentido, resume (...): ‘A boa-fé expande as fontes dos deveres obrigacionais, posicionando-se ao lado da vontade e dotando a obrigação de deveres orientados a interesses distintos dos vinculados estritamente à prestação, tais como o não-surgimento de danos decorrentes da prestação realizada ou a realização do melhor adimplemento’ (A Boa-fé e a Violação Positiva do Contrato, p. 270)’.
Outra questão importante para a boa-fé objetiva nos contratos é a disciplina sobre o valor jurídico do silêncio quanto ao conteúdo do contrato e, neste aspecto, o silêncio tradicionalmente se trata de uma manifestação de não vontade de aquiescer.
SAVIGNY predominava:
‘Se, pois, alguém me apresenta um contrato e manifesta que tomará meu silêncio como aquiescência, eu não me obrigo, porque ninguém tem o direito, quando eu não consinto, de forçar-me a uma obrigação positiva. (SAVIGNY, (...) Von. Sistema del Derecho Romano Actual. T. II. Madri : F. (...) Y Compañía Editores, 1879, p. 314, fonte Google)’.
Digo eu. Portanto, há silêncio no negócio jurídico em relação ao contrato firmado entre as pessoas físicas para, de resto, serem tais débitos encaixados na recuperação judicial e, desta forma, respeitando o posicionamento até no STJ em alguns julgados isolados, deve ser interpretada em consonância com o princípio da boa-fé objetiva, se possa verificar que foi suscitada no caso uma confiança legitima e estava presente uma vontade plenamente justificada, isto é, não inclusão destes créditos em sede de uma recuperação judicial.
Na definição de RENE DEMOGUE:
‘há silêncio no sentido jurídico quando uma pessoa no curso dessa atividade permanente que é a vida, não manifestou sua vontade em relação a um ato jurídico, nem por uma ação especial necessária a este efeito (vontade expressa) nem por uma ação da qual se possa deduzir sua vontade (vontade tácita). DEMOGUE, René. Traité des Obligations em Géneral. t. I. Paris: (...), 1923, p. 299, fonte Google).
Portanto, não existe essas circunstâncias especialíssimas, não há valor jurídico no silêncio das partes.
Neste contexto a jurisprudência pátria:
‘A manifestação de vontade não poderá ser concebida se os princípios inerentes à matéria exigirem uma declaração expressa. (...) A teoria do silêncio eloquente é incompatível com o imperativo de motivação dos atos administrativos. Somente manifestação expressa da Administração pode marcar o prazo prescricional’ (STJ, 1a. Turma, Resp. 16284-PR, Relator Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, RSTJ, v. 32, p. 416). (mutatis mutandis).
Por tais aspectos, por ora, em que pesem os argumentos trazidos pelo agravante e até decisões que, em casos isolados admitiu esta situação, que não pode ser generalizada, ainda continuo firme em meu posicionamento de que, em relação à pessoa física de ELOI BRUNETA, não há como deferir-lhe as benesses da recuperação judicial pretendida, com base na Lei de Regência.
Isto porque, nos termos do que já formatei linhas anteriores e, respeitando posicionamentos contrários, não podem os credores, de surpresa, caírem nesta armadilha jurídica e, de consequência, se firmados os contratos com pessoa física sem qualquer registro quando da sua elaboração, não vejo como adicionar o agravado como integrante da recuperação judicial. Deve, ainda, sob o manto de que o contrato faz lei entre as partes, responder seu patrimônio pessoal para garantia dos credores.
Soma-se a isto o próprio artigo 48 da LRJ onde, expressamente, consta a necessidade de que para ter direito à recuperação judicial, indispensável o interregno de 02 (dois) anos do respectivo registro e desde que preencha os requisitos legais estabelecidos em seus incisos.
Em termos de contratos também vige o princípio do – tempus regit actum – e, neste contexto, se quando da celebração dos contratos não possuía o registro e assim foi elaborado o cadastro junto aos credores, o registro posterior não alcança um ato jurídico perfeito, isto é, contrato firmado com a pessoa física sem registro e, de consequência, a manutenção do agravado como o pretendido, também viola o princípio da boa-fé já que elaborados em perfeita consonância de que o agravante não tinha registro de produtor rural.
O princípio da boa-fé objetiva é atinente ao fato de desconhecer algum vício do negócio jurídico. Trata-se de um padrão de comportamento a serem seguidos na lealdade e na probidade, com proibição de comportamentos outros, impedindo o que restou anteriormente estabelecido, num verdadeiro abuso de direito.
Desta maneira, anotando que o princípio objetivo da boa-fé prescrita no artigo 113 do Código Civil Brasileiro, ao momento que o agravado quando da celebração não ostentava o registro, somente conseguindo-o posteriormente, poucos dias antes do pedido de recuperação judicial pela empresa e por si, se apresenta de todo ineficaz em relação aos contratos pretéritos.
Assim, violando tais princípios, pegando de surpresa os credores, em contramão do que contratou anteriormente, tenho que o princípio da boa-fé prescrita no CC está violado pelos atos praticados pelo agravado.
Esta é a verdade que observei adequando os fatos ao intelecto e, a propósito, como bem enfatizou GEORGES RIPERT, Diretor e Professor da Universidade de Direito de Paris: ‘Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o direito’.
Por este motivo peculiar é que, embora com fundamentação diversa dos brilhantes votos anteriores que não trataram desta questão é que, pedindo vênia aos que entendem em sentido contrário para acompanhar o posicionamento da não menos eminente Desembargadora Nilza Maria Possas de Carvalho para conhecer e prover o recurso e, de consequência, para afastar de recuperação judicial o agravado ELOI BRUNETA (...)” Grifei.
De fato, na maioria das vezes acontece como bem asseverou o digno Desembargador Sebastião de Morais Filho nos destaques abaixo:
“...quando da formação dos contratos pelo agravado junto aos seus credores, ele não estava registrado como produtor rural, o que aconteceu poucos dias antes de pedir a recuperação judicial. E nesta situação jurídica foi feito o contrato entre as partes. Desta forma, em primeiro tópico, este seu ato unilateral não pode atingir contratos pretéritos por violar o princípio da boa-fé objetiva.”
“Portanto, há silêncio no negócio jurídico em relação ao contrato firmado entre as pessoas físicas para, de resto, serem tais débitos encaixados na recuperação judicial e, desta forma, respeitando o posicionamento até no STJ em alguns julgados isolados, deve ser interpretada em consonância com o princípio da boa-fé objetiva, se possa verificar que foi suscitada no caso uma confiança legitima e estava presente uma vontade plenamente justificada, isto é, não inclusão destes créditos em sede de uma recuperação judicial.”!
“...não podem os credores, de surpresa, caírem nesta armadilha jurídica e, de consequência, se firmados os contratos com pessoa física sem qualquer registro quando da sua elaboração, não vejo como adicionar o agravado como integrante da recuperação judicial. Deve, ainda, sob o manto de que o contrato faz lei entre as partes, responder seu patrimônio pessoal para garantia dos credores.”
“O princípio da boa-fé objetiva é atinente ao fato de desconhecer algum vício do negócio jurídico. Trata-se de um padrão de comportamento a serem seguidos na lealdade e na probidade, com proibição de comportamentos outros, impedindo o que restou anteriormente estabelecido, num verdadeiro abuso de direito.”
Portanto, as empresas que concedem créditos/financiam a produção agrícola, não podem firmar contratos com pessoas físicas e, no dia seguinte, virem estas se transformarem em pessoas jurídicas visando o ingresso do pedido de recuperação judicial, surpreendendo a todos, com nítida ausência de boa-fé contratual, quebrando o princípio basilar que rege os contratos estabelecido no artigo 422 do Código Civil.
Ademais, não podemos nos olvidar de que o direito deve ser compreendido de uma forma sistêmica, com intenso diálogo entre as fontes normativas aplicáveis aos contratos.
E com a devida vênia de entendimentos diversos, penso que se admitirmos a recuperação judicial das pessoas de (...), IURI FRANCO ROCHA e (...), estaríamos concedendo uma verdadeira blindagem de bens pessoais dos sócios e mais: estaríamos negando vigência ao novel artigo 49-A, caput, do Código Civil, bem como à possibilidade de o credor se valer da tese de confusão patrimonial a permitir a desconsideração da personalidade jurídica, tal como consta da nova redação do artigo 50, §§1º, 2º, e 3º, do Código Civil.
Mais uma vez pedindo vênia aos que entendem de forma diversa, as pessoas físicas que contraíram empréstimos em seu nome, e logo depois se inscrevem na Junta Comercial como empresários individuais, foi como que “assinar declaração com firma reconhecida” (modo de dizer), ou seja, confessaram expressamente que vêm praticando, repetitivamente, confusão patrimonial.
Eis a redação dos citados artigos:
Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
[...]
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Note-se que com o advento da Lei nº 13.874/19 – que, dentre outras coisas, inseriu os §§2º e 3º no art.50 do CC/2002, alterou a possibilidade de quebra da personalidade jurídica devedora, passando a prescindir da demonstração de dolo ou culpa quando motivada na existência de confusão patrimonial entre a pessoa física e a jurídica.
Nesse sentido, não nos parece razoável admitir que durante anos o(s) sócio(s) colha(m) dos bons frutos que a empresa lhe(s) deu, construa(m) um elevado patrimônio pessoal e quando contraíram inúmeros débitos inadimplidos, joguem todo o ônus das dívidas para a pessoa jurídica insolvente obtendo o beneplácito da recuperação judicial, e fique com o melhor dos mundos: a blindagem do patrimônio pessoal.
Deveras, com a máxima vênia dos que entendem de forma diversa, se admitirmos a recuperação judicial das pessoas ora agravadas, estaríamos a chancelar a concorrência desleal, favorecendo a produção/venda de produtos/safra/alimentos por preços mais vantajosos posto que não precisariam pagar a integralidade dos débitos contraídos para aquisição de insumos (amparados pelo beneplácito da recuperação judicial), ao passo que os demais concorrentes do mesmo setor teriam quitado na íntegra todos seus contratos. Aí sim, estaríamos a violar expressamente a tão combatida concorrência desleal tipificada como crime pela Lei nº 9.279/1996 em seu artigo 195, III, verbis:
Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
(...)
III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; ...”
Nessa ordem de ideias, haveria expressa ofensa ao direito à livre concorrência constitucionalmente garantido pela Constituição Federal, em seu artigo 170, IV, verbis:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
IV — livre concorrência;
A livre concorrência expressa fielmente no artigo supratranscrito configura o princípio constitucional que ampara o sistema empresarial, a ordem econômica e todo o mundo capitalista, no qual se insere nosso ordenamento jurídico brasileiro. Nesse viés, o direito à livre concorrência ampara todas as empresas/empresários nas condições igualitárias de competitividade, fomentando a criação e o aprimoramento dos métodos tecnológicos para barateamento de custos, não podendo o Poder judiciário subverter todo esse sistema garantidor, interferindo e favorecendo indevidamente uma pequena parcela de produtores/empresários rurais em detrimento da maioria.
Se não bastasse, nunca é demais lembrar que se admitirmos a recuperação judicial de agricultores não inscritos na Junta Comercial, abriríamos um precedente enorme, principalmente em um Estado em que o agronegócio tem um peso significativo na economia do país, na Balança Comercial, e por consequência na elevação do PIB-Produto Interno Bruto.
Ao contrário, deve-se estimular o registro e a regularização das empresas agrárias pelos agricultores, como, aliás, é permitido no Código Civil de 2002, de modo, inclusive, a tornar mais profissional essa atividade fundamental para a economia de nosso Estado e do Brasil.
No mais, é inegável que a ausência de pacificação do tema ainda gera insegurança jurídica sem precedentes, oportunismo e surpresa, encarecendo o crédito para o setor do agronegócio, bem como para a sociedade em geral, inclusive prejudicando os produtores rurais que conseguiram, às duras penas, com competência e boa gestão, sobreviver e gerar tantos lucros para a Balança Comercial.
Assim, pelos elementos de convicção expostos, há que ser reformada a decisão recorrida.-
DA INVIABILIZAÇÃO DO DEFERIMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL DAS EMPRESAS AGRAVADAS
No tocante à alegação de que as empresas não preencheram os requisitos legais previstos no artigo 51 da Lei nº 11.101/2005, inviabilizando o deferimento do processamento da recuperação judicial, em face a não demonstração cabal das razões concretas da crise econômica, da não completude documental, da inconsistência contábil que invalidam a documentação apresentada e de possível manipulação das informações pelos agravados, passo a analisar tal insurgência recursal.
No que refere à empresa BR PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA, que não havia atingido a pontuação mínima do Índice de Suficiência Recuperacional (ISR), já que não possui nenhuma atividade operacional, conforme perícia prévia, esta não faz jus à recuperação judicial diante da nítida violação ao artigo 47 da Lei nº 11.101/2005, uma vez que se a empresa que busca soerguimento não possui nenhuma atividade, não haverá o necessário fomento e muito menos necessidade de manutenção do emprego dos trabalhadores.
“Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.” Grifei.
Inclusive, o próprio perito judicial que realizou averiguação prévia de todas as documentações contábeis da empresa, emitiu parecer pelo indeferimento da recuperação judicial da agravada BR PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA, conforme se vê do ID nº 48342981 e ID nº 48342982, o que não foi observado pelo Juízo singular. Confira trecho da aludida perícia:
“(...) De conformidade com as demonstrações contábeis acostadas aos autos pela Requerente, é possível constatar que BR Participações e Investimento Ltda. não possui nenhuma atividade operacional, sendo que o seu único ativo é representado pelo valor das participações societárias mantidas nas demais empresas do Grupo BR.
Consequentemente, a sua única conta de resultado (receitas e despesas) é decorrente da apuração anual dos resultados gerados pelas empresas investidas (lucros ou prejuízos), calculados e contabilizados de acordo com a metodologia de equivalência patrimonial.
Como é possível observar no balanço patrimonial levantado na data-base de 31/12/2019, os valores do Ativo Total e Passivo Total encontram-se zerados, em decorrência da absorção total do valor dos investimentos pelos prejuízos apurados nas empresas investidas, fato que provocou, da mesma forma, o esgotamento contábil completo do capital social investido nas empresas controladas.
No decorrer dos trabalhos de constatação prévia, tomamos conhecimento da 4ª Alteração do contrato Social da empresa controlada, Centro Seeds Comércio de Produtos Agropecuários Ltda., efetivada na data de 30.04.2019, pela qual a controladora BR Participações e Investimento Ltda. fez a transferência da totalidade das suas cotas de capital social da Centro Seeds para terceiro, estranho ao “Grupo BR”. A alienação foi realizada mediante pagamento em dinheiro, no valor de R$22.500,00 (Vinte e dois mil e quinhentos reais), no ato da transferência.
Anteriormente, de conformidade com a Alteração Contratual nº 1 do contrato social da empresa Centro Seeds Comércio de Produtos Agropecuários Ltda, verifica-se que os sócios (...), (...) e Iuri Franco Rocha efetuaram a alienação das respectivas cotas do capital social da referida empresa, na data de 03.07.2017.
E, nessa mesma data, constituíram a empresa BR Participações e Investimento Ltda, com a integralização das cotas do capital social da Centro Seeds Comércio de Produtos Agropecuários Ltda.
Assim, importante destacar a inconsistência grave entre os dois instrumentos contratuais mencionados – contrato social de constituição da BR Participações e Investimento Ltda e 1ª alteração contratual da Centro Seeds Comércio de Produtos Agropecuários Ltda – tendo em vista que, no contrato social de constituição da BR Participações, diz-se que os sócios transferiram suas cotas de capital da Centro Seeds para fins de integralização do capital social subscrito na BR Participações. Já na 1ª alteração contratual da Centro Seeds consta que todos os sócios transferiram suas cotas de capital para a BR Participações, mediante pagamento em moeda corrente, ou seja, houve efetivamente uma transação de venda de cotas e não integralização de capital social subscrito.
A prevalecer essa situação descrita na 1ª alteração do contrato social da Centro Seeds, entendemos que o contrato social de constituição da BR Participações possui falha grave, tendo em vista que o capital social subscrito pelos sócios não foi integralizado na forma descrita no instrumento de constituição.
Constatamos, ainda, que não houve, por parte da contabilidade da BR Participações e Investimento Ltda., o necessário registro contábil das transações acima descritas, na forma mencionada, ou seja, nem da aquisição das cotas de capital social da Centro Seeds, mediante pagamento em moeda corrente, e nem tampouco o registro da alienação posterior das cotas de capital social para terceiro, também mediante recebimento em dinheiro (...)”
Assim sendo, resta claro que a empresa BR PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA que busca o soerguimento, não possui nenhuma atividade operacional, portanto revelando-se nitidamente a pretensão de desvirtuamento do instituto da recuperação judicial, visto que o que se pretende é a blindagem do patrimônio de seus sócios, e não a recuperação da empresa, razão pela qual também neste ponto o recurso do banco deve ser provido.
Com relação às demais empresas BR COMÉRCIO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS LTDA e BR COMÉRCIO DE CEREAIS LTDA, não há neste recurso elementos capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador, uma vez que a decisão levou em consideração a prova pericial prévia, a qual foi realizada com observância da técnica Adequação Documental Essencial, método este defendido por inúmeros juristas e amplamente utilizado pelo TJSP.
Contudo, se no decorrer do processo da recuperação judicial forem encontradas as inconsistências alegadas pela agravante, não há dúvida de que os responsáveis estarão sujeitos aos crimes falimentares previstos nos artigos 168 a 178 da Lei nº 11.101/2005:
Fraude a credores (art. 168);
Violação de sigilo profissional (art. 169);
Divulgação de informações falsas (art. 170);
Indução a erro (art. 171);
Favorecimento de credores (art. 172);
Desvio, ocultação ou apropriação de bens (art. 173);
Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens (art. 174);
Habilitação ilegal de crédito (art. 175);
Exercício ilegal de atividade (art. 176);
Violação de impedimento (art. 177).
Portanto, diante de todas as circunstâncias, o recurso de agravo de instrumento deve ser parcialmente provido de modo a reformar a decisão singular nos dois pontos acima delineados.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso para reformar a decisão recorrida nos pontos acima mencionados, de modo que sejam excluídos da recuperação judicial as pessoas físicas (...) IENERICH, IURI FRANCO ROCHA, (...) e a empresa BR PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA.
É como voto.-
(TJ-MT, N.U 1013923-98.2020.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Vice-Presidência, Julgado em 16/09/2020, Publicado no DJE 11/03/2021)
Acórdão em AGRAVO DE INSTRUMENTO |
11/03/2021
TJ-MT Concurso de Credores
EMENTA:
RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – PRODUTOR RURAL – EMPRESÁRIO INDIVIDUAL – AUSÊNCIA DE UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDENCIA – REDAÇÃO EXPRESSA DO ARTIGO 51 DA LEI Nº 11.101/2005 - DESCUMPRIMENTO DO ARTIGO 48, CAPUT, DA LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL - REGISTRO PÚBLICO DE EMPRESÁRIOS INDIVIDUAIS EFETUADO CERCA DE TRÊS MESES ANTES DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO - BIÊNIO LEGAL NÃO COMPROVADO – NATUREZA CONSTITUTIVA DA INSCRIÇÃO PARA O EMPRESÁRIO RURAL – ENUNCIADO 202/CJF - EXIGÊNCIA CONTIDA NOS ARTIGOS 966, 967 ...
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...E 971, TODOS DO CC/2002 C/C OS ARTS. 48, E 51, INCISO V, AMBOS DA LRF – EXTENSÃO DA RECUPERAÇÃO PARA A SUSPENSÃO/NOVAÇÃO DE DÉBITOS CONSTITUÍDOS E/OU GARANTIDOS POR PESSOAS FÍSICAS – VEDAÇÃO – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO ART. 170, IV, DA CF; DOS ARTS.49-A E 50, §§2º E 3º E 422, TODOS DO CC; E DO ART. 198, III, DA LEI Nº 9.279/1996 - EMPRESA QUE NÃO POSSUI NENHUMA ATIVIDADE OPERACIONAL – NÃO SUJEITA À RECUPERAÇÃO JUDICIAL – ARTIGO 47 DA LEI Nº 11.101/2005 - DECISÃO REVOGADA EM PARTE - RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.
Até que sobrevenha a uniformização de entendimento no STJ, impõe-se a aplicação, ipsis literis, do artigo 51, inciso V, da Lei nº. 11.101/05, o qual estabelece que a recuperação judicial somente poderá ser utilizada por quem for empresário ou sociedade empresária, e regularmente inscrito no Registro Público de Empresas ou Junta Comercial para o caso do empresário se pessoa física há mais de 02 (dois) anos.
O artigo 971 do Código Civil faculta ao empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, requerer o Registro Público de Empresas Mercantis, situação em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os fins, ao empresário sujeito a registro, sendo a natureza dessa inscrição constitutiva. Inteligência do Enunciado 202 do Conselho de Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil.
Para postular a Recuperação Judicial, a Lei 11.101/2005 exige do devedor (artigo 1º) a comprovação do exercício de atividade empresarial de forma regular nos dois anos anteriores ao pedido, cujo prazo se demonstra com a juntada de certidão expedida pela Junta Comercial no caso do empresário individual, seja ele rural ou não rural (artigos. 48 e 51 da LREF).
Caso dos autos em que os empresários, sócios de pessoas jurídicas do agronegócio, efetuaram seu registro como empresários individuais a menos de dois anos do pedido de recuperação judicial, faltando-lhes, pois, o requisito temporal legal para o acolhimento de seu pedido recuperacional.
Logo, não se revela admissível a extensão da suspensão de ações/execuções e a novação dos débitos constituídos ou garantidos por sócios da recuperanda na condição de pessoas físicas. Afinal, ao se comprometer ao pagamento de um débito na condição de pessoa física, o contratante gera no credor a justa expectativa de que, em caso de ser necessária a execução, não correria o risco de ter frustrada a excussão regular para a satisfação de seu crédito por um possível pedido recuperação judicial.
Além disso, admitir a suspensão das dívidas também em relação ao sócio significaria negar vigência ao artigo 422 do Código Civil, ante a necessária observância da boa-fé que deve imperar nas relações contratuais, ao novel artigo 49-A, caput, do Código Civil, bem como à possibilidade de o credor se valer da tese de confusão patrimonial a permitir a desconsideração da personalidade jurídica, tal como consta da nova redação do artigo 50, §§1º, 2º, e 3º, do Código Civil.
Haveria ainda a chancela do Poder Judiciário à prática da concorrência desleal, favorecendo a produção/venda de produtos/safra/alimentos por preços mais vantajosos posto que não precisariam pagar a integralidade dos débitos contraídos para aquisição de insumos (amparados pelo beneplácito da recuperação judicial), em nítida ofensa ao artigo 198, III, da Lei nº 9.279/1996, bem como expressa violação ao direito à livre concorrência constitucionalmente garantido pela Constituição Federal, em seu artigo 170, IV, o qual expressa fielmente o princípio constitucional que ampara o sistema empresarial, a ordem econômica e todo o mundo capitalista, no qual se insere nosso ordenamento jurídico brasileiro.
A empresa que busca o soerguimento, contudo, não possui nenhuma atividade operacional, não faz jus à recuperação judicial, uma vez que não atinge o objetivo do artigo 47 da Lei nº 11.101/2005, já que não haverá a realização de fomento e muito menos existirá empregos para serem mantidos.-
R E L A T Ó R I O
Eminentes pares:
Trata-se de recurso de agravo de instrumento, interposto pela SINAGRO PRODUTOS AGROPECUÁRIOS S/A, em face da decisão interlocutória proferida na Ação de Recuperação Judicial nº 1000866-96.2020.8.11.0037, manejado por (...) IENERICH, CPF 011.158.441-80, IURI FRANCO ROCHA, CPF 015.231.621-39 e (...), CPF 856.468.819-00, bem como pelas empresas BR COMÉRCIO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS LTDA, CNPJ 10.530.266/0001-08, BR PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA, CNPJ 28.392.121/0001-45, BR COMÉRCIO DE CEREAIS LTDA, CNPJ 23.937.313/0001-76, e BR PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA, CNPJ 28.392.121/0001-45, que após perícia preliminar, deferiu o processamento da recuperação judicial das empresas e das pessoas físicas dos empresários rurais - todos acima nominados -, sem que estes últimos tivessem inscrições na JUNTA COMERCIAL (JUCEMAT) por mais de 02 (dois) anos.
Insatisfeita, aduz em suma a agravante que não foram preenchidos os requisitos legais previsto no inciso I e § 1º do artigo 51 da Lei nº 11.101/2005, para deferimento da recuperação judicial, diante da ausência de demonstração objetiva da crise financeira e da incompletude documental.
Adiante, pondera que a real finalidade do pedido de recuperação judicial formulado pelas agravadas não é a manutenção da atividade econômica, mas a possibilidade de pagamento dos débitos com o desconto, em atitude desleal para com os seus credores.
Alega ainda que se verificou no próprio laudo de constatação prévia inúmeras inconsistências de suma importância, como a possibilidade de os devedores não estarem informando a totalidade de bens e, mais importante, a ausência de apresentação da escrituração contábil em razão da não inscrição prévia dos produtores na Junta Comercial, necessária para que o perito avalie, valide e certifique as informações apresentadas, pois, pelo contrário, será permitida a livre manipulação dos números e resultados que não condizem com a realidade.
Declara também que os agravados não demonstraram satisfatoriamente as razões da crise e seus impactos através de documentação necessária, bem como deixaram de apresentar a escrituração contábil que confira confiabilidade das informações prestadas, conforme prescreve o artigo 51, §1º da Lei nº 111.101/2005.
Assim, na concepção da agravante, resta demonstra a total ausência de confiabilidade das informações contábeis e fiscais apresentadas pelo “Grupo”, as quais são incongruentes e não se prestam ao deferimento do processamento da recuperação judicial, alegando que a decisão agravada se ateve meramente ao critério de pontuação extremamente subjetiva, mas ignorou os pontos mais importantes apresentados pelo perito, que infirmam toda a análise realizada, na medida em que não se pôde obter a validação das informações contábeis, com indícios de que tenham sido manipuladas.
No mais, sustenta que resta por completo ausentes os requisitos essenciais para o deferimento da recuperação judicial aos produtores rurais, diante da inexistência de comprovação do exercício das atividades e registro na Junta Comercial por prazo superior ao biênio legal, assim, ausentes os requisitos dos artigos 48, caput, e 51, inciso V, ambos da Lei nº 11.101/2005, portanto, sendo impossível a admissibilidade do pedido de recuperação judicial dos agravados produtores rurais.
Ao final, pugna a agravante pela liminar recursal, de modo a suspender os efeitos da decisão agravada que deferiu o plano de recuperação judicial aos agravados, bem como seja concedido o efeito ativo para determinar que cada produtor rural apresente seu plano de recuperação de forma individualizada, caso não seja excluído.
A liminar recursal foi deferida em parte no ID nº 44055474 para suspender o processamento da recuperação judicial em relação aos agravados pessoas físicas e produtores rurais (...) IENERICH, IURI FRANCO ROCHA e (...).
Os agravados apresentaram contrarrazões ao Agravo de Instrumento no teor do ID nº 51950954.
Instada a se manifestar, a douta Procuradoria Geral da Justiça apresentou seu parecer no ID nº 54697463, opinando pelo parcial provimento do instrumental.
Sem informações do Juízo singular.
É o relatório.-
V O T O
Eminentes pares:
Conforme se denota, a Juíza singular ponderou que embora o registro dos produtores rurais tenha ocorrido há pouco tempo perante a Junta Comercial do Estado de Mato Grosso (20/01/2020), todavia, filia-se à corrente que adota o posicionamento de que o registro formal teria natureza meramente declaratória, e não constitutiva, de modo que o exercício da atividade rural pela autora pode ser demonstrado por outros meios de prova.
Pois bem.
Muito embora a Juízo singular adote o posicionamento de que o exercício da atividade rural pelo produtor rural pode ser demonstrado por outros meios de prova, sendo desnecessário o registro de 02 anos na Junta Comercial, tenho entendimento totalmente contrário, cujo fundamento exponho, aproveitando em parte a liminar recursal, verbis:
“(...) Pelos argumentos apresentados no recurso, entendo presentes em parte, ao menos prima facie, os requisitos previstos no artigo 300 do CPC/15, para conceder o efeito suspensivo, nos termos do inciso I do artigo 1.019 do citado Codex.
(...);
No tocante ao segundo aspecto, efeito ativo para determinar que cada produtor rural apresente seu plano de recuperação de forma individualizada, este se mostra aparentemente incongruente entre a fundamentação recursal e o pedido de efeito ativo.
Isto porque, a agravante expôs de forma clara e precisa que os produtores rurais não fazem jus à recuperação judicial já que não comprovaram o exercício das atividades e registro na Junta Comercial por prazo superior ao biênio legal, assim, ausentes os requisitos dos artigos 48, caput, e 51, inciso V, ambos da Lei nº 11.101/2005, portanto, sendo impossível a admissibilidade do pedido de recuperação judicial dos agravados produtores rurais.
Em sede de liminar recursal, pretende a agravante que cada um dos produtores rural apresente seu plano de recuperação de forma individualizada, logo, se os produtores rurais não preenchem os requisitos para a recuperação judicial, tanto faz apresentarem o plano coletivamente ou individualmente porquanto continuam ausentes os requisitos, conforme suscitado na tese recursal.
No entanto, diante dos fundamentos trazidos no corpo do recurso, é plenamente cabível a suspensão do processamento da recuperação judicial em relação aos produtores rurais, como já realizado em outros quatro agravos de instrumento (RAI nº 1010846-81.2020.8.11.0000 da SICREDI -, RAI nº 1009644-69.2020.8.11.0000 do BANCO DO BRASIL, RAI nº 1009950- 38.2020.8.11.0000 da ADAMA e RAI nº 1013011-04.2020.8.11.0000 da ZOOFORT), cujas transcrições podem ser facilmente acessadas no site oficial deste Tribunal, através do sistema PJE.
Ante o exposto, defiro em parte liminar recursal, para suspender o processamento da recuperação judicial em relação aos agravados pessoas físicas e produtores rurais (...) IENERICH, IURI FRANCO ROCHA e (...) (...)”
Vale ressaltar ainda que quando estive na Vice-Presidência deste Tribunal (biênio 2017/2018), classifiquei alguns recursos relativos à matéria em discussão, sugerindo-os como representativos de controvérsia a fim de que o STJ pudesse afetá-lo ao rito dos recursos repetitivos, contudo, o pedido foi rejeitado.
Na oportunidade, apresentei os seguintes questionamentos para ser dirimidos:
1) - Se os sócios - pessoas físicas - podem ser incluídos na recuperação judicial de sociedade empresaria rural da qual fazem parte, sem que tenham sido inscritos há mais de dois (02) anos na Junta Comercial.
2) - Se o produtor rural individual, ou seja, empresário rural - pessoa física - que exerce atividade empresarial há mais de dois (02) anos, pode pedir recuperação judicial, ainda que sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial) tenha se efetivado a menos de dois (02) anos.
Todavia, o Superior Tribunal de Justiça deixou de afetá-los ao rito dos recursos repetitivos, in verbis:
“PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 1.036 E SEGUINTES DO CPC. ART. 257 RISTJ. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL RURAL. INSCRIÇÃO A MENOS DE DOIS ANOS NO REGISTRO PÚBLICO DE EMPRESAS MERCANTIS. ART. 971 CÓDIGO CIVIL. ARTS. 48, CAPUT, E 51, V, LEI 11.1012005. 1. A questão de direito que se pretende afetar ao rito dos recursos repetitivos consiste na possibilidade de o empresário individual rural (produtor rural) - pessoa física - requerer o benefício da recuperação judicial, ainda que não se tenha inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis há mais de 2 (dois) anos da data do pedido (art. 971 do Código Civil cc arts. 48, caput, e 51, V, da Lei n. 11.1012005). 2. Embora de grande relevância para o país, esta Corte Superior não emitiu posicionamento fundamentado sobre o tema em destaque. 3. Diante da ausência de precedentes sobre a referida questão de direito e em homenagem ao princípio da segurança jurídica, deve-se aguardar, para fins de afetação ao rito previsto no art. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil, a formação de jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça, orientação que vem sendo adotada pela Segunda Seção na afetação e análise de temas repetitivos. 4. Questão jurídica não afetada ao rito dos recursos repetitivos (art. 257-A, § 2º, RISTJ).” (STJ, Recurso Especial nº 1.686.022 – MT (2017/0176709-8), Rel. Ministro MARCO BUZZI – Relator do acórdão – Ministro LUIZ FELIPE SALOMÃO, decisão proferida em 28/11/2017).
Diante desta não afetação da matéria, consequentemente, não há ainda uniformização de entendimento do Superior Tribunal de Justiça e muito menos nos Tribunais pátrios, assim sendo, dos inúmeros recursos que apreciei sobre a questão, sempre me posicionei pela corrente daqueles que entendem que o produtor rural deve comprovar o exercício empresarial de forma regular na Junta Comercial, nos dois anos anteriores, conforme determina a lei de regência.
Sem embargo aos entendimentos divergentes sobre o assunto, até que sobrevenha a uniformização de entendimento no STJ, sob minha ótica, impõe-se a aplicação, ipsis literis, da Lei nº. 11.101/05, a qual estabelece que a recuperação judicial somente poderá ser utilizada por quem for empresário ou sociedade empresária, cuja prova se dá mediante a regular inscrição no Registro Público de Empresas ou Junta Comercial para o caso do empresário se pessoa física há mais de 02 (dois) anos.
Desta forma, tão somente faz jus à recuperação judicial, o empresário ou sociedade empresária que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de dois anos, e que atenda aos requisitos descritos no art. 48 da Lei 11.101/2005.
Conquanto a ausência de registro não impeça a qualificação da atividade do produtor rural como profissional, tampouco regularidade dessa atividade, o registro na Junta Comercial, atualmente, é tido como ato constitutivo, e não meramente declaratório, do direito de o produtor rural pleitear a sua recuperação judicial.
Inclusive, o Enunciado 202 do Conselho de Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil, define com precisão que o registro do produtor rural possui natureza constitutiva. Confira:
“Enunciado 202: O registro do empresário ou sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao regime jurídico empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade rural que não exercer tal opção.” Grifei.
Com relação à comprovação do exercício regular da atividade empresária, a redação do § 2º do art. 48 da Lei 11.101/05 disciplina que compete ao produtor rural a prova do exercício por período superior a 02 (dois) anos, podendo se dar através de diversas formas, tais como: a apresentação de nota de produtor rural, comprovante de recolhimento de tributos, cópias de contratos bancários rurais ou dos quais se denote a natureza da atividade econômica desenvolvida, bem como de documentos contábeis, mas não afasta a obrigatoriedade de apresentar a prova do registro na Junta Comercial.
Nesse contexto, ensina (...):
“Se para os credores, pouco importa se o devedor é empresário regular ou não, porque o que lhes interessa é a recepção de seus créditos, para o direito não é assim. Na medida em que se anuncia a recuperação judicial como uma espécie de privilégio da lei, é natural que seja reservada somente para os que se conduzem na forma da lei. Por isso, só o ‘empresário de direito’ pode obter recuperação judicial. Esta é vedada ao profissional irregular. Só a sociedade empresária personificada faz jus ao benefício. É fato que para a definição do destinatário da falência, a qualidade de agente econômico resulta da mera prática profissional. Tal não ocorre com a recuperação judicial. A demonstração do exercício regular é essencial. Só poderá desfrutar da recuperação judicial o agente econômico personalizado, quer dizer, devidamente inscrito no registro oficial competente, há mais de 2 (dois) anos” (Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas, Ed. Atlas, 2005. P. 156/157). Grifei.
Na hipótese dos autos, vale reiterar que os agravados, produtores rurais, não comprovaram o registro de sua condição há mais de 02 (dois) anos, conforme determina o artigo 48, §2º, da Lei n. 11.101/05, pois os aludidos produtores rurais obtiveram registro na Junta Comercial cerca de três meses da distribuição do processo de recuperação judicial, que se deu em maio de 2020, portanto, não preenchendo os requisitos do artigo 48 e 51, V, da Lei n.º 11.101/2005:
Nessa linha, do STJ e das diversas Câmara deste TJMT, inclusive recentíssima jurisprudência desta Segunda Câmara Cível:
“RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO POR MAIS DE 2 ANOS. NECESSIDADE DE JUNTADA DE DOCUMENTO COMPROBATÓRIO DE REGISTRO COMERCIAL. DOCUMENTO SUBSTANCIAL. INSUFICIÊNCIA DA INVOCAÇÃO DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL. INSUFICIÊNCIA DE REGISTRO REALIZADO 55 DIAS APÓS O AJUIZAMENTO. POSSIBILIDADE OU NÃO DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESÁRIO RURAL NÃO ENFRENTADA NO JULGAMENTO. 1.- O deferimento da recuperação judicial pressupõe a comprovação documental da qualidade de empresário, mediante a juntada com a petição inicial, ou em prazo concedido nos termos do CPC 284, de certidão de inscrição na Junta Comercial, realizada antes do ingresso do pedido em Juízo, comprovando o exercício das atividades por mais de dois anos, inadmissível a inscrição posterior ao ajuizamento. Não enfrentada, no julgamento, questão relativa às condições de admissibilidade ou não de pedido de recuperação judicial rural. 2.- Recurso Especial improvido quanto ao pleito de recuperação.” (STJ REsp 1193115/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 07/10/2013).
PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – SENTENÇA QUE EXTINGUE O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR CARÊNCIA DE AÇÃO – PRODUTORES RURAIS – EMPRESÁRIOS INDIVIDUAIS – REGISTRO NA JUNTA COMERCIAL – IMPRESCINDIBILIDADE DO DECURSO DO PRAZO DE 02 DOIS ANOS – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1 - Até que sobrevenha a uniformização de entendimento no STJ, por meio de Recurso julgado sob a sistemática dos repetitivos, impõe-se a aplicação, ipsis literis, do art. 51, inciso V, da Lei nº. 11.101/05, o qual estabelece que a recuperação judicial somente poderá ser utilizada por quem for empresário ou sociedade empresária, e regularmente inscrito no Registro Público de Empresas ou Junta Comercial para o caso do empresário se pessoa física há mais de 02 (dois) anos. 2 – No caso dos autos, conquanto os produtores rurais tenham satisfeito alguns pressupostos, cumulativos, do artigo art. 48 da Lei 11.101/2005, não satisfizeram a prova da inscrição na Junta Comercial há pelo menos 02 (dois) anos, o que obsta o processamento da recuperação judicial." (TJMT N.U 1002313-25.2019.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CLARICE CLAUDINO DA SILVA, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 11/03/2020, Publicado no DJE 19/03/2020)
"AGRAVO INTERNO - CONSÓRCIO FAMILIAR COMPOSTO POR PRODUTORES RURAIS - RECUPERAÇÃO JUDICIAL - CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIOS - REGISTRO NA JUNTA COMERCIAL - BIÊNIO LEGAL NÃO COMPROVADO (ART. 48 DA LEI 11.101/2005) - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. O deferimento da recuperação judicial pressupõe a comprovação da qualidade de empresário, mediante a juntada de certidão de inscrição na Junta Comercial , por período superior a dois anos. Não se submete aos efeitos da recuperação judicial o crédito constituído sob o regime não empresarial." (TJMT - N.U 1000173-78.2019.8.11.0092, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Vice-Presidência, Julgado em 21/08/2019, Publicado no DJE 28/08/2019)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – DECISÃO QUE DEFERE PROCESSAMENTO – LITISCONSÓRCIO ATIVO – DEMONSTRAÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO – FIRMA INDIVIDUAL – REGISTRO NA JUNTA COMERCIAL – COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO POR MAIS DE 2 ANOS – INCLUSÃO DAS PESSOAS FÍSICAS QUE TITULARIZAM AS EMPRESAS INDIVIDUAIS – IMPOSSIBILIDADE – CRÉDITO RURAL – AUSÊNCIA DE REGISTRO DE PRODUTOR RURAL – INCLUSÃO DE CRÉDITOS ANTERIORES AO REGISTRO NA JUNTA COMERCIAL – IMPOSSIBILIDADE – SUSPENSÃO DA PUBLICIDADE DOS APONTAMENTOS DE PROTESTOS E NEGATIVAÇÕES EM NOME DAS RECUPERANDAS EM ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO É admissível a formação do litisconsórcio ativo, se evidenciado a existência de grupo econômico e certa simbiose patrimonial entre as pessoas jurídicas, notadamente se o processamento separado das ações de recuperação de cada uma das sociedades, essencialmente interligadas, pode comprometer o soerguimento do grupo. O deferimento da recuperação judicial pressupõe a comprovação da qualidade de empresário, mediante a juntada de certidão de inscrição na Junta Comercial, por período superior a dois anos. Não se submete aos efeitos da recuperação judicial o crédito constituído sob o regime não empresarial. Como o deferimento do processamento da recuperação judicial não atinge o direito material dos credores, não há falar em exclusão dos débitos, devendo ser mantidos, por conseguinte, os registros do nome do devedor nos bancos de dados e cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, assim como nos tabelionatos de protestos." (TJMT N.U 1012794-63.2017.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/08/2018, Publicado no DJE 03/09/2018)
RECURSO DE AGRAVO REGIMENTAL OU INTERNO (ART. 1.0121, DO NCPC) - DEFERIMENTO DE PROCESSAMENTO DE PEDIDO DE RECUPERAÇAO JUDICIAL - PRODUTORES EMPRESÁRIOS RURAIS NÃO INSCRITOS EM TEMPO HÁBIL NA JUNTA COMERCIAL COMO EMPRESÁRIOS - IMPOSSBILIDADE DA RECUPERAÇÃO - CRÉDITO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - NÃO SUJEIÇÃO À RECUPERAÇÃO JUDICIAL - PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO - POSSIBILIDADE - INEXISTÊNCIA DE JUÍZO UNIVERSAL - RECURSO DESPROVIDO. "No que respeita ao dissídio jurisprudencial em relação ao REsp 1.193.115/MT, não está demonstrado, por ausência de similitude fática entre os arestos em confronto. Com efeito, referido julgado não trata de situação em que o empresário altera o ramo de atividades e busca obter a recuperação judicial, mas sim de empresário rural, para quem a inscrição na Junta Comercial é indispensável, dada sua natureza constitutiva da condição de empresário. (...) Também a AC 994.09.293031 cuida de situação em que agricultor já exercendo atividade rural requer a recuperação judicial, sem a realização, porém, do registro na Junta Comercial, de caráter constitutivo." (REsp 1478001/ES, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe 19/11/2015, excerto do voto condutor) Crédito de proprietário fiduciário que não se submete as regras da recuperação judicial, máxime em se considerando a não comprovação de que o bem é essencial para o funcionamento da agravante. Veículo de passeio e de luxo. Liminar deferida. Dicção do artigo 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. Decisão reformada. Recurso Provido." (TJ/SP - AI 2026356-13.2014.8.26.0000 - SP - Relator Francisco Occhiuto Júnior, 32ª Câmara de Direito Privado - DJE 29/05/2014)" (TJMT - N.U 0097733-27.2016.8.11.0000, NILZA MARIA PÔSSAS DE CARVALHO, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 18/10/2016, Publicado no DJE 24/10/2016)
Inclusive, sobre referido tema, o eminente Presidente desta Câmara - Desembargador SEBASTIÃO MORAES FILHO, convocado para Primeira Câmara, em 19/11/2019, para julgamento do RAI nº 1008147-54.2019.8.11.0000, em questão envolvendo a discussão acerca dos dois anos para pedido de recuperação judicial, com brilhantismo discorreu sobre o tema e também sobre o princípio da boa-fé na formação dos contratos, principalmente daqueles que contraem dívida junto aos seus credores sem que estivessem registrados como produtor rural, o registrando pouco dias antes de pedir a recuperação judicial, surpreendendo a todos:
“(...)A matéria em si não tem unanimidade perante este sodalício e, de igual forma, junto ao colendo Superior Tribunal de Justiça, merecendo uma longa reflexão a respeito da situação concreta nos seus múltiplos e variados aspectos.
Temos que os substanciosos votos antagônicos são verdadeiras aulas em relação ao processo de recuperação judicial pertinente a participação ou não do agravado ELOI BRUNETA. Inclusive, tive acesso a dois julgados do STJ que, com todo respeito, ouso divergir e, neste contexto, não se trata de decisão de cunho repetitivo e tão somente posicionamento isolado de alguns Ministros do Tribunal Cidadão.
Pedindo vênia a ambos os posicionamentos, prefiro trilhar por outros argumentos relevantes e pertinentes que transcendem em relação ao contrato, sua formação, sua modificação, como prescrito no ordenamento civil e, sobretudo ante a máxima de que o contrato faz lei entre as partes.
Dito isto, o primeiro enfoque reside no artigo 113 do Código Civil Brasileiro - Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa fé e os usos do lugar de sua celebração’.
Disto se extrai que, quando da formação dos contratos pelo agravado junto aos seus credores, ele não estava registrado como produtor rural, o que aconteceu poucos dias antes de pedir a recuperação judicial. E nesta situação jurídica foi feito o contrato entre as partes.
Desta forma, em primeiro tópico, este seu ato unilateral não pode atingir contratos pretéritos por violar o princípio da boa fé objetiva.
Neste sentido, resume (...): ‘A boa-fé expande as fontes dos deveres obrigacionais, posicionando-se ao lado da vontade e dotando a obrigação de deveres orientados a interesses distintos dos vinculados estritamente à prestação, tais como o não-surgimento de danos decorrentes da prestação realizada ou a realização do melhor adimplemento’ (A Boa-fé e a Violação Positiva do Contrato, p. 270)’.
Outra questão importante para a boa-fé objetiva nos contratos é a disciplina sobre o valor jurídico do silêncio quanto ao conteúdo do contrato e, neste aspecto, o silêncio tradicionalmente se trata de uma manifestação de não vontade de aquiescer.
SAVIGNY predominava:
‘Se, pois, alguém me apresenta um contrato e manifesta que tomará meu silêncio como aquiescência, eu não me obrigo, porque ninguém tem o direito, quando eu não consinto, de forçar-me a uma obrigação positiva. (SAVIGNY, (...) Von. Sistema del Derecho Romano Actual. T. II. Madri : F. (...) Y Compañía Editores, 1879, p. 314, fonte Google)’.
Digo eu. Portanto, há silêncio no negócio jurídico em relação ao contrato firmado entre as pessoas físicas para, de resto, serem tais débitos encaixados na recuperação judicial e, desta forma, respeitando o posicionamento até no STJ em alguns julgados isolados, deve ser interpretada em consonância com o princípio da boa-fé objetiva, se possa verificar que foi suscitada no caso uma confiança legitima e estava presente uma vontade plenamente justificada, isto é, não inclusão destes créditos em sede de uma recuperação judicial.
Na definição de RENE DEMOGUE:
‘há silêncio no sentido jurídico quando uma pessoa no curso dessa atividade permanente que é a vida, não manifestou sua vontade em relação a um ato jurídico, nem por uma ação especial necessária a este efeito (vontade expressa) nem por uma ação da qual se possa deduzir sua vontade (vontade tácita). DEMOGUE, René. Traité des Obligations em Géneral. t. I. Paris: (...), 1923, p. 299, fonte Google).
Portanto, não existe essas circunstâncias especialíssimas, não há valor jurídico no silêncio das partes.
Neste contexto a jurisprudência pátria:
‘A manifestação de vontade não poderá ser concebida se os princípios inerentes à matéria exigirem uma declaração expressa. (...) A teoria do silêncio eloquente é incompatível com o imperativo de motivação dos atos administrativos. Somente manifestação expressa da Administração pode marcar o prazo prescricional’ (STJ, 1a. Turma, Resp. 16284-PR, Relator Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, RSTJ, v. 32, p. 416). (mutatis mutandis).
Por tais aspectos, por ora, em que pesem os argumentos trazidos pelo agravante e até decisões que, em casos isolados admitiu esta situação, que não pode ser generalizada, ainda continuo firme em meu posicionamento de que, em relação à pessoa física de ELOI BRUNETA, não há como deferir-lhe as benesses da recuperação judicial pretendida, com base na Lei de Regência.
Isto porque, nos termos do que já formatei linhas anteriores e, respeitando posicionamentos contrários, não podem os credores, de surpresa, caírem nesta armadilha jurídica e, de consequência, se firmados os contratos com pessoa física sem qualquer registro quando da sua elaboração, não vejo como adicionar o agravado como integrante da recuperação judicial. Deve, ainda, sob o manto de que o contrato faz lei entre as partes, responder seu patrimônio pessoal para garantia dos credores.
Soma-se a isto o próprio artigo 48 da LRJ onde, expressamente, consta a necessidade de que para ter direito à recuperação judicial, indispensável o interregno de 02 (dois) anos do respectivo registro e desde que preencha os requisitos legais estabelecidos em seus incisos.
Em termos de contratos também vige o princípio do – tempus regit actum – e, neste contexto, se quando da celebração dos contratos não possuía o registro e assim foi elaborado o cadastro junto aos credores, o registro posterior não alcança um ato jurídico perfeito, isto é, contrato firmado com a pessoa física sem registro e, de consequência, a manutenção do agravado como o pretendido, também viola o princípio da boa-fé já que elaborados em perfeita consonância de que o agravante não tinha registro de produtor rural.
O princípio da boa-fé objetiva é atinente ao fato de desconhecer algum vício do negócio jurídico. Trata-se de um padrão de comportamento a serem seguidos na lealdade e na probidade, com proibição de comportamentos outros, impedindo o que restou anteriormente estabelecido, num verdadeiro abuso de direito.
Desta maneira, anotando que o princípio objetivo da boa-fé prescrita no artigo 113 do Código Civil Brasileiro, ao momento que o agravado quando da celebração não ostentava o registro, somente conseguindo-o posteriormente, poucos dias antes do pedido de recuperação judicial pela empresa e por si, se apresenta de todo ineficaz em relação aos contratos pretéritos.
Assim, violando tais princípios, pegando de surpresa os credores, em contramão do que contratou anteriormente, tenho que o princípio da boa-fé prescrita no CC está violado pelos atos praticados pelo agravado.
Esta é a verdade que observei adequando os fatos ao intelecto e, a propósito, como bem enfatizou GEORGES RIPERT, Diretor e Professor da Universidade de Direito de Paris: ‘Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o direito’.
Por este motivo peculiar é que, embora com fundamentação diversa dos brilhantes votos anteriores que não trataram desta questão é que, pedindo vênia aos que entendem em sentido contrário para acompanhar o posicionamento da não menos eminente Desembargadora Nilza Maria Possas de Carvalho para conhecer e prover o recurso e, de consequência, para afastar de recuperação judicial o agravado ELOI BRUNETA (...)” Grifei.
De fato, na maioria das vezes acontece como bem asseverou o digno Desembargador Sebastião de Morais Filho nos destaques abaixo:
“...quando da formação dos contratos pelo agravado junto aos seus credores, ele não estava registrado como produtor rural, o que aconteceu poucos dias antes de pedir a recuperação judicial. E nesta situação jurídica foi feito o contrato entre as partes. Desta forma, em primeiro tópico, este seu ato unilateral não pode atingir contratos pretéritos por violar o princípio da boa-fé objetiva.”
“Portanto, há silêncio no negócio jurídico em relação ao contrato firmado entre as pessoas físicas para, de resto, serem tais débitos encaixados na recuperação judicial e, desta forma, respeitando o posicionamento até no STJ em alguns julgados isolados, deve ser interpretada em consonância com o princípio da boa-fé objetiva, se possa verificar que foi suscitada no caso uma confiança legitima e estava presente uma vontade plenamente justificada, isto é, não inclusão destes créditos em sede de uma recuperação judicial.”!
“...não podem os credores, de surpresa, caírem nesta armadilha jurídica e, de consequência, se firmados os contratos com pessoa física sem qualquer registro quando da sua elaboração, não vejo como adicionar o agravado como integrante da recuperação judicial. Deve, ainda, sob o manto de que o contrato faz lei entre as partes, responder seu patrimônio pessoal para garantia dos credores.”
“O princípio da boa-fé objetiva é atinente ao fato de desconhecer algum vício do negócio jurídico. Trata-se de um padrão de comportamento a serem seguidos na lealdade e na probidade, com proibição de comportamentos outros, impedindo o que restou anteriormente estabelecido, num verdadeiro abuso de direito.”
Portanto, as empresas que concedem créditos/financiam a produção agrícola, não podem firmar contratos com pessoas físicas e, no dia seguinte, virem estas se transformarem em pessoas jurídicas visando o ingresso do pedido de recuperação judicial, surpreendendo a todos, com nítida ausência de boa-fé contratual, quebrando o princípio basilar que rege os contratos estabelecido no artigo 422 do Código Civil.
Ademais, não podemos nos olvidar de que o direito deve ser compreendido de uma forma sistêmica, com intenso diálogo entre as fontes normativas aplicáveis aos contratos.
E com a devida vênia de entendimentos diversos, penso que se admitirmos a recuperação judicial das pessoas de (...), IURI FRANCO ROCHA e (...), estaríamos concedendo uma verdadeira blindagem de bens pessoais dos sócios e mais: estaríamos negando vigência ao novel artigo 49-A, caput, do Código Civil, bem como à possibilidade de o credor se valer da tese de confusão patrimonial a permitir a desconsideração da personalidade jurídica, tal como consta da nova redação do artigo 50, §§1º, 2º, e 3º, do Código Civil.
Mais uma vez pedindo vênia aos que entendem de forma diversa, as pessoas físicas que contraíram empréstimos em seu nome, e logo depois se inscrevem na Junta Comercial como empresários individuais, foi como que “assinar declaração com firma reconhecida” (modo de dizer), ou seja, confessaram expressamente que vêm praticando, repetitivamente, confusão patrimonial.
Eis a redação dos citados artigos:
Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
[...]
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Note-se que com o advento da Lei nº 13.874/19 – que, dentre outras coisas, inseriu os §§2º e 3º no art.50 do CC/2002, alterou a possibilidade de quebra da personalidade jurídica devedora, passando a prescindir da demonstração de dolo ou culpa quando motivada na existência de confusão patrimonial entre a pessoa física e a jurídica.
Nesse sentido, não nos parece razoável admitir que durante anos o(s) sócio(s) colha(m) dos bons frutos que a empresa lhe(s) deu, construa(m) um elevado patrimônio pessoal e quando contraíram inúmeros débitos inadimplidos, joguem todo o ônus das dívidas para a pessoa jurídica insolvente obtendo o beneplácito da recuperação judicial, e fique com o melhor dos mundos: a blindagem do patrimônio pessoal.
Deveras, com a máxima vênia dos que entendem de forma diversa, se admitirmos a recuperação judicial das pessoas ora agravadas, estaríamos a chancelar a concorrência desleal, favorecendo a produção/venda de produtos/safra/alimentos por preços mais vantajosos posto que não precisariam pagar a integralidade dos débitos contraídos para aquisição de insumos (amparados pelo beneplácito da recuperação judicial), ao passo que os demais concorrentes do mesmo setor teriam quitado na íntegra todos seus contratos. Aí sim, estaríamos a violar expressamente a tão combatida concorrência desleal tipificada como crime pela Lei nº 9.279/1996 em seu artigo 195, III, verbis:
Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
(...)
III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; ...”
Nessa ordem de ideias, haveria expressa ofensa ao direito à livre concorrência constitucionalmente garantido pela Constituição Federal, em seu artigo 170, IV, verbis:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
IV — livre concorrência;
A livre concorrência expressa fielmente no artigo supratranscrito configura o princípio constitucional que ampara o sistema empresarial, a ordem econômica e todo o mundo capitalista, no qual se insere nosso ordenamento jurídico brasileiro. Nesse viés, o direito à livre concorrência ampara todas as empresas/empresários nas condições igualitárias de competitividade, fomentando a criação e o aprimoramento dos métodos tecnológicos para barateamento de custos, não podendo o Poder judiciário subverter todo esse sistema garantidor, interferindo e favorecendo indevidamente uma pequena parcela de produtores/empresários rurais em detrimento da maioria.
Se não bastasse, nunca é demais lembrar que se admitirmos a recuperação judicial de agricultores não inscritos na Junta Comercial, abriríamos um precedente enorme, principalmente em um Estado em que o agronegócio tem um peso significativo na economia do país, na Balança Comercial, e por consequência na elevação do PIB-Produto Interno Bruto.
Ao contrário, deve-se estimular o registro e a regularização das empresas agrárias pelos agricultores, como, aliás, é permitido no Código Civil de 2002, de modo, inclusive, a tornar mais profissional essa atividade fundamental para a economia de nosso Estado e do Brasil.
No mais, é inegável que a ausência de pacificação do tema ainda gera insegurança jurídica sem precedentes, oportunismo e surpresa, encarecendo o crédito para o setor do agronegócio, bem como para a sociedade em geral, inclusive prejudicando os produtores rurais que conseguiram, às duras penas, com competência e boa gestão, sobreviver e gerar tantos lucros para a Balança Comercial.
Assim, pelos elementos de convicção expostos, há que ser reformada a decisão recorrida.-
DA INVIABILIZAÇÃO DO DEFERIMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL DAS EMPRESAS AGRAVADAS
No tocante à alegação de que as empresas não preencheram os requisitos legais previstos no artigo 51 da Lei nº 11.101/2005, inviabilizando o deferimento do processamento da recuperação judicial, em face a não demonstração cabal das razões concretas da crise econômica, da não completude documental, da inconsistência contábil que invalidam a documentação apresentada e de possível manipulação das informações pelos agravados, passo a analisar tal insurgência recursal.
No que refere à empresa BR PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA, que não havia atingido a pontuação mínima do Índice de Suficiência Recuperacional (ISR), já que não possui nenhuma atividade operacional, conforme perícia prévia, esta não faz jus à recuperação judicial diante da nítida violação ao artigo 47 da Lei nº 11.101/2005, uma vez que se a empresa que busca soerguimento não possui nenhuma atividade, não haverá o necessário fomento e muito menos necessidade de manutenção do emprego dos trabalhadores.
“Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.” Grifei.
Inclusive, o próprio perito judicial que realizou averiguação prévia de todas as documentações contábeis da empresa, emitiu parecer pelo indeferimento da recuperação judicial da agravada BR PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA, conforme se vê do ID nº 48342981 e ID nº 48342982, o que não foi observado pelo Juízo singular. Confira trecho da aludida perícia:
“(...) De conformidade com as demonstrações contábeis acostadas aos autos pela Requerente, é possível constatar que BR Participações e Investimento Ltda. não possui nenhuma atividade operacional, sendo que o seu único ativo é representado pelo valor das participações societárias mantidas nas demais empresas do Grupo BR.
Consequentemente, a sua única conta de resultado (receitas e despesas) é decorrente da apuração anual dos resultados gerados pelas empresas investidas (lucros ou prejuízos), calculados e contabilizados de acordo com a metodologia de equivalência patrimonial.
Como é possível observar no balanço patrimonial levantado na data-base de 31/12/2019, os valores do Ativo Total e Passivo Total encontram-se zerados, em decorrência da absorção total do valor dos investimentos pelos prejuízos apurados nas empresas investidas, fato que provocou, da mesma forma, o esgotamento contábil completo do capital social investido nas empresas controladas.
No decorrer dos trabalhos de constatação prévia, tomamos conhecimento da 4ª Alteração do contrato Social da empresa controlada, Centro Seeds Comércio de Produtos Agropecuários Ltda., efetivada na data de 30.04.2019, pela qual a controladora BR Participações e Investimento Ltda. fez a transferência da totalidade das suas cotas de capital social da Centro Seeds para terceiro, estranho ao “Grupo BR”. A alienação foi realizada mediante pagamento em dinheiro, no valor de R$22.500,00 (Vinte e dois mil e quinhentos reais), no ato da transferência.
Anteriormente, de conformidade com a Alteração Contratual nº 1 do contrato social da empresa Centro Seeds Comércio de Produtos Agropecuários Ltda, verifica-se que os sócios (...), (...) e Iuri Franco Rocha efetuaram a alienação das respectivas cotas do capital social da referida empresa, na data de 03.07.2017.
E, nessa mesma data, constituíram a empresa BR Participações e Investimento Ltda, com a integralização das cotas do capital social da Centro Seeds Comércio de Produtos Agropecuários Ltda.
Assim, importante destacar a inconsistência grave entre os dois instrumentos contratuais mencionados – contrato social de constituição da BR Participações e Investimento Ltda e 1ª alteração contratual da Centro Seeds Comércio de Produtos Agropecuários Ltda – tendo em vista que, no contrato social de constituição da BR Participações, diz-se que os sócios transferiram suas cotas de capital da Centro Seeds para fins de integralização do capital social subscrito na BR Participações. Já na 1ª alteração contratual da Centro Seeds consta que todos os sócios transferiram suas cotas de capital para a BR Participações, mediante pagamento em moeda corrente, ou seja, houve efetivamente uma transação de venda de cotas e não integralização de capital social subscrito.
A prevalecer essa situação descrita na 1ª alteração do contrato social da Centro Seeds, entendemos que o contrato social de constituição da BR Participações possui falha grave, tendo em vista que o capital social subscrito pelos sócios não foi integralizado na forma descrita no instrumento de constituição.
Constatamos, ainda, que não houve, por parte da contabilidade da BR Participações e Investimento Ltda., o necessário registro contábil das transações acima descritas, na forma mencionada, ou seja, nem da aquisição das cotas de capital social da Centro Seeds, mediante pagamento em moeda corrente, e nem tampouco o registro da alienação posterior das cotas de capital social para terceiro, também mediante recebimento em dinheiro (...)”
Assim sendo, resta claro que a empresa BR PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA que busca o soerguimento, não possui nenhuma atividade operacional, portanto revelando-se nitidamente a pretensão de desvirtuamento do instituto da recuperação judicial, visto que o que se pretende é a blindagem do patrimônio de seus sócios, e não a recuperação da empresa, razão pela qual também neste ponto o recurso do banco deve ser provido.
Com relação às demais empresas BR COMÉRCIO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS LTDA e BR COMÉRCIO DE CEREAIS LTDA, não há neste recurso elementos capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador, uma vez que a decisão levou em consideração a prova pericial prévia, a qual foi realizada com observância da técnica Adequação Documental Essencial, método este defendido por inúmeros juristas e amplamente utilizado pelo TJSP.
Contudo, se no decorrer do processo da recuperação judicial forem encontradas as inconsistências alegadas pela agravante, não há dúvida de que os responsáveis estarão sujeitos aos crimes falimentares previstos nos artigos 168 a 178 da Lei nº 11.101/2005:
Fraude a credores (art. 168);
Violação de sigilo profissional (art. 169);
Divulgação de informações falsas (art. 170);
Indução a erro (art. 171);
Favorecimento de credores (art. 172);
Desvio, ocultação ou apropriação de bens (art. 173);
Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens (art. 174);
Habilitação ilegal de crédito (art. 175);
Exercício ilegal de atividade (art. 176);
Violação de impedimento (art. 177).
Portanto, diante de todas as circunstâncias, o recurso de agravo de instrumento deve ser parcialmente provido de modo a reformar a decisão singular nos dois pontos acima delineados.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso para reformar a decisão recorrida nos pontos acima mencionados, de modo que sejam excluídos da recuperação judicial as pessoas físicas (...) IENERICH, IURI FRANCO ROCHA, (...) e a empresa BR PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS LTDA.
É como voto.-
(TJ-MT, N.U 1013923-98.2020.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 16/09/2020, Publicado no DJE 21/09/2020)
Acórdão em AGRAVO DE INSTRUMENTO |
21/09/2020
TJ-GO
EMENTA:
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5191768-35.2022.8.09.0000 Comarca de Jataí 4ª Câmara Cível Agravante: DIONEIR NUNES DE ASSIS Agravado: ESPÓLIO DE (...) Relator: Desembargador Diác. DELINTRO BELO DE ALMEIDA FILHO EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO E PARTILHA DECISÃO MANTIDA. JUÍZO COMPETENTE PARA PROCESSAR O INVENTÁRIO. O ÚLTIMO DOMICÍLIO DO DE CUJUS. PROVA DO ÚLTIMO DOMICÍLIO. FORO COMPETENTE PARA O INVENTÁRIO. RECURSO DESPROVIDO. 1. O agravo de instrumento é um recurso secundum eventum litis e deve ater-se ao acerto, ou desacerto da decisão combatida, a qual somente poderá ser reformada, pelo Tribunal ad quem, quando evidente a sua ilegalidade, arbitrariedade ou teratologia. 2. O inventário deve ser processado e julgado no foro do último domicílio do autor da herança, nos termos do artigo 1.785 do Código Civil e caput do art. 48, do Código de Processo Civil. 3. Restando provado nos autos que o de cujus residia na cidade de Araçatuba/SP, ali estabelecendo seu domicílio, o Juízo daquela comarca é o competente para a ação de inventário. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO MANTIDA. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quinta Turma Julgadora de sua Quarta Câmara Cível, à unanimidade de votos, em CONHECER DO AGRAVO DE INSTRUMENTO E DESPROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator.
(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Agravos -> Agravo de Instrumento 5191768-35.2022.8.09.0000, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR DELINTRO BELO DE ALMEIDA FILHO, 4ª Câmara Cível, julgado em 13/06/2022, DJe de 13/06/2022)
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Arts.. 53 ... 61
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