RECURSO INOMINADO. SERVIÇOS BANCÁRIOS. DIREITO DO CONSUMIDOR. ALEGAÇÃO DE DESCONTOS INDEVIDOS EM CONTA BANCÁRIA, DE EMPRÉSTIMO NÃO CONTRATADO. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO PARA DECLARAR A NULIDADE DO CONTRATO OBJETO DA LIDE, CONDENANDO A ACIONADA A RESTITUIR À PARTE AUTORA, NA FORMA SIMPLES, OS VALORES DESCONTADOS EM SUA CONTA, CONFORME EXTRATOS BANCÁRIOS JUNTADOS. CONDENOU, AINDA, A RÉ A COMPENSAR O DANO MORAL SOFRIDO PELO AUTOR, NO VALOR DE R$ 4.000,00. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA PARA ORDENAR A DEVOLUÇÃO DOBRADA DOS VALORES INDEVIDAMENTE DESCONTADOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Dispensado o relatório nos termos do
artigo 46 da
Lei n.º 9.099/95...« (+2121 PALAVRAS) »
...[1]. Circunscrevendo a lide e a discussão recursal para efeito de registro, saliento que o Recorrente MADALENA OLIVEIRA DOS SANTOS pretende a reforma da sentença lançada nos autos que JULGOU PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado na inicial para declarar a nulidade do contrato objeto da lide, condenando a acionada a restituir à parte autora, na forma simples, os valores descontados em sua conta, conforme extratos bancários juntados no evento 01. Condeno, ainda, a ré a compensar o dano moral sofrido pelo autor, no valor de R$ 4.000,00 (QUATRO MIL REAIS), sujeito a correção monetária desde o arbitramento e juros de mora desde a citação inicial(art. 405, do CC/02). Não se podendo acolher o enriquecimento ilícito, determinar à parte autora a devolução do valor depositado, devidamente atualizado. Diante da situação peculiar dos presentes autos, deve se operar a compensação dos valores devidos pelo consumidor (saque/empréstimo) e pelo réu ( mensalidades recebidas), devendo a Ré juntar planilha de cálculo do montante, no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária. Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma. VOTO Tratam os presentes autos de Ação indenizatória por danos materiais e morais c/c obrigação de fazer em decorrência de descontos indevidos realizados na conta do autor. Alega a parte autora que foi surpreendida ao verificar seu extrato bancário a presença da cobrança indevida de um crédito pessoal, não contratado e não autorizado, relativo a 03 (três) empréstimos realizados, em instituições bancárias distintas, sendo que, tal fato não deveria ter acontecido, pois a requerente já havia solicitado o bloqueio em seu cadastro do INSS por motivos de inúmeras fraudes, alegando que NUNCA realizava empréstimos. A sentença foi de parcial procedência, com recurso da parte autora pela devolução dobrada dos valores descontados, bem como majoração dos danos morais arbitrados no primeiro grau, além de honorários advocatícios. Pois bem. Com relação ao desconto do seguro não contratado, o autor se desincumbiu de seu ônus probatório, pois demonstrou o desconto em sua conta, sendo que o banco não foi capaz de comprovar a autorização que legitimaria tais descontos. Com o intuito de corroborar o exposto, vale transcrever o entendimento dos Tribunais acerca da matéria, os quais consideram abusiva a prática in casu, traduzindo-se em verdadeiro confisco de crédito e contrária às normas do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, ressaltam-se os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça e de outros tribunais pátrios[2]. Ademais, urge consignar que o desconto não autorizado tem vedação expressa pela Resolução nº 3695/09 do Banco Central, que disciplina os procedimentos relativos à movimentação de contas de depósitos. Assim dispõe o seu art. 3º, in verbis: Art. 3º É vedada às instituições financeiras a realização de débitos em contas de depósitos sem prévia autorização do cliente. § 1º A autorização referida no caput deve ser fornecida por escrito ou por meio eletrônico, com estipulação de prazo de validade, que poderá ser indeterminado, admitida a sua previsão no próprio instrumento contratual de abertura da conta de depósitos. Ressalta-se que o §1º do supracitado dispositivo, ao permitir a previsão contratual da autorização de débitos em conta, não exclui a necessidade do consentimento expresso ou por meio eletrônico do titular, cujo objetivo é protegê-lo de uma amortização arbitrária e lesiva a sua realidade financeira. Assim, ao descontar valores da conta da autora, o Banco agiu de forma ilícita e abusiva, violando os direitos do consumidor, gerando constrangimentos desnecessários, causando-lhe, sem dúvida, danos e sofrimentos passíveis de indenização. Certamente, o desconto indevido na conta da parte autora provocou agravo à sua segurança psíquica, com a indevida invasão em sua conta bancária, além de trazer-lhe insegurança, restando caracterizado o dever de indenizar por parte do banco. Portanto, o dano moral restou perfeitamente caracterizado, tendo em vista que a apelada teve indevidamente retido parte do seu salário, de notória natureza alimentar, extrapolando a instituição financeira os limites da sua atuação. O valor arbitrado pelo magistrado de piso (R$ 4.000,00) compensa adequadamente o dano sofrido pelo autos, sendo valor próximo do justo e que leva em consideração as circunstâncias da ofensa e não deixa sem resposta os sentimentos negativos experimentados pela autora em virtude da conduta da instituição financeira ré. Portanto, reduzo a indenização moral para o patamar apresentado. Caracterizada a irregularidade da cobrança, tenho pela reforma desta parte da sentença para determinar repetição em dobro na forma do parágrafo único do art. 42 do CDC. A propósito, colhe-se lição da doutrina: "O parágrafo único do art. 42 traz sanção civil para aquele que cobrar dívida em valor maior que o real. Regra parecida com traços distintos, encontra-se no Código Civil (art. 1.531). (...) Na lição preciosa de (...), comprovada a má-fé do autor, ao reclamar dívida já paga no todo ou em parte, sem ressalva das quantias anteriormente recebidas, deve arcar com a pena cominada ao seu procedimento doloso e extorsivo. A pena do art. 42, parágrafo único, rege-se por dois limites objetivos. Em primeiro lugar, sua aplicação só é possível nos casos de cobrança extrajudicial. Em segundo lugar, a cobrança tem que ter por origem uma dívida de consumo. Sem que estejam preenchidos esses dois requisitos, aplica-se o sistema geral do CC. (...) No Código Civil, só a má-fé permite a aplicação da sanção. Na legislação especial, tanto a má-fé, como a culpa (imprudência, negligência e imperícia) dão ensejo à punição.`(GRINOVER, Ada Pelegrini e outros, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor - Comentado pelos autores do Anteprojeto)¿ A isto deve ser somado que o risco da atividade econômica toca apenas à empresa demandada que, assim, não pode pretender sua transferência ao consumidor. A esse respeito sobressai consolidada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: Aliás, a propósito da questão já decidiu esse Eg. Tribunal de Justiça de MG, valendo, por amostragem, destacar as seguintes ementas: "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO - DESCONTOS DE EMPRESTIMOS EM CONTA CORRENTE - NÃO AUTORIZAÇÃO - PROVA - AUSÊNCIA DE CONTRATO - DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES COBRADOS - POSSIBLIDADE - RECURSO IMPROVIDO. Inexistindo prova acerca da autorização para que o banco procedesse aos descontos, deve ele restituir a autora, ora apelada os valores que foram descontados indevidamente, em razão do princípio que veda o enriquecimento injustificado da parte credora. É patente a configuração dos pressupostos delineados pelo art. 42, parágrafo único, do CDC, em especial a má-fé em relação aos descontos de empréstimos não contratados."(TJMG. Apelação nº 1.0145.11.049371-8/001, 14ª Câmara de Cível, Rel. Rogério Medeiros, J. 02/05/2013) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - COBRANÇA INDEVIDA - AUSÊNCIA DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO ENTRE AS PARTES - DANOS MORAIS - CONFIGURAÇÃO - ARBITRAMENTO - MAJORAÇÃO - POSSIBILIDADE - REPETIÇÃO DO INDÉBITO - POSSIBILIDADE - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - FIXAÇÃO - OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 20 DO CPC. I - O desconto automático de parcelas mensais de forma indevida, em folha de pagamento, já que inexistia contrato de empréstimo celebrado entre as partes, configura o dever de o Banco indenizar o autor pelos danos morais que sofreu em razão desta cobrança incorreta; II - É possível a majoração do quantum indenizatório arbitrado na sentença a titulo de indenização por danos morais, se tal valor revela-se irrisório; III - Se o Banco houve com dolo ao efetuar descontos indevidos na folha de pagamento do autor, é devida a repetição em dobro do indébito, nos termos do parágrafo único, do art. 42, do CDC; IV - Na fixação dos honorários advocatícios deve ser observada a natureza da tutela concedida, se condenatória, a verba honorária é fixada com base no valor da condenação, na forma do art. 20, § 3º, do CPC; se de natureza constitutiva ou declaratória (positiva ou negativa), os honorários são fixados eqüitativamente, como determina o art. 20, § 4º, do CPC. (TJMG. Apelação nº 1.0515.11.002108-3/001, 17ª Câmara Cível, Rel. Luciano Pinto, J. 21/02/2013) Portanto, a devolução deve se dar na forma dobrada, pois não é hipótese de erro justificável, sendo despicienda a má-fé nesses casos, uma vez que não é pré-requisito de acordo com o parágrafo único do art. 42 do CDC[3]. A condenação em custas processuais e honorários de sucumbência, de acordo com o artigo 55, segunda parte, da Lei 9099 /95, exige que haja recorrente vencido, e não recorrido vencido, razão pela qual não prospera o pedido de condenação da recorrida aos ônus de sucumbência. Ante o exposto, voto no sentido de CONHECER e DAR PROVIMENTO EM PARTE ao recurso interposto pela parte autora, reformando parcial da sentença para ordenar a devolução dobrada dos valores indevidamente descontados; além de retirar a determinação de devolução dos valores depositados em conta corrente, vez que a autora nunca teve acesso a referida conta por ter sido vítima de fraude; mantendo, dessa forma, todos outros termos da sentença impugnada. Salvador/BA, Sala das Sessões, 18 de Maio de 2021 ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA Juíza Relatora ACÓRDÃO Realizado julgamento do recurso do processo acima epigrafado, a QUINTA TURMA, composta dos Juízes de Direito, decidiu, à unanimidade de votos CONHECER e DAR PROVIMENTO EM PARTE ao recurso interposto pela parte autora, reformando parcial da sentença para ordenar a devolução dobrada dos valores indevidamente descontados; além de retirar a determinação de devolução dos valores depositados em conta corrente, vez que a autora nunca teve acesso a referida conta por ter sido vítima de fraude; mantendo, dessa forma, todos outros termos da sentença impugnada. Salvador/BA, Sala das Sessões, 18 de Maio de 2021 ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA Juíza Relatora ROSALVO AUGUSTO V. DA SILVA Juiz Presidente [1] Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão. [2] - BANCO. Cobrança. Apropriação de depósitos do devedor. O banco não pode apropriar-se da integralidade dos depósitos feitos a título de salários, na conta do seu cliente, para cobrar-se de débito decorrente de contrato bancário, ainda que para isso haja cláusula permissiva no contrato de adesão. Recurso conhecido e provido. (REsp 492.777/RS, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 05/06/2003, DJ 01/09/2003, p. 298). - CONTRATO DE DEPOSITO. DEBITO EM CONTA-CORRENTE. INADMISSIBILIDADE DA COMPENSAÇÃO UNILATERAL PRATICADA PELO BANCO. IMPREQUESTIONAMENTO. - NÃO SE PODE CONSIDERAR COMO EXERCICIO REGULAR DE UM DIREITO O ATO DO BANCO DE DEBITAR, SEM AUTORIZAÇÃO DO CORRENTISTA, A QUANTIA QUE AFIRMA LHE TER SIDO PAGA POR EQUIVOCO. - IMPREQUESTIONAMENTO DOS TEMAS ALUSIVOS AOS ARTS. 119, 622, 964 E 965 DO CODIGO CIVIL. AGRAVO IMPROVIDO. (AgRg no Ag 83.545/DF, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 22/04/1996, DJ 10/06/1996, p. 20341). - AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CLÁUSULA DE GARANTIA, EM FAVOR DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, PARA APROPRIAÇÃO DE SALDOS DE DEPÓSITOS EM CADERNETA DE POUPANÇA - ABUSIVIDADE. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. A retenção de valores pelo banco depositário na conta poupança de agravante, a pretexto da existência de débitos em sua conta-corrente, constitui-se em verdadeiro confisco de créditos, pois o dinheiro depositado na conta ou poupança não é do banco, e sim de propriedade do correntista. Ainda que haja cláusula contratual, em negócio adesivo, no sentido de autorização para bloqueio, é manifesta sua abusividade nos termos do art. 6º, IV (2ª parte), c/c art. 51, IV, e §1º, 8 III, do Código de Defesa do Consumidor. O mero ajuizamento de ação revisional de contrato bancário não torna o devedor automaticamente imune à inscrição de seu nome em cadastros negativos de crédito, nem ao impedimento da execução, cabendo-lhe evidenciar que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito, bem como deve demonstrar estar agindo com boa-fé adimplindo pelo menos a parte tida como incontroversa (calculada de forma realista) ou prestando caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado, a fim de discutir os pontos que entenda abusivos ou ilegais. (TRF4, Ag 200804000204947, Rel VALDEMAR CAPELETTI, QUARTA TURMA, publicado em 08/09/2008). [3] Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. Tal equívoco se deu exclusivamente pela má utilização das ferramentas de informática, não sendo capaz de macular o julgamento. Assim, corrige-se os erros materiais no acórdão, conforme acima exposto, sem lhe atribuir efeitos infringentes. Com essas considerações, CONHEÇO DE DESACOLHO os embargos de declaração da parte autora e ACOLHO OS pedidos opostos no eventos nº 153, para sanar, de oficio, o erro material apontado para tornar sem efeito o acórdão lançado, substituindo-o pelo novo acórdão, oriundo do entendimento dos Juízes de Direito componentes desta 5ª Turma Recursal. Salvador-BA, sala de sessões, 29 de Junho de 2021 ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA Juíza Relatora
(TJ-BA, Classe: Recurso Inominado, Número do Processo: 0003613-95.2020.8.05.0039, Órgão julgador: QUINTA TURMA RECURSAL, Relator(a): ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA, Publicado em: 01/07/2021)