CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DE COBRANÇA DE MULTA CONVENCIONAL MORATÓRIA. VIOLAÇÃO DO
ART. 51,
IV, DO
CDC. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE.
SÚMULA 284/STF. PRECLUSÃO CONSUMATIVA DE MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. POSSIBILIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO NA ESPÉCIE. APELAÇÃO NÃO INTERPOSTA POR AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. PRESCRIÇÃO. OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. PRAZO APLICÁVEL. REGRA
... +655 PALAVRAS
...DE TRANSIÇÃO. PRETENSÃO NÃO PRESCRITA. CLÁUSULA PENAL. DEVER DE REDUÇÃO IMPOSTO PELO ART. 413 DO CC/2002. ANULAÇÃO POR OUTROS FUNDAMENTOS. POSSIBILIDADE. ABUSO DE SITUAÇÃO MANIFESTAMENTE DESFAVORÁVEL A OUTRA PARTE. DEVER DE COOPERAÇÃO E COLABORAÇÃO. VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA. CONFIGURAÇÃO.
1. Ação de cobrança de multa convencional moratória, ajuizada em 5/4/2006, da qual foram extraídos os presentes recursos especiais, interpostos em 5/3/2021 e 11/3/2021, e conclusos ao gabinete em 15/3/2022.
2. O propósito do primeiro recurso especial é definir se (I) a matéria referente à prescrição está preclusa, em virtude da ausência de interposição de apelação pelos recorrentes contra a sentença que afastou a prescrição, mas acolheu integralmente a sua pretensão; (II) a pretensão de cobrança do valor devido em razão da cláusula penal moratória está prescrita; (III) a cláusula penal, na hipótese específica dos autos, deve ser anulada por violação à boa-fé objetiva.
3. O propósito do segundo recurso especial é definir se (I) todos os recorridos devem arcar com a integralidade do valor da multa, em razão de a obrigação principal ser indivisível; (II) houve sucumbência mínima da recorrida; e (III) o acórdão foi omisso em relação à correção monetária e à incidência de juros de mora sobre o valor da condenação.
4. A ausência de fundamentação ou a sua deficiência importa no não conhecimento do recurso quanto ao tema. Súmula 284/STF.
5. Segundo a jurisprudência do STJ, as matérias de ordem pública não estão sujeitas à preclusão temporal, porém, uma vez decididas e julgados ou não interpostos os recursos cabíveis, submetem-se à preclusão consumativa, não podendo ser reapreciadas, a teor do disposto nos arts. 505 e 507 do CPC/2015.
6. Se a sentença julgar integralmente improcedente a pretensão autoral, apesar de afastar a prescrição alegada pelo réu, não haverá interesse recursal deste para fazer prevalecer a tese relativa à prescrição. Assim, a interposição de recurso apenas pelo autor não acarreta a preclusão consumativa da matéria naquele momento processual, porquanto contra eventual decisão de provimento, caberá recurso pelo réu, no qual será possível reiterar a tese de prescrição afastada na sentença.
7. Em se tratando de obrigação de trato sucessivo, podem incidir, no contexto da mesma relação jurídica, dois prazos prescricionais diferentes - CC/1916 e CC/2002 - a serem contados a partir de dois marcos temporais diferentes - data da entrada em vigor do CC/2002 e data do vencimento de cada prestação -, a depender do momento em que nasce cada pretensão, isoladamente considerada.
Precedentes.
8. A pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular, prescreve em 5 anos em relação às multas vencidas a partir do dia 11/1/2003, início da vigência do CC/2002 (art. 206, § 5º, I) e em 20 anos em relação àquelas vencidas na vigência do CC/1916 (art. 177), quando transcorrido menos da metade do prazo.
9. O art. 413 do CC/2002 não veda que o Juiz, em vez de reduzir, anule a cláusula penal, em razão de excepcional e manifesta hipótese de violação à boa-fé objetiva, a partir das circunstâncias concretas. São soluções distintas que não se confundem.
10. A despeito de ser imprescindível preservar a autonomia da vontade, em virtude da boa-fé objetiva que deve nortear as relações contratuais, não se pode admitir cláusulas decorrentes de abuso, por uma das partes, de determinada situação fática que deixa a outra em condição manifestamente desfavorável, suportando excessivo e injustificável prejuízo, notadamente quando deveria prevalecer o dever de cooperação e colaboração.
11. Hipótese em que (I) apesar da ausência de preclusão da matéria, não se operou a prescrição da pretensão da autora; e (II) a cláusula penal, no excepcional contexto em que foi inserida, violou a boa-fé objetiva, devendo ser anulada, porquanto a autora recorrida faltou com o dever de colaboração, aproveitando-se de uma situação manifestamente desfavorável aos réus recorrentes para enriquecer-se indevidamente com a multa contratual, mediante a implementação de um prazo impossível de ser cumprido por pessoas que não são do ramo da construção civil e precisavam providenciar a construção de um prédio com seus próprios recursos, sem objetivo de lucro, mas apenas de evitar prejuízo a eles e à própria recorrida, em razão da falência da construtora original.
12. Recurso especial interposto por ASSOCIACAO DOS MUTUARIOS DO EDIFICIO SAN FRANCISCO e OUTROS parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido, para reestabelecer a sentença.
13. Recurso especial interposto por GEN GERENCIAMENTO E ENGENHARIA LTDA prejudicado.
(STJ, REsp n. 1.989.439/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 6/10/2022.)