PJE 0800211-73.2020.4.05.8100
DIREITO CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL - FIES. FIANÇA. EXONERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE ANUÊNCIA DO BANCO DO BRASIL. SENTENÇA MANTIDA.
1. Apelação interposta contra sentença que extinguiu parcialmente o processo, sem resolução do mérito, em relação ao pedido de indenização por danos morais formulados em face da ré
(...) e julgou improcedentes os demais pedidos. Honorários advocatícios foram fixados em 10% do valor atualizado da causa, nos termos dos
§§ 3º, I, e
4º,
III,
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...do art. 85 do CPC/2015. 2. Em seu apelo, o fiador defende, em síntese, que: a) não foi apreciado o pedido de condenação da requerida (...) a apresentar novo fiador ou nova modalidade de garantia do contrato; b) questiona o fato de não ter o seu pedido de exoneração sequer apreciado, mesmo quando o próprio juiz conhece de sua competência para tal e, mesmo embargado, continuou a se negar; c) se nem mesmo a Lei o obriga à vinculação ad aeternum ao contrato de fiança, não poderia o magistrado obrigá-lo e ainda condená-lo ao pagamento de custas processuais e honorários por buscar um direito ao qual a lei lhe confere; d) para a exoneração de sua obrigação enquanto fiador, entende que bastava a requerida apresentar novo fiador ou nova modalidade de garantia aceita pelo Banco do Brasil e FNDE; e) toda essa querela poderia ter sido resolvida com a disposição de (...) em apresentar nova modalidade de garantia contratual; e não o fez porque não quis, uma vez que vem solicitando solução desde janeiro de 2016; f) a competência da Justiça Federal está adstrita às questões que refletem diretamente no contrato firmado, como, por exemplo, o pedido de condenação da ré (...) para indicar novo fiador ou modalidade de financiamento; g) o juízo federal tem competência para obrigar a requerida a indicar nova garantia contratual, reconhece isso e não a condena mesmo assim (inclusive, sendo ela revel e tendo diversas provas da má-fé); h) ao fim, pugna pela condenação da afiançada em custas processuais e em honorários de sucumbência no montante de 20% sobre o valor da causa. 3. Constata-se e depreende-se dos autos:
a) Trata-se de ação de procedimento comum, com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada pelo autor (...) contra os réus Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, Banco do Brasil e (...).
b) Requereu o autor, em sede de tutela provisória de urgência, que a ré (...) fosse condenada na obrigação de indicar novo fiador ou nova modalidade de garantia para o Contrato de Financiamento Estudantil 281203855, bem como sua exoneração da condição de fiador no referido contrato.
c) No mérito, objetiva a declaração de abusividade das cláusulas décima primeira e décima terceira do contrato de financiamento estudantil e, consequentemente, a sua exoneração do contrato de fiança firmado. Requer, ainda, a condenação de Joyce Albuquerque dos Santos e do Banco do Brasil no pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) cada um.
d) Relata o autor que assinou Contrato de Financiamento Estudantil - FIES (281203855), na qualidade de fiador, celebrado pela ré Joyce Albuquerque dos Santos, o Banco do Brasil e o FNDE.
e) Ocorre que, alguns meses após a celebração do contrato, passou a receber notificações extrajudiciais do Banco do Brasil, cientificando-o do atraso no pagamento do referido financiamento, em que pese se tratar apenas dos juros do financiamento, que é um valor baixo.
f) Ressalta que sempre teve seu nome limpo e, devido à inclusão do seu nome do cadastro de inadimplentes em decorrência da fiança prestada no referido contrato, seu nome foi negativado, impedindo-o de comprar um automóvel pelo Banco Toyota.
g) Destaca que tentou diversas vezes resolver a questão de forma amigável, contudo, não obteve sucesso. Assim, em 08/04/2019, solicitou no Cartório (...) o cumprimento de uma Notificação Extrajudicial que concedia o prazo de 72 (setenta e duas) horas para que (...) providenciasse a substituição do fiador junto ao Banco do Brasil.
h) Informa que, no dia 25/04/2019, dirigiu-se ao Banco do Brasil e entregou notificação de exoneração de fiança, dando o prazo de 60 (sessenta) dias para exclusão do seu nome como fiador. No dia 17/06/2020, retornou ao Banco do Brasil e foi informado de que o pedido de exoneração foi indeferido, com fundamento na Cláusula Décima Primeira do contrato.
i) Fundamenta o seu pedido no art. 835 do Código Civil - CC, nos termos do qual "o fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor". Defende a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor - CDC.
j) Alega que os contratos de financiamento estudantil são de adesão, nos quais não existe a possibilidade de discussão acerca de suas cláusulas e que acabam trazendo cláusulas abusivas.
k) Insurge-se contra a cláusula décima terceira, que prevê a prorrogação automática da fiança nele aposta, bem como contra a cláusula décima primeira, que estabelece ser a fiança absoluta, irrevogável, irretratável e incondicional, não comportando qualquer tipo de exoneração, renunciando o fiador expressamente aos benefícios dos artigos 830, 834, 835 e 837 do CC, solidariamente se responsabilizando pelo cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo financiado.
l) Alega a ocorrência de danos morais causados pela ré (...), tendo em vista que o autor vem sendo cobrado todos os dias, recebendo ameaça de inclusão de seu nome nos cadastros de inadimplentes, bem como continua como fiador da referida ré, haja vista que, embora notificada, ela não providenciou a substituição do fiador.
m) Aduz a ocorrência de danos morais pelo Banco do Brasil, haja vista que, além de estabelecer um contrato de adesão com cláusulas abusivas, mantém o autor vinculado ao contrato de financiamento, mesmo depois de já requerida a exoneração da fiança.
n) A seu turno, o FNDE destaca que o fiador assumiu livremente a responsabilidade pela dívida do afiançado e que até pode ser exonerado da fiança, mas ficará responsável pela dívida contraída até a data da exoneração.
o) O FNDE alegou que a parte autora pretende se desvencilhar da obrigação que livremente assumiu e que, em caso de desoneração da fiança, fica obrigado por todos os efeitos da fiança durante 60 (sessenta) dias após a notificação do credor.
p) O Banco do Brasil alegou que o autor se responsabilizou pelo valor global do contrato, qual seja, R$ 74.850,00 (setenta e quatro mil, oitocentos e cinquenta reais), bem como, livremente, renunciou aos benefícios previstos nos artigos 827, 830, 834, 835 e 837, todos do CC.
q) Esclarece que o fiador pode ser substituído no ato do aditamento do contrato, realizado semestralmente, desde que não haja qualquer inadimplemento da obrigação, e, não havendo a substituição, o fiador não pode se esquivar de cumprir a obrigação inadimplida ainda na vigência de sua fiança.
r) Defende a legalidade da prorrogação da fiança quando da renovação automática do contrato principal, invocando, assim, o princípio da boa-fé dos negócios jurídicos. 4. Pretende o autor que a ré (...) seja condenada na obrigação de indicar novo fiador ou nova modalidade de garantia para o Contrato de Financiamento Estudantil 281203855, bem como que seja condenada na obrigação de pagar indenização por danos morais. 5. No que concerne ao mérito da demanda, a sentença merece ser confirmada por seus próprios fundamentos:
"(...)
Pretende o autor a declaração de abusividade das cláusulas décima primeira (garantia) e décima terceira (aditamento simplificado) do contrato de financiamento estudantil e, consequentemente, a sua exoneração do contrato de fiança firmado. Requer, ainda, a condenação de Joyce Albuquerque dos Santos e do Banco do Brasil no pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) cada um.
A cláusula décima primeira estipula que:
CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA - DA GARANTIA - Assinam também este Contrato (...), Brasileiro (a), separado(a) judicialmente, comerciário, CARTEIRA NACIONAL HABILITAÇÃO nr. 023271117830, órgão emissor DETRAN CE, CPF nr. 280.903.064-20, domiciliado na AV. DAO SILVEIRA 3644, CANDELÁRIA, NATAL - RN, na qualidade de FIADOR(ES) e principal(ais) pagador (ES), sendo esta fiança absoluta, irrevogável, irretratável e incondicional, não comportando qualquer tipo de exoneração, renunciando o(s) FIADOR(ES), expressamente, aos benefícios dos artigos 830, 834, 835, e 837 do Código Civil Brasileiro, solidariamente se responsabilizando pelo cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo(a) FINANCIADO(A) neste instrumento.
PARÁGRAFO PRIMEIRO - O(s) FIADOR(ES) concorda(m) e tem pleno conhecimento de que a fiança outorgada neste ato corresponde ao limite de crédito global constante na Cláusula Terceira, e compreende, até o limite do valor da fiança, todos os Termos Aditivos a este Contrato que vierem a ser celebrados entre o AGENTE FINANCEIRO e o(a) FINANCIADO(A), na forma das Cláusulas Décima Terceira e Décima Quarta.
PARÁGRAFO SEGUNDO - Fica o AGENTE FINANCEIRO autorizado a efetuar consulta em cadastros restritivos em nome do (a) FINANCIADO(A) e FIADOR(ES), a qualquer época, até a liquidação do Contrato.
PARÁGRAFO TERCEIRO - O (s) FIADOR(ES) poderá(ao) ser substituído(s) a qualquer tempo, a pedido do(a) FINANCIADO(A), condicionada a substituição à anuência do AGENTE FINANCEIRO e ao atendimento das exigências estabelecidas na legislação e regulamentação do FIES pelo(s) novo(s) FIADOR(ES).
PARÁGRAFO QUARTO - O (A) FINANCIADO(A) obriga-se a apresentar outro(s) FIADOR(ES), após a assinatura deste instrumento e até o prazo final do aditamento, em no máximo 30 (trinta) dias nas seguintes hipóteses:
I - falecimento do(s) FIADOR(ES);
II - perda da capacidade de pagamento do(s) FIADOR(ES);
III - restrição cadastral em nome do(s) FIADOR(ES).
PARÁGRAFO QUINTO - O(S) FIADOR(ES) se obriga(m), por si e por seus herdeiros, a satisfazer todas as obrigações constituídas na vigência deste Contrato e por todos os acessórios da dívida principal e as despesas judiciais dele decorrentes, consoante disposto no art. 822 do Código Civil Brasileiro.
PARÁGRAFO SEXTO - A garantia de que trata esta Cláusula é prestada de forma solidária com o(a) FINANCIADO(A), na qualidade de devedor principal, renunciando o(s) FIADOR(ES) ao benefício previsto no artigo 827 do Código Civil Brasileiro, bem como respondendo como principal pagador da obrigação garantida até seu integral cumprimento.
CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA - DO ADITAMENTO SIMPLIFICADO - O Aditamento Simplificado dar-se-á independentemente de anuência do(s) FIADOR(ES) e terá por escopo:
I - a continuidade do financiamento sem alterar o valor da semestralidade;
II - a alteração do valor da semestralidade sem modificação do limite de crédito global;
III - a suspensão do período de utilização do financiamento;
IV - a ampliação do prazo de utilização do financiamento;
V - a reativação do financiamento suspenso;
VI - a redução do percentual de financiamento; e
VII - a transferência de curso ou de IES sem alteração do limite de crédito global e do período de amortização do financiamento.
PARÁGRAFO PRIMEIRO - Observado o período estabelecido pelo Agente Operador do FIES, o Aditamento Simplificado será realizado na IES depois de efetivada a renovação da matrícula e mediante assinatura do Documento de Regularidade de Matrícula (DRM) pelo(a) FINANCIADO(A), ou pelo seu representante, assim côo pelos membros da CPSA.
PARÁGRAFO SEGUNDO - O valor da semestralidade e o aproveitamento acadêmico do(a) FINANCIADO(A), para fins do Aditamento Simplificado, constarão no Documento Regularidade de Matrícula (DRM)".
"(...)
É certo que a fiança exigida nos contratos de financiamento estudantil encontra respaldo no artigo 5º, inciso III, da Lei n.º 10.260/01, tendo por finalidade a proteção dos recursos do Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior, de modo a prevenir eventual inadimplência e diminuição dos recursos disponibilizados.
O art. 835 do CC, por sua vez, admite a exoneração do fiador, quando o negócio jurídico se der por prazo indeterminado, o que não é o caso do contrato de financiamento estudantil.
Na verdade, pretende o art. 835 do CC proteger o fiador, nos contratos por prazo indeterminado, uma vez que o Direito não se compraz com relação jurídica eterna e permanente, especialmente, no campo dos direitos pessoais, como é o caso da fiança.
Destaque-se que, no presente contrato, a fiança outorgada corresponde ao limite de crédito global para o financiamento do valor do curso de graduação em Direito, durante 10 semestres, constante na Cláusula Terceira (R$ 74.850,00), e compreende, até o limite do valor da fiança, todos os Termos Aditivos a este Contrato que vierem a ser celebrados entre o agente financeiro e a financiada, na forma das Cláusulas Décima Terceira e Décima Quarta. Assim, o contrato objeto da presente ação é por prazo determinado, razão pela qual não é passível de exoneração a fiança nos contratos do FIES por simples vontade do fiador.
Por outro lado, à vista do parágrafo terceiro da cláusula décima primeira, o fiador pode ser substituído. Entretanto, a eventual substituição dos fiadores somente é possível a pedido da financiada, condicionada à anuência do agente operador e financeiro. Tal modificação, entretanto, pelo que se percebe do cenário processual, não foi efetivada, permanecendo a fiança prestada pela parte autora.
Assim, a cláusula décima primeira não se revela abusiva, haja vista que não contraria a disposição do art. 835 do CPC, sendo, portanto, hígido o contrato de fiança.
(...)
No caso de que ora se cuida, de uma simples análise das disposições contratuais, verifica-se que o fiador é responsável solidário pela totalidade das dívidas contraídas pela estudante em decorrência do financiamento estudantil, inclusive por aquelas posteriores à celebração do pacto afiançado, referentes aos termos aditivos semestrais, contanto que, nesse caso, não haja a substituição, autorizada pelo Banco do Brasil, do prestador da fiança.
Está claro no contrato que os aditamentos são irrelevantes para alterar a fiança, que é prestada relativamente a todo o contrato. Como dito, a estudante e o Banco do Brasil firmaram um contrato pelo qual o banco concedeu um limite de crédito global para todos os semestres do curso.
Não tendo havido modificação relevante das condições contratuais inicialmente definidas, os aditamentos simplificados semestrais que ocorrem nesses casos não são propriamente contratos novos, ou seja, não são referentes a objetos distintos, nem contemplam a concessão de um crédito adicional ou algo a mais do que já havia sido contratado. Os aditamentos simplificados consistem apenas em revisões periódicas para atualização dos valores das semestralidades e acontecem sem alteração do limite de crédito global do financiamento ou outras alterações nas cláusulas contratuais relevantes, ficando mantido o montante da dívida pela qual se obrigou o fiador desde o início.
A fiança foi devidamente prestada pela parte autora, quando da assinatura do contrato em 01/2013, de modo que, não havendo substituição dos fiadores, encontra-se válida tal estipulação até o término do contrato.
A exoneração do fiador da responsabilidade que assumiu, deixaria o credor desprovido da garantia exigida pela própria Lei nº 10.260/01, restando apenas a possibilidade de substituição da garantia fidejussória, condicionada à anuência do Banco do Brasil.
Assim, conforme se extrai da legislação e jurisprudência, ao passo que o autor se comprometeu reciprocamente como fiador solidário da totalidade dos valores devidos pelo financiado, vinculando-se às cláusulas contratuais, a que tiveram ciência, não há que se falar na possibilidade de retratação ou exoneração unilateral.
Portanto, se o fiador assume a responsabilidade pelo débito da afiançada pelo período de vigência do contrato de financiamento, sem nenhuma limitação, conclui-se que estão abrangidos os aditamentos firmados neste período, independentemente de assinatura, não sendo o caso de interpretação extensiva, desde que mantido intacto o cerne do contrato.
Desse modo, a cláusula décima terceira também não se revela abusiva (...). 6. Em arremate, frisem-se as razões de decidir apresentadas pelo magistrado, no que tange ao pleito de indenização por danos morais: "(...) No que se refere ao pedido de indenização por danos morais formulado em face do Banco do Brasil, pelo fato de que, além de estabelecer um contrato de adesão com cláusulas abusivas, especificamente, a décima primeira, mantém o autor vinculado ao contrato de financiamento, mesmo depois de já requerida a exoneração da fiança, é certo que não merece prosperar, haja vista que não foi reconhecida a abusividade da cláusula que impede a exoneração do fiador." 7. A fiança é prestada relativamente à integralidade do contrato, que, apesar de exigir aditamentos semestrais, não configura contrato por prazo indeterminado. De toda forma, portanto, não se aplica ao caso concreto o pedido de exoneração nos moldes do
art. 835, do
Código Civil, já que este é restrito à fiança sem limitação de tempo, o que não é a hipótese dos autos. Não há previsão legal de exoneração de fiança em contrato por prazo determinado, de modo que o fiador só se desligará com o vencimento do lapso temporal, a não ser que seja substituído pelo estudante, financiado.
8. Apelação desprovida. Honorários recursais acrescidos em 1% aos honorários advocatícios fixados na sentença (
art. 85,
§ 11,
CPC/2015).
rkf
(TRF-5, PROCESSO: 08002117320204058100, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 20/09/2022)