CONSTITUCIONAL. CIVIL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. ANIMAL NA PISTA DE RODAGEM. DNIT. UNIÃO FEDERAL. PROPRIETÁRIO DO ANIMAL. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO.
ART. 37,
§6º,
CF/88. ATO COMISSIVO. CONDUTA OMISSIVA. "FAUTE DU SERVICE". CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. NÃO COMPROVAÇÃO.
ART. 333,
II,
CPC/73. DANOS MORAIS. LUCROS CESSANTES. PENSÃO PREVIDENCIÁRIA POR MORTE. CUMULATIVIDADE. FINALIDADES
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...DISTINTAS. SUPLEMENTAÇÃO DE VALORES. CÁLCULO. DESCONTO DE 1/3 DOS RENDIMENTOS. 13º. 65 ANOS DE IDADE. DANOS MATERIAIS. DPVAT. DESCONTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DA PARTE AUTORA.1.Tanto o DNIT quanto a União Federal possuem legitimidade para figurar no polo passivo de ações que versem sobre acidentes de trânsito ocorridos em rodovias federais (vide AgInt no REsp 1718201/PE, AgInt no REsp 1627869/PB, REsp 1625384/PE). No entanto, em tal hipótese a responsabilidade é solidária - pois, não se tratando de litisconsórcio passivo necessário, a ausência da União no polo não constitui infração à lei, dada a inexistência de diploma legal determinando o contrário. A esse respeito, não obstante o art. 20, em seus incisos II e III, da Lei 9.503/97 preveja competir à Polícia Federal executar operações que visem à incolumidade das pessoas e aplicar multas decorrentes de remoção de animais, não lhe assiste competência exclusiva, não compreendendo o art. 47 do Código de Processo Civil a hipótese em comento. Doutrina e jurisprudência.2. A identificação do proprietário do animal não enseja a obrigatoriedade de sua inclusão no polo passivo. Repita-se, tratando-se de responsabilidade solidária, há legitimidade, mas não obrigatoriedade de sua presença no polo passivo, cabendo ao autor decidir contra quem litigar, nos termos do art. 275, caput e parágrafo único, do Código Civil. Ademais, a responsabilidade do dono do animal abalroado, nos termos do art. 1.527 do Código Civil de 1916, ao qual corresponde o art. 936 do Código Civil de 2002, não afasta a responsabilidade estatal, haja vista seu dever de garantir condições de segurança e trafegabilidade nas respectivas vias, cabendo ao réu, não ao autor, identificar o dono do animal e, se o caso, requerer o que de direito em ação própria. Precedentes.3. Observo, ademais, ser reconhecida a responsabilidade em relação ao motorista acidentado em razão da presença de animais na pista tanto quando se trata de concessionária do serviço quanto em ações de regresso movidas por seguradoras contra o Estado, não havendo de ser afastada sua responsabilidade justamente quando o lesado é o usuário da via, desde que não tenha dado causa ao ocorrido. Portanto, legítima a presença do DNIT no polo passivo e não sendo obrigatório o litisconsórcio com a União Federal ou o dono do animal, nada há que se modificar a esse respeito.4. O art. 37, §6º, da Constituição Federal consagra a responsabilidade do Estado de indenizar os danos causados por atos, omissivos ou comissivos, praticados pelos seus agentes a terceiros, independentemente de dolo ou culpa.5. A Doutrina e a Jurisprudência não são unânimes quanto ao trato da natureza da responsabilidade do Estado em caso de omissão. Embora assente que é objetiva a responsabilidade estatal por ato comissivo, relevante divergência tem sido levantada quando se trata de ato omissivo, para a qual exigida comprovação de dolo ou culpa, elementos atrelados à responsabilidade subjetiva. 6. Em suma, para se configurar a responsabilidade subjetiva do Estado se faz necessário constatar o nexo causal entre o dano e o ato omissivo - mesmo que não individualizado, hipótese em que se verifica a "faute du service".7. No caso em tela, registra o Boletim de Ocorrência 3395/2006 (fls. 65 a 70) que, às 19h15min de 06.05.2006 (e não 24.05.2006, como consta da inicial), que a motocicleta Honda/CG 150 Titan, de propriedade de (...), conduzida por (...), "transitava pela Rodovia BR-153, sentido Nova Granada - São José do Rio Preto, quando na altura do km 49 + 300 metros um animal, provavelmente bovino (segundo o proprietário da novilha cruzada de cor preta), adentrou no leito carroçável e colidiu com a citada motocicleta. A vítima foi socorrida por unidade móvel do SAMU (Dr. Marcos) para o hospital de base local, entretanto, não resistiu aos ferimentos e veio a óbito" (fls. 69).8. Especificamente quanto ao acidente, acresce reproduzir o informado pela testemunha, o policial rodoviário federal André Sanches Palacio (fls. 213 e 214): "lembro-me do acidente narrado na inicial [...] lembro-me de que, antes mesmo de termos sido chamados para atender o acidente referido, tinha havido aviso de animais na pista. Fomos ver o que havia e acabamos atendendo a ocorrência por primeiro referida. Realmente no boletim de ocorrência está minha assinatura, pois fui eu que lancei os informes no aludido documento. Na época, ao que me recordo, na BR 153, próxima ao local dos fatos, não havia placa indicativa da possibilidade de animais na pista [...] era comum atendermos avisos de animais na pista [...] quando atendemos o acidente, a vítima já havia falecido. O animal não estava no local; depois do acidente, o deixou. No entanto, vitoriando a moto, pudemos verificar que existiam pedaços do couro do animal no guidão da moto, o que propiciou termos certificado a colisão [...] o estado da pista, no local do acidente, era adequado [...] o que não havia era a manutenção da rodovia em geral, sinalização inclusive" (fls. 213).9. Uma vez constatado se tratar de ocorrência infelizmente corriqueira, o que se soma ao conjunto fático-probatório presente nos autos, é de se concluir pela responsabilidade do Estado, a quem caberia o isolamento da pista ou, ao menos, a colocação de placas de advertência; em outras palavras, se já havia um histórico de invasão de animais na pista, como ficou evidenciado pelo depoimento do policial militar, era dever do Estado, sinalizar e dar maior segurança possível às pessoas que trafegam pela rodovia, a fim de evitar acidentes.10. Sobre a suposta culpa exclusiva, o que a afasta, definitivamente, no caso dos autos, é a constatação clara de que a vítima trafegava na rodovia sem qualquer indicação de imprudência, imperícia ou negligência, não se podendo presumir o contrário, ou seja, a prática de infração para elidir ou reduzir a responsabilidade estatal pela fiscalização precária da rodovia. A prova da imperícia, negligência ou imprudência da autora é fato impeditivo ao direito pleiteado e, portanto, cabe à ré a sua invocação e prova (artigo 333, II, CPC).11. Porém, no caso em tela não se verifica qualquer elemento que faça pressupor a culpa exclusiva da vítima. Além de o acidente ocorrer já no período noturno, o animal possuía a cor preta, o que demonstra a dificuldade de identificação com suficiente antecedência; acresce dizer que a vítima não continha qualquer dosagem em seu sangue, conforme consta do Laudo de Exame Necroscópico (fls. 61 e 62).12. Quanto aos danos morais, não basta para sua configuração o aborrecimento ordinário, diuturnamente suportado por todas as pessoas. Impõe-se que o sofrimento infligido à vítima seja de tal forma grave, invulgar, justifique a obrigação de indenizar do causador do dano e lhe fira, intensamente, qualquer direito da personalidade. Nesse sentido, veja-se o magistério de (...): "Nessa linha de princípio, só deve ser reputado dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo". (Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros Editores, 4ª edição, 2003, p. 99).13. Dado o fatídico resultado do evento, arbitro em R$200.000,00 o valor da indenização a título de dano moral, a ser partilhado em partes iguais entre os autores, valor condizente ao anteriormente fixado em casos semelhantes e mesmo mantido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.14. Quanto aos lucros cessantes, já o Código Civil de 1916 o previa, por meio de seu art. 1.538, atualmente tema dos art. 402, 949 e 950, todos do atual Código Civil. Como é cediço, "correspondem os lucros cessantes a tudo aquilo que o lesado razoavelmente deixou de lucrar, ficando condicionada a indenização desse prejuízo, portanto, a uma probabilidade objetiva resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos" (REsp 846.455/MS, Terceira Turma, DJe 22/04/2009); desse modo, apenas podem ser assim classificados os ganhos futuros não auferidos em razão do dano sofrido, desde que haja previsão razoável e objetiva de lucro, não mera potencialidade.15. A condenação por lucros cessantes não constitui óbice à percepção de pensão mensal, ou vice-versa, haja vista possuírem finalidades distintas. A pensão é benefício de natureza previdenciária destinado "ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer", nos termos do art. 74 da Lei 8.213/91, ao passo que a indenização por lucros cessantes, ainda que em idêntica periodicidade mensal, é devida em razão do prejuízo sofrido. Assim, ainda que possuam a mesma causa de pedir, diversos os fundamentos.16. Quanto ao cálculo da indenização, cabe acrescentar que a parte autora requer a percepção dos valores correspondentes aos lucros cessantes em uma única parcela, o que é previsto pelo art. 950, parágrafo único, do Código Civil de 2002; de outro polo, deve ser descontado 1/3 dos rendimentos, haja vista a dedução de que tal proporção equivale ao que o falecido gastaria com seu próprio sustento, conforme consta do próprio pedido, afinado à jurisprudência; a se considerar, ainda, 13º salário e período de 25 anos - idade-limite de 65 anos menos os 40 anos que contava o de cujus quando de seu falecimento. Precedentes.19. Os 25 anos correspondem a 325 parcelas - 300 meses e 25 abonos natalinos - de R$727,27 cada, de cujo total deve ser descontado 1/3. Assim, chega-se ao montante de R$157.575,17. Por fim, em razão de o pedido se referir a pagamento em parcela única, inaplicável o previsto pelo art. 602 do Código de Processo Civil/7320. A documentação acostada aos autos demonstra o pagamento de R$68,50 a título de Taxa de Cemitério (fls. 80), R$890,00 relativamente à funerária (fls. 82, 83), R$2.800,00 de gastos com túmulo e sepultura (fls. 86, 87) e R$1.600,00 para conserto da motocicleta (fls. 91). As demais cópias (fls. 84, 85) não refletem gastos cuja origem pareça clara, não se prestando à comprovação do alegado e, de qualquer modo, a soma dos valores ora discriminados alcança o valor de R$5.358,50 - semelhante aos R$5.378,50 pedidos na inicial, sem que seja identificável a razão da diferença encontrada pela parte autora. Observo ainda que a autarquia não logrou desconstituir a documentação ora mencionada quanto ao seu valor probante, sendo o que lhe cabia.21. Conforme consignado em sentença, devem ser descontados da indenização por dano material os valores recebidos a título de Seguro Obrigatório - o DPVAT, nos termos da Súmula 246/STJ, realizando-se a apuração quando da execução do julgado.22. Para indenização por lesão de natureza moral (extrapatrimonial), o montante deve ser corrigido a partir da data do arbitramento, nos termos da Súmula 362/STJ, incidindo juros de mora a contar a partir do evento danoso, conforme Súmula 54/STJ, calculando-se consoante os termos do Manual de Cálculos aprovado pela Resolução 134/2010-CJF, com as modificações introduzidas pela Resolução 267/2013-CJF, capítulo referente às ações condenatórias em geral, com os ajustes provenientes das ADI's 4357 e 4425.23. Em relação à indenização por dano de ordem material de caráter extracontratual - no caso concreto, relativamente às indenizações por lucros cessantes e dano material propriamente dito, os juros moratórios também incidem a partir do evento danoso (AgInt no AREsp. 889.334/PR, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, DJe 19.12.2016; AgInt no REsp. 1.333.963/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 9.12.2016; AgInt no REsp. 1.394.188/SC, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 25.11.2016 e REsp. 1.501.216/SC, Rel. Min. OLINDO MENEZES DJe 22.2.2016), o mesmo ocorrendo com a atualização monetária, a teor da Súmula 43/STJ.24. Sucumbente a parte autora de fração mínima do pedido, de rigor a condenação do DNIT em honorários advocatícios, que arbitro em 10% do valor da condenação, nos termos dos
art. 20,
§§3º e
4º, e
art. 21,
parágrafo único, ambos do
Código de Processo Civil de 1973, vigente quando da prolação da sentença.
25. Apelo do DNIT parcialmente provido.
26. Apelo da parte autora parcialmente provido.
(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0008899-36.2007.4.03.6106, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 04/02/2020, Intimação via sistema DATA: 07/02/2020)