DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Na seara trabalhista, para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica não se exige do exequente a efetiva demonstração de desvio de finalidade ou confusão patrimonial (
art. 50 do
CC), bastando a constatação da insolvência e/ou insuficiência patrimonial da empresa originariamente executada e seus sócios, demonstrada pelo esgotamento das possibilidades de localização de bens passíveis de penhora. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE PETIÇÃO nº 0001721-17.2016.5.12.0050, provenientes da 5ª Vara do Trabalho de Joinville, SC, sendo agravantes 1. E. R. S. C. e 2. C. G. C. S. e agravado ELÍSIO JESUS DE ALMEIDA. Inconformado com a decisão de ID 66d4337,
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...agravam os executados. Requerem a reforma do decisum que julgou procedente o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Contraminuta apresentada pelo exequente sob ID 6058674. Os autos vêm conclusos. É o relatório. ADMISSIBILIDADE Conheço do agravo de petição dos executados e da contraminuta, por satisfeitos os pressupostos legais de admissibilidade. MÉRITO DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Ressai da sentença de origem: Requisitos de desconsideração. Os interessados dizem que não estão presentes os requisitos do art. 50, do CCB. Sem razão! A desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho exige tão somente a insolvência do devedor. Gize-se que é desnecessária a prova da gestão fraudulenta dos bens, ademais de, nos termos do art. 789 do CPC, o devedor responder com todos os seus bens presentes e futuros, para o cumprimento de suas obrigações. [...] Com efeito, em face da existência de título executivo de caráter alimentar e por caracterizada a insolvência do devedor principal, caracterizada pelo insucesso das buscas de bens via convênios, correto o redirecionamento da execução em face dos sócios, impondo-se a instauração e a procedência do presente incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Isso posto, acolho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada, e determino a inclusão no polo passivo dos sócios C. G. C. S. e E. R. S. C.. Entende, os executados, que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não atende ao disposto no §4º do art. 134 do CPC. Assere que "A possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica encontra previsão no artigo 50 do Código Civil, o qual elenca certos requisitos para que os bens particulares dos sócios sejam atingidos para pagamento de débitos contraídos pela pessoa jurídica". Aduz que "Para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é necessário que haja um desvirtuamento da função da personificação e da autonomia patrimonial. Faz-se necessário um afastamento da finalidade para a qual a sociedade empresária é constituída". Consigna que "O simples fato de a empresa não possuir bens suficientes para pagamento de seus débitos, não é suficiente para o preenchimento dos requisitos elencados no artigo 50 do Código Civil, visto que eventual dificuldade financeira enfrentada pela pessoa jurídica não é capaz de autorizar sejam os bens particulares do sócio atacados para garantia de seus débitos". Requer seja reformada a decisão de origem para excluir os agravantes do polo passivo. Sem razão. Assim dispunha o art. 596 do CPC de 1973: Art. 596. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade. O CPC de 2015 passou a disciplinar a questão nos seguintes termos: Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. § 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei. § 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica. Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. § 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas. § 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica. § 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º. § 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica. Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias. Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória. Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno. Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente. [...] Art. 790. São sujeitos à execução os bens: [...] II - do sócio, nos termos da lei; [...] VII - do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica. Art. 795. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei. § 1º O sócio réu, quando responsável pelo pagamento da dívida da sociedade, tem o direito de exigir que primeiro sejam excutidos os bens da sociedade. § 2º Incumbe ao sócio que alegar o benefício do § 1º nomear quantos bens da sociedade situados na mesma comarca, livres e desembargados, bastem para pagar o débito. § 3º O sócio que pagar a dívida poderá executar a sociedade nos autos do mesmo processo. § 4º Para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código. A Lei 13.467 de 2017, por sua vez, incluiu o art. 855-A da CLT, que assim dispõe: Art. 855-A. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) §1º Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) I - na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do § 1º do art. 893 desta Consolidação; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) II - na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) III - cabe agravo interno se proferida pelo relator em incidente instaurado originariamente no tribunal. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) §2º A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) Com efeito, a teoria da disregard of legal entity (desconsideração da personalidade jurídica), surgida na Inglaterra na segunda metade do século XIX, permite que se busque o patrimônio do sócio quando se torna impossível solver os débitos da empresa com os bens a ela pertencentes. Essa teoria foi expressamente positivada no art. 855-A da CLT, incluído pela Lei 13.467/17, que estabeleceu que "Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil", e fixou (em seus parágrafos) regras processuais relativas ao referido incidente. Por outro lado, o trabalhador é imune aos riscos da atividade econômica. Os sócios, a par de serem os titulares dos lucros, são, da mesma forma, os responsáveis pelos riscos, não podendo transferir aos empregados os prejuízos decorrentes dos riscos da atividade empresarial assumida, em consonância com o disposto no art. 2º da CLT. Nesse sentido, leciona Arion Sayão Romita (Temas de Direito Social. Freitas Bastos. p. 230): [...] é tempo de se afirmar, sem rebuços, que nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada, todos os sócios devem responder com seus bens particulares, embora subsidiariamente, pelas dívidas trabalhistas da sociedade; a responsabilidade deles deve ser solidária, isto é, caberá ao empregado exequente o direito de exigir de cada um dos sócios o pagamento integral da dívida societária. Ademais, não prosperam os argumentos dos agravantes quanto à inocorrência dos requisitos caracterizadores do abuso da personalidade jurídica, na forma preconizada no art. 50 do CC, na medida em que, no direito do trabalho, por força de Lei Específica - a CLT, em seu artigo 10-A -, a responsabilização pelos débitos trabalhistas da sociedade possui regramento próprio, sendo certo que o referido artigo é claro em relação à responsabilidade dos sócios. Como visto, o art. 795 da CLT estabelece que "Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei." Portanto, os bens particulares dos sócios respondem pelas dívidas da sociedade "nos casos previstos em lei". Sobre a questão de saber quais são os "casos previstos em lei", a jurisprudência e a doutrina apontam a existência de duas teorias derivadas das normas que tratam da desconsideração da personalidade jurídica. Uma é a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica do empregador, segundo a qual a desconsideração ocorre apenas nos casos de desvio de finalidade da pessoa jurídica ou de confusão patrimonial. Essa teoria maior se funda no art. 50 do Código Civil, que dispõe: "Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica." A outra é a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, segundo a qual a desconsideração ocorre nos casos de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social da empresa, bem como nos casos de falência, insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração e, ainda, quando a personalidade jurídica for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento dos débitos. Essa teoria menor se sustenta no art. 28, caput e § 5º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.028/1990), que estabelece: "O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. [...] § 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores." Como se vê, a teoria menor é muito mais abrangente do que a teoria maior, na medida em que admite a responsabilização do sócio diante da mera "infração da lei" (a qual se verifica pelo simples fato de a sentença ter reconhecido o não-pagamento de verbas previstas na lei trabalhista) ou diante da mera "insolvência" da pessoa jurídica "por má administração". Ocorre que, como a relação de trabalho envolve uma parte considerada hipossuficiente, que é o empregado, da mesma forma que se verifica na relação de consumo, a jurisprudência majoritária do Egrégio TST tem adotado a teoria menor, lastreada no art. 28 do CDC, de modo a concluir que "[...] IV - Esta Corte Superior, no que toca à desconsideração da personalidade jurídica, tem jurisprudência firmada no sentido de [que] não se aplica na Justiça do Trabalho a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil), não havendo necessidade de se comprovar o desvio de finalidade ou [...] confusão patrimonial para que se proceda a superação da personalidade, bastando a insolvência da pessoa jurídica, insuficiência de seus bens ou dissolução irregular de seu capital social para que se permita a execução dos bens do sócio, conforme previsto no art. 28, § 5º, do
CDC (teoria menor), aplicável à Justiça do Trabalho. [...]" (Ag-AIRR-1001121-98.2018.5.02.0401, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 24/06/2022). Dessa forma, restando infrutíferas as tentativas de execução da empresa, os sócios devem responder subsidiariamente pelas dívidas da sociedade nos processos trabalhistas. Trata-se de processo que tramita nesta Justiça Especializada desde 2016 e, embora tenham sido realizadas diversas consultas, utilizando o convênio do Judiciário, em busca de bens da empresa executada, não foram satisfatórias. Ante o exposto, mantenho a decisão de origem por seus próprios fundamentos, acrescidas das presentes razões de decidir. Nego provimento. Pelo que,
(TRT-12; Processo: 0001721-17.2016.5.12.0050; Relator(a). ROBERTO BASILONE LEITE; Órgão Julgador: Gab. Des. Roberto Basilone Leite; Data: 21/02/2024)