DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL INADMITIDO. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM DE OFÍCIO. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PENA ACESSÓRIA. PERDA DE CARGO PÚBLICO. ANTINOMIA NORMATIVA.
LEI PENAL NO TEMPO. PACOTE ANTIFEMINICÍDIO. EFEITOS AUTOMÁTICOS. NOVATIO LEGIS IN PEJUS. ULTRATIVIDADE DO REGRAMENTO ANTERIOR.
ART. 92 DO
CÓDIGO PENAL. DEVER DE MOTIVAÇÃO CONCRETA. PROCESSO PENAL. FUNDAMENTAÇÃO PELO JUÍZO SENTENCIANTE INEXISTENTE. RECURSO DE APELAÇÃO EXCLUSIVO DA
... +1606 PALAVRAS
...DEFESA. SANEAMENTO PELO TRIBUNAL LOCAL. DESCABIMENTO. REFORMATIO IN PEJUS. CONSTATAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
I. Caso em exame
1.1 Trata-se de agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado de Goiás contra decisão exarada por esta Relatoria que, em juízo de admissibilidade ad quem, não conheceu do agravo em recurso especial interposto pela parte contrária, por incidência da Súmula n. 182/STJ.
1.1.2 Todavia, de ofício, este Relatoria concedeu a ordem ambulatorial para cassar a sanção acessória aplicada ao sentenciado de perda do cargo público de Guarda Civil Metropolitano de Goiânia/GO, inicialmente decretada à revelia do parágrafo único, I, "b", do art. 92 do CP (com redação vigente à época dos fatos), associada à dicção dos arts. 315, § 2º, I, II e III, 564, V, e 617, todos do CPP, mantido o aresto atacado nos demais termos.
1.2.1 Em suas razões, o Parquet assevera que a decisão hostilizada carece de reforma, porque todos os fundamentos concretos e específicos, expostos no relatório e na fundamentação do acórdão local, mormente o fato de que o apenado, na época em que praticou o delito, ter violado os deveres do ofício ao, mediante utilização de arma de fogo, matar sua companheira, são hábeis a manter a pena (acessória) da perda do cargo público.
1.2.2 Aduz, ainda, que a Corte local não acrescentou novos fundamentos, é dizer, não inovou na fundamentação da parte da sentença em que foi decretada a perda do cargo público do sentenciado, mas apenas os reforçou, quando do julgamento da apelação, de modo a denotar a ausência de correspondência ao ventilado instituto da reformatio in pejus.
1.3 Nestes termos, requer a reconsideração da decisão agravada ou, subsidiariamente, remessa do feito para julgamento pela Sexta Turma, a fim de que seja restabelecida a condenação acessória da perda do cargo público do (ora) recorrido.
II. Questões em discussão 2.1 A (primeira) questão em discussão consiste em saber se, não obstante a condenação do sentenciado pelo crime de feminicídio (atualmente capitulado no art. 121-A do CP), por se tratar (ou não)
de novatio legis in pejus, decorrente da Lei n. 14.994/2024 (pacote antifeminicídio) e ex vi do art. 2º do referido diploma -, tem-se por impositiva (ou não), pela segurança jurídica subjacente, a aplicação ultra-ativa do regramento anterior vigente à época dos fatos.
2.2 A (segunda) questão controvertida consiste em definir se a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo consubstancia (ou não), salvo as hipóteses de feminicídio, previstas no § 2º, III, do art. 92 do CP e do crime de tortura, (mero) efeito automático (ope legis) extrapenal específico da condenação (§ 1º), de modo a demandar (ou não) - a cargo do Estado-julgador sentenciante - oportuna e estratificada fundamentação concreta, com regular exposição do nexo funcional incidente, hábil a justificar a necessidade e adequação da referida sanção ao sentenciado.
2.3 A (terceira) questão em debate consiste em discernir se, pela interpretação sistêmica dos arts. 2º e 92, I, "b", parágrafo único, ambos do CP (com redação vigente à época dos fatos) conjugada à dicção do art. 617 do CPP, é possível (ou não) ao Tribunal ad quem, em recurso de apelação exclusivo da Defesa e com esteio no regramento da vedação à reformatio in pejus, sanear ou convalidar a sanção de perda de cargo público, quando despida (inicialmente) de qualquer fundamentação "concreta" pelo Juízo sentenciante, nos moldes dos arts. 315, § 2º, I, II e III, 564, V, ambos do referido diploma.
III. Razões de decidir
3.1 É pacífico, no âmbito deste Sodalício, que [p]erda do cargo público não precisa vir prevista na denúncia, posto que decorre de previsão legal expressa, como efeito da condenação, nos termos do artigo 92 do Código Penal (STJ, HC n. 81.954/PR, 6.ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza, DJ de 17/12/2007) (AgRg no AREsp n. 961.430/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 4/12/2018, DJe de 14/12/2018).
3.1.1 Não se descuida o Tribunal da Cidadania que a Lei n. 14.994/2024 (pacote antifeminicídio), ao derrogar o art. 92 do CP, estatuiu, no § 2º, III, litteris: Ao condenado por crime praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código serão: "automáticos" os efeitos dos incisos "I" e II do caput e do inciso II do § 2º deste artigo.
3.1.1.2 Entrementes, no caso vertente - não obstante a condenação do sentenciado pelo crime de feminicídio (atualmente capitulado no art. 121-A do CP), por se tratar de novatio legis in pejus, ex vi do art. 2º do referido diploma -, tem-se por impositiva (pela segurança jurídica subjacente) a aplicação ultra-ativa do regramento anterior vigente à época dos fatos, sucedidos em 1º de janeiro de 2021.
3.1.2 A perda de cargo, função pública ou mandato eletivo não consubstancia, salvo as hipóteses de feminicídio, previstas no § 2º, III, do art. 92 do CP e do crime de tortura, (mero) efeito automático (ope legis) extrapenal específico da condenação (§ 1º), mas demanda - a cargo do Estado-julgador sentenciante - oportuna e estratifica fundamentação "concreta", com regular exposição do nexo funcional incidente, hábil a justificar a necessidade e adequação da referida sanção ao sentenciado.
3.1.2.1 Na espécie, depreende-se que o Juízo sentenciante condenou o réu à perda do cargo de guarda civil metropolitano de Goiânia/GO, ex vi do art. 92, inciso I, alínea "b", do Código Penal, de forma automática (ilegal), porquanto despida de qualquer fundamentação concreta (embasamento empírico).
3.1.3 Contudo, ao julgar a apelação (exclusiva) da Defesa, o Colegiado estadual, de forma saneadora, inseriu fundamentos (outrora inexistentes) à abstrata, desidratada e genérica sanção acessória inaugural imposta, em manifesto prejuízo à situação jurídica do sentenciado.
3.1.3.1 Pela interpretação sistêmica dos arts. 2º e 92, I, "b", parágrafo único, ambos do CP (com redação vigente à época dos fatos) conjugada à dicção do art. 617 do CPP, não se afigura possível ao Tribunal ad quem, em recurso de apelação exclusivo da Defesa e com esteio no regramento da vedação à reformatio in pejus, sanear ou convalidar a sanção de perda de cargo público, quando despida (inicialmente) de qualquer fundamentação "concreta" pelo Juízo sentenciante, nos termos dos arts. 315, § 2º, I, II e III, 564, V, ambos do referido diploma.
3.1.3.2 Entendimento em sentido contrário representaria manifesta e insustentável afronta ao dever de fundamentação das decisões judiciais, bem como degeneração ao regramento da vedação à reformatio in pejus, ressalve-se, não restrito à contumaz hipótese (dosimétrica) de agravação da pena in concreto cominada pelo sentenciante inaugural.
3.1.3.3 Nessa linha de raciocínio, a Suprema Corte já pontuou que somente não constitui reformatio in pejus a utilização de fundamentos já constantes da sentença penal condenatória originária, sem piorar a situação do réu (STF, RHC n. 234.160, Relatora (a):
Min. Cristiano Zanin, julgamento: 31/10/2023, publicação: 03/11/2023).
3.1.3.4 Faz-se necessária, assim, a distinção entre fundamentos (primevos) "inexistentes" e a inexorável possibilidade do Tribunal ad quem ratificar, substituir ou agregar (transmudar) novos fundamentos aos anteriores, esta última hipótese sem qualquer afronta ao regramento do art. 617 do CPP.
3.2 Delineamento recursal que justifica - com amparo dos incidentes efeitos iterativo e reiterativo do regimental - a manutenção incólume da decisão (monocrática) agravada.
IV. Dispositivo e tese
s 4. Agravo regimental não provido.
Teses de julgamento: "1. Não obstante a condenação do sentenciado pelo crime de feminicídio (atualmente capitulado no art. 121-A do CP), por se tratar de novatio legis in pejus, decorrente da Lei n. 14.994/2024 (pacote antifeminicídio) e ex vi do art. 2º do referido diploma -, tem-se por impositiva, pela segurança jurídica subjacente, a aplicação ultra-ativa do regramento anterior vigente à época dos fatos. 2. A perda de cargo, função pública ou mandato eletivo não consubstancia, salvo as hipóteses de feminicídio, previstas no § 2º, III, do art. 92 do CP e do crime de tortura, (mero) efeito automático (ope legis) extrapenal específico da condenação (§ 1º), de modo a demandar - a cargo do Estado-julgador sentenciante - oportuna e estratificada fundamentação concreta, com regular exposição do nexo funcional incidente, hábil a justificar a necessidade e adequação da referida sanção ao sentenciado. 3. Pela interpretação sistêmica dos arts. 2º e 92, I, "b", parágrafo único, ambos do CP (com redação vigente à época dos fatos) conjugada à dicção do art. 617 do CPP, não se afigura possível ao Tribunal ad quem, em recurso de apelação exclusivo da Defesa e com esteio no regramento da vedação à reformatio in pejus, sanear ou convalidar a sanção de perda de cargo público, quando despida (inicialmente) de qualquer fundamentação "concreta" pelo Juízo sentenciante, nos moldes dos arts. 315, § 2º, I, II e III, 564, V, ambos do referido diploma."
Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 2º, 92, I, "b", § 2º, III, e 121-A; CPP, arts. 315, § 2º, I, II e III, 564, V, e 617.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp n. 961.430/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 4/12/2018, DJe de 14/12/2018; STJ, AgRg no AREsp n. 2.461.377/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024; STJ, AgRg no REsp n. 1.983.589/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 17/6/2024, DJe de 20/6/2024; STF, HC 231330 AgR, Relator(a): Flávio Dino, Primeira Turma, julgado em 18-03-2024, Processo Eletrônico Dje-s/n Divulg 20-03-2024 Public 21-03-2024; STJ, AgRg no HC n. 916.307/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 11/6/2024, DJe de 17/6/2024; STJ, AgRg no AREsp n. 1.535.016/GO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 2/3/2021, DJe de 8/3/2021.
(STJ, AgRg no AREsp n. 2.603.853/GO, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 20/5/2025, DJEN de 27/5/2025.)