APELAÇÃO. INVENTÁRIO. HABILITAÇÃO. QUERELA NULLITATIS. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO ANTECIPATÓRIO JUNTO AO JUÍZO NATURAL DA CAUSA. QUESTÃO QUE NÃO OBSTA O JULGAMENTO DO PRESENTE RECURSO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSA. DESCABIMENTO. MÉRITO. SUCESSÃO HEREDITÁRIA. UNIÃO ESTÁVEL RECONHECIDA JUDICIALMENTE. EQUIPARAÇÃO CONSTITUCIONAL DA UNIÃO ESTÁVEL AO CASAMENTO. PRECEDENTES DO E. STF E DO C. STJ. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. Da querela nullitatis. A querela nullitatis é ação de impugnação na qual a parte suscita a nulidade de decisum com trânsito em julgado, mesmo após o decurso do prazo para ajuizamento da ação rescisória, tendo em vista a existência de vício transrescisório por excelência, qual seja, a ausência de citação. No caso em comento, os recorrentes propuseram no dia 20 do mês passado
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...a r. demanda perseguindo a nulidade da sentença que reconheceu a união estável entre sua falecida tia e o falecido genitor dos recorridos. Para isso, sustentaram que apesar da condição de sobrinhos, não integraram a demanda na qual fora reconhecida a citada união estável e, por conseguinte, não fora oportunizada a sua manifestação acerca da sua condição de herdeiros. Nada obstante, da exordial da r. demanda não se extrai pedido de tutela provisória, o que poderia afastar, a priori, os efeitos da união estável outrora chancelada. Ademais, das razões suscitadas pelos recorrentes depreende-se que sua irresignação se pauta substancialmente no fato de que os imóveis nos quais residem terem sido recebidos por herança "da família" por sua falecida tia, de modo que descabida seria a sua transmissão ao companheiro, questão afeta ao julgamento do recurso de apelação manejado nos autos da presente habilitação, porquanto versa sobre a condição de herdeiro do companheiro, confundindo-se, então, com seu mérito. Por derradeiro, sustar o julgamento do recurso de apelação ante a propositura de demanda ajuizada há dois dias da primeira sessão de julgamento teria o condão de fazer prevalecer a r. demanda em detrimento de coisa julgada formada há 8 anos sem que o juízo natural da causa sequer tenha se manifestado a respeito da plausibilidade do direito alegado. Irrelevante, portanto, a propositura da mencionada querela para fins de julgamento do presente recurso. Preliminar de ilegitimidade ativa ad causam. Após a interposição do recurso de apelação, os recorrentes suscitaram como questão preliminar (doc. 619) que os recorridos, filhos do falecido companheiro da de cujus, padeceriam de legitimidade ativa para postular a habilitação chancelada pelo sentenciante nos autos do inventário da falecida tia dos recorrentes, pois não promoveram o inventário do falecido genitor-companheiro. Isso porque, prevê o art. 1.809 do Código Civil que, com o falecimento do herdeiro (no caso, o companheiro), a aceitação quanto à herança que este faria jus dependeria da aceitação da segunda herança, o que não teria ocorrido com a inexistência do inventário. Não merece prosperar sua irresignação pelas seguintes razões. Como a abertura da sucessão e transmissão dos bens do de cujus aos seus herdeiros se dá com a morte, reconhecida a união estável entre a falecida tia dos recorrentes e falecido pai dos recorridos, o patrimônio da falecida fora transferido para a esfera jurídica do seu falecido companheiro, o pai dos apelados. Inteligência do art. 1.784 do CC. Assim, embora os recorrentes tenham suscitado como preliminar que não fora aberto inventário do pai dos recorridos, isso se mostra irrelevante, não impedindo a habilitação no presente inventário, pois o patrimônio disputado (da tia dos apelantes) encontra-se na esfera jurídica do falecido pai dos recorridos, cujo inventário pode e deve ser promovido, inclusive, em conjunto com o da falecida tia dos recorrentes, nos termos do art. 672 do CPC/15, in verbis: Art. 672. É lícita a cumulação de inventários para a partilha de heranças de pessoas diversas quando houver: (...) II - heranças deixadas pelos dois cônjuges ou companheiros. Ademais, não prospera a alegação dos recorrentes de que os recorridos teriam que aceitar a herança do falecido pai para, então, poder aceitar a herança proveniente da falecida tia dos recorrentes, isso porque, não só o patrimônio da tia dos recorrentes, com a sua morte, já se encontra na esfera jurídica do falecido pai dos recorridos, como apontado inicialmente, como a aceitação da herança pode ser tácita, nos termos do art. 1805, do Código Civil, sendo evidente que a habilitação pretendida pelos apelados demonstra a r. aceitação. Mérito. Como enuncia o art. 1.786, do Código Civil, a sucessão pode ser legítima ou testamentária. Na legítima, os herdeiros, são designados na lei, pela ordem de vocação hereditária, sem concurso de manifestação de vontade do de cujus. Na testamentária, por outro lado, prevalece a manifestação de vontade do autor da herança, veiculada por testamento ou codicilo. Toda pessoa capaz tem liberdade de testar, ou seja, de dispor sobre a totalidade ou parte de seu patrimônio, para depois de sua morte. Essa liberdade, contudo, não é absoluta, uma vez que, por interesse social, de preservação da família, limita-se tal liberdade caso o testador tenha herdeiros necessários, como dispõem os artigos 1.789 e 1.846 do Código Civil. No caso em tela, não fora confeccionado testamento pela de cujus, tia dos recorrentes, e tampouco pelo genitor dos recorridos, de modo que a hipótese é de sucessão legítima, especificamente, acerca da sucessão e direito meatório de companheiro, uma vez que não fora contraído matrimônio entre as partes supracitadas. Compulsando os autos, verifica-se que fora reconhecido judicialmente que o falecido genitor dos recorridos e a falecida tia dos recorrentes viveram em união estável entre os anos de 1998 e 2009, data na qual faleceu a Sra (...), conforme extrai-se da sentença prolatada nos autos de ação de reconhecimento de união estável post mortem então ajuizada pelo genitor dos recorridos (doc. 13). Por sua vez, sublinham os recorrentes que os bens inventariados são bens particulares, adquiridos onerosamente e por título gratuito (herança) antes mesmo da constituição da supramencionada união estável. Desse modo, o cerne da controvérsia culminaria, em última instância, na interpretação dada ao art. 1.790 do Código Civil e a recente decisão proferida pelo C. STF acerca da equiparação da união estável ao casamento para fins sucessórios. Dessa forma, ab initio, não haveria entre companheiros qualquer direito à herança sobre bens particulares, seja aqueles adquiridos onerosamente antes da união estável, seja a título gratuito, como, por exemplo, por meio de doação ou herança, antes ou durante a união. Nada obstante, ao reconhecer a repercussão geral do tema, o E. STF afirmou: "Possui natureza constitucional o debate acerca da validade de dispositivos que preveem direitos sucessórios distintos ao companheiro e ao cônjuge, distinguindo a família proveniente do casamento e da união estável, especialmente à luz do princípio da isonomia e do art. 226, § 3º, da Constituição, segundo o qual "para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. " (RE 878.694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 16/04/2015, DJ 19/05/2015) Importa sublinhar que antes mesmo da r. decisão, o tema foi objeto de análise pelo Conselho da Justiça Federal que, na IV Jornada de Direito Civil, aprovou o seguinte enunciado: "É inconstitucional o art. 1.790 do Código Civil, devendo incidir, na sucessão pelo companheiro supérstite, as mesmas regras aplicadas ao cônjuge sobrevivente". No mesmo sentido, nas Arguições de Inconstitucionalidade, 0032655-40.2011.8.19.0000 e 0019097-98.2011.8.19.0000, essa Corte de Justiça se manifestou. Finalmente, o C. STF reconheceu que conferir tratamento diverso aos regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros violaria o sistema constitucional vigente, razão pela qual deve ser aplicado a ambos os casos o regime do art. 1.829 do Código Civil. "Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: "No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002".(RE 878694, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 05-02-2018 PUBLIC 06-02-2018)" Não é por outra razão que, igualmente, o C. STJ, intérprete da legislação infraconstitucional, tem decidido em sintonia com a sentença vergastada. Precedentes. Reconhecida, portanto, a união estável entre a tia dos recorrentes e o pai dos recorridos, infundada a irresignação dos primeiros perante a habilitação dos últimos, porquanto, de fato, o genitor dos recorridos figura como único herdeiro da tia daqueles, mostrando-se irrelevante a origem do patrimônio disputado. Por fim, não merece prosperar a irresignação recursal quando suscita a inaplicabilidade do precedente ao caso em comento, uma vez que o C. STF não promoveu modulação de efeitos de seu decisum, sendo certo que, a priori, como leciona a melhor doutrina, normas eivadas de inconstitucionalidade são nulas, não podendo, portanto, produzir efeitos. Destarte, aberto e não finalizado o inventário da tia dos recorrentes, falecida companheira do genitor dos recorridos, sob a égide do CC2002, se aplica o sedimentado pelo C. STF no julgamento do RE 878694. Destaco: "Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública." Irretocável, por conseguinte, a sentença recorrida. Recurso desprovido. Conclusões: DE INÍCIO, FOI INDEFERIDO PELO EXMO. DES. PRESIDENTE DA SESSÃO O PEDIDO DE SUSTENTAÇÃO ORAL DA ADVOGADA DOS APELADOS, POR MOTIVO DE INTEMPESTIVIDADE. PASSANDO AO JULGAMENTO, POR UNANIMIDADE DE VOTOS, REJEITADA A PRELIMINAR, NEGOU-SE PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO DES. RELATOR. USOU DA PALAVRA, PELO APTE, O DR. AFFONSO ALIPIO PERNET DE AGUIAR JUNIOR, OAB/RJ 82112 E APENAS ACOMPANHOU, PELO APDO, A DRA. ZENAIDE PAULINA PEREIRA RAMOS BITTENCOURT, OAB/RJ 117155)
(TJ-RJ, APELAÇÃO 0006075-83.2019.8.19.0002, Relator(a): DES. RENATA MACHADO COTTA , Publicado em: 02/09/2020)