APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL (VÍTIMA CRISTIANO), VIAS DE FATO (VÍTIMA NELSON) E INCÊNDIO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO QUE ALMEJA A ABSOLVIÇÃO POR FRAGILIDADE DO CONTEÚDO PROBATÓRIO. ALTERNATIVAMENTE, REQUER A REVISÃO DOSIMÉTRICA. Extrai-se dos autos que no dia 30/08/2022, à tarde, no interior da residência localizada no nº 440 da Rua Ana Julia Melo Silva, Vicentina, a recorrente, de forma consciente e voluntária, ofendeu a integridade corporal de seu companheiro, Cristiano de Carvalho Andrade, dando-lhe um golpe em uma das mãos com um componente da cama, o que lhe causou as lesões descritas no boletim de atendimento médico e no auto de exame de corpo de delito adunados aos autos. No dia seguinte, na parte da tarde, a apelante, consciente e voluntariamente, causou incêndio, no imóvel
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...mencionado, de propriedade de seu pai, onde residia com seu marido, ocasião na qual foi acionado o Corpo de Bombeiros que realizou os primeiros combates, cessando o sinistro. O pai da vítima, Nelson de Freitas, que à época tinha 73 anos de idade, ao se dirigir ao local no dia do incêndio, também foi vítima da recorrente, pois esta ofendeu a integridade física de seu genitor, dando-lhes tapas e chutes. Integram o caderno probatório o auto de prisão em flagrante (id. 28323972), os termos de declaração (ids. 283239765 e 28323976), o registro de ocorrência 089-03849/2022-01 e seu aditamento (id. 28323976), o boletim de atendimento médico de (id. 50080704 e 50080707), o laudo de exame de corpo de delito (id. 45133062 e 45133066), fotografias (id. 28323980) e laudo de exame de Local de Constatação de Incêndio/Explosão ou Uso de Gás Tóxico ou Asfixiante (id. 45133060) e pela prova oral produzida em audiência sob o crivo do contraditório. No dia 31/08/2022, em sede policial, Cristiano de Carvalho disse que reside no imóvel reside com a ora recorrente no imóvel de propriedade do pai desta, na Rua Ana Júlia Melo Silva, 440, Vicentina. Acrescentou que na véspera do dia do incêndio, ele e a recorrente tomaram vinho até que no final da tarde pediu à companheira para parar de beber, porém a recorrente ficou irritada, aumentou o volume da música e agrediu Cristiano com um varão de cama, afirmando que colocaria fogo na casa. Minutos após, Cristiano viu que saía fumaça do local e correu para tentar apagar as chamas, como não conseguiu, ligou par ao Corpo de Bombeiros que foi ao local e conseguiu combater o incêndio. Em sede policial, o declarante disse que quase a totalidade da casa foi queimada pelo fogo; e que Meireane fugiu do local após incendiar a casa; e na manhã do dia do seu depoimento (31/08), a apelante voltou ao local, onde discutiu e agrediu o pai, Nelson Freitas, de 73 anos de idade. Ainda em sede policial, os agentes Pontes e Pablo Rafael declararam informam que em 31/08/2023, 12h20min, receberam determinação da sala de operações para deslocarem-se à Rua Ana Júlia Melo Silva, 440, Vicentina, para verificar crime de incêndio. No local encontraram a recorrente, que, ao ver a equipe policial disse que tinha posto fogo na casa para matar a família. O pai de da apelante, Nelson de Freitas, confirmou que ela tinha ateado fogo na casa, por volta das 18h de ontem, e que tinha lhe dado um tapa no rosto dele hoje. Na frente dos policiais, a apelante agrediu o pai com um chute. O boletim de atendimento médico de Cristiano de Carvalho (id. 50080704) descreveu que este apresentava "escoriações múltiplas de membro superior direito, dorso e trauma de mão esquerda", e o laudo de exame de corpo de delito (id. 45133062) indicou a existência de "calha gessada antebraquio-digital no membro superior esquerdo, que não foi retirada por contraindicação técnica. Escoriação linear sob crosta pardoavermelhada medindo 40 mm de comprimento, localizada na região póstero-superior do ombro direito. Duas escoriações sob crostas pardoavermelhadas, medindo a maior 10 e a menor 5 mm de comprimento, localizadas na fossa supraclavicular esquerda. Escoriações lineares sob crostas pardo-avermelhadas distribuídas pela face lateral do cotovelo direito, face posterior do terço proximal do antebraço direito e face posterior do terço distal do antebraço ipsilateral, medindo a maior 40 e a menor 5 mm de comprimento". As fotografias do imóvel situado na Rua Ana Júlia Melo Silva, 440, Vicentina (id. 28323980) indicam uma casa incendiada, o que fora comprovado pelo laudo de exame (45133060), que descreve: "1) Engradamento do telhado, e esquadrias de alguns cômodos danificados pela ação do fogo; 2) Móveis dos quartos danificados por ação do fogo; 3) Roupas e objetos no interior dos quartos danificados por ação do fogo; 4) Vários utensílios e objetos diversos danificados pelo fogo no interior e no exterior da residência". O perito, ao analisar os dados, constatou "ter ocorrido no local em estudo um INCÊNDIO que destruiu quase por inteiro a residência, havendo perigo de dano à vida, integridade física e patrimônio de terceiros, devido a intensidade do fato". Em juízo, a vítima Cristiano de Carvalho Andrade declarou que "a ré, na época dos fatos, abusava do uso de crack e de bebida alcoólica; que no dia dos fatos, a ré "surtou" por causa do uso de bebida alcóolica e pegou uma vara da cama para agredir o depoente; que o depoente tentou conter a ré e foi atingido nas mãos com a vara da cama; que durante o "surto", a ré também esbravejou contra a vítima Neilson, mas não lembra o que a acusada disse; que no mesmo dia, a ré colocou fogo na residência em que moravam, mas o imóvel estava vazio; que o Corpo de Bombeiros foi acionado e apagou o incêndio; que não viu a ré colocando fogo na casa; que a ré disse ao depoente que havia colocado fogo na casa; que a ré também tentou bater na vítima Nelson, mas o idoso conseguiu se esquivar e não foi atingido; que isso tudo aconteceu devido ao surto causado por bebidas alcóolicas; que o depoente procura dar assistência a ré porque considera que ela cometeu um erro; que o depoente não tem medo da ré". No mesmo sentido, Nelson Freitas, pai da recorrente, em juízo disse que "no dia dos fatos, a ré "surtou" por causa do uso de drogas e álcool; que a ré usa crack; que a ré era muito ciumenta com o companheiro Cristiano; que ficou sabendo que a ré, no dia dos fatos, agrediu a vítima Cristiano e, em seguida, em um momento que Cristiano se ausentou da casa, a acusada colocou fogo no imóvel em que morava com o companheiro; que ficou sabendo que, no dia dos fatos, a ré bebeu uma garrafa de vinho e falou para a vítima Cristiano que queria ouvir música; que a ré colocou música em um volume muito alto; que Cristiano abaixou o volume da música, mas a ré voltou a aumentá-lo; que isso se repetiu algumas vezes, até que a acusada "surtou" e começou a agredir a vítima Cristiano; que não presenciou tais acontecimentos; que no dia seguinte, a ré também tentou agredir o depoente, mas o tapa pegou de raspão em seu rosto; que a ré também xingou e proferiu ofensas contra o depoente; que possui 73 anos de idade". Inviável a absolvição pela alegada fragilidade probatória referente aos crimes de lesão corporal e incêndio. A autoria e materialidade do delito de lesão corporal e de incêndio restaram demonstradas pelos elementos do caderno probatório mencionados e pelas palavras da vítima Cristiano em ambas as sedes. Em seu interrogatório, a apelante optou por permanecer em silêncio. Em que pese Cristiano dizer em juízo que as lesões apresentadas foram provenientes de um acidente, ao tentar retirar um pedaço da cama das mãos da recorrente e se machucar, em cotejo com a prova amealhada aos autos, tal versão, como bem exposto pelo órgão acusador, tenta nitidamente afastar a responsabilidade da apelante pelo ato criminoso. Outrossim, a prova material do crime de incêndio é robusta o suficiente para o édito condenatório, sendo certo que o imóvel era habitado pela recorrente e por Cristiano, consoante a prova oral. No caso, há evidências claríssimas de que a apelante provocou o incêndio no imóvel, expondo a perigo a integridade física dos residentes nas propriedades vizinhas. Ainda, neste contexto, a alegação de que a ré encontrava-se embriagada no momento da conduta não autoriza a absolvição por exclusão de culpabilidade. Além de não ser possível mensurar a extensão da apontada ebriedade, nos termos do artigo 28, II, §1º do CPP, não há que se falar em evento decorrente de caso fortuito ou força maior, tendo em vista que nada nos autos aponta tal condição. A defesa não se desincumbiu de comprovar a incapacidade da apelante de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com tal entendimento no momento dos fatos, questão a seu ônus, nos termos do artigo 156 do Código de Processo. No mesmo contexto, o atuar em momento de descontrole não diminui a gravidade da prática criminosa, ao contrário, pode causar ainda maior temor à vítima. Portanto, comprovada a conduta, que se revela inteiramente típica, há que se manter a condenação. Escorreita, portanto, a condenação pelos delitos previstos no artigo 129, §9º (vítima Cristiano) e artigo 250, §1º, II, "a", ambos do Código Penal. Por outro lado, deve ser afastada a condenação pelo artigo 21, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 3.688/41 (vítima Nelson). Em juízo, Nelson de Freitas disse que a ré tentou lhe agredir, mas o tapa "pegou de raspão em seu rosto". Cinge-se a prova aqui às palavras da vítima, uma vez que, em juízo, a ré se manteve silente, e, como cediço, as vias de fato não prescindem de laudo de lesão corporal com resultado positivo. Como regra de prova, a formulação mais precisa é o standard anglo saxônico no sentido de que a responsabilidade criminal deve ser provada acima de qualquer dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt), o qual foi consagrado no art. 66, item 3, do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. 2.1. Na espécie, ausente prova para além de dúvida razoável (...) (AP 676, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 17/10/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 05-02-2018 PUBLIC 06-02-2018)". Cabe ressaltar que, embora existam indícios de autoria que serviram de base para lastrear a peça acusatória em relação ao delito previsto no artigo 21 do parágrafo único, do Decreto-Lei nº 3.688/41, tais indícios não sustentam prova suficiente a uma condenação. Em verdade, não existem nos autos elementos seguros que demonstram de forma inequívoca a prática pela apelada do aludido delito que lhe fora imputado. Nesta linha, impende a observância ao princípio in dubio pro reo, consectário do princípio da presunção da inocência (art. 5º, LVII, CRFB/88). Absolvição do delito previsto no artigo 21 do parágrafo único, do Decreto-Lei nº 3.688/41 que se impõe. Em relação à dosimetria, mantidas as penas nos patamares mínimos de 03 meses de detenção para o crime de lesão corporal e 03 anos de reclusão e 10 dias-multa, para o de incêndio, que, com a causa referente ao §1º, II, "a", do artigo 250 do Código Penal, "casa habitada ou destinada à habitação", alcança o patamar de 04 anos de reclusão e 10 dias-multa, deve o regime inicial de cumprimento de pena, nos termos do
artigo 33,
§2º, "b", ser o aberto. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Conclusões: por unanimidade de votos, em CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, para absolver a recorrente pelo delito previsto no
artigo 21,
parágrafo único, do
Decreto-Lei nº 3.688/41 e remodelar as penas a 4 anos de reclusão, 3 meses de detenção e 10 dias-multa, no valor mínimo legal, a ser cumprido no regime aberto, nos termos do voto do Desembargador Relator.
(TJ-RJ, APELAÇÃO 0803550-58.2022.8.19.0045, Relator(a): DES. MARCIUS DA COSTA FERREIRA, Publicado em: 05/02/2024)