Decisão: Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados em face do
artigo 2º da
Lei Federal 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, que deu nova redação ao
parágrafo único do
artigo 154 da
Lei
5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
O dispositivo impugnado tem o seguinte teor:
Art. 2° O
art. 154 da
Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973...« (+1341 PALAVRAS) »
..., Código de Processo Civil, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 154. ..................................................................
Parágrafo único. Os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e
interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP - Brasil.
O autor sustenta que o dispositivo atacado viola os artigos 2º, 5º, II, LIV e LV, 22, I, 48 e 96, todos da Constituição da República, afirmando o seguinte (eDOC 1, p. 2-4):
O comando normativo impugnado delega aos tribunais federais e estaduais o poder para disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos. Ao assim dispor, o artigo fustigado confere às Cortes capacidade
legislativa, o que não se coaduna com os termos da Lei Fundamental. Com efeito, a disciplina da comunicação oficial dos atos processuais constitui matéria de direito processual, cuja competência para legislar é exclusiva da União, por meio do Congresso
Nacional (art. 22, I e 48 da CF). Os tribunais não podem, acerca de tal tema, inovar a ordem jurídica, pena de atentarem contra a divisão de Poderes prevista no artigo 2º da Lei Maior. A competência dos tribunais de tom legiferante encontra-se limitada
àquelas hipóteses traçadas e definidas na Constituição Federal (art. 96 da CF). Nada além pode, no que tange a capacidade legislativa, ser a tais órgãos conferido.
A par do vício de competência apontado, o dispositivo fustigado nesta ação direta de inconstitucionalidade maltrata o princípio da legalidade (art. 5º, II, da CF), na medita em que, possibilitando a intimação por meio a ser disciplinado pelos
tribunais, está admitindo que alguém venha a ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em razão de ato diverso da lei. As intimações, admitida no ordenamento jurídico a norma atacada, revestir-se-ão de forma - requisito essencial, como regra,
à validade dos atos de Estado - não prevista em lei.
De outra parte, o comando legal macula o direito de defesa e o devido processo legal, consagrados nos incisos LIV e LV do artigo 5º da lei Fundamental. Não se pode olvidar da realidade dos fatos regrada pelo dispositivo legal impugnado. A
comunicação dos atos processuais por meio eletrônico pressupõe a existência de segurança nos sistemas de informática disponíveis. Ocorre, porém, que tais sistemas - em especial a Internet - não se mostram seguros para tanto. Se é certo que os tribunais,
de um modo geral, são hábeis a gerar e-mails adequados e confiáveis para comunicar os atos processuais, é certo porém que não há segurança junto aos provedores de acesso dos advogados que deverão ser intimados. Os e-mails poderão nunca chegar, seja por
falhas do sistema, seja por interceptação indevida de terceiros interessados na perda de algum prazo processual por alguma das partes. Ademais, não possuem todos os advogados recursos econômicos suficientes para se equiparem com aparelhos de informática
e para pagarem provedores de acesso. A implantação da intimação eletrônica, desse modo, revela-se atentatória do direito de defesa e devido processo; não se mostra razoável.
Por derradeiro, é gritante a ofensa ao princípio da publicidade contida na instituição do diário de justiça eletrônico concomitantemente à extinção do diário impresso em papel. A medida, em país no qual a imensa maioria da população não tem
computador, torna o conhecimento dos feitos limitado a um grupo pequeno de pessoas (que sequer corresponde, assinale-se, a todos os advogados, uma vez que grande parte deles também não detém tais aparelhos). Tal restrição de acesso ao andamento dos
feitos, chega se a se mostrar anti-republicana.
Requereu medida liminar para suspender a eficácia do dispositivo impugnado, aduzindo que a concessão liminar é a medida que se impõe, haja vista que o comando impugnado provoca graves danos ao devido andamento dos feitos processuais; prejuízos que
não poderão ser reparados sequer pela publicação adequada dos atos processuais, quando julgada, ao final, procedente a presente ação e que a repetição de centenas de milhares de intimações provocará atraso insuportável ao devido processamento das
demandas (eDOC 1, p. 5).
A presente ação foi distribuída ao Ministro Ricardo Lewandowski, o qual adotou o rito do art. 12 da Lei nº 9.868/99 e solicitou informações à Advocacia-Geral da União, bem como à Procuradoria-Geral da República.
A presidência do Senado Federal apresentou informações aduzindo, em síntese, que não há inconstitucionalidade no diploma questionado e que somente haveria inconstitucionalidade se a atribuição fosse exercida de maneira primária e autônoma,
diferentemente do que ocorre no presente caso, em que a regulamentação é exercida pelos tribunais em virtude de expressa autorização legal, ou seja, deferida a partir de um processo legislativo válido e conduzido/chancelado pelos demais Poderes.
Ressalta nesse sentido, que o próprio Código de Processo Civil estampa diversos outros casos de deferimento de atribuição normativa aos tribunais, no que toca à complementação e conformação das normas de processo (eDOC 3, p. 4).
Por fim, ressaltou-se, também, que em momento algum o parágrafo único do art. 154 do CPC autoriza os tribunais a contrariarem normas processuais constantes daquele Código e que o próprio caput do art. 154 evidencia a liberdade de atuação das
Cortes sobre a matéria, o que novamente respalda a importância de se proceder ao regramento, ainda que pela via regimental (eDOC 3, p. 7).
A Presidência da República, por meio da Consultoria-Geral da União, apresentou informações aduzindo, em síntese, que o diploma questionado não afronta os princípios da legalidade, da divisão de poderes e da competência constitucional dos Tribunais e
do Congresso Nacional. Ressaltou que, no caso em exame, o aspecto fundamental a ser observado é o fato de que o legislador federal, ao conferir o que poderia ser considerado como um poder regulamentar aos Tribunais, fixou na própria lei os padrões
que deverão ser observados nos atos de caráter regulamentar (eDOC 5, p. 13).
Nesse sentido, ressaltou, também, que o legislador confiou aos Tribunais apenas a disciplina acessória, destinada a permitir a implementação da norma de acordo com as singularidades dos diferentes órgãos do Poder Judiciário, de modo que os seus
atos não constitui matéria de direito processual, cuja competência para legislar é exclusiva da União, conforme o disposto nos arts. 22, I, e 48 da Constituição da República (eDOC 5, p. 16).
A Advocacia-Geral da União opinou pela improcedência do pedido, e, por consequência, pela constitucionalidade do art. 2º da Lei 11.280/06. Argumentou, quanto ao mérito, que mesmo tendo o legislador ordinário federal exercido amplamente a
competência para legislar sobre processo civil, nada obsta que os tribunais editem atos normativos com a finalidade de agregar concreção à lei, sem que haja violação aos artigos 5º, II, e 22, I, da Carta (eDOC 6, p. 15).
A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela improcedência da ação, destacando que a alegação de que nem todos os advogados têm recursos para arcar com os custos da informatização, e por consequência o comprometimento do contraditório e da
ampla defesa dos patrocinados, está fora de propósito, pois existem outras condições necessárias ao exercício da profissão que também demandam gastos, tais como a própria qualificação e aquisição de livros e material de escritório. Aduz, pelo
contrário, que a utilização de meios eletrônicos torna mais acessível, do ponto de vista econômico, o desempenho da profissão, à medida que poupa deslocamentos, telefonemas, contratação de serviços de acompanhamento da publicação impressa etc(eDOC 10,
p. 8).
Em 13.12.2016, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - CFOAB requereu o aditamento à petição inicial, com base nos mesmos fundamentos já apresentados - para que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 196, do atual Código de
Processo Civil - Lei 13.105/2015 (eDOC 19).
A esse respeito, o Senado Federal manifestou-se pela perda do objeto da presente ação, haja vista existir diferença expressa entre dispositivos questionados, quais sejam: o artigo 2º da Lei Federal 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, que deu nova
redação ao parágrafo único do artigo 154 do Código de Processo Civil; e o artigo 196 do novo Código de Processo Civil - Lei 13.105/2015. Ressalta, por fim, caso a presente ação não seja julgada manifestamente improcedente, que seria possível dar ao
dispositivo impugnado interpretação conforme a
Constituição, no sentido de que a regulamentação a ser expedida pelos tribunais seja feita somente mediante alteração nos respectivos regimentos internos, e, não, por portarias ou resoluções esparsas (eDOC
21, p. 2-7).
Por fim, a Advocacia-Geral da União, também, manifestou-se pela perda superveniente de objeto da ação proposta. Salientou, nos termos da jurisprudência do STF, que a intercorrência de revogação da norma impugnada gera a prejudicialidade da ação
direta de inconstitucionalidade, em decorrência da perda superveniente do objeto (eDOC 24, p. 6).
É o relatório.
(STF, ADI 3869, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Decisão Monocrática, Julgado em: 24/05/2017, DJe-111 DIVULG 25/05/2017 PUBLIC 26/05/2017)