APELAÇÃO CRIMINAL. Sentença que condenou os apelantes nos seguintes termos: I) Sexto apelante (delegado
(...)): a) Pela prática do crime previsto no artigo 2°, §§ 2°, 3° e 4°, inciso II, da Lei nº 12.850/03: pena de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, e 18 (dezoito) dias-multa; b) Pelo delito do
artigo 159,
§ 1°, do
Código Penal: pena de 12 (doze) anos de reclusão; c) Pelo crime de "constrangimento ilegal": 06 (seis) meses de detenção e 20 (vinte) dias-multa. Em razão do concurso material, a soma das penas resultou em 17 (dezessete) anos e 10 (dez) meses de reclusão; e 06 (seis) meses de detenção, além do pagamento de 38 (trinta
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...e seis) dias-multa, no valor unitário de 01 (um) salário mínimo. Fixado o regime inicial fechado. II) Terceiro, quarto e quinto apelantes ((...), (...)): a) Pela prática do crime do artigo 2°, §§ 2° e 4°, inciso II da Lei nº 12.850/03: pena de 05 (cinco) anos de reclusão, e 16 (dezesseis) dias-multa; b) Pelo delito do artigo 159, § 1°, do Código Penal: pena de 12 (doze) anos de reclusão; c) Pelo crime de "constrangimento ilegal": 06 (seis) meses de detenção e 20 (vinte) dias-multa. Em razão do concurso material, a soma das penas resultou em 17 (dezessete) anos de reclusão e 06 (seis) meses de detenção, além do pagamento de 36 (trinta e seis) dias-multa, no valor unitário mínimo, no regime inicial fechado. III) Segundo apelante (Sergio): pela prática do crime previsto no artigo159, § 1°, do Código Penal, pena de 12 (doze) anos de reclusão, no regime inicial fechado. PRELIMINARES. Rejeitadas. Ausência de inépcia da denúncia. Da simples leitura da Inicial acusatória, observa-se que estão preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 41 do Código de Processo Penal, pois, descreve de forma clara e objetiva as condutas imputadas aos apelantes, o que permitiu o íntegro exercício da ampla defesa. Ademais, a jurisprudência deste Pretório, bem como das Cortes Superiores é vasta no sentido de que a alegação de inépcia da inicial somente encontra amparo até a prolação da sentença de primeiro grau, o que já está ultrapassado nos autos, sendo certo que os fundamentos aduzidos se confundem com o mérito e assim serão apreciados. Inexiste ilegalidade nas interceptações telefônicas. Referidas medidas, interceptação telefônica e suas prorrogações, foram realizadas em consonância com o disposto na Lei nº 9.296/96, eis que alicerçadas em indícios de materialidade e de autoria, bem como na imprescindibilidade da formulação daquele meio de prova para a elucidação dos crimes, sendo certo que as defesas técnicas não conseguiram comprovar qualquer ilicitude que levasse a desconstituir tais provas. Incabível a alegação de necessidade de degravação integral das conversas, pois a própria Lei nº 9.296/1996 não exige a integralidade constante das mídias. Precedente do Supremo Tribunal Federal. A tese defensiva acerca da obrigatoriedade de realização de perícia da voz do locutor também não encontra respaldo nos tribunais superiores. Insustentável a alegação de ilicitude das provas produzidas pelo agente colaborador no interior da Delegacia de Polícia. O delator celebrou um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público, o qual foi homologado pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Jacarepaguá, nos termos art. 4°, § 7°, da Lei n° 12.850/2013. Na condição de colaborador realizou gravações ambientais no interior da 53ª Delegacia de Polícia e forneceu ao Ministério Público conversas captadas apontando para o envolvimento dos acusados em atividades ilícitas. Esses elementos de provas foram compartilhados com o Ministério Público na presente ação penal. Não se trata de agente policial infiltrado nos moldes do art. 10 da Lei nº 12.850/2013, valendo destacar que ele não era policial e não há qualquer ilicitude decorrente da gravação ambiental por ele produzida. Descabida a pretensa nulidade da sentença por ausência de fundamentação, porquanto a Magistrada sentenciante expôs seu convencimento de forma clara e objetiva, em estrita observância aos artigos 93, IX, da CRFB/88; 315 e 381 do Código de Processo Penal. MÉRITO.Pretensão absolutória das Defesas. Impossibilidade. DO CRIME DE EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO QUALIFICADO POR BANDO OU QUADRILHA (art. 159, §1º, do Código Penal). Este delito foi praticado no dia 31/05/2017, quando os réus, tendo conhecimento da existência de um mandado de prisão em aberto em desfavor do suposto traficante de drogas, vulgo "Orelha", invadiram sua residência e o conduziram para a Delegacia de Polícia, exigindo uma quantia em dinheiro como condição para o não cumprimento do mandado e sua consequente libertação. A vítima prestou depoimento em Juízo e narrou de forma detalhada o ocorrido. Além disso, a gravação ambiental feita pelo colaborador no interior da 53ª DP captou uma conversa do terceiro apelante ((...)), negociando a extorsão. Há notícia nos autos que o colaborador foi morto em 19/07/2017, por isso não prestou depoimento em Juízo. Nestes termos, não se acolhe o pleito de desclassificação da sua conduta para o crime de concussão, descrito no artigo 316 do Código Penal. Também não prospera o pedido de exclusão da qualificadora da extorsão (crime cometido mediante quadrilha ou bando - § 1º do art. 159 do CP) ou sua absorção pelo delito de organização criminosa, porquanto a reunião estável e permanente do grupo restou demonstrada e mostra-se apta a qualificar o crime de extorsão mediante sequestro. Não há que se falar em bis in idem. DO CRIME DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL (art. 146, §1º, do Código Penal). Delito cometido no dia 18 de maio de 2017, quando os apelantes ((...), (...)), abordaram a vítima, funcionário do Tribunal de Justiça, a qual prestou depoimento seguro e esclarecedor em Juízo. A vítima caminhava pela rua, quando os réus, policiais civis, a abordaram e, mediante emprego de violência e grave ameaça, constrangeram-na a fazer algo que a lei não lhe obrigava, com intuito de obter vantagem econômica. A prova oral evidencia o constrangimento ilegal praticado pelos citados policiais civis, os quais não podem conduzir qualquer pessoa à Delegacia de Polícia, sem que a mesma esteja em situação de flagrância ou haja mandado de prisão a ser cumprido. Quanto ao Delegado Titular ((...)), embora não tenha participado da abordagem na rua, além de se omitir, no interior da Delegacia ele tentou convencer a vítima de que a conduta dos seus subordinados era correta, para que não houvesse nenhuma denúncia contra eles futuramente. Importante consignar que, o fato de a vítima ter uma anotação de um processo antigo por uso de documento falso, extinto, não justifica a sua condução para a unidade policial. DO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (artigo 2°, §§ 2°, 3° e 4°, inciso II, da Lei nº 12.850/03). Da já mencionada investigação policial, lastreada em interceptação telefônica e outros elementos de provas, conclui-se que os apelantes integravam organização criminosa, com objetivo de praticar crimes, estruturada na 53ª Delegacia de Polícia, onde eles, na qualidade de policiais civis eram lotados. A extorsão mediante sequestro tratada nestes autos não foi um fato isolado, pelo contrário, foi possível constatar que se tratava de um grupo criminoso estruturado e que vinha praticando delitos de forma reiterada, o que é possível inferir também do diálogo gravado pelo colaborador. Tudo a indicar a prática reiterada de todo tipo de extorsão e outros crimes por parte do grupo criminoso com o fim de obter vantagem econômica ilícita. DO RECURSO MINISTERIAL. Pleito de condenação do apelado (...) GRIVOT pelo crime de organização criminosa (art. 2°, § 2°, 3º e 4º, II, da Lei nº 12.850/13). Não acolhimento. Dos depoimentos colhidos na fase judicial observa-se que os corréus não se submetiam a qualquer tipo de ordem ou de supervisão do Delegado Plantonista, ora recorrido, ficando claro que eles eram subordinados e se reportavam diretamente ao Delegado Titular, o corréu (...). Esse quadro, por si só, deixa dúvida quanto à eventual posição do apelado na referida Organização Criminosa. O órgão ministerial também alega que o recorrido (...) teria cometido crimes quando estava lotado na 29ª e na 52ª Delegacia de Polícia o que demonstra sua atuação criminosa, contudo, as supostas condutas não foram apuradas no presente processo e, tampouco, existe notícia de condenações definitivas em relação ao apelado (...). Ausência de provas seguras da participação do recorrido na organização criminosa em análise, cujos integrantes eram lotados e atuavam na área da 53ª DP-(...). O fato de o apelado encaminhar (...) (delator) para conversar com o corréu dizendo que ele seria de sua inteira confiança, não significa que ele estava associado àquela organização criminosa autodenominada "Bonde dos Coroas", valendo destacar que, se os policiais da referida unidade policial não eram a ele subordinados. O órgão ministerial postula, ainda, a condenação dos recorridos ((...) Grivot) pelo cometimento do delito de concussão, previsto no art. 316 do Código Penal. Pretensão que não se acolhe. Consta da denúncia que eles, no interior da 53ª DP-(...), exigiram o pagamento de R$ 500,00 das vítimas Eliete e (...), como condição para que este não fosse preso, após ter agredido sua companheira Eliete. Os depoimentos das vítimas e dos policiais militares são contraditórios, confusos e não comprovam com segurança se os recorridos exigiram o dinheiro a fim de obter vantagem indevida ou se tudo girou em torno de um possível pagamento de fiança, posteriormente não confirmado. DA DOSIMETRIA DAS PENAS. As reprimendas iniciais foram fixadas no patamar mínimo legal, para todos os apelantes, com o adequado e proporcional aumento de 2/3 na terceira fase quanto ao crime da Lei nº 12.850/03, em razão do concurso de funcionários públicos, considerando a ousadia da organização criminosa de se valer do manto da Polícia Civil para dar uma capa de legalidade aos crimes perpetrados, como exposto pela Magistrada sentenciante. Para o delegado titular (acusado (...)), também incidiu o aumento de 1/6 em virtude de sua função de comando na organização criminosa. Em relação à regra do art. 68, parágrafo único, do Código Penal, sobre o concurso de causas de aumento, vale destacar que, à luz dos princípios constitucionais da adequação e da individualização da pena, o legislador pátrio conferiu ao julgador a faculdade de aplicar a aludida norma, podendo limitar-se a um só aumento, se o caso concreto assim aconselhar. Na hipótese dos autos, de forma acertada, a sentenciante sopesou as condições em que os fatos ocorreram e suas características, para, então, aplicar as duas majorantes previstas em lei para o apelante Matheus. Assiste razão à defesa do apelante (...), somente em seu pleito de redução do valor da pena de multa, porquanto o Juízo a quo estabeleceu o valor unitário do dia-multa em 01 (um) salário mínimo, sem apresentar fundamento concreto para tanto. Assim sendo, fixo o valor do dia-multa para este condenado, no mesmo patamar dos demais, no valor unitário mínimo legal, previsto no art. 49, §1º, do Código Penal. Não prospera o pleito de reconhecimento da participação de menor importância do segundo apelante ((...)), com a incidência da causa de diminuição prevista no artigo 29, §1º, do Código Penal. Da análise do contexto fático, é possível concluir que o recorrente e seus comparsas agiram em perfeita comunhão de ações e desígnios na empreitada criminosa, participando ativamente no crime de extorsão mediante sequestro, quando invadiu a casa da vítima "Orelha" para, simulando dar cumprimento a um mandado de prisão, levá-lo à Delegacia de Polícia e iniciar a extorsão de quantia indevida. O regime prisional inicialmente fechado estabelecido para todos os apelantes é adequado, proporcional e está em conformidade com o art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. Esclareça-se que a detração do tempo de prisão provisória não é suficiente para modificar o regime prisional, pois o quantum de pena não deve ser o único fator a ser considerado, cabendo ao Juízo da Execução decidir sobre a aplicação de benefícios. Faz-se necessário corrigir erro material da parte dispositiva da sentença para, onde consta condenar os réus como incursos nas penas do artigo 316 do Código Penal, constar artigo 146, § 1º, do Código Penal (crime pelo qual eles foram denunciados e condenados). Incabível o pedido de juntada da mídia com os arquivos audiovisuais do procedimento administrativo disciplinar, da Corregedoria Geral de Polícia Civil. A produção de tal prova nesta fase processual violaria o princípio do contraditório. Ademais, as investigações e conclusões da esfera administrativa-disciplinar não tem o condão de influenciar o julgamento da presente ação penal, cujas provas foram produzidas dentro das regras do devido processo legal, especificamente, seus pilares de sustentação da ampla defesa e do contraditório. PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO. RECURSO DO SEXTO APELANTE ((...)) PARCIALMENTE PROVIDO, tão-somente para reduzir o valor unitário do dia-multa ao mínimo legal previsto no art. 49, §1º, do Código Penal, NEGANDO-SE PROVIMENTO aos demais recursos defensivos. CORRIGIDO ERRO MATERIAL da parte dispositiva da sentença para, onde consta condenar os réus como incursos nas penas do artigo 316 do Código Penal, passe a constar artigo 146, § 1º, do Código Penal (crime pelo qual eles foram denunciados e condenados). Mantida no mais a sentença guerreada. Conclusões: ACORDAM os Desembargadores que compõem a Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, POR UNANIMIDADE, em REJEITAR AS PRELIMINARES e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao recurso ministerial e DAR PARCIAL PROVIMENTO somente ao recurso do apelante (...), tão somente para reduzir o valor unitário do dia-multa ao mínimo legal, NEGAR PROVIMENTO aos demais recursos defensivos e CORRIGIR ERRO MATERIAL da parte dispositiva da sentença, mantendo-se no mais a sentença guerreada, na forma do voto da Desembargadora Relatora. Usaram da palavra Dr.
(...), Dr.
(...), Dra.
(...) e Dr.
(...). Presentes Dra
(...), Dr.
(...) e Dra. Laureci
(...).
(TJ-RJ, APELAÇÃO 0012762-59.2018.8.19.0213, Relator(a): DES. MARCIA PERRINI BODART, Publicado em: 29/08/2023)