RECURSO INOMINADO. DEFESA DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE SEGURO. CELULAR. ABERTURA DE SINISTRO. DEMORA NA REGULARIZAÇÃO DA DOCUMENTAÇÃO. PAGAMENTO EM VOUCHER E COM PRAZO PARA UTILIZAÇÃO. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE. CONDUTA ABUSIVA VERIFICADA. CONTRATO QUE PREVÊ A ENTREGA DE APARELHO, MEDIANTE O PAGAMENTO DA FRANQUIA, OU O PAGAMENTO DO VALOR EM ESPÉCIE. DEMORA NA REGULARIZAÇÃO SEM PROVA DE MOTIVO JUSTO. DANOS MATERIAIS E MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Dispensado o relatório nos termos do
artigo 46 da
Lei n.º 9.099/95. Circunscrevendo a lide e a discussão recursal para efeito de registro, saliento que a Recorrente, AURELINA
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...(...), pretende a reforma da sentença lançada nos que julgou improcedente a ação. Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma. VOTO Aduz, a parte autora, que adquiriu um aparelho celular nas Casas Bahia, em 25/12/2017, mediante o pagamento de R$ 754,55 (-) e, na mesma oportunidade, aderiu ao seguro o valor de R$ 235,70 (-). Diz que, em 13/06/2018, foi roubada, fato registrado no boletim de ocorrências. Relata que, em 16/06/2018, entrou em contrato com a seguradora para abertura do sinistro, sendo orientada a encaminhar nota fiscal, RG, CPF, boletim de ocorrências e contrato de seguro. Segue com a afirmação de que m 21/06/2018, enviou o e-mail com a documentação exigida, porém, foi-lhe dito que havia pendência documento, o que fazia necessário novo envio. Assevera que enviou nova documentação e, cinco dias úteis após, recebeu um voucher para compra nas (...) ou Ponto Frio, do qual já havia sido descontado o valor da franquia. Entende que houve quebra de contrato, pois haviam lhe dito que seria enviado um aparelho celular, situação em que lhe seria enviado boleto para pagamento da franquia, ou seria feito o pagamento em espécie. Ademais, alega que há restrição do seu direito com o recebimento do voucher, uma vez que se vê obrigada a adquirir o produto nas lojas informadas, quando da emissão. Pugna pela entrega de um aparelho igual ou similar ao segurado e indenização por danos morais. A VIA VAREJO S A, ao contestar o feito (ev. 16), sustenta que não é legítima para responder pelo contrato de seguro. A ZURICH MINAS BRASIL SEGUROS SA, ao contestar o feito (ev. 11), diz que houve o cumprimento do contrato, uma vez que foi encaminhado o voucher para a troca, com o abatimento do valor da franquia. A ação foi julgada improcedente. Inconformada, a parte autora interpôs recurso inominado para a reapreciação integral do mérito. No mérito, após percuciente análise do feito, estou persuadida que a sentença merece reforma integral. Compulsando os autos, constato que não há controvérsias de que a Recorrente aderiu a seguro da empresa ZURICH, bilhete adquirido com as (...), que ostenta o seu slogan no bilhete. Ainda, que teve o celular roubado, com o direito ao pagamento da indenização securitária após abertura de sinistro. A insurgência da Recorrente, em verdade, reside na demora da regularização da documentação e a forma em que foi paga a indenização correspondente, visto não concordar com o recebimento de voucher. Quanto à alegada demora no pagamento, observo que a Recorrente teve o celular roubado em 13/06/2018 (evs. 1.15 e 1.16), e adotou o procedimento de abertura de sinistro em 16/06/2018 (evs.1.4 a 1.9). Dos e-mails, foi-lhe requerida a remessa da documentação por duas vezes, o que foi atendido, mas, sem a apresentação de justificação plausível, do período de 21/06/2018 a 07/08/2018, as partes recorridas se mantiveram inertes, vez que deixaram de informar se ainda haviam documentos pendentes ou as condutas que poderia ser observadas pela Recorrente para a regularização. Da defesa e contrarrazões de recurso, também não foi apresentado motivo justo para a inércia da Recorrente, por mais de quarenta dias, para informar sobre o acolhimento do seguro ou as pendências de documentação ainda existentes. Trata-se de conduta que, à míngua de provas em contrário, representa má prestação de serviços, inclusive por falta do dever de informação do consumidor, direito que lhe é garantido pelo art. 6º, III, CDC. No que concerne ao pagamento da indenização securitária, preciso esclarecer que os contratos dessa natureza são interpretados de forma restritiva e adotam o princípio indenitário. Isso significa que o contrato de seguro não visa lucro ao segurado, de forma que este faz jus ao recebimento do valor real dos bens destruídos ou danificados pelo sinistro, tornando ao status quo ante. Nesse sentido é o art. 778 e 781, CC: Art. 778. Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto no art. 766, e sem prejuízo da ação penal que no caso couber. (...) Art. 781. A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurador. Dentro desse contexto normativo deve ser interpretado a cláusula 7 do contrato de seguro objeto da demanda, a qual prevê: 7. PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO 7.1. A seguradora indenizará o montante dos prejuízos regularmente apurados respeitando o limite Máximo de Indenização 7.2. Em caso de sinistro, após comprovação do evento, o cliente segurado terá que pagar a franquia para ter direito à indenização. 7.3. Apurados os prejuízos indenizáveis, a Seguradora efetuará a reposição do aparelho eletrônico portátil ou bicicleta sinistrado no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data de apresentação de todos os documentos necessários à comprovação do sinistro e pagamento da franquia. No caso de solicitação de documentação complementar, facultada uma única vez à Seguradora em caso de dúvida justificável, esse prazo será suspenso, voltando a correr a partir do dia útil subsequente àquele em que forem complemente atendidas as exigências. 7.4. A indenização devida será paga em dinheiro e em moeda corrente no caso a seguradora não oferte nenhum aparelho. Da leitura, possível concluir que, em qualquer hipótese, seja na entrega de um bem similar, seja no pagamento da indenização em dinheiro, à consumidora é devido o valor da franquia pela segurada para fazer jus à indenização. Destarte, não pode pretender, à Recorrente, a entrega do bem de forma integral. Por outro lado, mostra-se abusiva a conduta das Recorridas em fazerem o pagamento em ¿voucher¿, limitada às (...) e a Ponto Frio, e, ainda, com prazo de 10 (dez) dias para a utilização. Primeiramente, em momento algum a apólice prevê essa forma de pagamento, sendo que a entrega do bem não pode ser em vale-compra, mas sim, com a emissão de boleto, para pagamento do consumidor, e a entrega do bem em sua residência em substituição. Em não sendo essa hipótese, possível a retenção da franquia antes do pagamento do valor corresponde, contudo, como prevê a clausula 7.4, a reparação deve ser feita em dinheiro e em moeda corrente. A forma como feita o pagamento da indenização, em voucher ou valor compra, com prazo para utilização, além de não ter previsão legal ou contratual, mostra-se abusiva, uma vez que retira a liberdade do consumidor, tanto quanto à escolha da loja em que adquirirá novo bem, como no tempo que levará para fazer a busca. Ainda, a própria liberdade de comprar o produto tão logo ocorreu o fato danoso, utilizando-se do recurso para outro fim ou compensação do valor já utilizado. Devido é, assim, o acolhimento do pleito da Recorrente, no que concerne à reparação material. Entendo, contudo, que não se mostra inócua a entrega do bem novo, pois, além ser necessário o pagamento prévio da franquia, o tempo em que adquirido o celular, possível não mais existir no mercado. Isso, fatalmente, vai acabar por ter que converter a obrigação de fazer em pagar, em contrariedade à celeridade processual. Determino, assim, a restituição do valor máximo da indenização, do qual, antes, deve ser abatido o percentual da franquia. Quanto ao pedido de indenização por danos morais, tenho que lhe assiste razão. Como argumento em linhas volvidas, a má prestação de serviços das Recorridas iniciou quando da abertura do sinistro, com uma desídia de mais de 40 dias para finalização do procedimento de seguro, sem motivo justo para a demora. Ademais, houve conduta abusiva ao limitar a utilização do voucher, no tempo e local de utilização, impedindo que fosse cumprida a natureza do contato de seguro. Acresce-se que o bem objeto da demanda é de utilização essencial, de modo que a demora e a insuficiência da indenização não podem ser consideradas mero dissabor. Urge, nesse contexto, o dever de reparar todo dano amargado pelo consumidor, diante do quanto fundamentado acima, uma vez que a situação, ao meu ver, não representa mero dissabor ou transtorno que se espera em casos que tais. A situação, na verdade, representou ofensa aos interesses legítimos do consumidor e abalo a sua tranquilidade psíquica que merece a devida reparação. Encontrando previsão no sistema geral de proteção ao consumidor inserto no art. 6º, inciso VI, do CDC, com recepção no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, e repercussão no art. 186, do Código Civil, o dano eminentemente moral, sem consequência patrimonial, não há como ser provado, nem se investiga a respeito do animus do ofensor. Consistindo em lesão de bem personalíssimo, de caráter subjetivo, satisfaz-se a ordem jurídica com a demonstração do fato que o ensejou. Ele existe simplesmente pela conduta ofensiva, sendo dela presumido, tornando prescindível a demonstração do prejuízo concreto. Na situação em exame, o Recorrente não precisava fazer prova da ocorrência efetiva dos danos morais relacionados aos fatos apurados. Os danos dessa natureza se presumem pela má prestação do serviço que ao não ser cumprida a função social do contrato, não havendo como negar que ele se desgastou emocionalmente, sofrendo frustração pelo não cumprimento da avença, angústia e aborrecimento na busca de uma solução, não obtendo êxito sem a intervenção judicial, tendo a esfera íntima agredida ante a atividade ilícita da fornecedora envolvida. Sabe-se que hodiernamente a fixação de indenização por dano moral tem duplo efeito, satisfativo e punitivo. O satisfativo, pois tem o objetivo de ressarcir a vítima pelo aborrecimento suportado, o desassossego, a falta de respeito com os direitos do Consumidor; o punitivo, para que o fornecedor observe com atenção as regras do código de defesa do consumidor e atue com transparência, lealdade e boa fé objetiva que deve nortear as relações. Quanto ao valor da indenização, este deve representar para o ofendido uma satisfação psicológica que possa pelo menos diminuir os dissabores que lhe foram acarretados, sem causar, evidentemente, o chamado enriquecimento sem causa. Entretanto, deve impingir ao causador do dano, um impacto capaz de desestimulá-lo a praticar novos atos que venham a causar danos a outrem. Assim, considerando-se os contornos fáticos da lide, arbitro a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de danos morais. Com essas considerações, e por tudo mais constante dos autos, voto no sentido de CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto pela parte autora, para, em reforma da sentença atacada, CONDENAR as Corrés, solidariamente, a pagarem à Autora: À título de danos materiais, o valor total da apólice, após abatido o percentual de 25%, com correção monetária, a contar da data da contratação (súmula 632 do STJ), e acrescido de juros de 1% ao mês, a partir da citação; À título de danos morais, a importância de R$ 3.000,00 (três mil reais), devidamente corrigido monetariamente a partir do arbitramento (enunciado de súmula 362 do STJ) e juros no patamar de 1% ao mês a partir da citação, mantendo-a em seus demais termos. Sem fixação de custas e honorários, nos termos do art. 55, da Lei 9099/95. Salvador, Sala das Sessões, em 2020. CRISTIANE MENEZES SANTOS BARRETO Juíza Relatora ACÓRDÃO Realizado julgamento do recurso do processo acima epigrafado, a TERCEIRA TURMA decidiu, à unanimidade de votos, CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto pela parte autora, para, em reforma da sentença atacada, CONDENAR as Corrés, solidariamente, a pagarem à Autora: 1) À título de danos materiais, o valor total da apólice, após abatido o percentual de 25%, com correção monetária, a contar da data da contratação (súmula 632 do STJ), e acrescido de juros de 1% ao mês, a partir da citação; 2) À título de danos morais, a importância de R$ 3.000,00 (três mil reais), devidamente corrigido monetariamente a partir do arbitramento (enunciado de súmula 362 do STJ) e juros no patamar de 1% ao mês a partir da citação, mantendo-a em seus demais termos. Sem fixação de custas e honorários, nos termos do
art. 55, da
Lei 9099/95. Salvador, Sala das Sessões, em 2020. CRISTIANE MENEZES SANTOS BARRETO Juíza Relatora - Presidente
(TJ-BA, Classe: Recurso Inominado, Número do Processo: 0004316-77.2019.8.05.0001, Órgão julgador: TERCEIRA TURMA RECURSAL, Relator(a): CRISTIANE MENEZES SANTOS BARRETO, Publicado em: 21/10/2020)