A rejeição da denúncia é um instituto jurídico do Direito Processual Penal. As hipóteses envolvendo essa questão sofreram mudanças a partir da publicação da Lei nº 11.719/2008 no Código de Processo Penal.
Esse tema costuma gerar diversas dúvidas entre os profissionais da área jurídica, inclusive nos advogados. Pensando nisso, desenvolvemos este conteúdo especial visando ajudá-lo a compreender, de uma vez por todas, como a rejeição da denúncia funciona na prática.
Se você é advogado, assistente jurídico ou estudante e quer conhecer mais sobre a rejeição de denúncias, suas características, hipóteses e possíveis situações processuais envolvendo o tema, este conteúdo é para você. Continue a leitura para aprofundar o seu conhecimento sobre o tema!
O que é a denúncia?
Para compreender o conceito de rejeição de denúncia, primeiro, você precisa dominar o significado e o funcionamento da peça de acusação chamada "denúncia".
A denúncia é a peça de acusação que é responsável por dar início ao processo penal. Esse documento é elaborado pelo representante do Ministério Público (MP) art. 24 do CPP, nos casos que envolvem o cometimento de crimes que ensejam a ação penal pública. Diante da inércia do MP, é possível o ingresso da Ação penal privada substitutiva da Ação Penal Pública.
Neste sentido, cumpre destacar o disposto no artigo 29 do CPP, que estabelece a possibilidade de ingresso com ação privada nos crimes de ação pública, caso o MP não apresente no prazo legal:
"Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal."
Assim, por meio dessa peça, o juiz toma conhecimento sobre a existência de um fato considerado crime. Após o seu recebimento, o magistrado pode aceitá-la e dar prosseguimento à ação penal ou rejeitá-la em decorrência da inexistência dos pressupostos essenciais para continuidade do pedido.
Para que a denúncia não seja rejeitada, ela deve apresentar uma série de detalhes que incluem:
- descrição do fato criminoso com a maior riqueza de detalhes possível;
- circunstâncias nas quais o crime ocorreu;
- tipificação do crime;
- rol de testemunhas;
- qualificação do acusado; e/ou,
- formas de esclarecimento que possibilitem a identificação do autor do fato, como características físicas e retrato falado.
O que é a rejeição da denúncia?
A rejeição da denúncia é o ato pelo qual o magistrado analisa o documento e, considerando as hipóteses previstas no art. 395 do Código de Processo Penal, recusa o seu recebimento.
Com a rejeição da denúncia, se impossibilita dar início a ação processual penal. Neste contexto, é válido destacar que a rejeição só poderá ocorrer com uma motivação. A seguir, explicaremos, individualmente, todas as hipóteses possíveis para um juiz rejeitar uma denúncia.
Rejeição da Denúncia – Fundamentação Legal
A rejeição da denúncia está prevista no art. 395 do CPP, que determina que o juiz deve rejeitar liminarmente a peça acusatória nas seguintes hipóteses:
Art. 395 – O juiz rejeitará a denúncia ou queixa:
I - quando for manifestamente inepta;
A denúncia é considerada inepta quando não preenche os requisitos do art. 41, como por exemplo: ausência da descrição do fato criminoso, ausência de individualização da conduta, ou falta de tipificação penal.
II - quando faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal;
Exemplos de pressupostos processuais: jurisdição, competência, capacidade das partes.
Exemplos de condições da ação: legitimidade do Ministério Público, interesse de agir, possibilidade jurídica do pedido.
III - quando faltar justa causa para o exercício da ação penal.
Justa causa é o suporte probatório mínimo necessário para o prosseguimento da ação. Pode ser rejeitada a denúncia quando os elementos colhidos no inquérito policial forem claramente insuficientes para sustentar a acusação.
Quais são as hipóteses de rejeição da denúncia?
Conhecer as hipóteses de rejeição da denúncia permite ao advogado ou operador de direito, compreender como elaborar um documento de denúncia mais completo. Confira, a seguir, as possibilidades de rejeição da denúncia.
Quando for manifestamente inepta
A peça acusatória é considerada manifestamente inepta quando não conseguir atender aos requisitos previstos no art. 41 do CPP:
"A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".
Isso significa que a denúncia deve conter o máximo de elementos, para embasar o seu recebimento pelo magistrado, ou seja, exige-se a descrição individualizada da conduta de cada agente e a especificação de todos os elementos do crime.
Caso a denúncia não seja recebida por ser inepta, será possível interpor Recurso em Sentido Estrito. Isso porque a decisão de rejeição dessa peça acusatória não tem efeito de coisa julgada material — tão somente formal. Por sua vez, também é viável o envio de uma nova denúncia ao magistrado com todos os requisitos preenchidos.
É considerada inépcia em sentido estrito quando falta condição da ação (possibilidade jurídica, interesse ou legitimidade).
Já a inépcia formal ocorre quando faltam os requisitos formais do artigo 41 do CPP (requisitos de existência ou formalidades essenciais) na peça acusatória:
Quando faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal
A falta de pressuposto processual ou condição para o exercício da ação envolve os requisitos para a criação de uma relação processual dotada de validade. Esses pressupostos processuais podem ser divididos da seguinte maneira:
- subjetivos: partes com capacidade processual e postulatória e o juiz devidamente investido na função, competente e imparcial;
- extrínsecos: inexistência de fatos impeditivos ao prosseguimento da ação — litispendência e coisa julgada;
- intrínsecos: irregularidade no procedimento.
Por outro lado, as condições para o exercício da ação penal são as seguintes:
- possibilidade jurídica do pedido: prova de existência do crime e indícios de autoria — a acusação deve conter fumus commissi delicti;
- interesse de agir: precisa existir a chance concreta de punibilidade no caso, ou seja, inexistência de causas de extinção de punibilidade;
- legitimidade para agir: o Ministério Público é a parte legítima para promover a ação penal pública. Já o ofendido é parte legítima da ação penal privada (propriamente dita, subsidiária da pública e personalíssima).
Por sua vez, quando nos referimos às condições específicas de procedibilidade, estamos mencionando, por exemplo:
- os poderes especiais e a menção do fato criminoso na procuração que consegue outorgar poderes a fim de propor a queixa-crime;
- entrada do agente em território nacional (art. 7º do CPP);
- trânsito em julgado de sentença anulatória de casamento fundamentada em erro ou impedimento.
Quando faltar justa causa para o exercício da ação penal
A expressão "justa causa" é bastante ampla e pode abranger várias situações. Ela é considerada principalmente para se referir à quantidade mínima de embasamento legal e suporte fático que consiga justificar, pelo menos, o recebimento da peça acusatória e o início da ação.
Portanto, no âmbito do exercício de ação penal refere-se à existência de fundamentos válidos e suficientes que justifiquem o início de um processo penal contra um indivíduo. Em outras palavras, é a presença de elementos que demonstrem a existência de indícios ou provas que fundamentem a acusação formal de um crime.
Assim, a falta de justa causa para a ação penal se refere à inexistência de qualquer tipo de elemento indiciário que embase a existência de crime ou que possa identificar a sua autoria.
A garantia da existência de justa causa pretende evitar a instauração de processos penais sem fundamento legal, protegendo as pessoas contra acusações infundadas e garantindo que o processo penal ocorra de maneira legal, justa e equitativa.
Momento da Rejeição
A análise da admissibilidade da denúncia ocorre antes do recebimento, ou seja, logo após sua apresentação ao juízo. Neste momento, o juiz pode:
-
Recebê-la, dando início à ação penal e permitindo o prosseguimento com a citação do acusado para apresentação de resposta à acusação (art. 396).
O que fazer quando o juiz rejeita a denúncia?
Caso o magistrado entenda por rejeitar a denúncia, é possível ingressar com recurso em sentido estrito. Por outro lado, caso a denúncia seja recebida pelo juiz, o réu terá a possibilidade de impetrar Habeas Corpus (HC), com o intuito de trancar o processo, conforme art. 5º, LXVIII da CF:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;"
É válido ressaltar que a jurisprudência majoritária reforça que o HC não é considerado um recurso processual, mas sim um remédio constitucional, sendo recebido exclusivamente quando demonstrada inequívoca ilegalidade no processo.
Quando há a extinção sem julgamento de mérito em decorrência de algum problema formal — como não juntar nos autos a procuração, a ação distribuída no juízo errado etc. — é possível sanar o problema e ingressar novamente com a ação, se for o caso.
Já nos casos em que a denúncia é rejeitada por ausência de condição da ação, por exemplo, ocorre o julgamento de mérito e ela não poderá ser mais proposta, cabendo apenas recurso em sentido estrito, previsto no art. 581, I, do Código de Processo Penal.
Assim, contra decisão que rejeita a denúncia ou queixa, cabe recurso em sentido estrito. Se a ação tramitar no juizado especial, o recurso cabível contra a rejeição da denúncia ou queixa é a apelação, conforme redação do artigo 82 da Lei n. 9.099/95:
“Da decisão de rejeição da denúncia ou queixa e da sentença caberá apelação, que poderá ser julgada por turma composta de três Juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado”.
Dessa maneira, o ideal é que o advogado analise o caso concreto para tomar a melhor decisão acerca do que deve ser feito segundo as particularidades de cada processo.
Quem tem direito-dever de denunciar?
De maneira geral, o Ministério Público tem o direito-dever de oferecer denúncia no caso de ação pública incondicionada, independentemente de qualquer condição. No entanto, nos casos em que o MP não cumpre com o seu papel, como vimos, a parte pode ingressar com Ação penal privada substitutiva da Ação Penal Pública.
Assim, nos casos em que os requisitos para o oferecimento da denúncia estão presentes, o Ministério Público tem o dever de denunciar. Trata-se de uma obrigação que deriva do princípio da obrigatoriedade da ação penal.
No entanto, quando se trata de determinar quais são os requisitos para o oferecimento da denúncia, existem algumas divergências. Por um lado, a corrente conservadora — predominante na jurisprudência e na doutrina — defende que para oferecê-la basta que existam indícios de autoria e fato típico.
Assim, durante essa etapa o Ministério Público não deve examinar o mérito da causa, sob pena de sobrepor-se ao órgão jurisdicional, já que o processo criminal pode ser visto, inclusive, como uma garantia do cidadão que, se for o inocente, tem o direito de ter essa declaração por meio da sentença absolutória.
Por outro lado, há a corrente que acredita como delito quer dizer fato típico, culpável e antijurídico. Portanto, é fundamental haver os seguintes pressupostos para o oferecimento da denúncia:
- indícios razoáveis de autoria relacionados à prática de um fato típico;
- não estar demonstrada a ausência de culpa ou dolo;
- não estar demonstrada a falta de nexo de causalidade entre o resultado e a ação;
- não estar provada a existência de causa excludente da antijuridicidade.
Além desses requisitos, de acordo com aqueles que defendem esse posicionamento, também é preciso não ficar comprovada a inimputabilidade por menoridade, inexigibilidade de outra conduta ou absoluta ausência do potencial consciência de antijuridicidade.
O que deve constar na denúncia?
O artigo 41 apresenta os elementos da denúncia, sendo que nos próximos tópicos apresentaremos as principais informações sobre cada um deles.
Exposição do fato criminoso
Trata-se do ponto mais relevante da denúncia, uma vez que ele permite que o acusado exerça o seu direito constitucional de ampla defesa. Nesse sentido, não é possível se defender sem saber exatamente qual fato lhe foi imputado.
Assim, a exposição do fato criminoso é equivalente à própria inexistência da denúncia, sendo que a deficiência da exposição pode gerar até mesmo a nulidade do feito, se ela acarretar prejuízo ao direito de defesa.
Circunstâncias do fato criminoso
A denúncia também deve conter a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, como quem o praticou, aos acidentes do evento, em qual lugar ocorreu, os participantes, a motivação e quando ele ocorreu.
Qualificação do acusado ou elementos que possibilitam identificá-lo
Deve estar presente na denúncia a qualificação do acusado ou esclarecimentos de como achá-lo. Nesse sentido, não é preciso ter necessariamente a qualificação completa, como nome, idade e profissão, já que tais dados podem ser esclarecidos no curso da instrução processual.
No entanto, a denúncia deve conter elementos que permitam identificá-lo, como filiação ou características físicas, já que não é possível fazer uma denúncia contra pessoa indeterminada.
Classificação do crime
Também é preciso que a denúncia tenha a classificação do crime, ou seja, o dispositivo do Direito Penal violado pelo denunciado. Contudo, a falta de classificação ou a capitulação incorreta do delito não gera a nulidade da denúncia, uma vez que o acusado deve se defender dos fatos imputados a ele e não de dispositivos penais.
De qualquer forma, a orientação é que o MP ou o advogado responsáveis pelo pedido busquem, sempre que possível, informar o dispositivo de lei violado pelo denunciado. Isso traz mais segurança jurídica e embasamento para o pedido.
Rol de testemunhas
Por fim, quando for necessário, a denúncia já deve apresentar o rol das testemunhas. Se possível, informe o nome das testemunhas, dados de identificação e endereço.
Contudo, é válido ressaltar que o crime também pode ser demonstrado por outros meios, como por provas documentais, periciais etc. Neste ponto, é necessário avaliar cada situação de maneira individualizada, apresentando o conjunto probatório disponível e adequado para cada caso.
Qual momento de solicitar a rejeição da denúncia?
Segundo o artigo 395 do Código de Processo Penal, a análise sobre o recebimento ou rejeição da denúncia deve ser feita antes da resposta à acusação, observando os seguintes requisitos:
Art. 395.A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I - for manifestamente inepta;
II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou
III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.
No entanto, também é possível que o juízo a rejeite após a defesa.
Conforme o artigo 197 do CPP, apresentada a resposta à acusação, o juiz deve apreciar apenas as hipóteses de absolvição sumária:
“Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.”
Contudo, é importante destacar que a resposta à acusação é o primeiro momento que a defesa tem para se manifestar nos autos e, portanto, para apontar os fundamentos da rejeição da denúncia.
No artigo 396 do CPP, é possível encontrar os prazos para resposta nos procedimentos ordinário e sumário, quando não houver rejeição liminar da denúncia:
“Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.
Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.”
Assim, visando respeitar a ampla defesa e o contraditório, há o duplo filtro a denúncia, sendo que o primeiro ocorre no oferecimento da denúncia pelo Ministério Público e o segundo depois da citação e apresentação da resposta à acusação.
É neste ponto, que a atuação do advogado de defesa pode fazer toda a diferença na rejeição da denúncia.
É possível rejeitar a denúncia parcialmente?
Não existem impedimentos legais para a rejeição parcial da denúncia e, portanto, nem sempre a rejeição da denúncia ocorre de maneira completa.
Essa situação pode ocorrer, por exemplo, em um acidente de trânsito em que a denúncia é aceita no que diz respeito ao delito de lesão corporal e rejeitada em relação à omissão de socorro, por não haver descrição sobre como tal feito se verificou (causa de nulidade).
Existem muitas hipóteses de cabimento e situações em rejeição de denúncia. Os profissionais que atuam na área de direito penal devem conhecer a legislação a fundo e compreender a sua aplicabilidade prática.
O domínio dos requisitos para ingresso com denúncias e queixas-crimes é indispensável na elaboração das peças, tanto de queixa-crime quanto nas defesas dos acusados. Além de conhecer a legislação, é válido acompanhar a jurisprudência e o entendimento dos tribunais a respeito da aplicabilidade da legislação.
Lembre-se que em ações penais, quanto mais elementos probatórios forem reunidos, maiores são as chances de ter sucesso no pedido. Portanto, a reunião de provas de autoria são essenciais tanto na apresentação de uma denúncia quanto na defesa.
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