Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de cautelar, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade - PSOL, contra a
Medida Provisória 805, de 30 de setembro de 2017, que posterga ou cancela aumentos remuneratórios para os
exercícios subsequentes, altera a
Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, e a
Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, quanto à
alíquota da contribuição social do servidor público e a outras questões.
O requerente alegou, em suma, que o ato atacado padece de inconstitucionalidade formal, uma
...« (+2437 PALAVRAS) »
...vez que
[...] é cristalina a ausência de urgência; não há imprevisibilidade ou contingência que reclame a edição de medida provisória. Não há, da mesma maneira, perigo na demora da adoção do ato legislativo. Esse fato fica evidente no art. 38 da medida
provisória atacada.
[...]
Outrossim, os efeitos das postergações e cancelamentos dos aumentos remuneratórios para os exercícios subsequentes das vinte e cinco categorias de servidores públicos afetadas pela Medida Provisória ora atacada não tem efeitos imediatos, mas somente
para o início do próximo ano. Frente a esse fato, fica claro que esse tema poderia ter sido regulamentado por Projeto de Lei (talvez até em regime de urgência constitucional, nos termos do art. 64, §1º, da CF) (págs. 12-13 da petição inicial).
Continuou, informando que:
Esse entendimento - de que não há relevância e urgência no tema tratado por essa Medida Provisória - foi expressamente externalizado pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Rodrigo Maia, em entrevista, conforme transcrição a seguir:
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, chegou a pedir a (...) para encaminhar as propostas por meio de projeto de lei, mas a equipe econômica convenceu o presidente da República a usar MPs, porque elas entram em vigor imediatamente e o prazo
de aprovação é curto, já que restam dois meses apenas até o final do ano.
[...]
Conforme claramente exposto pelo Presidente da Câmara dos Deputados, tais matérias não são relevantes e urgentes, e deveriam ter sido encaminhadas ao Poder Legislativo por meio de projeto de lei (págs. 13-14 da petição inicial).
Destacou, assim, que:
A burla ao requisito constitucional da urgência desrespeita o devido processo legislativo e, especialmente quando ausente o pressuposto constitucional de validade da urgência, usurpa a competência do Poder Legislativo para produzir normas gerais e
abstratas, violando a separação de Poderes (art. 2º, CF), cláusula pétrea (art. 60, §4º, III, CF) no ordenamento jurídico brasileiro (pág. 18 da petição inicial).
Outrossim, apontou a inconstitucionalidade material dos arts. 1° ao 34, por violarem o disposto no art. 5°, XXXVI (direito adquirido), e no art. 37, XV (irredutibilidade dos vencimentos), ambos da Constituição Federal. Para tanto, aduziu que,
[...] nos últimos anos foram firmados inúmeros acordos com uma parcela considerável das categorias de servidores públicos federais, criando-se direitos. Em sua maioria, os acordos previam a concessão de aumentos remuneratórios superiores a 20%
(vinte por cento), que objetivavam recompor o valor real dos vencimentos dos integrantes dessas carreiras.
Todavia, de acordo com os termos pactuados entre os representantes das entidades classistas e do Poder Executivo federal, esse acréscimo remuneratório não teria seus efeitos financeiros aplicados em um único momento, mas sim parcelados ao longo dos
anos subsequentes (págs. 18-19 da petição inicial).
Afirmou, contudo, que a MP 805/2017 rompe o direito já consolidado dos servidores públicos federais, porque, ao alterar as datas da incorporação dos aumentos já legitimamente incorporados ao ordenamento jurídico por meio do devido processo
legislativo, revogando tacitamente as datas anteriormente definidas, o Presidente da República fere de morte o direito à irredutibilidade dos vencimentos dos ocupantes de cargos públicos (pág. 19 da petição inicial).
Ressaltou, nessa linha, que, ao analisar a ADI 4.013/TO, o STF firmou o entendimento de que, ainda que as datas estabelecidas para o início dos efeitos financeiros dos reajustes sejam em momento futuro, a entrada em vigor da lei configura a
aquisição do direito por parte dos servidores (pág. 20 da petição inicial). Além disso, sustentou que,
[...] a partir da entrada em vigor das normas, o valor global dos reajustes concedidos passa a integrar a esfera de direitos dos servidores, mesmo diante da previsão de parcelamento do acréscimo remuneratório.
Assim, resta claro que a edição da Medida Provisória ora atacada, que revoga dispositivos legais que preveem o acréscimo salarial, expressamente viola as garantias constitucionais do direito adquirido (art. 5º, XXXVI) e da irredutibilidade de
vencimentos (art. 37, XV) (pág. 21 da petição inicial).
Concluiu, dessa forma, que a Medida Provisória 805/2017 atenta
[...] contra os direitos sociais, na medida em que, vedando o direito a atualização da remuneração dos servidores, lhes veda, restringe ou dificulta, e à suas famílias, o acesso à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao
transporte, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados (art. 6º da CF/88) e também a efetividade dos direitos do art. 37 e seguintes da CF/88, relativos à Administração e
servidores públicos.
[
]
Assim, resta claro que a edição da Medida Provisória 805, que revoga dispositivos legais que preveem o acréscimo salarial, expressamente viola as garantias constitucionais do não retrocesso social (notadamente ofendendo o art. 5º §1º e art. 3º ,
inc. I a IV, dentre outros) (págs. 22-24 da petição inicial).
Apontou, além disso, que o art. 37 da MP 805, ao alterar a redação da Lei 10.887, acaba por regular a Constituição Federal, o que é vedado pelo art. 246 da Carta Maior (pág. 25 da petição inicial). Nessa esteira, asseverou que:
A Emenda Constitucional nº 41 alterou o sistema ou regime jurídico (especialmente o remuneratório - art. 37) e de previdência social (notadamente a aposentadoria - art. 40) dos servidores públicos, exatamente os pontos alterados pelo art. 37 da MP
805.
A Lei 10.887, de 18 de junho de 2004 é norma infraconstitucional que regulou a Emenda nº 41, dispondo sobre a aplicação de disposições da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, altera dispositivos das Leis nos 9.717, de 27 de
novembro de 1998, 8.213, de 24 de julho de 1991, 9.532, de 10 de dezembro de 1997, e dá outras providências.
O governo altera a regulação da Emenda 41, adotando nova sistemática e alíquotas de contribuição social da Lei 10.887, tudo através da MP 805 (pág. 25 da petição inicial).
Por essas razões, requereu o deferimento de cautelar para suspender a eficácia do ato normativo impugnado.
Argumentou que o periculum in mora resta evidente pelo fato óbvio de que uma medida provisória produz seus efeitos com força de lei desde o momento de sua publicação (pág. 26 da petição inicial).
Nos termos do art. 10 da Lei 9.868/1999, o Ministro Dias Toffoli (art. 38, I, do RISTF) determinou a oitiva do Presidente da República, da Advocacia-Geral da União e do Procurador-Geral da República, no prazo de três dias.
O Presidente da República juntou informações, confeccionadas pela Advocacia-Geral da União, nos termos do art. 4°, V, da Lei Complementar 73/1993, nas quais foi afirmada a inexistência de vício formal, pois,
[...] diante do crítico cenário econômico-fiscal atual, a MP n° 805/2017 se insere, em atenção ao postulado da razoabilidade, em uma série de medidas que estão sendo adotadas pela União na tentativa de conter a gravíssima crise financeira pela qual
passa o país. Assim, não se pode perder de vista a ocorrência de uma forte restrição fiscal na economia brasileira, que, dentre outras consequências, ocasionou a redução significativa das receitas públicas. Quanto a esse ponto, basta ver as seguidas
reduções de previsão de receita constantes do Decreto n° 8.961, de 16 de janeiro de 2017, o qual dispõe sobre a programação orçamentária e financeira, estabelece o cronograma mensal de desembolso do Poder Executivo para o exercício de 2017.23. Alega ainda o requerente, ao sustentar a ausência de requisito constitucional para edição de medida provisória, que, caso a urgência se fizesse presente, não haveria razões para que o aumento da contribuição social e a postergação ou
cancelamento dos reajustes produzissem efeitos apenas a partir do exercício seguinte.24. Quanto ao primeiro aspecto (aumento da contribuição social), tem-se que, por determinação da própria Constituição Federal em seu § 6° do art. 195, as contribuições sociais só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data de
publicação da lei que as houver instituído ou modificado. Dessa forma, não seria possível, mesmo que em caráter de urgência, efetuar a cobrança referente ao aumento da alíquota de contribuição previdenciária, sem a devida observância do comando
constitucional que consagra o princípio da anterioridade nonagesimal (corolário da segurança jurídica).
[
]25. Também está devidamente demonstrada a urgência no que se refere à postergação ou ao cancelamento do reajuste, porquanto previstos para se efetivarem já no exercício civil de 2018. Veja-se que a edição da referida espécie normativa se deu apenas
em 30 de outubro de 2017, bem próximo de se iniciar o penúltimo mês do ano. Ora, tomar essa medida por meio de propositura de lei acarretaria grave risco de se terminar o ano sem que fosse efetivada a devida deliberação por ambas as Casas do Congresso
Nacional (págs. 10-12 do documento eletrônico 37).
No mérito, sustentou, em síntese, a constitucionalidade material dos dispositivos constantes do ato normativo impugnado, ante a ausência de violação ao disposto no art. 5°, XXXVI, e aos princípios da irredutibilidade dos subsídios, bem assim da
proibição do retrocesso social.
Nesse sentido, alegou que [...] não há que se cogitar, como pretende o requerente, em violação ao direito adquirido dos servidores, visto que a previsão de aumento não chegou sequer a se incorporar juridicamente no patrimônio daqueles. De outra
banda, esclareceu que não houve violação ao princípio da irredutibilidade dos subsídios, uma vez que [...] a proteção conferida pelo princípio em comento se direciona à manutenção do valor atualmente percebido pelos servidores, sem qualquer desconto ou
diminuição (pág. 17 do documento eletrônico 37). Além disso, asseverou que
[...] o princípio da vedação do retrocesso apenas tutela direitos que já foram realizados e efetivados, e ao contrário do que pretendem os requerentes, não se pode pretender conferir imutabilidade às normas jurídicas em geral, que poderão ser
alteradas desde que resguardado o núcleo essencial dos direitos fundamentais (pág. 18 do documento eletrônico 37).
Ato contínuo, apontou a inexistência de violação ao art. 246 da Constituição Federal, haja vista que,
Recorrendo à literalidade do art. 246, tem-se que este limita o alcance da vedação aos artigos da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1° de janeiro de 1995 até a Emenda n° 32, de 2001. Ora, a EC n° 41
foi editada em 19 de dezembro de 2003. Ou seja, posteriormente ao lapso temporal contemplado pelo artigo legal tido por violado, de forma que não há como invocá-lo com o fito de subsidiar suposto pedido de inconstitucionalidade (págs. 22-23 do
documento eletrônico 37).
A Advocacia-Geral da União opinou pelo indeferimento da cautelar. A manifestação foi assim ementada:
Administrativo. Medida Provisória n° 805/2017, que posterga ou cancela aumentos remuneratórios de servidores públicos federais para os exercícios subsequentes e dá outras providências. Alegação de inconstitucionalidade formal. O ato normativo
questionado atende aos pressupostos constitucionais de relevância e urgência. Ausência de violação ao disposto no artigo 62 da Carta e ao princípio da separação de Poderes, Alegação de inconstitucionalidade material. Não se verifica ofensa ao disposto
nos artigos 5°, inciso XXXVI, 37, inciso XV; e 246 da Constituição Federal, bem como ao princípio da proibição de retrocesso social. Inexistência de direito adquirido a determinado regime legal de cálculo ou reajuste de vencimentos ou vantagens
funcionais, Precedentes desse Supremo Tribunal Federal. Ausência dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. Manifestação pelo indeferimento do pedido de medida cautelar (pág. 1 do documento eletrônico 118).
A Procuradoria-Geral da República, por seu turno, manifestou-se pelo deferimento da medida, em parecer assim ementado:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA 805/2017. ADIAMENTO DE REAJUSTES REMUNERATÓRIOS DE INÚMERAS CATEGORIAS DE SERVIDORES DO PODER EXECUTIVO FEDERAL. DIREITO ADQUIRIDO A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DAS LEIS CONCESSIVAS DOS
REAJUSTES. ALTERAÇÕES DAS DATAS DE IMPLEMENTAÇÃO: IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AO DIREITO ADQUIRIDO E À IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. ALÍQUOTA PREVIDENCIÁRIA. MAJORAÇÃO POR SISTEMÁ TICA PROGRESSIVA: INVIABILIDADE CONSTITUCIONAL. DESVIRTUAMENTO DA
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DA SUA FEIÇÃO CONTRIBUTIVA-RETRIBUTIVA. CARÁTER ARRECADATÓRIO. UTILIZAÇÃO DE TRIBUTO COM EFEITO DE CONFISCO.1. O controle judicial dos pressupostos de relevância e urgência para edição de medida provisória possui caráter excepcional e somente se legitima quando ausentes aqueles ou patente excesso no exercício de discricionariedade por parte do Presidente
da República.2. A vigência de leis concessivas de reajustes remuneratórios a servidores públicos não se confunde com os seus efeitos financeiros. A aquisição do direito aos reajustes na forma disciplinada pelos diplomas concessivos não fica afastada pela
circunstância de seus efeitos financeiros ainda não terem operado efeitos. Inteligência do art. 6º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Inalterabilidade, por legislação superveniente, da forma de implementação dos
reajustes. Existência de direito adquirido e não de mera expectativa de direito. Precedente: ADI 4.013/TO.3. A postergação dos reajustes previstos para 1º de janeiro de 2018 e 1º de janeiro de 2019 para 1º de janeiro de 2019 e 1º de janeiro de 2020 implica subtrair dos servidores a disponibilidade financeira desses recursos no período em que adiada a
sua implementação e, dessa forma, ocasiona decesso remuneratório (redução nominal) dos valores no período em que sobrestados os reajustes. Afronta à garantia de irredutibilidade de vencimentos como forma qualificada de direito adquirido.4. A elevação de contribuição previdenciária de servidores públicos de 11% para 14% apenas no que exceder o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) evidencia a cobrança do tributo mediante sistemática progressiva de
alíquotas.5. É firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da inconstitucionalidade da fixação de alíquotas progressivas para a contribuição previdenciária de servidor público por ausência de autorização constitucional expressa e por afronta
à vedação de utilização de tributo com efeito de confisco. Precedentes.6. O caráter solidário do regime previdenciário dos servidores públicos não afasta a feição contributiva-retributiva desse regime. O aumento de contribuição previdenciária sem qualquer repercussão em benefícios previdenciários e com fim meramente
arrecadatório desvirtua a exação com destinação constitucional específica e desconsidera a natureza retributiva própria dos regimes de previdência.
Ofensa aos arts. 40, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal.
Parecer pelo deferimento da medida cautelar (págs. 1-2 do documento eletrônico 165).
Outrossim, as seguintes entidades requereram o ingresso na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade na qualidade de amici curiae:
O Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil - Sindifisco Nacional (documento eletrônico 12);
O Sindicato dos Servidores de Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde - Asfoc-SN (Trabalhadores da Fundação Oswaldo Cruz) (documento eletrônico 21);
A Federação Nacional dos Policiais Federais - Fenapef e a Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais - Fenaprf (documento eletrônico 28);
A Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil - Unafisco Nacional (documento eletrônico 39);
A Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal - Anape, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social - CNTSS/CUT e a Federação Nacional dos Servidores da Justiça Federal e do Ministério Público da União
Fenajufe (documento eletrônico 120);
O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado - Fonacate (documento eletrônico 132);
A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal - ADPF (documento eletrônico 142);
O Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil - Sindireceita (documento eletrônico 160); e
O Sindicato dos Policiais Federais no Estado de Minas Gerais (documento eletrônico 166).
Finalmente, registro que o ato normativo aqui atacado também foi impugnado por meio das ADIs 5.812/DF, 5.822/DF, 5.827/DF, 5.828/DF, 5.834/DF, 5.839/DF, 5.847/DF, 5.848/DF, 5.849/DF e 5.854/DF, todas distribuídas a mim, por prevenção.
É o relatório.
(STF, ADI 5809 MC, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Decisão Monocrática, Julgado em: 18/12/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 31/01/2018 PUBLIC 01/02/2018)