PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA. ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. DIREITO INDISPONÍVEL. ALEGAÇÃO DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. IMÓVEL DE VALOR HISTÓRICO DEMOLIDO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL, INEXISTÊNCIA. DEMAIS ARGUMENTOS. INCIDÊNCIA DAS
SÚMULAS 282/STF, 283/STF E 284/STF. TRIBUNAL A QUO QUE DETERMINA A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. ELEMENTOS PROBATÓRIOS SUFICIENTES QUE INDICAM A PRÉVIA CIÊNCIA DOS RECORRENTES QUANTO A SITUAÇÃO DO IMÓVEL E CONSTATAÇÃO DO VALOR HISTÓRICO DO
... +1835 PALAVRAS
...IMÓVEL. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA.
I - Na origem, o Município de Pomerode/SC ajuizou ação declaratória de nulidade de ato jurídico, contra o particular Alan Silvio Laemmel e outros, objetivando a declaração de nulidade do acordo celebrado nos autos da Ação Civil Pública n. 050.08.000880-1, bem assim de todos os atos subsequentes, tendo em vista restarem patentemente eivados de nulidade, porquanto não seria autorizado/permitido à Administração Pública celebrar acordo ou transacionar direito indisponível. Esclarece que a municipalidade autora, no ano de 2008, ajuizou a citada ação civil pública, visando, entre outros pedidos, compelir os réus a reconstruírem a ?Residência de Heinrich Passold?, como também compelidos a pagar indenização por danos morais em razão deles terem realizado a demolição do imóvel de valor histórico, sem qualquer autorização do Município de Pomerode. Fundamenta sua pretensão em razão de o acordo formulado na Ação Civil Pública n. 050.08.000880-1, no ano de 2014, que afastou a obrigação de os réus reconstruírem o imóvel demolido, não poderia ser objeto de prejudicial transação, em virtude do caráter indisponível do patrimônio histórico e cultural do município, assim considerado pela Lei Complementar Municipal n. 028/1996, pelo que busca a nulidade da sentença homologatória do acordo firmado. Na primeira instância, a ação foi julgada improcedente (fls. 660-670). O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em sede recursal, deu provimento ao recurso de apelação autoral, reformando a decisão de primeiro grau.
No STJ, o recurso especial foi parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.
II - Para o ?`acolhimento da preliminar de negativa de prestação jurisdicional não basta a simples oposição dos aclaratórios na origem. É necessária a demonstração, de forma fundamentada que: (a) a questão supostamente omitida foi tratada na apelação, no agravo ou nas contrarrazões a estes recursos, ou, ainda, que se cuida de matéria de ordem pública a ser examinada de oficio, a qualquer tempo, pelas instâncias ordinárias; (b) houve interposição de aclaratórios para indicar à Corte local a necessidade de sanear a omissão; (c) a tese omitida é fundamental à conclusão do julgado e, se examinada, poderia levar à sua anulação ou reforma." (AgInt no AREsp 1920020/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/02/2022, Dje 17/02/2022). Sobreleva notar que o inciso IV do art. 489 do Código de Processo Civil de 2015 impõe a necessidade de enfrentamento, pelo julgador, dos argumentos que possuam aptidão, em tese, para infirmar a fundamentação do julgado embargado.
III. No caso, pelo simples cotejo entre as razões recursais e o que restou decidido, observa-se que a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, de vez que os votos condutores do acórdão recorrido e do acórdão proferido em sede de Embargos de Declaração apreciaram fundamentadamente, de modo coerente e completo, todas as questões necessárias à solução da controvérsia, dando-lhes, contudo, solução jurídica diversa da pretendida.
Depreende-se da leitura do acórdão integrativo que a controvérsia foi examinada de forma satisfatória, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao firme posicionamento jurisprudencial aplicável ao caso. Como apontado, o órgão julgador não fica obrigado a responder um a um os questionamentos da parte se já encontrou motivação suficiente para fundamentar a decisão, sobretudo se notório o caráter de infringência. Precedentes.
IV. Em relação às teses vinculadas aos arts. 490, 492 e 1.013 do CPC/2015 e 849, parágrafo único, do Código Civil, sob o argumento de que o decisum recorrido teria utilizado fundamento diverso do utilizado pela municipalidade recorrida, visto que o ente federado nada tratou a respeito de erro de direito; bem como que a transação somente poderia ser anulada por dolo, coação ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa, e não por erro de direito, a pretensão recursal não merece vingar. De fato, o Tribunal de origem não se manifestou acerca da alegada ofensa aos referidos dispositivos legais, sob o viés pretendido pelos recorrentes. Por essa razão, à falta do indispensável prequestionamento, não pode ser conhecido o Recurso Especial, incidindo, por analogia, o teor da Súmula 211 do STJ. Ademais, não há impropriedade em afirmar a falta de prequestionamento e afastar a indicação de afronta ao art. 1.022 do CPC, haja vista que o julgado está devidamente fundamentado, sem, no entanto, ter decidido a causa à luz dos preceitos jurídicos suscitados pela parte recorrente, pois, como consabido, não está o julgador a tal obrigado.
V. Lado outro, em relação aos arts. 6º da LINDB, art. 840 e 1.028 do Código Civil, melhor sorte não lhe socorre. Isso porque, tal como constou na decisão ora impugnada, consoante se verifica dos excertos reproduzidos do aresto vergastado, a Corte Estadual, com fundamento nos elementos fáticos dos autos e na legislação local, foi categórica ao concluir que, independentemente da existência de tombamento ou processo de tombamento, já existiam elementos claros e suficientes para demonstrar que o imóvel estaria sob o foco de proteção estatal, bem assim que tanto os recorrentes como a municipalidade tinham conhecimento de que se tratava de bem de valor histórico, a merecer fiscalização e proteção Municipal, pelo que seria insuscetível de acordo nos moldes em que celebrado. Todavia, tais fundamentos, autônomos e suficientes para a manutenção do acórdão recorrido, não foram rebatidos pelos recorrentes em seu apelo especial. Desse modo, verifica-se a falta de impugnação objetiva e direta ao fundamento central do acórdão recorrido nesse ponto, o que denota a deficiência da fundamentação recursal, a fazer incidir, no particular, as Súmulas 283 e 284, ambas do STF.
VI. O Tribunal de origem expressamente afastou a alegação de desconhecimento do valor histórico do imóvel em outros documentos que não a Lei Complementar 28/1996, conforme se destaca da fundamentação dos embargos de declaração, senão vejamos: [...] Com efeito, constou no aresto: Esclarece-se que não houve erro quanto a ausência de menção expressa da residência demolida no corpo da LCM n.28/96. No exame dela tal não foi detectado e, se a parte alega que a norma foi trazida de forma incompleta, pois deveria trazê-la por inteiro a bem de provar o que alega (CPC, art. 376). É bem verdade que não houve determinação anterior para trazê-la, mas se sabia da incompletude, então que sanasse o vício. Na contestação dessa demanda, que foi considerada tempestiva, havia a clara e expressa menção ao não cadastramento do imóvel na LCM 28/96. É verdade que, no julgamento destes autos, a caracterização do valor histório do bem prescindia daquela menção, que pode ser verificada por outros aspectos. Mas o fato é que o argumento existia e a conclusão de que de fato não estava mencionada decorreu do que constava no corpo da Lei em testilha. Se havia outra versão, se estava incompleta, era ônus da prova do Município trazê-la aos autos. Mas não o fez. E teve sorte de que, pela sua conduta, ao não se mostrar inerte quanto aos fatos, promovendo embargos, foi possível atestar o caráter histórico do imóvel. Mas omissão, ou premissa equivocada quanto aos fatos, não existiu. [...] A certidão constante na Informação 108, evento 62, dos autos de origem, indica que de fato houve incompletude na Lei, e que a LCM 28/1996 conteve equívoco ao suprimir-se imóveis de alto valor da norma em questão e que a LCM 162/2008 reparou o erro.
Referida certidão, por controvertida nos autos, pode conferir fé-pública, mas essa presunção não é absoluta e enseja produção da prova técnica, notadamente o exame completo nos registros da Casa Legislativa local a fim de se apurar a redação original da norma e se ela continha a aludida proteção. Diga-se, para logo, que por outros elementos esta Corte chegou à conclusão de que se tratava de bem de valor histórico, mas o exame da Lei em testilha colocaria fim à controvérsia de uma vez. De fato, existe uma Tabela 7 anexada naquele evento 62, mas diante da controvérsia que se instalou, admitida pela municipalidade, que apura inclusive os responsáveis pelo equívoco (que aliás não parece um simples equívoco), é imperioso que, com a anulação do acordo, a fase instrutória que deve ser retomada tenha por objeto não apenas o imóvel, mas a LCM 28/1996 em sua redação original, e quando houve a alteração ou equívoco nela. Deve-se buscar todos os elementos que confiram segurança ao alegado, embora, como já declinado no voto, não era sequer necessário que a norma contivesse expressamente a referência à Casa Heinrich Passold, pois seu valor histórico já decorria de outros aspectos existentes nos autos. Recair eventual prova sobre a completude da norma é uma questão ética e jurídica, que merece ser sanada, mas que por si só não impede o reconhecimento da importância histórica do bem demolido.[...]
VII - De fato, compete aos municípios ?promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual? (CF/88, art. 30, inc. IX) e que "O Ministério Público e outros sujeitos intermediários têm legitimidade ampla para promover Ação Civil Pública em defesa do patrimônio cultural, histórico, estético, artístico, turístico e paisagístico, irrelevante seja o bem material ou imaterial, particular ou público, tombado, em fase de tombamento ou não tombado, assim como exista ou não licença ou autorização da Administração para o comportamento impugnado" (REsp n. 1.538.384/MG, relator Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/8/2020). No caso dos autos, consoante apreciação das provas e da legislação local pelo Tribunal de origem, concluiu-se que havia ciência por parte dos recorrentes do valor histórico do imóvel demolido (por meio de embargos à obra), determinando-se a anulação do acordo e prosseguimento do feito na origem, com a devida instrução probatória. Rever essas conclusões, em sede de recurso especial, esbarra, inarredavelmente, nos óbices das Súmulas 7/STJ e 280/STF.
VIII - Ainda, nos termos da jurisprudência desta Corte, e a título meramente complementar, cita-se: "Consoante o Código Civil, 'Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação' (art. 841). Os colegitimados para a Ação Civil Pública podem, em tese, celebrar e homologar judicialmente acordo para encerrar litígio. Contudo, quando envolvidos, no âmbito do Direito Privado, interesses e direitos indisponíveis, ou se tratar de relações de Direito Público, eventual transação pelo Ministério Público, Administração ou ente intermediário (ONG, p. ex.) deixa de ser realizada livremente, submetendo-se, ao contrário, a rígidos pressupostos, limites e vedações. Nesses casos, subordina-se a controle judicial formal e de fundo, por provocação ou de ofício, de modo a se verificar se implica abdicação da essência dos bens ou valores jurídicos metaindividuais em litígio, hipótese em que cabe ao juiz rejeitar sua homologação ou execução. Precedentes do STJ. No Direito Público, é interditada a transação - em juízo ou extrajudicial, por meio de Termo de Ajustamento de Conduta - concluída à margem da legalidade estrita. Mais ainda quando visa a transferir ou validar ocupação ou uso de imóvel público por meio de Alvará, sem observância de formalidades e garantias vinculantes e irrenunciáveis de gestão do patrimônio da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Na mesma linha, inadmissível trato que faça tábula rasa de obrigações ambientais primárias irrenunciáveis discutidas em investigação administrativa ou processo judicial. Tal tipo de ajuste, em vez de indicar espírito de conciliação, traduz meio engenhoso de burla à letra e ratio da lei, desfigurando, sob roupagem enganosa, a necessária proteção do domínio e interesse públicos" (REsp n. 1.260.078/SC, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/5/2016, DJe de 7/8/2020.)
IX - Agravo interno improvido.
(STJ, AgInt no REsp n. 2.018.125/SC, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 10/9/2024, DJe de 12/9/2024.)