RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRELIMINARES AFASTADAS. COBERTURA SECURITÁRIA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. COMPROVAÇÃO E PREVISÃO NA APÓLICE. DANOS CAUSADOS À TERCEIRO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA SEGURADORA. RESP 925.130/SP. SEGURADORA QUE INICIALMENTE RECONHECEU A PERDA TOTAL DO VEÍCULO, INICIANDO OS TRÂMITES DE COBERTURA INTEGRAL DO DANO, TENDO APRESENTADO ACORDO EXTRAJUDICIAL COM O AUTOR NO VALOR DE R$ 85.200,00, O QUAL FOI ACEITO, PORÉM, POSTERIORMENTE, RECUSOU O SEU CUMPRIMENTO (VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM). ALEGAÇÃO DE LAUDO SUPERVENIENTE. LAUDO TÉCNICO REALIZADO DE FORMA UNILATERAL PELA RÉ QUE NÃO COMPROVA QUE AS AVARIAS REGISTRADAS NO VEÍCULO DO SEGURADO NÃO SE COMPATIBILIZAM COM O ACIDENTE NARRADO PELO AUTOR. LAUDO QUE FAVORECE APENAS O ACIONADO, PORTANTO, PARCIAL. RESPONSABILIDADE
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...OBJETIVA. PARTE RÉ NÃO LOGRA ÊXITO EM SE DESINCUMBIR DO SEU ÔNUS PROBATÓRIO. PARTE AUTORA COMPROVA A VENDA DO VEÍCULO, O QUE IMPOSSIBILITA A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA TÉCNICA. REFORMA DA SENTENÇA PARA AFASTAR COMPLEXIDADE DA DEMANDA E JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO PARA CONDENAR O REQUERIDO, ALLIANZ GROUP SEGUROS - AGF SEGUROS BRASIL S.A, AO PAGAMENTO DO MONTANTE DE R$ 85.200,00, BEM COMO CONDENANDO OS REQUERIDOS, SOLIDARIAMENTE, AO PAGAMENTO DO VALOR DE R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS), CONCERNENTE À INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ARTIGO 15, INCISOS XI E XII DA RES. 02 DE FEVEREIRO DE 2021 DOS JUIZADOS ESPECIAIS E DO ARTIGO 4º, DO ATO CONJUNTO Nº 08 DE 26 DE ABRIL DE 2019 do TJBA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RELATÓRIO Dispensado o relatório, nos termos do artigo 46 da Lei Federal 9.099/1995. A parte recorrente se insurge contra a sentença de origem, que teve como parte dispositiva (sic): com fundamento nos artigos 2º e 3º, combinados com o art. 51, todos da Lei 9.099/95, reconheço a complexidade da causa e DECLARO INCOMPETENTE O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE TRÂNSITO para processar e julgar o presente feito. Em consequência, JULGO EXTINTO O PROCESSO, sem julgamento do mérito, nos termos do art. 485, IV, do CPC. Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, nos termos do art. 15, incisos XI e XII da Res. 02 de fevereiro de 2021 dos Juizados Especiais e do artigo nº 4º, do Ato Conjunto nº 08 de 26 de Abril de 2019 do TJBA, que dispõem sobre o julgamento realizado monocraticamente de processos em ambiente virtual pelas Turmas Recursais do Sistema dos Juizados Especiais que utilizam o Sistema PROJUDI e/ou a decisão do acórdão faz parte de entendimento já consolidado por esta Colenda Turma Recursal e/ou o acórdão é favorável a quem requereu pedido de sustentação oral dentro do prazo legal, tendo este já findado, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma. VOTO Inicialmente, no tocante à complexidade e realização de prova pericial, tenho que o juiz é o dirigente do processo e o destinatário das provas, e a ele incumbe velar para que a instrução seja conduzida de modo a formar seu convencimento sobre os fatos da causa, cabendo-lhe a aferição da necessidade de sua produção, bem como o indeferimento daquelas que achar desnecessárias, como dispõe o artigo 370 e 371 do CPC/2015 Com efeito, para que se reconheça a complexidade de uma demanda, retirando a competência dos Juizados Especiais, é necessário que estejam presentes na lide elementos concretos que de fato impossibilitem o desate da controvérsia de forma rápida e objetiva, não sendo plausível a simples constatação abstrata de uma suposta impossibilidade técnica de compreensão dos fatos pelo magistrado, quando as circunstâncias dos autos apontam em sentido contrário. Portanto, discordo, data venia, do entendimento esposado pelo MM. Juiz a quo, por entender que não existe na causa qualquer complexidade que impeça o seu julgamento no Sistema dos Juizados Especiais, sendo os elementos probatórios coligidos suficientes para elucidação dos fatos e deslinde da ação. Ademais, resta comprovada a impossibilidade de realização da perícia técnica suscitada, tendo em vista que a parte autora comprovou ter realizado a venda do veículo para terceira pessoa - após a acionada autorizar a retirada do automóvel pelo Acionante - o que resulta na perda do objeto a ser periciado, conforme documentos carreados autos no evento 01. Na mesma direção afasto a preliminar de incompetência pelo valor da causa, haja vista que o art. 3º, Lei nº 9.099/95 assim dispõe: “Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo; II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil”, O novo CPC em seu art. 1.063 previu expressamente que: “ Até a edição de lei específica, os juizados especiais cíveis previstos na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 , continuam competentes para o processamento e julgamento das causas previstas no art. 275, inciso II, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 “. Tal artigo disciplina o procedimento sumários, nas causas qualquer que seja o valor, englobando as hipóteses que se amoldam ao caso em testilha, senao vejamos: “ Art. 275. Observar-se-á o procedimento sumário: (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995) I - nas causas cujo valor não exceda a 60 (sessenta) vezes o valor do salário mínimo; (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002) II - nas causas, qualquer que seja o valor; (...) d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre; (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995) e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução” Desta forma, diante do quanto exposto, rejeito as preliminares alegadas, entendendo pela reforma da sentença. Em razão da causa madura para julgamento, nos termos do art. 1013, §3º, I, CPC, conduzo ao julgamento imediato da lide,passando a analisar o mérito da demanda. No mérito, versam os autos sobre descumprimento de seguro de veículo. A parte autora afirma ter direito à indenização por danos materiais e morais, em face do acidente de trânsito ocorrido no dia 03 de dezembro de 2021, por volta das 6h, na Avenida Afrânio Peixoto, bairro de Coutos, sentido Paripe, nesta capital. Pugnou pela reparação dos danos sofridos. Insta ressaltar que o 1º Acionado e a 3ª Acionada não negaram a ocorrência do sinistro, reconhecendo a culpabilidade, na condição de proprietário/condutor, indicando a responsabilidade exclusiva da Seguradora pela cobertura dos danos causados ao terceiro. Diante do cotejo probatório carreado aos autos, verifica-se que o veículo foi levado para oficina indicada pelo seguro, tendo sido realizada vistoria do automóvel, ocasião em que foi classificado como caso de indenização integral, como informado pela própria Acionada seguradora, mediante envio de e-mail. No caso em comento, diante da análise das provas trazidas pelas partes, em razão da perda total do automóvel, a Seguradora apresentou proposta de acordo extrajudicial ao autor para o pagamento imediato da quantia de R$ 85.200,00, em 12/01/2022, o qual foi aceito pela parte autora no mesmo dia e assinado com firma reconhecida no dia seguinte, como comprovado no documento acostado aos autos (evento 01), de modo que, após o aceite do acordo, a 2º Acionada autorizou a retirada do veículo pelo Autor, conforme também provado na presente demanda. Contudo, posteriormente, em patente violação a boa fé objetiva a Recorrida negou o cumprimento do acordo, se recusando ao pagamento do montante indenizatório. A Ré alega a realização de laudo pericial, o qual fundamenta a exclusão de cobertura para as avarias não decorrentes do sinistro. Entrementes, não pode a parte autora ser prejudicada pelo aparente conflito interno da Allianz Seguro em relação aos procedimentos burocráticos referentes ao deferimento, ou não, da indenização securitária devida. Se através de vistoria, a informação prestada ao terceiro, in casu, a acionante, no sentido de que havia sido deferida a indenização integral em face da constatação da perda total do seu veículo, inclusive realizado acordo extrajudicial, não pode ser posteriormente modificada sem nenhuma justificativa aparente que a justifique. Desta forma, tem-se que a recusa ao pagamento é contraditória e incompatível com o princípio da boa-fé, o que é vedado no nosso ordenamento jurídico nacional, e consubstanciada no venire contra factum proprium. Portanto, não pode a Recorrida oferecer extrajudicialmente proposta de acordo, tendo sido aceita, inclusive o que fundamentou a autorização da retirada do veículo e depois, em conduta contrária, negar o pagamento da quantia acordada. Ainda, o laudo técnico foi realizado de forma unilateral pela ré, por isso, não comprova que as avarias registradas no veículo do segurado não se compatibilizam com o acidente narrado nos autos. Assim, verifica-se que a parte autora demonstrou a verossimilhança de suas alegações de que houve falha na prestação dos serviços, em razão da recusa em indenizar pelos danos sofridos pela parte autora e cobertos pelo seguro, causando-lhe prejuízos devidamente respaldados e contabilizados a partir dos fatos e provas processuais, e violando o princípio da proteção da confiança, tendo a parte ré se negado a reparar administrativamente a ilicitude, forçando-a à demanda judicial, razão pela qual, entendo ser indispensável a condenação da a 2º Acionada ao ressarcimento dos prejuízos materiais sofridos pela Recorrente, nos termos avençados no acordo extrajudicial descumprido, o que perfaz o montante de R$ 85.200,00 (oitenta e cinco mil e duzentos reais). Em tal âmbito, deve-se reconhecer a vulnerabilidade do consumidor, inclusive com facilitação da defesa de seus direitos, nos termos do art. 6º, VIII do CDC, Ora, no presente caso, resta cristalino que o desgaste ao qual se submeteu o autor extrapolou os contratempos naturalmente oriundos de todo inadimplemento contratual. De fato, as sucessivas tentativas de obter o pagamento da indenização, mediante dispêndio de tempo, ao lado da frustração decorrente da negativa indevida ao contrato assim como do acordo firmado entre as partes configuram verdadeira violação aos direitos da personalidade do requerente. Encontrando previsão no sistema geral de proteção ao consumidor inserto no art. 6º, inciso VI, do CDC, com recepção no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, e repercussão no art. 186, do Código Civil, o dano eminentemente moral, sem consequência patrimonial, não há como ser provado, nem se investiga a respeito do animus do ofensor. Consistindo em lesão de bem personalíssimo, de caráter subjetivo, satisfaz-se a ordem jurídica com a demonstração do fato que o ensejou. Ele existe simplesmente pela conduta ofensiva, e dela é presumido, sendo o suficiente para autorizar a compensação pecuniária. Com isso, uma vez constatada a conduta lesiva e definida objetivamente pelo julgador, pela experiência comum, a repercussão negativa na esfera do lesado, surge a obrigação de reparar o dano moral, sendo prescindível a demonstração do prejuízo concreto. Na situação em análise, a parte requerente não precisava fazer prova da ocorrência efetiva dos danos morais decorrentes dos fatos informados. Os danos dessa natureza se presumem, passando pela frustração da solução do problema sem a intervenção judicial, não havendo dúvida de que a prática abusiva do requerido vulnerou a sua intangibilidade pessoal, causando-lhe, inegavelmente, transtorno, aborrecimento, incômodo, aflição psicológica e sentimentos de impotência e frustração, que se instalariam em qualquer indivíduo, razão pela qual arbitro no montante de R$ 5.000,00, a título de dano extrapatrimonial, como o valor próximo do justo, o qual se mostra capaz de compensar, indiretamente e na medida dos fatos apurados, os sofrimentos e desgastes emocionais advindos à parte autora, e trazer a punição suficiente ao agente causador. Com essas considerações, e por tudo mais constante nos autos, voto por CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO interposto, para, reformando integralmente a sentença hostilizada, afastar a preliminar de complexidade da causa e, no mérito, julgar parcialmente procedente a ação para condenar a 2º Acionada ao pagamento de R$ 85.200,00 (oitenta e cinco mil e duzentos reais), acrescido de correção monetária desde o efetivo prejuízo (
súmula 43 STJ) e juros a partir da citação (
art. 405,
CC) e condenar os acionados, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais na importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com correção monetária a partir da prolação deste julgamento, momento que se deu a condenação, e juros, incidentes a partir da citação. Sem custas e sem honorários, diante do resultado do julgamento. Salvador, Sala das Sessões, data registrada no sistema. ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA Juíza Relatora
(TJ-BA, Classe: Recurso Inominado, Número do Processo: 0032500-38.2022.8.05.0001, Órgão julgador: QUINTA TURMA RECURSAL, Relator(a): ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA, Publicado em: 23/04/2023)