Art. 1 oculto » exibir Artigo
Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.
§ 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.
§ 2° É dever do Poder Público:
a) promover e criar as condições de acesso do trabalhador rural à propriedade da terra economicamente útil, de preferência nas regiões onde habita, ou, quando as circunstâncias regionais, o aconselhem em zonas previamente ajustadas na forma do disposto na regulamentação desta Lei;
b) zelar para que a propriedade da terra desempenhe sua função social, estimulando planos para a sua racional utilização, promovendo a justa remuneração e o acesso do trabalhador aos benefícios do aumento da produtividade e ao bem-estar coletivo.
§ 3º A todo agricultor assiste o direito de permanecer na terra que cultive, dentro dos termos e limitações desta Lei, observadas sempre que for o caso, as normas dos contratos de trabalho.
§ 4º É assegurado às populações indígenas o direito à posse das terras que ocupam ou que lhes sejam atribuídas de acordo com a legislação especial que disciplina o regime tutelar a que estão sujeitas.
Arts. 3 ... 5 ocultos » exibir Artigos
Jurisprudências atuais que citam Artigo 2
STJ
EMENTA:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DIREITO AGRÁRIO. AUSÊNCIA DE REVOLVIMENTO DOS FATOS. CONTRATO DE PARCERIA RURAL AGRÍCOLA REGISTRADO POSTERIORMENTE À CÉDULA DE PRODUTO RURAL REGISTRADA. AUSÊNCIA DE EFEITOS PERANTE TERCEIROS DO CONTRATO NÃO REGISTRADO COM ANTECEDÊNCIA. PUBLICIDADE. SEGURANÇA JURÍDICA. BOA-FÉ OBJETIVA. FRUSTRAÇÃO DA CONFIANÇA. EXPECTATIVA LEGÍTIMA NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS.
1. O tribunal em segunda instância decidiu que o penhor sobre os grãos em benefício da parte recorrida prevalece sobre o direito da recorrente, parceira outorgante, uma vez que as cédulas do produto rural foram registradas anteriormente ao contrato de parceria, devendo prevalecer, assim, a boa-fé da recorrida.
2. A
Lei n. 6.015/1973...« (+60 PALAVRAS) »
... prescreve que o registro determina a prioridade do título.3. O princípio da boa-fé objetiva, brocardo jurídico sustentáculo do desenho dos negócios jurídicos, ensina que é necessária a garantia da confiança e expectativas legítimas entre as partes, em todas as fases da contratação.4. A leitura do art. 56 do Decreto n. 59.566/1966 não pode ser realizada de forma isolada e desassociada dos princípios legais norteadores da melhor interpretação do nosso sistema contratual, assim como os princípios insertos no
art. 422 do
Código Civil.
5. A leitura do
art. 56 do
Decreto n. 59.566/1966 não afirma que a ausência de consentimento em contrato não registrado atinge anterior cédula de produto rural devidamente registrada, situação na qual não tinha como o terceiro prejudicado saber que anterior eventual negociação poderia ter sido entabulada.
Recurso especial improvido.
(STJ, REsp n. 2.038.495/GO, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 29/6/2023.)
Acórdão em DIREITO CIVIL |
29/06/2023
TRF-3
EMENTA:
APELAÇÃO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. MATÉRIA PRELIMINAR DE NULIDADE. PROGRAMA NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA. SUCESSÃO. POSSE DO LOTE.
Preliminarmente, afasto a alegação de nulidade da sentença por ausência de intervenção ministerial em 1ª Instância, na medida em que não demonstrada a ocorrência de prejuízo. O simples fato de o pedido formulado na ação ter sido julgado procedente, contrariamente aos interesses dos réus (particulares), não revela a ocorrência de prejuízo, sendo insuficiente para acarretar a nulidade do julgado e o consequente retorno dos autos à Vara de origem. Vale acrescentar que o representante ministerial não apontou quais provas pretende produzir nem mesmo indicou qual teria sido o prejuízo efetivo experimento pelas partes ou em detrimento ao interesse da coletividade.
...« (+1501 PALAVRAS) »
...Além do mais, é preciso considerar que o feito já tramita há mais de 10 anos (necessidade de observar o art. 5º, LXXVIII, da CF/1988 – princípio da razoável duração do processo) e que a intervenção do MPF em 2ª Instância supre a não intervenção na Instância inferior. Precedente do C. STJ.
Anoto, ainda, que nos autos nº 0005496-65.2012.403.6112, conexos a este efeito e objeto de julgamento em conjunto, a alegação de nulidade da sentença por ausência de intervenção ministerial em 1ª Instância, suscitada pelo Ministério Público Federal em seu parecer, foi rejeitada pelo E. Desembargador Federal Souza Ribeiro, sendo que, na sequência, a própria Douta Procuradoria Regional da República reformulou seu entendimento, para considerar que não se justifica a intervenção ministerial no caso em apreço (ID 90378205, fls. 52 daqueles autos).
O procedimento da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária é regido pela Lei Complementar nº 76/1993 e pela Lei nº 8.629/1993, a qual prevê no art. 2º que a propriedade rural que não cumprir com a função social, prevista no art. 9º da referida lei, quais sejam, aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores, é passível de desapropriação.
O que se denota das disposições constitucionais e legais pertinentes à matéria tratada nestes autos é que são dois os objetivos da reforma agrária: a) beneficiar as pessoas que apresentem aptidão para residir na terra e torna-la produtiva; b) estabelecer o bem-estar dos beneficiários e de suas famílias, proporcionando-lhes condições para que trabalhem e tirem o seu sustento da terra. Evidencia-se a preocupação não apenas com o próprio beneficiário da terra, mas também com os componentes de sua família.
O art. 18, §§ 10 e 11, da Lei nº 8.629/1993, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, estabelece a disciplina das situações decorrentes do falecimento do beneficiário do programa de distribuição de terras: § 10. Falecendo qualquer dos concessionários do contrato de concessão de uso ou de CDRU, seus herdeiros ou legatários receberão o imóvel, cuja transferência será processada administrativamente, não podendo fracioná-lo; § 11. Os herdeiros ou legatários que adquirirem, por sucessão, a posse do imóvel não poderão fracioná-lo.
A ideia de proteção à família do beneficiário originário que vem a falecer, no sentido de que seus herdeiros receberão o imóvel que lhe havia sido destinado, acaba por atrair a incidência das disposições do Código Civil atinentes à aquisição da posse, notadamente o seu art. 1.206, segundo o qual a posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres. O referido dispositivo legal, note-se, cuida da transmissão da posse em razão da morte, a chamada “sucessão na posse”, aplicando-se o princípio da “saisine” (art. 1.784 do CC), segundo o qual é garantida a transmissão desde logo aos herdeiros, não havendo que se falar em intervalo entre o falecimento e a transferência dos bens aos herdeiros, a qual se opera de imediato.
É preciso recordar, entretanto, que a posse agrária tem fundamentos distintos da posse civil, podendo ser entendida não somente como o exercício de alguns dos direitos inerentes a propriedade (art. 1.196 do CC), especialmente o direito de usar a coisa, mas sim como o exercício direto de atividades agrárias desempenhadas em gleba de terra rural, capaz de propiciar o seu pleno uso econômico e atendendo aos requisitos elencados no art. 186 da CF/1988. Portanto, é preciso que se verifique a exploração direta da terra para torná-la produtiva, eis que é esta a razão maior do projeto de reforma agrária. Assim, não basta que o interessado ostente a condição de herdeiro do beneficiário, é necessário que, efetivamente, esta pessoa tenha aptidão para trabalhar na terra, tornando-a produtiva e atendendo à função social da propriedade rural destinada à reforma agrária.
Da documentação existente nos autos é possível concluir, portanto, que o lote não se encontra abandonado, mas, ao contrário, está sendo objeto de exploração rural, atendendo à sua função social.
Não procede a argumentação do apelante, no sentido de que os opostos não contariam com justo título hábil a legitimar sua posse sobre o lote objeto da lide possessória. Na verdade, o justo título de que dispunha o beneficiário originário foi transmitido ao seu filho por força da sucessão havida.
Mas, ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que a ocupação do lote pelos réus fosse, por hipótese, tida como irregular, encontraria incidência no caso o art. 26-B da Lei nº 8.629/1993, segundo o qual a ocupação irregular de lote, sem autorização do INCRA, em área objeto de projeto de assentamento criado há, no mínimo, dois anos, contados a partir de 22/12/2016, poderá ser regularizada, desde que observadas as vedações constantes do art. 20 da citada Lei, bem como as condições previstas no mesmo art. 26-B.
Já em relação à posse exercida pelos autores, a solução há de ser outra. De fato, assim dispõe o art. 189, caput, da CF/1988, os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos.
A CF estabelece verdadeira cláusula temporal restritiva do direito de transmissão ou de cessão de uso de imóvel rural designado a programas de reforma agrária, o que encontra justificativa no próprio Estatuto da Terra, mais especificamente na figura do parceleiro, que é aquele que adquire lotes ou parcelas em área destinada à reforma agrária (arts. 4º, VII e IX, 25, 26 e 64, I, da Lei nº 4.504/1964). Assim, a concessão de uso é considerada inegociável, por sua natureza de ato celebrado em função da pessoa do parceleiro beneficiário, ao menos durante o prazo decenal constitucionalmente previsto.
Dessa forma, tem-se que há vedação constitucional explícita quanto à alienação do lote em questão, sendo que tal vedação também vem expressa no art. 18 da Lei nº 8.629/1993.
A vedação constitucional e legal se justifica, na medida em que a reforma agrária trata-se de política pública de inclusão social, não se podendo tolerar condutas que representem verdadeira especulação imobiliária envolvendo os imóveis rurais desapropriados e cedidos aos beneficiários do programa. É justamente por isso que o dispositivo legal proíbe qualquer negociação envolvendo as parcelas de terra destinadas pelo Programa Nacional de Reforma Agrária aos trabalhadores rurais, pelo período de dez anos, assegurando, outrossim, uma conduta ética e honesta daqueles que são beneficiários da política pública. Tal vedação também vem expressa no próprio Contrato de Assentamento. Já o art. 21 da Lei nº 8.629/1993 impõe a obrigação de cultivo direto e pessoal do imóvel ou através do núcleo familiar.
No caso sob apreciação, as provas dos autos indicam que o lote foi objeto de cessão com o contrato assinado em 17/12/2002. Desse modo, quando ocorreu a alegada alienação por parte dos herdeiros aos adquirentes, no ano de 2008, não havia transcorrido o prazo de dez anos exigido pela legislação de regência da matéria, de forma que o ato é de ser considerado ineficaz.
E, como consequência da violação às disposições constitucionais, legais e contratuais, não há que se falar que os autores sejam possuidores de boa-fé e com justo título, tratando-se o caso, na realidade, de mera ocupação do lote, uma vez que, em relação ao INCRA, não pode ser oposta como verdadeira posse, porquanto considerada clandestina (art. 1.208, CC).
É de se lembrar, ademais, que nos termos do art. 1.206 do CC, já mencionado acima, “a posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres”, de sorte que continuam a incidir as mesmas limitações legais e contratuais que vedam a negociação do imóvel rural destinado à reforma agrária pelo prazo de 10 anos.
Em relação aos autores não existe possibilidade de regularização fundiária, na forma prevista no art. 26-B da Lei 8.629/1993, visto que, além de a posse exercida não poder ser considerada de boa-fé, encontra incidência a restrição estabelecida no art. 18, § 11, da Lei nº 8.629/1993, que veda o fracionamento da posse do imóvel pelos herdeiros ou sucessores do primitivo beneficiário.
Não se pode falar, outrossim, em direito à indenização pelas benfeitorias eventualmente realizadas no lote, consoante pacífica jurisprudência do C. STJ, materializada em sua Súmula nº 619, segundo a qual “A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias”.
Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade (art. 1.196 do CC). O possuidor, ademais, tem direito de ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no caso de esbulho e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado (art. 1.210 do CC).
Além disso, de acordo com o art. 927 do CPC/1973, vigente à época da propositura da ação, nas ações possessórias é necessário que a parte autora comprove, cumulativamente, a turbação ou o esbulho praticado pelo réu, a data do fato ilícito, e a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção e, por sua vez, a perda da posse, na ação de reintegração (STJ, AgInt no AREsp 605.410/MG, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 03/08/2018).
A turbação, no caso, encontra-se demonstrada, uma vez que os réus, ora apelantes, estão ocupando o imóvel cuja posse foi cedida à família dos autores sem a aquiescência destes. A ocupação indevida atinge uma casa de morada e parte do lote onde os réus cultivam suas plantações, conforme foi verificado em constatação feita pelo Oficial de Justiça nos autos da ação de oposição acima mencionada.
Matéria preliminar rejeitada. Apelação não provida.
(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0007145-31.2013.4.03.6112, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 25/04/2024, DJEN DATA: 02/05/2024)
Acórdão em APELAÇÃO CÍVEL |
02/05/2024
TRF-3
EMENTA:
E M E N T A
APELAÇÃO. REEXAME NECESSÁRIO. AGRAVO RETIDO. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL RURAL. GUT E GEE. ATIVIDADE PECUÁRIA. PREVALÊNCIA DO LAUDO PERICIAL PRODUZIDO EM JUÍZO.
Muito embora não reste dúvida de que o INCRA realmente não foi intimado pessoalmente do início dos trabalhos periciais, fato é que não se verificou qualquer prejuízo para a defesa da Autarquia agrária. Se a falta de intimação para acompanhar a perícia gera simples nulidade relativa (ou anulabilidade), é preciso que o interessado direto alegue o vício na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos e comprove o prejuízo daí decorrente, o que não se verifica no caso sob exame.
O
art. 6º...« (+1185 PALAVRAS) »
... da Lei nº 8.629/1993 especifica o conceito de propriedade produtiva, prevendo como tal a propriedade rural que atinja, ao mesmo tempo, um determinado nível de utilização da terra (GUT) e um determinado nível de eficiência em sua exploração (GEE), conforme índices fixados pelo órgão federal competente, que, no caso, é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O Supremo Tribunal Federal, de há muito, teve a oportunidade de atestar a constitucionalidade da atribuição dada pelo art. 6º para que o INCRA fixe os índices mínimos de utilização da terra e de eficiência de sua exploração.
No exercício de seu poder-dever de aferição de produtividade, conforme o disposto no art. 6°, caput, da Lei nº 8.629/1993, o INCRA fiscalizará o cumprimento da plenitude da função social mediante a realização de vistoria no imóvel rural, na qual serão medidos o uso e a produção do imóvel nos 12 meses anteriores à comunicação da fiscalização prevista no art. 2º, §2º, da mesma Lei.
O grau de eficiência na exploração (GEE) é calculado a partir de duas variáveis (art. 6º, § 2º, I e II, da Lei nº 8.629/1993), quais sejam: a) o quociente da quantidade colhida de cada produto, pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo para cada Microrregião Homogênea, relativamente aos produtos vegetais; e b) o produto da divisão do número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo para cada Microrregião Homogênea, no que se refere à exploração pecuária. A soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II do artigo 6º, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de eficiência na exploração (art. 6º, § 2º, III, da Lei nº 8.629/1993).
A Instrução Normativa INCRA n° 08/1993 estabelecia as diretrizes para o procedimento administrativo das desapropriações por interesse social para fins de reforma agrária, sendo que o item 3.4.3 do seu Anexo 1 previa como fonte primária para apuração do efetivo pecuário as "Fichas de Registro de Vacinação e Movimentação de Gado e/ou Ficha do Serviço de Erradicação da Sarna e Piolheira dos Ovinos, obtidas junto ao Órgão Estadual de controle de sanidade animal, sediado no Município, ou junto ao proprietário". Subsidiariamente, o cálculo deverá ter por fundamento as informações contidas na última declaração do Imposto de Renda apresentada pelo proprietário, se possuidor de um único imóvel no país, ou na última declaração do Imposto Territorial Rural referente ao imóvel. E, em última hipótese, o efetivo pecuário será levantado por ocasião da vistoria, mediante contagem física do rebanho.
Cada animal do rebanho deve ser convertido para a mesma unidade de referência padrão ("unidade animal"), de acordo com sua categoria e idade, nos termos do item 3.4.3.1, Quadro 4, Anexo 1, da IN n° 08/1993, a fim de uniformizar o cálculo da produtividade.
No momento da realização da vistoria administrativa, o INCRA deveria ter adotado o último critério previsto na ordem estabelecida pelo item 3.4.3, Anexo 1, da IN n° 08/1993, promovendo a contagem física do rebanho, tal como sugeriu o laudo pericial. Porém, segundo a documentação existente nos autos, o INCRA deixou de proceder à contagem física dos animais por entender desnecessário. Dessa forma, até mesmo por conta da incidência do princípio da boa-fé, naquilo em que veda a prática de comportamentos contraditórios e impõe a lealdade entre as partes, não pode agora se insurgir contra a utilização do quadro resumo para o cálculo das unidades animais, sob o argumento que o documento fora produzido unilateralmente pelos apelados. Ademais, percebe-se que o citado documento contém os elementos necessários e suficientes para a apuração do efetivo pecuário conforme os critérios previstos na IN INCRA n° 08/1993 e, ao menos no que diz respeito a quantidade total de animais, não contraria os Demonstrativos de Movimentação de Gado.
É improcedente o argumento do recorrente, de que em se tratando de propriedade pecuária, a grandeza "unidades de animais" (ou "número de cabeças"), que compõe o cálculo do GEE, pressupõe interpretar os "garrotes" e "novilhas" dos Demonstrativos de Movimentação de Gado (DMG), respectivamente, como bovinos machos e fêmeas com idade inferior a dois anos, o que ensejaria a aplicação do fator de conversão 0,37, diferentemente do critério injustificadamente utilizado pelos recorridos e pela perícia, que os considerou como bovinos machos e fêmeas maiores de dois anos, utilizando o fator de conversão 0,87 e, portanto, aumentando o índice do GEE.
O exame da documentação revela que tal documento realmente inverteu a quantidade de bovinos maiores e menores de dois anos de idade, pois estes deveriam totalizar 555 cabeças, enquanto aqueles deveriam totalizar 1.196 cabeças, e não o contrário. Entretanto, esse equívoco foi notado pelo perito judicial que, corrigindo o equívoco cometido, houve por bem reavaliar o efetivo pecuário, padronizando-o em unidades animais (UAs) conforme o fator de conversão próprio para cada categoria e idade, o que o levou a concluir pela produtividade da propriedade, ante o GEE de 114,81% encontrado, bem superior ao patamar mínimo de 100%, exigido pelo art. 6º, § 2º, da Lei nº 8.629/1993. Tal equívoco já seria motivo bastante para viciar o processo administrativo, o qual se baseou em falsa premissa para afastar a impugnação apresentada pelos autores.
Não há que se falar em ausência de fundamento técnico e documental da perícia. As informações de que se valeu o perito judicial para chegar à "Área Efetivamente Utilizada" para pecuária constam do Relatório de Levantamento de Dados da Fazenda São Joaquim elaborado pelo próprio INCRA quando da vistoria administrativa. De novo, a aplicação do princípio da boa-fé, consistente no dever de probidade, transparência e lisura entre as partes, impede que a Autarquia agrária procure, agora, afastar a utilização no caso concreto, pelo perito judicial, de documentação por ela mesma elaborada. Além disso, os índices de produtividade não podem ser tomados com base em dados estanques, mas dentro de um período razoável, sendo certo que, embora ocorrida em 06.11.1997, a vistoria apurou a produtividade referente ao período agrícola imediatamente anterior (julho/96 a junho/97), refletindo as circunstâncias fáticas daquela época.
Os elementos de convicção existentes nos autos conduzem à conclusão de que o imóvel rural objeto do presente feito destina-se exclusivamente à pecuária, de sorte que os dispositivos invocados pelo apelante não se aplicam à espécie, na medida em que dizem respeito à agricultura.
É certo que não será considerada, para os fins estabelecidos na Lei nº 8.629/1993, qualquer modificação, quanto ao domínio, à dimensão e às condições de uso do imóvel, introduzida ou ocorrida até seis meses após a data da comunicação para levantamento de dados e informações, efetuada ao proprietário, preposto ou seu representante. É o que preconiza o art. 2º, § 4º, da referida Lei 8.629, com apoio na jurisprudência. Conclui-se, portanto, que a aferição da (im)produtividade, para fins de afetação do imóvel rural ao Programa de Reforma Agrária, deve levar em conta as condições que o imóvel apresentava no momento da vistoria administrativa realizada pelo INCRA.
No caso sob exame os apelados adquiriram o imóvel em 31/10/1996, ou seja, poucos meses após o início do período considerado para a aferição da produtividade (julho/1996 a junho/1997), sendo que a partir de então foram promovidas diversas melhorias na propriedade, orientadas, inclusive, por projeto técnico de pastagens.
O próprio INCRA reconheceu que a propriedade é produtiva, tanto que em 07/01/2003, paralisou o processo administrativo, informando que o código foi desbloqueado e que não paira ação de desapropriação da autarquia sobre este imóvel.
À luz de todas as considerações supra, resta evidenciado nos autos que se está diante de propriedade rural produtiva, insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária (
art. 185,
II, da
CF/1988), não havendo qualquer justificativa para afastar as conclusões a que chegou o laudo pericial oficial, elaborado por perito judicial imparcial, com conhecimento técnico sobre o tema (
art. 145 do
CPC/73) e que goza da confiança do juízo da causa.
Agravo retido, apelação e reexame necessário desprovidos.
(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0014605-94.1998.4.03.6112, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 11/04/2024, DJEN DATA: 17/04/2024)
Acórdão em APELAÇÃO CÍVEL |
17/04/2024
TERMOS DE USO DA JURISPRUDÊNCIA
Arts.. 6 ... 8
- Capítulo seguinte
Dos Acordos e Convênios
Disposições Preliminares
(Capítulos
neste Título)
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