Como anular uma multa de trânsito?
Para anular uma multa de trânsito, é necessário seguir um processo administrativo, que consiste na apresentação de uma defesa ou recurso às autoridades competentes. No Brasil, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) rege os procedimentos para contestação de multas de trânsito.
Passo a Passo:
- Notificação da multa: Ao ser autuado, o condutor recebe uma notificação, contendo a descrição da infração, data e hora do ocorrido, e informações sobre o prazo para pagamento ou apresentação de recurso.
- Defesa prévia: Antes de recorrer, o condutor pode apresentar uma defesa prévia à autoridade de trânsito que aplicou a multa. Nessa fase, é possível alegar irregularidades formais, como erros no preenchimento do auto de infração, na identificação do veículo ou do condutor.
- Recurso em 1ª instância: Caso a defesa prévia seja negada, o condutor pode recorrer à Junta Administrativa de Recursos de Infrações (JARI) dentro do prazo estabelecido, que normalmente é de 30 dias a partir da notificação. O recurso deve conter argumentos consistentes, como falhas no procedimento de autuação ou a apresentação de provas de que o condutor não cometeu a infração.
- Recurso em 2ª instância: Se o recurso for negado na JARI, é possível apresentar um novo recurso em segunda instância ao Conselho Estadual de Trânsito (CETRAN) ou ao Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), dependendo do tipo de infração.
Base Legal: A contestação de multas de trânsito está prevista nos artigos 280 a 290 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997).
Qual a influência do Princípio da Legalidade no recurso de multa?
O auto de infração de trânsito, assim como qualquer processo administrativo é regido por normas de Direito Administrativo (Direito Público), e como tal é adstrita ao Princípio da Legalidade.
Ou seja, diferentemente do cidadão comum, que pode fazer tudo que a lei não proíbe (Art. 5º, inc. II da CF), a Administração Pública só pode fazer aquilo que estiver previamente previsto em lei (Art. 37 da CF).E com os órgãos de fiscalização de trânsito não é diferente, uma vez que são vinculados ao princípio da Legalidade, segundo o qual, devem seguir procedimentos legalmente previstos.
O princípio da legalidade é a base de todos os demais princípios, uma vez que instrui, limita e vincula as atividades administrativas, conforme refere Hely Lopes Meirelles:
"A legalidade, como princípio de administração (CF,art.37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. É o que diz o inc. I do parágrafo único do art. 2ºdalei9.784/99. Com isso, fica evidente que, além da atuação conforme à lei, a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos.
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘poder fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’."(inDireito Administrativo Brasileiro, Editora Malheiros, 27ª ed., p. 86),
No mesmo sentido, leciona Diógenes Gasparini:
"O Princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, em toda sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade do seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal ou que exceda o âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe à anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o do particular. De fato, este pode fazer tudo que a lei permite e tudo o que a lei não proíbe; aquela só pode fazer o que a lei autoriza e, ainda assim, quando e como autoriza. Vale dizer, se a lei nada dispuser, não pode a Administração Pública agir, salvo em situação excepcional (grande perturbação da ordem, guerra)" (in GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo, Ed. Saraiva, SP p.06)
Quando o assunto é infração de trânsito, vários requisitos processuais devem ser observados, antes que uma penalidade seja definitivamente aplicada ao condutor. Todavia, nem sempre estes procedimentos são observados, levando à nulidade da multa, veja alguns deles:
1. Do prazo legal de notificação
A Legislação aplicável à matéria, de forma muito objetiva, estabelece que o lapso de tempo entre a lavratura do Auto de Infração e a notificação via postal deve ser de trinta (30) dias, nos termos do Art. 281, II do CTB:
Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.
§ 1º O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:
I - se considerado inconsistente ou irregular;
II - se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação.
Trata-se da indispensável aplicação do princípio da Legalidade, o qual a Administração Pública é estritamente vinculada.
2. Da ausência de notificação prévia
Outra falha muito comum é a ausência de prévia notificação à aplicação de penalidade. Ou seja, ocorre quando o Auto de Infração é aplicado sem prévia notificação do condutor para promover sua defesa.
Ao instaurar um processo administrativo de penalidade, esta Autoridade deveria de imediato garantir o direito ao contraditório e à ampla defesa, conforme expressa previsão do CTB:
Art. 282. Caso a defesa prévia seja indeferida ou não seja apresentada no prazo estabelecido, será aplicada a penalidade e expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil que assegure a ciência da imposição da penalidade.
Trata-se de regra sumulada pelo STJ:
Súmula 312:No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração
A ausência de oportunidade prévia trata-se de manifesta quebra do direito constitucional à ampla defesa, conforme análise dos tribunais:
ADMINISTRATIVO. MULTA DE TRÂNSITO. LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO. PROCEDIMENTO.ARTIGOS 280,281E 282 DO CTB.SÚMULA 312 STJ. DUPLA NOTIFICAÇÃO. ENDEREÇAMENTO DA NOTIFICAÇÃO À RESIDÊNCIA DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO. NÃO COMPROVADO. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO. No procedimento de aplicação da multa de trânsito se exige a notificação do infrator em duas oportunidades. A primeira é a notificação do cometimento da infração, que oportunizará a apresentação da chamada 'defesa prévia'. A outra notificação é da aplicação da penalidade, após o julgamento da consistência do auto de infração de trânsito, forte nosartigos 280,281e282doCódigo de Trânsito Brasileiro. Demonstrado pela parte autora que as notificações não foram oportunamente enviadas para o endereço do proprietário do veículo devidamente cadastrado no órgão de trânsito, porém a ele foi direcionada a penalização decorrente do auto de infração, atribui-se ao DNIT a responsabilidade pela ausência de conhecimento da autuação e da aplicação da penalidade, e opera-se no caso concreto a decadência do direito de punir. (TRF-4, AC 5001745-97.2019.4.04.7118, Relator(a): MARIA ISABEL PEZZI KLEIN, QUARTA TURMA, Julgado em: 05/02/2020, Publicado em: 05/02/2020)
A doutrina, no mesmo sentido segue este entendimento.
"É sabido que a ampla defesa e o contraditório não alcançam apenas o processo penal, mas também o administrativo, nos termos do art. 5º, LV da CF/88. É que a Constituição estende essas garantias a todos os processos, punitivos ou não, bastando haver litígios".(Harrison Leite, Manual de Direito Financeiro, Editora jus podivum, 3ª edição, 2014, p. 349)
Portanto, a aplicação de multa sem a oportunização à prévia defesa, configura nítida quebra do contraditório e da ampla defesa, razão pela qual, requer a imediata suspensão da pena aplicada, por manifesta ilegalidade.
3. Dupla penalidade pela mesma infração
Em alguns casos, o condutor é duplamente penalizado pelo mesmo ato, como por exemplo duas multas de excesso de velocidade com segundos de diferença.
Tal fato configurabis in idem,amplamente conhecido como "princípio da vedação da dupla punição pelo mesmo fato", ocasionando desta forma uma condenação dupla pela mesma infração, conforme vedado pela jurisprudência:
ADMINISTRATIVO. LAVRATURA DE DOIS AUTOS DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO POR ESTACIONAMENTO PROIBIDO. MESMO LOCAL E DIA. DUPLICIDADE DE PENALIDADE PELO MESMO FATO. BIS IN IDEM. VEDAÇÃO. Os dois autos de infração foram lavrados no mesmo dia por fiscais distintos com diferença de cerca de 6 horas entre ambos, levando a crer que se referem ao mesmo fato, de modo que a imposição de ambos configuraria bis in idem, o que é vedado no ordenamento jurídico brasileiro. Sentença mantida para anular um dos autos de infração. (TJ-RO - RI: 00051465920128220601 RO 0005146-59.2012.822.0601, Relator: Juiz Franklin Vieira dos Santos, Data de Julgamento: 30/08/2013, Turma Recursal - Porto Velho, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 09/09/2013.)
Tratam-se de algumas das irregularidades usualmente encontradas em processos administrativos sancionadores.
4. Prescrição - Não julgamento do recurso no prazo de 24 meses
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em seu artigo 289-A, determina que a não observância dos prazos previstos no §6º do Art. 285 e no caput do Art. 289 acarreta a prescrição da pretensão punitiva.
Dessa forma, se o recurso não for julgado dentro de 24 meses, conforme estabelecido na norma, a infração deve ser declarada nula, impedindo a imposição de qualquer penalidade ao recorrente.
Mas atente que tal dispositivo só é válido para decisões posteriores à vigência da norma:
CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO - PROCESSO ADMINISTRATIVO DE CASSAÇÃO DO DIREITO DE DIRIGIR - PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO PREVISTA NO ART. 289-A DO CÓDIGO DE TRÂNSITO - Inadmissibilidade - Disposição incluída pela Lei 14.229/21, a qual entrou em vigor após o julgamento do recurso - Art. 7º do referido diploma legal que estabeleceu a entrada em vigor do novo art. 289-A somente a partir de 1º de janeiro de 2024 - Improcedência do pedido - Sentença mantida - Recurso do autor desprovido. (TJSP; Recurso Inominado Cível 1022963-83.2024.8.26.0053; Relator (a): Luiz Fernando Pinto Arcuri - Colégio Recursal; Órgão Julgador: 7ª Turma Recursal de Fazenda Pública; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - Núcleo Especializado de Justiça 4.0 - DETRAN / TRÂNSITO; Data do Julgamento: 24/09/2024; Data de Registro: 24/09/2024)
Quais os prazos de defesa e recurso administrativo de trânsito?
São três oportunidades de contestação da multa: defesa prévia (mínimo 30 dias após notificação de autuação - Art. 281-A do CTB), recurso à JARI (mínimo 30 dias após notificação de penalidade - Art. 282, §4º e Art. 286 do CTB) e recurso ao CETRAN/CONTRANDIFE (30 dias após decisão da JARI - Art. 288 e Art. 289 do CTB)
Com base nesta argumentação, veja alguns modelos de recursos de trânsito:
Recurso de multa de trânsito - Excesso de velocidade
Recurso de multa de trânsito - Embriaguês - Lei seca
Sempre é recomendável consultar um advogado especializado em trânsito para analisar o caso e aumentar as chances de sucesso no processo de anulação da multa.