PROCESSO Nº: 0800209-95.2019.4.05.8308 - APELAÇÃO CÍVEL
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO:
(...)
ADVOGADO:
(...) e outro
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Fernando Braga Damasceno - 3ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Arthur Napoleão Teixeira Filho
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MILITAR. LICENÇA ESPECIAL NÃO CONTADA EM DOBRO PARA FINS DE INATIVAÇÃO. CONVERSÃO EM PECÚNIA. VALOR DE UMA REMUNERAÇÃO PARA CADA MÊS DE LICENÇA ESPECIAL NÃO GOZADA. SUCUMBÊNCIA DA UNIÃO. CARACTERIZAÇÃO. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS. CABIMENTO.
1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido,
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...para condenar a ré a pagar ao autor o valor correspondente ao período de licença especial não gozada, e não contabilizada em dobro quando da transferência daquele para a reserva remunerada, excluindo o aludido período para fins de percepção/majoração de adicionais, e compensando do valor da indenização os valores já recebidos a esse título (adicionais incidentes), o que deverá ser apurado em liquidação de sentença. Por fim, estabeleceu-se a condenação do autor - com a ressalva do art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil - e da ré ao pagamento dos honorários advocatícios, estes em percentuais a serem ulteriormente fixados, ao fundamento de que "não sendo líquida a sentença, a definição do percentual, nos termos previstos nos incisos I a V, somente ocorrerá quando liquidado o julgado" (art. 85, § 4.º, II, do Código de Processo Civil). 2. No caso em apreço, observa-se que, na inicial, o autor defendeu que os 6 (seis) meses de licença especial, que não foram gozados, deveria ser contado em dobro para fins de conversão em pecúnia. Em outros termos, o demandante requereu que a licença de 06 meses fosse convertida em pecúnia, referente a 12 remunerações brutas. Subsidiariamente, requereu "a indenização de 06 (seis) remunerações brutas, em valor equivalente aos proventos percebidos à época da transferência para a inatividade (18.12.2017), excluindo da aludida condenação a compensação dos valores já recebidos a título de gratificação de tempo de serviço já recebida desde a passagem para a inatividade, o que deverá ser apurado em liquidação de sentença, sem incidência de imposto de renda, por se tratar de verba de caráter indenizatório". 3. A União, em sua contestação, além de impugnar a concessão do benefício de justiça gratuita, afirmou que, "De fato, o autor desta ação não gozou sua licença enquanto esteve no serviço ativo, tampouco precisou da sua contagem em dobro (12 meses para cada licença especial) para completar o período mínimo necessário para a passagem à inatividade (30 anos).". No entanto, defendeu que o demandante gozou do benefício de forma diversa, na medida em que tal licença serviu para antecipar o recebimento de determinadas vantagens pecuniárias e aumentar o valor de outras. Argumentou, ainda, que "há possibilidade de conversão em pecúnia da licença especial não gozada nem contada em dobro para a inatividade, desde que determinada a compensação das quantias recebidas a título de adicional de tempo de serviço/antecipação de adicional de permanência, e extinta a majoração desses adicionais, na proporção do tempo de licença especial utilizado no cálculo dessas verbas." e que "No caso dos autos, não houve renúncia do autor. Muito pelo contrário, o demandante requer expressamente a exclusão, na condenação, da compensação dos valores já recebidos a título de adicional de tempo de serviço e de permanência.". Asseverou também que "A regra da contagem em dobro não se aplica para a conversão em pecúnia, mas, tão-somente, para fins de contagem de tempo ficto para transferência do militar à reserva remunerada.". 4. Na sentença, o juízo de origem rejeitou a preliminar de impugnação à justiça gratuita, e, quanto ao mérito, entendeu que: a) "o reconhecimento do direito à percepção de indenização referente à licença prêmio não se coaduna com a manutenção do recebimento, pelo servidor, de eventuais vantagens financeiras decorrentes da dita licença, de forma que, determinada sua conversão em pecúnia, o respectivo período, dobrado, não poderá ser computado para efeito de cálculos de possíveis vantagens, impondo-se a compensação dos valores já percebidos, inexistindo, assim, locupletamento indevido."; b) "revela-se incontroverso que o autor manifestou a opção de destinar o adquirido período de licença especial para ser gozado e, não o sendo, contabilizado em dobro quando da sua passagem à inatividade remunerada (Id. 4058308.9982437). Ocorre que tais circunstâncias não ocorreram, posto que o autor não gozou tal período de licença, como também não precisou que dito período fosse utilizado quando transferido, a pedido, para a reserva remunerada (Id. 4058308.9982483), - embora beneficiado pelos reflexos financeiros da contagem do respectivo tempo de serviço (Id. 4058308.10393907)."; c) "o respectivo período de licença não deverá ser computado em dobro para fins de majoração de adicionais incidentes, devendo ser excluído de tais adicionais. No mesmo sentido, devem ser compensados do valor da indenização os valores já recebidos a esse título, o que deverá ser apurado em liquidação de sentença. Sendo assim, não há que se falar em locuplemento ilícito do autor.". Ao final, julgou parcialmente procedente o pedido, "para CONDENAR a ré a pagar ao autor o valor correspondente ao período de licença especial não gozada, e não contabilizada em dobro quando da transferência daquele para a reserva remunerada, excluindo o aludido período para fins de percepção/majoração de adicionais, e compensando do valor da indenização os valores já recebidos a esse título (adicionais incidentes), o que deverá ser apurado em liquidação de sentença.". Além disso, condenou o autor - com a ressalva do art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil - e a ré ao pagamento dos honorários advocatícios, estes em percentuais a serem ulteriormente fixados quando liquidado o julgado. Por último, determinou que o valor da condenação seja atualizado (correção monetária) em consonância com as disposições do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. 5. A União opôs embargos de declaração, requerendo que constasse, expressamente, na parte dispositiva que a conversão em pecúnia do período da LE não gozado pelo demandante deverá ser de apenas 6 (seis) meses, sendo, portanto, incabível o pedido de recebimento em dobro da referida Licença Especial. Os referidos embargos foram improvidos, sob o fundamento de que "o dispositivo da sentença prolatada constou expressamente que o período de licença especial não gozada será contabilizado em dobro". 6. Infere-se dos autos que o demandante ingressou no Exército em 22/02/1988 e foi transferido, a pedido, para a reserva remunerada, conforme Portaria nº 477 - DCIPAS/31.1, de 18.12.2017, tendo computado o tempo de serviço para a inatividade de 34 anos, 5 meses e 21 dias, da seguinte forma: a) tempo de efetivo serviço: 30 anos, 09 meses e 21 dias; b) Acréscimos do art. 137, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.880/80 - LE não gozada: 06 meses, convertidos em 1 ano; c) Acréscimos do art. 137, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.880/80 - Guarnição Especial: 08 anos convertidos em 02 anos e 8 meses. 7. Consta dos autos, ainda, que, em agosto de 2015, o autor passou a receber o percentual de 5% de adicional de permanência, por ter completado 720 dias após 30 anos de serviços prestados. Além disso, o autor optou por computar a licença especial como tempo de serviço fictício para o pagamento do adicional de tempo de serviço (1%). 8. Feitas tais considerações, ressalto que a licença especial era prevista na Lei nº 6.880/80, e consistia na autorização para o afastamento total do serviço, pelo período de 6 (seis) meses, relativa a cada decênio de tempo de efetivo serviço prestado, concedida ao militar que a requeresse. A norma que previa tal possibilidade foi revogada pela Medida Provisória nº 2.215-10, de 31/08/2001, ficando ressalvado que "Os períodos de licença especial, adquiridos até 29 de dezembro de 2000, poderão ser usufruídos ou contados em dobro para efeito de inatividade, e nessa situação para todos os efeitos legais, ou convertidos em pecúnia no caso de falecimento do militar". 9. A Portaria nº 348, de 17 de julho de 2001 regula, no âmbito do Comando do Exército, a aplicação do art. 33 da Medida Provisória nº 2.188-7, de 28 de junho de 2001, quanto à opção pela utilização dos períodos de Licença Especial adquiridos e não gozados até 29 de dezembro de 2000. Essa norma estabeleceu que a opção de que trata o art. 33 da Medida Provisória nº 2.188-7/2001 deverá ser expressa pelos militares em serviço ativo, por meio da apresentação do Termo de Opção, que tem por finalidade permitir que os militares da ativa manifestem sua opção pela conversão dos períodos de Licença Especial adquiridos e não gozados até 29 de dezembro de 2000 em pecúnia, por ocasião do seu falecimento, e, alternativamente, pelo seu gozo, ou caso não venham a ser gozados, pela sua contagem em dobro na passagem à inatividade remunerada, e nessa situação para todos os efeitos legais. 10. Com a expedição da Portaria Normativa nº 31/GMMD, de 24/05/2018, foi conferido aos militares a opção de obter a conversão da Licença especial não gozada em pecúnia. 11. O Parecer nº 125/2018/CONJUR-MD/CGU/AGU, que ensejou a expedição da referida Portaria Normativa pontuou que: i) na específica hipótese dos militares que optaram pelas alternativas "b" ou "c" do termo de opção de 2001 e tenham 30 (trinta) anos ou mais de efetivo tempo de serviço, é devido, em favor desses, a conversão em pecúnia dos períodos de LE adquiridos antes de 28/12/2000 e não gozados, pois, nesses casos, o cômputo em dobro desses períodos não gera qualquer efeito concreto na antecipação da transferência para a inatividade, implicando, objetivamente, em enriquecimento sem causa da administração (o militar trabalhou efetivamente quando o direito assegurado era o de ser remunerado sem trabalhar, seja pelo gozo da licença, seja pela antecipação da inatividade); ii) é devida também a conversão em pecúnia das licenças especiais para aqueles ex-militares já desligados da Administração castrense, transferidos para a reserva não remunerada, que tenham adquirido e não gozado períodos de licença especial até 29 de dezembro de 2000; iii) o valor devido como conversão em pecúnia é de uma remuneração por cada mês de licença especial não gozada, nem computada em dobro para a inatividade, devendo o militar ser indenizado com base na remuneração respectiva a que fazia jus quando transferido para a inatividade ou quando se desligou da Administração castrense, à base de seu valor histórico corrigido monetariamente; iv) ainda que cabível a conversão em pecúnia dos períodos de licença especial nos específicos casos de que trata este parecer, conclui-se que, se requerida a conversão em pecúnia: 1) deverá ser extinta a majoração do adicional por tempo de serviço ocorrida pelo cômputo em dobro da licença especial, bem como deverá ocorrer a compensação dos valores já pagos a este título pela Administração Militar; 2) deverá ocorrer a compensação dos valores já pagos antecipadamente a título de percentual do adicional de permanência em decorrência do referido tempo fictício computado para completar o prazo previsto no inciso I do art. 10 do Decreto nº 4.307, de 2002, inclusive quando do pagamento pleiteado pelos sucessores do militar, promovendo a adequação do atual percentual do adicional de permanência a que faz jus o militar, desconsiderando-se o tempo fictício contado em dobro da licença especial; v) a quantia decorrente da conversão em pecúnia da licença especial tem natureza indenizatória, logo, sobre ela não incide imposto de renda. 12. É cediço que a jurisprudência do STJ é firme no sentido de ser devida a conversão em pecúnia da licença-prêmio não gozada e não contada em dobro, por ocasião da aposentadoria do servidor, sob pena de indevido locupletamento por parte da Administração Pública. 13. Não há dúvida de que, para efeitos de direito à reserva remunerada, o cômputo em dobro dos meses de licença não gozada como tempo de serviço em nada beneficiou o autor. Por outro lado, o cômputo do período referente à licença especial, em conformidade com a manifestação exarada no Termo de Opção, gerou benefícios para o demandante, no que diz respeito ao quantum auferido a título de proventos de inatividade, como admitido por ele. 14. A esse respeito, ressalta-se que esta egrégia Terceira Turma já se manifestou no sentido de inexistir enriquecimento sem causa da Administração, na hipótese em que o militar tiver, de alguma forma, se beneficiado com o cômputo em dobro da licença especial não gozada - a exemplo do quantum auferido a título de proventos de inatividade, como adicional de tempo de serviço, adicional de permanência e promoção ao posto ou graduação superior. Nesse sentido: TRF5, Terceira Turma, PROCESSO: 0801501-90.2015.4.05.8200, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA DAMASCENO, julgamento:22/02/2018; PROCESSO: 08034011520184058100, AC - Apelação Civel - , DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 28/09/2018; PROCESSO: 08137796420174058100, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRA, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 12/09/2019; PROCESSO: 08037755620174058200, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI GURGEL DE SOUZA, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 15/04/2021. 15. Ocorre que, na apelação, a União afirmou textualmente que "está correta a sentença que defere a conversão em pecúnia da licença especial e não contabilizada em dobro quando da transferência do autor para a reserva remunerada, excluindo o aludido período para fins de percepção/majoração de adicionais, e compensando do valor da indenização os valores já recebidos a esse título (adicionais incidentes), o que deverá ser apurado em liquidação de sentença.". Em seguida disse que "O ponto de divergência e objeto deste apelo é o pagamento, na conversão em pecúnia, da remuneração bruta em dobro, eis que em total afronta à legislação pertinente e em evidente enriquecimento ilícito às custas do Erário.". 16. Portanto, não é possível a reforma da sentença nesse ponto, tendo em vista a delimitação feita nas razões recursais. Cabe apenas analisar se é devido o cômputo em dobro dos períodos de licença não gozados para fins de conversão em pecúnia indenizatória. 17. Em relação a esse ponto, tem-se que o art. 95 do Decreto nº 4.307/2002 dispõe que "Será devido o valor de uma remuneração para cada mês de licença especial não gozada, caso convertido em pecúnia, conforme disposto no art. 33 da Medida Provisória no 2.215-10, de 2001.". 18. Desse modo, considerando que o demandante a conversão em pecúnia do período da LE não gozado pelo demandante deverá ser de apenas 6 (seis) meses. 19. Vê-se, outrossim, que a União sustentou que o autor não faz jus ao benefício de justiça gratuita, pois percebe soldo e adicionais no valor mensal de R$ 20.039,73 e, mesmo após os descontos em seu contracheque, recebe o valor líquido de R$ 6.011,92 + R$ 3.586,66 (pagamento do IR descontado do contracheque). A esse respeito, comungo do entendimento do juízo sentenciante no sentido de que "o autor juntou documentos que comprovam que, embora usufrua de uma renda razoável, possui diversos gastos em decorrência de patologia que acomete sua filha, juntando, ainda, comprovantes de inscrições em órgãos de proteção ao crédito, como SPC/SERASA (Id. 4058308.9982606/ 4058308.9982613 e 4058308.10688266/ 4058308.10688296). Em vista disso, resta comprovada a impossibilidade do autor de custear as despesas do processo sem comprometer sua subsistência e de sua família (
art. 5.º,
LXXIV, da
Constituição Federal de 1988).".
20. Por fim, considerando que na contestação a União pugnou expressamente pela improcedência do pedido formulado na inicial, tem-se que, de fato, houve sucumbência recíproca, não merecendo prosperar a pretensão de afastar a condenação da demandada em honorários advocatícios.
21. Apelação parcialmente provida, para reformar a sentença recorrida, apenas para estabelecer que a conversão em pecúnia do período da LE não gozado pelo demandante deverá ser de apenas 6 (seis) meses.
(TRF-5, PROCESSO: 08002099520194058308, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADORA FEDERAL GISELE CHAVES SAMPAIO (CONVOCADA), 3ª TURMA, JULGAMENTO: 16/02/2023)