PJE 0805787-18.2018.4.05.8100
ADMINISTRATIVO. INPI. REGISTRO DE MARCA.
LEI 9.279/1996. EMPRESA RÉ. MARCA NOTORIAMENTE CONHECIDA. RECONHECIMENTO. NULIDADE DO REGISTRO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA.
1. Cuida-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido, em ação na qual pretende a suspensão dos efeitos dos registros concedidos pelo INPI nos processos 830683844 e 840305419, além da abstenção, por parte da segunda demandada, da prática de qualquer ato administrativo e/ou judicial de impedimento do uso da marca em questão por parte da autora. Os honorários advocatícios foram fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa, nos termos do
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..., § 3º, I, do CPC. 2. Em seu apelo, o particular defende, em síntese, que: a) o conhecimento da marca deve ser verificado no mercado brasileiro, sendo irrelevante sua fama no exterior; b) nenhuma pesquisa foi apresentada pela "STAATLICHES HOFBRÄUHAUS" apontando que o mercado brasileiro, em especial o cearense, reconhece "HOFBRÄUHAUS" como sendo a pretensa famosa cervejaria alemã com atuação no Brasil; no Ceará, a marca "HOFBRAUHAUS" é reconhecida como sendo uma marca de restaurante que atua nesse mercado há quase trinta anos; c) há uma convivência de mais de duas décadas sem que haja quaisquer indícios de práticas que possam vir a ser consideradas concorrência desleal, não se evidenciando riscos ao consumidor entre as duas marcas; d) a fama adquirida pela empresa apelante pode ser determinante para justificar a coexistência das marcas; e) o perito e agente da Propriedade Industrial, Sr. (...), API 957/98, aplicou o Teste 360º, indicando não haver qualquer registro de confusão entre os serviços e a convivência das marcas durante os 20 (vinte) anos, concluindo que os serviços são dirigidos a públicos distintos, o que afasta, ainda mais, qualquer possibilidade de confusão; f) a semelhança fonética entre as marcas "HOFBRAUHAUS" e "HB HIOFBRÄUHAUS" não foi considerada suficiente pelo perito para determinar a existência de conflito entre as marcas em função do elemento diferenciador "HB"; g) se foram concedidas marcas sem exclusividade do uso do nome "HOFBRÄUHAUS", o INPI jamais poderia deferir a marca nominativa para a STAATLICHES HOFBRÄUHAUS (processo 830683844); h) em razão da impossibilidade de concessão de direito de uso exclusivo do nome "HOFBRÄUHAUS ", o INPI concedeu os registros das duas primeiras marcas (processos 816022828 e 8207745987) sem exclusividade do nome "HOFBRÄUHAUS". 3. Depreende-se e constata-se dos autos:
a) Trata-se de ação de procedimento comum ajuizada por (...) - ME em face do Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI e Staatliches Hofbräuhaus in München, por meio da qual pretende a suspensão dos efeitos dos registros concedidos pelo INPI nos processos 830683844 e 840305419, além da abstenção, por parte da segunda demandada, da prática de qualquer ato administrativo e/ou judicial de impedimento do uso da marca em questão por parte da autora.
b) Narra que o INPI concedeu a marca "HOFBRÄUHAUS" no processo 816022828, requerido em 04/01/1991, concessão essa feita em 25/08/1992, tendo o registro sido concedido e devidamente apostilado sem exclusividade de uso para a palavra "HOFBRAUHÄUS", atendendo, assim, aos ditames previstos da Lei de Propriedade Industrial.
c) Explica que a STAATLICHES HOFBRÄUHAUS protocolou junto ao INPI, em 15/05/1998, o processo 820745987, quando requereu o registro da marca "HB HOFBRÄUHAUS" para os serviços de hospedagem e alimentação de hóspedes; além de serviços de hotelaria, restaurantes, cervejarias, bares e semelhantes; e serviços de choperia, tendo essa marca sido concedida pelo INPI em 11/12/2001 na Classe NCL (7) 42, com apresentação mista e apostilada como "SEM EXCLUSIVIDADE DE USO DA PALAVRA 'HOFBRAUHAUS"'. Portanto, as duas marcas teriam sido concedidas para os respectivos requerentes sem exclusividade de uso da palavra HOFBRAÜHAUS.
d) Afirma que a ré STAATLICHES HOFBRÄUHAUS ingressou com mais dois pedidos de registro de marca, sendo o primeiro por intermédio do processo 830683844, protocolado em 15/07/2010, e o segundo por intermédio do processo 840305419, protocolado em 19/10/2012. O primeiro pedido de registro pleiteava o registro da marca "HOFBRÄUHAUS" nominativa e o segundo pleiteava o registro da marca "HOFBRÄUHAUS BELO HORIZONTE", também nominativa.
e) Ato contínuo, alega que o INPI, equivocadamente, concedeu o registro das duas marcas, a primeira em 30/04/2013 e a segunda em 27/10/2015, sendo que essa última sem o necessário apostilamento.
f) Aponta a discrepância das concessões realizadas pelo INPI, que, nos dois primeiros processos mencionados, concedeu o registro sem exclusividade de uso da palavra "HOFBRÄUHAUS" e, nesses dois últimos registros, concedeu a exclusividade do uso do nome "HOFBRÄUHAUS", uma vez que os concedeu de forma nominativa, o que afronta a lei de regência.
g) Defende a necessidade de declaração da nulidade dos dois últimos registros, sendo o primeiro de forma integral e o segundo de forma parcial, em face da ausência de apostilamento.
h) Já o INPI assevera que o registro 840305419, de propriedade da empresa ré, referente à marca nominativa "HOFBRÄUHAUS BELO HORIZONTE", foi depositado em 19/10/2012, na classe 43 da Classificação (...) (10ª edição), para assinalar "espetáculo, a saber, atendimento de clientes relacionado com programas de entretenimento, especialmente apresentações musicais, serviços de alojamento e alimentação de hóspedes; serviços de gastronomia".
i) Aduz que, na continuidade da tramitação, após a publicação de pedido de registro de marca para oposição de terceiros, não houve qualquer tipo de manifestação por parte da autora e nem de qualquer outro interessado. Seu primeiro exame técnico se deu em 09/07/2015 e acabou sendo deferido o pedido da concessão, realizado e publicado no dia 27/10/2015.
j) No que se refere ao outro registro objeto do processo, qual seja, o registro de número 830683844 de propriedade da empresa ré, referente à marca nominativa "HOFBRÄHAUS", o pedido foi depositado no dia 15/07/2010, na classe 43 da Classificação (...) (9ª edição), para assinalar "serviços de acomodação e alimentação de hóspedes; serviços de operação de bares e hotéis (desde que inclusos nesta classe); serviços de aluguel de salas de conferência; serviços de aluguel de tendas; serviços de aluguel de cadeiras, mesas, roupas de mesa, corpos, serviços de aluguel de construções transportáveis".
k) Conta que, na continuidade da tramitação, após a publicação de pedido de registro de marca para oposição de terceiros, não houve novamente qualquer tipo de manifestação por parte da autora e nem de qualquer outro terceiro interessado. Seu primeiro exame técnico se deu em 11/03/2013, e o pedido foi deferido e publicado em 30/4/2013. Ressalta que os processos administrativos referentes aos pedidos da empresa ré tramitaram regularmente, em absoluta conformidade com os procedimentos de exame do INPI.
l) Defende que não há qualquer ato administrativo praticado pelo INPI que não tenha seguido absolutamente todos os trâmites necessários e legais, gozando a postura adotada pelo ente federal da presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos, o que exige robusta prova em sentido contrário para ser infirmada.
m) Por sua vez, a ré STAATLICHES HOFBRÄUHAUS IN MÜNCHEN alegou a incompetência territorial, e impugnou o valor atribuído à causa. No mérito, explicou que a STAATLICHES HOFBRÄUHAUS IN MÜNCHEN foi fundada em 1589, em Munique, na Alemanha, pelo (...) V, sendo uma famosa cervejaria alemã, com mais de 400 anos de tradição, possuindo forte presença internacional, por meio da exportação de seus produtos para diversos países e de cervejarias e restaurantes licenciados. O faturamento anual da empresa é de aproximadamente 44 milhões de euros.
n) Afirma que, desde a sua fundação, utiliza a marca "HOFBRÄUHAUS" (e variações) para identificar seus produtos e serviços ao redor do mundo. Devido ao alegado sucesso dos produtos e serviços de sua marca no Brasil, foi inaugurado, em novembro de 2015, na cidade de Belo Horizonte, o restaurante/cervejaria "HOFBRÄUHAUS".
o) Assevera que, como forma de resguardar o reconhecimento associado à marca "HOFBRÄUHAUS" (e variações), e evitar tentativas de terceiros de usufruir indevidamente de sua credibilidade, realiza vultosos investimentos na proteção de seu sinal distintivo em diversos países. A prova do seu reconhecimento internacional e da notoriedade de sua marca "HOFBRÄUHAUS" seriam os certificados de registros concedidos pelo Escritório de Marcas e Patentes dos Estados Unidos - USPTO e pelo Escritório Europeu de Propriedade Intelectual - EUIPO, cuja proteção se estende a todos os países membros da União Europeia.
p) Acrescenta que, em virtude de sua ampla divulgação e efetiva utilização em diversas regiões do mundo e em diferentes mídias, a marca "HOFBRÄUHAUS" e suas variações tornou-se merecedora da proteção estabelecida pelo art. 6º da Convenção da União de Paris - CUP (revista em Estocolmo a 14 de julho de 1967, promulgada no Brasil pelo Decreto 75.572, de 08 de abril de 1975) e pelo art. 126 da Lei de Propriedade Industrial.
q) Aduz que, não obstante a proteção especial que lhe é assegurada em razão da notoriedade das suas marcas, tomou medidas para resguardar seus direitos marcários também no Brasil, obtendo junto ao INPI diversos registros, o que lhe confere a proteção garantida pelo inciso XXIX, do artigo 5º, da Constituição Federal, reforçada pelos arts. 129 e 130 da Lei 9.279/1996.
r) Conclui que a marca objeto do pedido de registro da autora (a expressão "HOFBRÄUHAUS" ligeiramente estilizada) nada mais representa que a reprodução da marca "HOFBRÄUHAUS", identificadora da ré há mais de 400 anos, denotando o propósito de indevida aproximação entre as empresas e a tentativa de aproveitamento da credibilidade da ré pela autora. 4. Nos termos da Lei 9.279/1996, não é possível registrar como marca a "reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia" (art. 124, XIX), dispondo o seu art. 129, que "a propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148". 5. No caso dos autos, consignou o magistrado na sentença que, "(...) apesar de o INPI ter concedido à parte autora a marca "HOFBRÄUHAUS" no processo 816022828, em 25/8/1992, sem exclusividade, tal marca já era conhecida em vários países do mundo, vez que é uma famosa cervejaria alemã fundada em 1589, em Munique, na Alemanha, e exporta os seus produtos para diversos países, além de contar com a presença de cervejarias e restaurantes licenciados, sendo considerada uma marca notoriamente conhecida". 6. No que tange ao termo "marca notoriamente conhecida", atentou-se o Juízo de origem para tratar de sua definição, sendo aquela que foi registrada em outro país, embora tenha expressivo reconhecimento entre os consumidores. Nesse caminhar, mencionou o art. 126 da Lei 9.279/1996: "Art. 126. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos termos do art. 6º bis (I), da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, goza de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil". 7. No caso em apreço, ainda, considerou o sentenciante os termos da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, promulgada no Brasil pelo Decreto 75.572, de 8 de abril de 1975, dispondo o seguinte: "(1) Os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar o registro, quer administrativamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido do interessado e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, suscetíveis de estabelecer confusão, de uma marca que a autoridade competente do país do registro ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa amparada pela presente Convenção, e utilizada para produtos idênticos ou similares. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca constitui reprodução de marca notoriamente conhecida ou imitação suscetível de estabelecer confusão com esta". 8. No caso em epígrafe, em que pese o INPI tenha concedido ao demandante a marca "HOFBRÄUHAUS" no processo 816022828, em 25/08/1992, sem exclusividade, "tal marca já era conhecida em vários países do mundo, vez que é uma famosa cervejaria alemã fundada em 1589, em Munique, na Alemanha, e exporta os seus produtos para diversos países, além de contar com a presença de cervejarias e restaurantes licenciados, sendo considerada uma marca notoriamente conhecida", explanou o Juízo a quo. 9. Dessa forma, em que pese o primeiro registro da ré tenha sido concedido apenas depois da data de concessão do registro do demandante, ora apelante, por ser notoriamente conhecida, a marca "HOFBRAUHÄUS" já gozava de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil. 10. Por fim, ainda arrematou o magistrado: "Também vejo o risco de confusão entre as duas marcas, já que, além de ostentarem o mesmo nome, também atuam no mesmo ramo de cervejaria e restaurante".
11. Portanto, em que pese tenha o apelante o seu estabelecimento comercial há anos no Estado do Ceará - mesmo sem expansão para outros Estados do Brasil -, trata-se de caso que se resolve pela improcedência do pedido autoral, não merece retoque a sentença guerreada.
12. Apelação desprovida. Honorários recursais majorados em 1%, nos termos do
art. 85,
§ 11, do
CPC/2015.
rkf
(TRF-5, PROCESSO: 08057871820184058100, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 08/11/2022)