1. Histórico. Ação Declaratória de Direito de promoção entre níveis c/c cobrança. Narra a petição inicial que, em julho de 2022, a Universidade Estadual de Goiás ? UEG ? editou a
Portaria nº 730/2022 que promoveu o autor para o nível II da Classe DES-IV (doutor) do cargo docente de ensino superior, a partir de 31 de julho de 2019. Argumenta que, após 04 (quatro) anos de efetivo exercício no cargo desde a última promoção entre níveis, a parte autora não foi promovida para o nível III da Classe DES-IV, como deveria ter ocorrido nos termos do
inciso II do
art. 8º da
Lei estadual nº 13.842/2001...« (+1942 PALAVRAS) »
.... Sustenta que formalizou pedido administrativo de promoção entre níveis, mas o requerimento foi negado, com fundamento no art. 8º, inciso IX, da Lei Complementar nº 173/2020, que estabelece o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2. Nestes termos, pleiteou: o reconhecimento da inaplicabilidade do art. 8º da Lei Complementar nº 173/2020; a declaração de que o tempo de serviço entre 28 de maio de 2020 e 31 de dezembro de 2021 deve ser contado para fins de promoção entre níveis do promovente; a determinação de que a UEG promova o autor para o nível 03 (três) da Classe DES-IV a partir de 30 de julho de 2023, para todos os fins legais; a condenação da UEG ao pagamento de R$ 3.499,12 (três mil, quatrocentos e noventa e nove reais e doze centavos) referente aos valores retroativos não pagos até setembro de 2023; a condenação da UEG ao pagamento dos valores vencidos referentes à promoção entre níveis do promovente durante a tramitação desta demanda. (1.1). O juízo de origem (evento 19) julgou procedente o pedido formulado na petição inicial para determinar que o Estado de Goiás promova o autor ao Nível III da Classe DES-IV, do cargo docente de ensino superior, a partir de 30 de julho de 2023 (data em que preencheu os requisitos), bem como para condenar a instituição promovida, ora recorrente, ao pagamento das diferenças remuneratórias correspondentes à promoção concedida judicialmente, a partir de 30 de julho de 2023, até a implementação em folha de pagamento, observada a prescrição quinquenal e o teto dos juizados fazendários. (1.2). Irresignada, a Universidade Estadual de Goiás ? UEG ? interpôs Recurso Inominado (evento 22) objetivando a reforma da decisão, ao argumento de que a Lei Complementar nº 173, de 27 de maio de 2020, e que altera a Lei Complementar n° 101 de 04 de maio de 2000, proibiu a contagem de tempo para progressão durante o período da pandemia. As contrarrazões foram apresentadas pela parte recorrida no evento 30 dos autos. 2. Juízo de admissibilidade. Recurso próprio, tempestivo e adequado (evento 22). Preparo recursal dispensado, nos termos do disposto no art. 1.007, § 1º, do Código de Processo Civil, razão pela qual conheço do recurso inominado interposto (art. 42 da Lei 9.099/95). 3. Preliminar de violação do Princípio da Dialeticidade: deve ser afastada a preliminar de violação ao princípio da dialeticidade, formulada em sede de contrarrazões recursais, uma vez que a parte recorrente rebate expressamente e de forma específica os fundamentos contidos no ato ou comando sentencial, pugnando pela sua reforma, possibilitando o exercício do contraditório pela parte adversa Precedente (TJGO, Recurso Inominado Cível nº 5304629-24.2022. 8.09.0174, Rel. Fernando César Rodrigues Salgado, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, julgado em 21/03/2024, DJe de 21/03/2024). 4. Controvérsia judicial. O cerne da controvérsia consiste em verificar se a parte recorrida faz jus à progressão funcional perquirida, que não foi concedida administrativamente, bem como em aferir a existência ou não do direito do promovente às diferenças salariais resultantes de evoluções funcionais desde o preenchimento dos requisitos à progressão funcional. 5. Novo Regime Fiscal (Emendas Constitucionais nº 54/2017 e 55/2017). A Emenda Constitucional nº 54, de 02 de junho de 2017, ao alterar o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para limitar os gastos correntes dos Poderes do Estado e dos órgãos governamentais autônomos, até 31 de dezembro de 2026, suspendeu por 03 (três) anos novas progressões funcionais. Confira-se: ?Art. 46. Além da contenção das despesas correntes nos correspondentes limites previstos no art. 41, o NRF ainda consiste na adoção, no âmbito do Poder Executivo, pelo prazo de três anos, das seguintes medidas: I ? só haverá promoção uma vez por ano, limitada às carreiras integrantes da Segurança Pública e Administração Penitenciária e da Saúde. (?)?. A Emenda Constitucional transcrita, conforme dispõe seu art. 3º, entrou em vigor no exercício financeiro do ano de 2018, por força da Emenda Constitucional n° 55/2017. Deste modo, restaram estabelecidas as restrições normativas pelo prazo de três anos, a partir do exercício financeiro de 2018, ou seja, entre 2018 e 2020. 6. ADI 6129 MC/GO. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6129, o Supremo Tribunal Federal concedeu a medida cautelar pleiteada para suspender a eficácia da Emenda Constitucional nº 54 de 2017 até o julgamento do mérito da questão. No entanto, é possível observar que não houve a suspensão integral da norma constitucional, pois apenas foi suspensa a eficácia do art. 113, § 8º, e dos incisos I e II do art. 45 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias do Estado de Goiás, não alcançando o art. 46, incisos I e II, do ADCT da Constituição Estadual (STF ? Rcl: 59258 GO, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 22/05/2023, Primeira Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO, DJe s/n, DIVULGADO 23-05-2023 PUBLICADO 24-05-2023). 7. Emendas Constitucionais 67/2020 e 69/2021. A Emenda Constitucional nº 67 de 2020 acrescentou ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Goiana o art. 46-A, que prorroga o prazo previsto no art. 46 do mesmo diploma legal por 6 (seis) meses. No ano seguinte, a Emenda Constitucional Estadual n° 69 de 2021 deu nova redação ao art. 46 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, revogando o art. 46-A da citada norma legal. Confira-se: ?Art. 46. Além da limitação prevista no art. 41, o NRF ainda consiste na adoção, no âmbito do Poder Executivo, até a entrada em vigor do Regime de Recuperação Fiscal, conforme autorização da Lei nº 20.511, de 11 de julho de 2019, das seguintes medidas: I ? só haverá evolução, promoção ou progressão, dos servidores na carreira uma vez por ano, limitada àquelas integrantes da Segurança Pública e Administração Penitenciária, da Saúde e da Educação.? Assim, ante a nova redação do art. 46 do ADCT da CE/89, vê-se que as situações excepcionais, que até então abarcavam apenas a promoção, estenderam os seus efeitos às progressões, que também se tornaram anuais, desde que versem sobre as carreiras da Segurança Pública e Administração Penitenciária, da Saúde e da Educação. 8. Lei Complementar Federal n° 173 de 2020. Sobre o tema, imperioso mencionar o advento da Lei Complementar Federal n° 173 de 2020, que estabeleceu o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19) e alterou a Lei Complementar nº 101 de 04 de maio de 2000, que entrou em vigor no dia 28 de maio de 2020 e produziu efeitos até 31 de dezembro 2021. A propósito, veja-se o teor do art. 8º da Lei Complementar Federal n° 173 de 2020: ?Art. 8º. Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de: I ? conceder, a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos e militares, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública; (?) IX ? contar esse tempo como de período aquisitivo necessário exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo exercício, aposentadoria, e quaisquer outros fins?. - Grifei. 9. Direito à Progressão. No contexto em análise, nota-se que o promovente, ora recorrido, foi enquadrado na Classe DES-IV ? Nível 01 em 1º de agosto de 2015, e para a Classe DES-IV ? Nível 02 em 31 de julho de 2019. No entanto, após 04 (quatro) anos de efetivo exercício no cargo desde a última promoção/progressão entre níveis, a universidade recorrente, acertadamente, não o progrediu para o nível III da Classe DES-IV, com fundamento de que há vedação ao cômputo do lapso compreendido entre 28 de maio de 2020 a 31 de dezembro de 2021 como período aquisitivo necessário à concessão de progressão funcional lastreada exclusivamente na aquisição de determinado tempo de serviço, em razão do disposto no art. 8º, inciso IX, da Lei Complementar nº 173/2020. As razões recursais estão amparadas nestes mesmos fundamentos, que, ao contrário do decido pelo juízo de origem, merecem acolhimento. Isto porque, da análise da Portaria nº 730 de 2022 (evento 01), a última progressão do promovente ocorreu em 31 de julho de 2019, iniciando, em tese, a partir desta data a contagem do prazo para nova progressão. No entanto, em tal data ainda estava vigente a suspensão estabelecida pelo inciso II do art. 46 do ADCT da CE, que findou em 31 de julho de 2021. 10. Além das disposições normativas da Emenda Constitucional Estadual nº 54 de 2017, a Lei Complementar Federal n° 173 de 2020, em seu art. 8º, inciso IX, como dito, determinou que os entes federados (União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios) afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19 ficavam proibidos, em um período diferenciado (28 de maio de 2020 a 31 de dezembro 2021), de contar esse tempo como de período aquisitivo necessário exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo exercício, aposentadoria, e quaisquer outros fins. Deste modo, desde a última progressão do promovente (31 de julho de 2019), o prazo de contagem para fins da próxima progressão funcional por antiguidade, no caso 04 (quatro) anos, conforme previsto no inciso II do art. 8º da Lei nº 13.842/2000, apenas começou a transcorrer em janeiro de 2022, razão pela qual, ante a fundamentação exarada, resta impositiva a improcedência dos pedidos formulados na petição inicial, visto que os requisitos necessários para a concessão da pretendida progressão não foram implementados pela parte promovente. 11. PUIL nº 5466955-09.2022.8.09.0051. No contexto em análise, observo que a parte autora invoca o entendimento formulado no Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei nº 5466955-09.2022.8.09.0051. Tal entendimento não deve ser aplicado ao presente caso. Da análise do PUIL mencionado, nota-se que o suporte fático que ensejou a formalização do pedido de uniformização em comento é completamente diverso da circunstância fática em comento, visto que naquele caso já havia sido concedida administrativamente a progressão funcional, limitando a discussão ao pagamento de valor retroativo. Sobre tal assunto, inclusive, tem-se a Súmula nº 69 das Turmas Recursais do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás: ?Na demanda de servidor público estadual por progressão, no período da vigência da EC 54 e suas prorrogações (Constituição Estadual 46 II), os efeitos financeiros decorrentes serão devidos desde a data prevista na respectiva portaria oriunda do Executivo?. No presente caso, há de se aplicar o instituto de distinguishing, por não ser aplicável o entendimento citado, visto que, no caso em particular, a progressão funcional por antiguidade pleiteada foi indeferida administrativamente, ante o não preenchimento dos requisitos necessários. 12. Caso concreto (conclusão). Considerando que a última progressão do promovente ocorreu em 31 de julho de 2019; que o art. 8º da Lei nº 13.842/2001 dispõe que a promoção se dará entre os níveis de uma mesma classe de dois em dois anos, por merecimento, comprovado por avaliação de desempenho, e de quatro em quatro anos, por antiguidade; e as disposições legais transcritas acima, tenho que a parte recorrida não preencheu os requisitos para a progressão pretendida por não atingir o período aquisitivo necessário à concessão do benefício, devendo ser reformada a sentença atacada. Precedente (TJGO, Recursos -> Apelação / Remessa Necessária nº 5222048-39.2020.8.09.0006, Rel. Des(a). Jeova Sardinha De Moraes, 6ª Câmara Cível, julgado em 01/04/2024, DJe de 01/04/2024). 13. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 14. Custas e honorários sucumbenciais. Sem custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais, considerando o resultado do julgamento, nos termos do
art. 55 da
Lei 9.099/95.
(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Recurso Inominado Cível 5725367-12.2023.8.09.0051, Rel. VITOR UMBELINO SOARES JUNIOR, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, julgado em 25/04/2024, DJe de 25/04/2024)