REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 3º, INCISO VII, ARTIGO 7º, COM REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI Nº 1576, DE 04 DE ABRIL DE 2019, E ARTIGO 11, TAMBÉM COM A REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI Nº 1576, DE 04 DE ABRIL DE 2019, TODOS DA LEI Nº 397, DE 14 DE DEZEMBRO DE DEZEMBRO DE 2000, DO MUNICÍPIO DE CONCEIÇÃO DE MACABU.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ELEIÇÃO INDIRETA PARA MEMBRO DO CONSELHO TUTELAR. EXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL ORGÂNICA. PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. 1. Trata-se de Representação por Inconstitucionalidade do artigo 3º, inciso VII, artigo 7º, com redação conferida pela Lei nº 1576, de 04 de abril de 2019, e artigo 11, também com a redação conferida pela Lei nº 1576, de 04 de abril de 2019, todos da Lei
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...nº 397, de 14 de dezembro de dezembro de 2000, do Município de Conceição de Macabu. 2. Preliminar de inépcia da petição inicial suscitada pelo Chefe do Poder Executivo do Município de Conceição de Macabu que deve ser afastada, eis que preenchidos os requisitos previstos no art.319, do CPC.3. Causa de pedir que se encontra devidamente especificada, sendo o pedido certo e determinado quanto ao gênero e dos fatos trazidos decorre logicamente a postulação na medida em que o representante indica, de forma fundamentada, as disposições constitucionais malferidas pelo ato normativo impugnado, de forma a justificar a idoneidade do instrumento processual para perseguir a declaração inconstitucionalidade dos dispositivos legais. 4. Originariamente, o processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar do Município de Conceição de Macabu era regulamentado no ordenamento municipal pelos dispositivos previstos na Lei n.º 397/2000 que, nesta ação, pretende-se sejam declarados inconstitucionais. 5. A Lei n.º 397/2000, por sua vez, havia sido suplantada pela Lei n.º 1.370/2015, a qual, inclusive, estabelecera o sistema de votação direta pelos eleitores do Município. 6. Contudo, a partir da edição da Lei n.º 1.576/2019, operou-se a revogação da Lei n.º 1.370/2015 e, ao mesmo tempo, restabeleceu-se a vigência da Lei n.º 397/2000. 7. Assim, a Lei n.º 1.576/2019 além de proceder à repristinação da Lei n.º 397/2000, alterou a redação de alguns dispositivos, como o artigo 11, repetindo, ainda, o mesmo conteúdo de outros, como o caso do artigo 7º. 8. Com arrimo no art.24, inciso XV, da CRFB/88, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre proteção à infância e à juventude. A referida norma foi reproduzida pelo art.74, XV, da CERJ. 9. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, cabendo a cada Estado-membro, no exercício de sua competência suplementar, regulamentar especificamente a matéria, em concordância com as normas federais existentes. 10. Quanto à competência legislativa dos municípios, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, prescreve em seu art.30, incisos I e II, que compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, fundado em seu interesse local. 11. O inciso I, do referido dispositivo legal, que dispõe sobre a competência legislativa municipal para tratar de assuntos de interesse local é classificada como competência exclusiva do Município, posto que somente esta unidade política pode dispor de seus próprios interesses.12. A doutrina e a jurisprudência pacificaram o conceito de "interesse local" no sentido que este deve ser entendido como interesse predominantemente municipal, não sendo, contudo, exclusivo da localidade. 13. Já no inciso II, que dispõe sobre a suplementação municipal à legislação federal e estadual, no que couber, a competência do município se destina ao estabelecimento de disciplina normativa específica, preenchendo os vazios ou lacunas, deixados pela legislação, em matérias que não sejam de competência exclusiva e privativa da União ou Estado-Membro, mas sim de competência concorrente, prevista no art.24, da CRFB/88. 14. Por simetria, a Constituição do Estado do Rio de Janeiro não outorgou competência legislativa ao município para legislar sobre a proteção à infância e à juventude, uma vez que, nos termos do seu artigo 74, XV, esta compete ao Estado, em concorrência com a União. 15. A despeito de o texto constitucional não contemplar o Município como competente para legislar concorrentemente sobre as matérias elencadas nos incisos do art. 24, por força do art. 30, II, está legitimado constitucionalmente a fazê-lo, de forma suplementar, no que couber, fundado em seu interesse local. 16. Desse modo, para que o Município possa desempenhar sua capacidade legiferante é necessário buscar fundamento no art. 30, do Texto Constitucional, competindo-lhe, dentro de tais balizas, legislar sobre assuntos de interesse local (inciso I), bem como suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (inciso II).17. Cabe, assim, aos Municípios legislar apenas sobre os interesses locais, bem como suplementar as competências dos Estados e da União, estando vedada a edição de qualquer regramento que afronte à competência concorrente prevista no artigo 24 da CRFB/88, reproduzida no 74 da CERJ.18. A matéria relacionada à proteção à infância e à juventude se insere na competência concorrente da União e Estados - artigo 74, XV da Carta Estadual, sendo que a disciplina tratada na legislação impugnada, ao invés de relevar um interesse próprio e particular da municipalidade (local), suplanta, em verdade, os limites territoriais de uma específica unidade política municipal. 19. Ademais, a lei municipal não poderia obrar em desacerto com a norma federal que disciplina, de forma geral, a matéria (Lei nº 8.069/90). 20. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, preceitua em seu art. 227, que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.21. Cumprindo assim com sua competência constitucional, promulgou a União o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90), o qual se constitui norma geral nacional de proteção integral à criança e ao adolescente, traçando regras, princípios e um sistema de proteção e efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, a fim de regulamentar as relações familiares e sociais das quais estes façam parte, bem como se destinando a implementar políticas públicas a serem executadas diretamente pelo Estado ou por organizações não governamentais e associações. 22. Com fundamento na Lei nº 8069/90, o Conselho Tutelar se constitui um órgão não-jurisdicional, permanente e autônomo da administração pública municipal, representando a participação popular nas questões relacionadas à infância e juventude que, juntamente com as políticas públicas e tutela jurisdicional diferenciada, constituem-se mecanismos jurídicos vocacionados à proteção integral dos direitos da criança e do adolescente. 23. Segundo a previsão expressa contida no art. 132, do ECA, a escolha dos membros do Conselho Tutelar deve ser efetuada pela população local, ou seja, sua composição deve contar com a participação dos habitantes do município. 24. Assim sendo, a escolha dos membros do Conselho Tutelar deve compreender um processo com ampla participação da população, de forma a se harmonizar com o princípio democrático e se alinhar com a ordem principiológica e ideológica que norteia o ECA. 25. A lei impugnada, sob pretexto de suplementar a matéria, acabou por estabelecer como regra para a composição do Conselho Tutelar do Município de Macabu, a eleição indireta, contrariando, assim, o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, diploma editado pela União que contém as normas gerais sobre a proteção à infância e à juventude, extrapolando a competência legislativa suplementar do ente municipal.26. A previsão de "eleições indiretas" para a composição do Conselho Tutelar do Município de Macabu não se compatibiliza com o princípio da soberania popular, instrumentalizado pelo sufrágio universal e voto direto e secreto, a fim de efetivar o princípio democrático. 27. A expressão "escolhidos pela população local" contida no artigo 132 do Estatuto da Criança e do Adolescente deve dialogar com os preceitos estatuídos na Lei 8069/90 e ser interpretada em consonância com o princípio democrático participativo que norteia a ordem jurídica vigente e serve de instrumento de realização dos direitos fundamentais (arts.1º a 4º, da CERJ). 28. Inconstitucionalidade de natureza formal orgânica, por força da inobservância da competência legislativa para a elaboração do ato normativo, eis que os dispositivos questionados extravasam a competência suplementar do Município para legislar sobre matéria afeta à proteção à infância e à juventude, prevista no artigo 24, inciso XV, da Constituição Federal (art.74, XV, CERJ).29. A escolha legislativa diversa da realizada pela norma federal, além de se revelar eivada de vício de inconstitucionalidade e atentatória aos princípios democráticos e republicano, importa, ainda, em afronta ao princípio da proteção integral da infância, insculpido nos artigos 45 e 227 das Constituições do Estado do Rio de Janeiro e da República, assim como aos princípios federativo e de repartição constitucional. 30. O Município tem competência legislativa para assuntos de interesse local e suplementar às Leis Federais e Estaduais, no que couber, nos termos do disposto no artigo 358, incisos I e II, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. 31. Hipótese que não revela interesse local da municipalidade a fim de ajustar a execução das normas legislativas federais ou estaduais às peculiaridades locais. 32. De outro lado, não se trata de suplementar às Leis Federais e Estaduais, eis que a norma impugnada contraria as determinações contidas em regramento de âmbito nacional (
(...)). 33. Representação de inconstitucionalidade acolhida para declarar a inconstitucionalidade do artigo 3º, inciso VII, artigo 7º, com redação conferida pela lei nº 1576, de 04 de abril de 2019, e artigo 11, também com a redação conferida pela Lei nº 1576, de 04 de abril de 2019, todos da Lei nº 397, de 14 de dezembro de dezembro de 2000, do Município de Conceição de Macabu, negando-se, ainda, efeito repristinatório, em razão de os dispositivos, na forma anterior, conterem os mesmo vícios da norma que ora se pretende seja declarada inconstitucional. Conclusões: Por maioria de votos, julgou-se procedente o pedido, nos termos do voto da Desembargadora Relatora, vencido o Desembargador Nagib Slaibi Filho.
(TJ-RJ, DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 0031315-80.2019.8.19.0000, Relator(a): DES. MONICA MARIA COSTA DI PIERO, Publicado em: 01/12/2020)