PJE 0814383-36.2019.4.05.8300 EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO QUALIFICADO. RECURSO DA DEFESA. RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO APÓS O ÓBITO DA TITULAR. TIPICIDADE, ANTIJURIDICIDADE E CULPABILIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO QUE DEVE SER MANTIDA. DOLO PERFEITAMENTE CARACTERIZADO. TESE DE ERRO DE TIPO NÃO COMPROVADA. DOSIMETRIA. ALTERAÇÃO. PENAS SUBSTITUTIVAS APLICADAS DE FORMA CORRETA. ISENÇÃO DE CUSTAS. DESCABIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1.Trata-se de apelação criminal interposta por
(...) (ID 4058300.15992962) contra a sentença proferida pelo Juízo Federal da 13ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco (ID 4058300.15659617), que julgou procedente a pretensão punitiva estatal, condenando-o pelo cometimento do delito previsto
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..., § 3º, do CPB. 2.Segundo a inicial acusatória, o apelante, no período entre agosto/2012 a janeiro/2013, teria obtido vantagem ilícita em prejuízo do Ministério dos Transportes, uma vez que sacou, de maneira indevida, os valores referentes aos proventos depositados em favor da sua tia, (...), após o falecimento desta, ocorrido em 29/05/2012, causando prejuízos aos cofres públicos. 3.Após a instrução processual penal, o juízo entendeu como demonstrado o crime suscitado na denúncia, condenando o apelante à pena de 01 ano e 04 meses de reclusão, além de multa. 4.Inconformada, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO apresentou apelação (ID 4058300.15992962), alegando, em síntese: 1) o apelante deveria ser absolvido em razão da ausência de dolo a macular sua conduta; 2) o apelante teria incidido em erro de proibição na medida em que não tinha conhecimento da ilicitude de sua conduta; 3) caso mantida a condenação, a pena privativa de liberdade deveria ser fixada no mínimo legal, assim como a de multa; 4) as penas substitutivas deveriam ser aplicadas pelo juízo da execução; e 5) seria cabível a suspensão condicional do pagamento das custas processuais em face da hipossuficiência do apelante. O apelante deveria ser absolvido em razão da ausência de dolo a macular sua conduta. 5.Para afastar a tese, basta ver como o juízo, de maneira linear, clara e alinhavada em provas e raciocínio legal e legítimo, arrematou pela condenação, inclusive pontuando pela presença inconteste de dolo a macular a conduta do agente (no esteio da tipicidade) e potencial consciência da ilicitude (no esteio da culpabilidade), senão vejamos: 2.2. Mérito: Consoante já relatado, o órgão acusador imputou ao denunciado o delito de estelionato qualificado, previsto no art. 171, § 3º, do CPB. Como se verifica da simples descrição factual contida na peça acusatória, os eventos atribuídos ao denunciado, caso restem comprovados nestes autos, realmente, se adequam com precisão à norma acima elucidada. E assim concluo com base em um juízo limitado à simples tipificação, entendida esta como a adequação entre a conduta descrita e a capitulação dada. Assim sendo, não se encontra este juízo diante de caso que clame pela alteração da capitulação inicialmente esposada, nos termos do permissivo contido no art. 383 do CPP. Portanto e doravante, a prova perseguida terá por norte a norma acima grafada. 2.2.1. Tipicidade: A tipicidade, segundo a maioria da doutrina, é entendida como um dos quatro elementos que formam o fato típico, sendo os demais a conduta (dolosa ou culposa), o resultado (nos crimes que o exigem) e o nexo causal (relação de causa e efeito estabelecida entre a conduta e o resultado). Assim sendo, antes de definir a tipicidade e perquiri-la nestes autos, imprescindível definir o que vem a ser o próprio tipo penal, para que, na sequência, se entenda o que é um fato típico e seja possível concluir pela sua configuração ou não no presente caso. Com este intento, portanto, sigamos. Doutrinariamente designa-se tipo penal como sendo o modelo abstrato previsto em lei que descreve um comportamento proibido. No caso em apreço, o tipo penal, portanto, seria o previsto pelo art. 171, § 3º, do CPB que assim dispõe (destaques nossos): Art. 171 Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. (...) § 3º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência. A tipicidade, por sua vez, seria exatamente a conformidade entre determinado fato praticado pelo agente e aquele abstratamente previsto. Em suma, há tipicidade quando existe o perfeito encaixe entre a conduta praticada e determinado tipo. E, para que se possa concluir pela existência ou não deste encaixe, necessário perquirir a configuração dos outros elementos que compõem o fato típico, quais sejam, a conduta, o resultado (nos crimes que o exigem) e o nexo causal entre estes dois, conforme já aduzido. Com estes esclarecimentos prévios, volto-me mais uma vez ao caso em apreço para observar, em primeiro lugar, que, nos autos, há prova efetiva de que o denunciado praticou as condutas descritas no tipo penal acima reproduzido. Assim, presente o primeiro elemento do fato típico: a conduta. Na sequência, comprovou-se ainda que tal conduta gerou o resultado previsto na norma penal, logo, presentes também os outros dois elementos do fato típico: o resultado e o nexo de causalidade. É que, conforme se constatou da instrução probatória, há provas de que, apesar do falecimento da titular do benefício de aposentadoria, ocorrido em 29/05/2012, continuaram a ser efetuados pagamentos dos valores referentes a este, especificamente no período de junho/2012 a fevereiro/2013, consoante se infere do Requerimento do Ministério Público Militar (id. 4058300.11141798), o que causou prejuízo ao Ministério dos Transportes no montante superior a R$ 14.000,00 (sem atualização). Explico. Noticiam os autos que foi instaurado o IP Militar nº 239-05.2017.7.07.0007, com o fito de apurar a percepção indevida de valores depositados pela Marinha do Brasil na conta da titular (...), após o óbito da mesma, desta feita a título de beneficiária da pensão por morte de ex-combatente. Durante as investigações castrenses exsurgiu a possibilidade da prática do mesmo delito em desfavor do Ministério dos Transportes, órgão civil da União, razão pela qual o Ministério Público Militar reconheceu a incompetência da Justiça Militar para processar e julgar o feito referente aos proventos depositados pelo Ministério dos Transportes. Reconhecendo a sua incompetência, o juízo da 7ª CJM determinou a remessa dos dados bancários relativos aos valores pagos pelo Ministério dos Transportes à Justiça Federal, em face da qual, após manifestação do MPF, o juízo da 13ª Vara Federal reconheceu a competência para processar e julgar o presente feito (id. 4058300.9533700). O óbito da ex-pensionista do ex-combatente (...) foi informado à Administração Militar pelo Sistema Informatizado de Controle de óbitos (SISOB), em agosto de 2016, consoante id. 4058300.11141798. A sentença prolatada no processo militar condenou (...) à pena de 2 anos de reclusão, pelo cometimento do crime tipificado no art. 251, caput, do Código Penal Militar, sendo concedida no mesmo provimento, a suspensão condicional da pena, pelo prazo de 2 anos, com base no art. 84 do CPM, c/c art. 606 do CPPM, mediante as condições previstas no art. 626 do CPPM, além do comparecimento semestral na sede do Juízo de Execução, conforme id. 4058300.11141806. Ao ser ouvido perante a autoridade policial, (...) aclarou, em resumo, que é sobrinho de (...), já falecida, confessando ter realizado saques de valores após o óbito de (...), embora não se recorde do período; que o rapaz da funerária falou que poderia sacar por três meses; que (...) residia com ele, tendo, portanto, acesso ao cartão e senhas bancárias da mesma; que acompanhava (...) quando esta ia sacar valores; que (...), sua irmã, não tem nada a ver com ocorrido; que sacou os valores sozinho (id. 4058300.11141818) . Os extratos bancários, obtidos a partir da decisão da justiça castrense, foram acostados e trazidos ao contraditório e à ampla defesa sob o id. 4058300.11141798, no bojo dos quais se constata o depósito dos valores e as posteriores destinações após a morte da titular. As provas colhidas na esfera policial e judicial militar foram corroboradas e fortalecidas durante a ora instrução processual, nomeadamente com a colheita da prova testemunhal, senão vejamos. A informante (...) CINTHYA (...) FOUSEK afirmou que: É irmã do acusado. Apenas tomou conhecimento dos fatos ao ser chamada pela Marinha. (...) era sua tia. Não se recorda quando sua tia faleceu. Sua tia residia com seu irmão. Sua tia recebia valores do Ministério dos Transportes. De uma fonte ela era aposentada e da outra recebia pensão de seu avô. Foi na Marinha que ficou sabendo que, quando sua tia (...) faleceu, seu irmão continuou a receber o dinheiro dela. Foi chamada na Marinha porque houve uma transferência para a conta de sua mãe, cuja titularidade divide com ela. Tem tradição de militares em sua família. Houve duas movimentações envolvendo essa conta conjunta. Achou normal seu irmão continuar a receber os benefícios porque, quando seu pai morreu, a Aeronáutica continuou a pagar os valores até transferir para o nome de sua mãe. A Marinha continuou a pagar os valores da sua tia para ajudar nos custos do funeral, no pagamento dos débitos da sua tia, por isso acreditou que era normal continuar recebendo mesmo depois da morte dela. Sua tia nunca casou ou teve filhos e "o menino dos olhos" dela era seu irmão. Sua tia morava em Natal e (...) morou com ela. Algumas pessoas se aproximaram de sua tia em Natal para tirar proveito, então trouxeram sua tia para morar com seu irmão. Seu irmão era quem tomava conta de sua tia e ajudou a gerir os débitos gerados nesse período em que ela foi ludibriada em Natal. Por isso achou normal seu irmão continuar a receber alguns meses dos benefícios da sua tia, para quitar os débitos e custos funerários. Nem ela, nem sua mãe tiveram envolvimento com esses fatos. Seu irmão é comerciante e a família mora em Tamandaré. Todos os custos e gastos da sua tia eram geridos pelo seu irmão (...). A situação junto à Marinha foi resolvida, não sabe o que foi decidido. A relação entre seu irmão e sua tia era muito próxima. Sua mãe tinha ciúme da relação entre sua tia e seu irmão. Sua tia chegou a pagar o tratamento de fertilização de seu irmão, tamanha era a proximidade entre eles. Seu irmão é muito trabalhador. (...) ao ser interrogado afiançou o que se segue: É divorciado. Tem dois filhos. Tem 62 anos. Nasceu em Natal e, atualmente, mora em Tamandaré. Tem o terceiro grau incompleto. É representante comercial. Tem renda mensal aproximada de R$ 2.000,00. Nunca foi preso. Foi processado perante a Justiça Militar, pelos fatos correlatos aos valores oriundos da Marinha, cuja sentença redundou na pena de 2 anos de reclusão, a qual foi suspensa. A acusação é verdadeira. Não sabia que era ilícito o recebimento. O rapaz da funerária lhe disse que, enquanto a Marinha depositasse, ele poderia sacar para pagar os custos funerários e outros débitos dela. Achava que no dia em que ela tivesse que se apresentar, o depósito se encerraria. Não conversou com ninguém da família sobre os saques. Não foi avisar. Parou de receber porque deixaram de depositar. Desde então, não foi atrás. Desconfiava que tinha valores do Ministério dos Transportes também. Alguns valores foram utilizados em custos pessoais, naturalmente. Está arrependido. Imaginava que o recebimento representava crime, mas não sabia até que ponto isso geraria. A pessoa da funerária disse que poderia receber os valores depositados. Desta forma, do apurado, elucidou-se que o réu (...), ao omitir o óbito da titular/favorecida dos valores (...), manteve o Ministério dos Transportes em erro, com o fito de sacar os valores referentes à aposentadoria da falecida, obtendo assim vantagem incontestavelmente ilícita, donde restam inquestionáveis a materialidade e autoria delitiva ensejadoras da tipificação elencada pelo MPF na denúncia. Digo isso e digo mais, o vasto conjunto probatório deixou evidente não apenas a inegável materialidade, mas também a autoria delitiva, que, diante da facilidade ofertada pela proximidade de sua tia, utilizou os cartões e senhas dela e se manteve recebendo as verbas depois da morte da instituidora. Não por outro motivo, o próprio réu confessou a prática delitiva, em confronto inclusive com as teses da defesa de ausência de dolo e de erro de proibição, vez que (...) deixou claro que "desconfiava" tanto da ilicitude da percepção, quanto o fez por vontade própria, apesar dessa desconfiança, somente deixando de receber porque o Ministério dos Transportes cessou os depósitos. Se de início foi levado a erroneamente perceber os valores, acreditando que eram devidos, seja por causa da fala da pessoa da funerária, seja porque precisava honrar com os custos funerários da tia, depois de alguns meses, tornou-se capaz de averiguar a gravidade e ilicitude das ações, assentindo ainda assim em continuar no engodo e perceber os valores periodicamente. Tanto o é que o próprio réu admite que sabia que o recebimento representava crime, que utilizou parte dos valores em custos pessoais e que havia depósitos por parte do Ministério dos Transportes, cuja descrição coincide com a indicada na peça acusatória. Observe-se que o conhecimento da verdade fática está dissociado de qualquer conhecimento técnico, seja relativo à leitura, à escrita, aos termos e condições jurídicas, de modo que o fato de não ter o suposto conhecimento técnico em nada altera o fato de que sabia da fraude e ainda assim decidiu comparecer diversas vezes ao banco para sacar os valores. Além disso, o órgão acusador apenas considerou como indevidos os valores recebidos a partir do mês de agosto, embora a titular (...) tenha falecido em maio. Por fim, certo restou o fenômeno da tipicidade, já que, diante das considerações tecidas sobre a presença dos demais elementos constitutivos do fato típico, claramente se pode concluir que houve perfeito encaixe entre a conduta praticada pelas agentes e aquelas descritas na norma acima elucidada. Assim, possível rematar pela configuração, no caso dos autos, do primeiro pressuposto para a condenação: a tipicidade. Passemos, portanto, ao segundo: a antijuridicidade. 2.2.2. Antijuridicidade: No que concerne à antijuridicidade, destaco, primeiramente, que, em conceituação ampla, tem-se a mesma como sendo a contradição da ação com uma norma. Partindo dessa conceituação, fácil concluir que antijurídica seria, portanto, a conduta contrária ao direito, de forma que a antijuridicidade representa exatamente este antagonismo, esta relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico. Assim sendo e em princípio, todo fato típico pressupõe-se também antijurídico, já que, ao menos em tese, todo fato tipificado pelo legislador assim o foi exatamente por oferecer, quando praticado dentro dos padrões aduzidos no tipo, afronta ao ordenamento jurídico. Inobstante, determinado fato, ainda que típico, quando praticado diante de algumas circunstâncias peculiares - que também devem ser previamente estabelecidas na legislação - deixa de ser considerado como contrário ao ordenamento jurídico. Neste caso, estaremos diante exatamente de uma das hipóteses excludentes de antijuridicidade, como as previstas no art. 23 do CPB. Destas considerações é possível concluir que um juízo quanto a antijuridicidade deve ser feito perquirindo, em primeiro lugar, se restou configurada qualquer hipótese que retire a antijuridicidade do fato típico e, em caso negativo, pode-se afirmar que o fato, além de típico, é também antijurídico. Pois bem. Voltando-me ao caso em apreço e valendo-me destas considerações, constato, em primeiro lugar, que, nos autos, não houve a alegação, tampouco comprovação de qualquer causa excludente de antijuridicidade que tivesse o condão de retirar do fato típico praticado referido atributo. Assim sendo e em segundo lugar, possível concluir que, além de típico, a fato atribuído ao denunciado reveste-se também de antijuridicidade. 2.2.3. Culpabilidade: No esteio da culpabilidade, para melhor compreendê-la, destaco, em didática comparativa, que, enquanto a antijuridicidade consiste numa relação observada entre a conduta do agente o ordenamento jurídico - que expressa desconformidade da primeira em relação aos mandamentos do segundo -, a culpabilidade, por sua vez, consiste numa relação observada entre a vontade de praticar a conduta e a reprovabilidade desta vontade, ambas analisadas em relação ao agente. A culpabilidade, portanto, seria a reprovabilidade da formação da vontade ou ainda a reprovabilidade de um fazer ou omitir juridicamente desaprovado: é uma reprovação dirigida ao autor. Com esses esclarecimentos, destaco que três são os elementos, segundo a teoria finalista, que integram a culpabilidade: a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa, os quais, doravante, serão perquiridos no caso em apreço. 2.2.3.1. Imputabilidade: Quanto à imputabilidade, entendida esta como o verdadeiro núcleo da culpabilidade, já que se configura como o arcabouço que viabiliza ao agente atuar de determinada forma e não de outra, destaco que, no caso em apreço, a mesma restou configurada. É que o denunciado, na ocasião do fato, além de possuir maioridade penal, não alegou, tampouco comprovou qualquer das hipóteses enumeradas por lei como causas de inimputabilidade, tais como doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, embriaguez completa, quando proveniente de caso fortuito, etc. Assim, sendo a imputabilidade presumida e dependendo a inimputabilidade de prova, resta a primeira configurada, já que a segunda em momento algum foi sequer ventilada, quiçá, demonstrada. 2.2.3.2. Potencial consciência da ilicitude: Da mesma forma e recebendo o reforço oriundo da conclusão pela imputabilidade, pode-se concluir também pela existência de potencial consciência da ilicitude ostentada, pelos motivos já expostos e dadas as características pessoais das denunciadas, máxime suas capacidades intelectual e de cognição, ambas devidamente observadas nos autos. Nesse ponto, impende realçar que ao reverso do que intenta a defesa, as provas dos autos e o próprio interrogatório deixaram assente que (...) tinha conhecimento não apenas da ilicitude do recebimento dos valores depositados em favor de sua tia falecida, em nome da mesma, ao utilizar o cartão do banco e a senha pessoal daquela, quanto de que os valores provinham de duas fontes pagadoras, Marinha e Ministério dos Transportes. Em outras palavras, restou indubitável que o denunciado possuía esclarecimentos suficientes para saber (ou, ao menos, suspeitar) da ilicitude inerente às condutas perpetradas e, pelas razões já aduzidas, admitir o contrário, seria atentar contra a lógica e inteligência intrínseca a qualquer pessoa em condições normais. 2.2.3.3. Exigibilidade de conduta diversa: Na sequência, também poder-se-ia exigir do denunciado conduta diversa, pois, dos autos, não se vislumbra a existência de motivo que o compelisse de forma inevitável a realizar a prática delituosa perpetrada, retirando completamente de suas alçadas a possibilidade de agirem segundo suas vontades e de forma condizente com o direito. Em outras palavras, no caso em apreço era exigível sim comportamento diverso do ilegal assumido e, se o agente assim atuou, o fez por sua livre e consciente vontade. Desse modo, presentes a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa, impõe-se concluir pela culpabilidade do agente, frente a conduta perpetrada. Por todo o exposto, conclui-se que, além de tipicidade, as condutas do agente revestiram-se também de antijuridicidade e culpabilidade, sendo, portanto, dignas de reprimenda. 3. Dispositivo: Posto isso, julgo PROCEDENTE a acusação formulada na denúncia e CONDENO o acusado (...) FOUSEK (...) pelo cometimento do delito capitulado no art. 171, § 3º, do CPB. 6.Como visto, o réu confessou que, mesmo após o óbito da titular do benefício - que era sua tia -, continuou, espontaneamente, recebendo os valores que não lhe pertenciam. 7.Para justificar a tese, a defesa aduz que o apelante não teve intenção de cometer o crime, tampouco tinha conhecimento de que, o que fizera, ela ilegal. 8.Todavia, como bem fundamentado na sentença, as pronvas apontam justamente para o inverso: o apelante atuou intencionalmente e sabendo que era ilegal o que fazia. 9.Como provas dos arremates, existem muitas, mas destacamos as principais: Não é verossímil que uma pessoa de capacidade média, como foi o caso, simplesmente tomasse por verdade a informação de um agente funerário no sentido de que poderia, durante três meses, receber benefício do qual não era titular; Ademais, ainda que assim nem fosse, o fato é que o apelante não passou apenas três meses recebendo, mas muito mais tempo do que isso, o que torna induvidoso o dolo e a consciência da ilicitude, tanto que afirmou ter se "arrependido"; Saliente-se ainda que o réu afirmou, ao ser interrogado, que imaginava que o que estava fazendo era crime, o que afasta de pronto as teses da defesa. E mais: afirmou ainda que não contou nada para os familiares, evento que só se justifica diante da necessidade de ocultar dolosamente o que fazia. 10.Em suma, o dolo restou comprovado, assim como afastada a tese de erro de tipo. O apelante teria incidido em erro de proibição na medida em que não tinha conhecimento da ilicitude de sua conduta. 11.O tema já foi abordado e afastado nas linhas anteriores. Caso mantida a condenação, a pena privativa de liberdade deveria ser fixada no mínimo legal, assim como a de multa. 12.Voltando os olhos à sentença, especificamente à primeira fase da dosimetria, viu-se que o juízo considerou como negativa apenas uma das circunstâncias judiciais, a saber: culpabilidade, que entendeu moderada em face do período de recebimento, que foi de agosto/2012 a janeiro/2013. 13.Com a devida vênia, entendo que o lapso foi curto (apenas 05 meses, bem como o montante auferido, reduzido), de modo que a culpabilidade não se mostrou moderada, mas reduzida. 14.Sendo todas as circunstâncias judiciais favoráveis, portanto, aplicamos a pena-base como a mínima, ou seja, 01 ano de reclusão. 15.Na segunda fase, apesar da confissão, esta não pode ser aplicada em face de a pena já restar no mínimo legal. 16.Por fim, diante da causa de aumento de pena prevista no § 3º do art. 171 do CPB (1/3), tem-se que a pena privativa de liberdade final será de 01 ano e 04 meses de reclusão. 17.Como se infere, apesar da alteração da pena-base - por afastarmos a culpabilidade como negativa -, o fato é que a pena final foi a mesma da sentença, pois, naquela, houve a aplicação da confissão. 18.Portanto, a quantidade de dias-multa e seu valor individual deve ser mantido. As penas substitutivas deveriam ser aplicadas pelo juízo da execução. 19.Não há impedimento legal ao juízo da instrução para aplicar as penas substitutivas. 20.Caso, durante a execução, elas se mostrem, de fato, incompatíveis com a realidade do apenado, o juízo de execuções poderá adequá-las, consoante, inclusive, destacado na sentença de primeiro grau. Seria cabível a suspensão condicional do pagamento das custas processuais em face da hipossuficiência do apelante. 21.A Lei nº 1.060/50 deve ser cotejada com o art. 804 do Código de Processo Penal, o qual dispõe como consequência natural da sentença condenatória a condenação do réu também às custas processuais, podendo o pagamento ficar sobrestado enquanto durar a situação de pobreza, pelo prazo de cinco anos. 22.Demais disso, tanto o sobrestamento quanto a isenção somente poderão ser concedidos na fase executória, pelo Juízo da Execução, até mesmo porque a situação financeira real do condenado poderá ser alterada após a prolação do provimento monocrático, razão pela qual, na época da execução, as condições de pobreza poderão ser melhor avaliadas, bem assim a possibilidade do pagamento das custas processuais, descabendo, nesse momento, o deferimento do pleito, nos exatos moldes do dispositivo legal apontado. 23.Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo apenas para afastar a valoração negativa da culpabilidade do apelante sem, todavia, tal alteração ter efetiva repercussão nas penalidades aplicadas. Ffmp.
(TRF-5, PROCESSO: 08143833620194058300, APELAÇÃO CRIMINAL, DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRE LUIS MAIA TOBIAS GRANJA (CONVOCADO), 2ª TURMA, JULGAMENTO: 19/01/2021)