PJE 0802406-74.2019.4.05.8000
TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. COMPENSAÇÃO REALIZADA POR FORÇA DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL PRECÁRIA. POSTERIOR REVOGAÇÃO. LANÇAMENTO DE OFÍCIO. DESNECESSIDADE. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1. Apelação interposta pela TEXAS ENERGIA LTDA, contra a UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL), em face de sentença proferida pelo Juízo da 13ª Vara Federal da Seção Judiciária de Alagoas que julgou improcedentes os pedidos autorais. De consequência, condenou a parte autora no pagamento das custas do processo e em honorários advocatícios sucumbenciais, fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa com fulcro no
art. 85 do
NCPC. ...« (+5287 PALAVRAS) »
...2. A apelante sustenta, em síntese, a ausência de vedação legal à compensação, eis que autorizada judicialmente e que o artigo 170-A do CTN não se aplica às compensações anteriores a sua vigência, ponderando a decadência de tributos objeto de compensações realizadas mediante autorização judicial, que não foram constituídos através de lançamentos, pela autoridade fiscal, no prazo de 5 anos. Pondera a imprescindibilidade do lançamento, pela ausência de impedimento judicial ou legal para constituição do crédito tributário, menciona a disciplina jurídica das compensações anteriores à vigência da MP 135/2003 e o lançamento de ofício, os efeitos da compensação considerada não declarada e a ausência de confissão de dívida, com a consequente necessidade de lançamento de ofício. 3. A sentença não merece reforma, devendo ser confirmada por seus próprios fundamentos, a seguir transcritos:
(...)
A lide consiste, basicamente, na pretensão da parte autora em obter provimento jurisdicional que reconheça a decadência das cobranças de débitos alegadamente compensados, com a conseqüente nulidade dos aludidos débitos objeto dos procedimentos compensatórios elencados na exordial.
Pois bem, o requerimento de compensação do débito declarado com eventual crédito do mesmo contribuinte - ou de terceiros, quando admitido - deve ocorrer por meio de declaração de compensação, que se traduz num Pedido Eletrônico de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação (PER/DCOMP), nos termos do art. 74 da Lei n. 9.430/96:
"Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. (Redação dada pela Lei nº 10.637, de 2002)
§ 1o A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)
§ 2o A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)
§ 3o Além das hipóteses previstas nas leis específicas de cada tributo ou contribuição, não poderão ser objeto de compensação mediante entrega, pelo sujeito passivo, da declaração referida no § 1o: (Redação dada pela Lei nº 10.833, de 2003)
I - o saldo a restituir apurado na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física; (Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)
II - os débitos relativos a tributos e contribuições devidos no registro da Declaração de Importação. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)
III - os débitos relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal que já tenham sido encaminhados à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa da União; (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)
V - o débito consolidado em qualquer modalidade de parcelamento concedido pela Secretaria da Receita Federal - SRF; (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)
V - o débito que já tenha sido objeto de compensação não homologada, ainda que a compensação se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa; e (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)
VI - o valor objeto de pedido de restituição ou de ressarcimento já indeferido pela autoridade competente da Secretaria da Receita Federal - SRF, ainda que o pedido se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)
§ 4o Os pedidos de compensação pendentes de apreciação pela autoridade administrativa serão considerados declaração de compensação, desde o seu protocolo, para os efeitos previstos neste artigo.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)
§ 5o O prazo para homologação da compensação declarada pelo sujeito passivo será de 5 (cinco) anos, contado da data da entrega da declaração de compensação. (Redação dada pela Lei nº 10.833, de 2003)
§ 6o A declaração de compensação constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência dos débitos indevidamente compensados. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)
§ 7o Não homologada a compensação, a autoridade administrativa deverá cientificar o sujeito passivo e intimá-lo a efetuar, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da ciência do ato que não a homologou, o pagamento dos débitos indevidamente compensados.(Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)
§ 8o Não efetuado o pagamento no prazo previsto no § 7o, o débito será encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa da União, ressalvado o disposto no § 9o. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)
§ 9o É facultado ao sujeito passivo, no prazo referido no § 7o, apresentar manifestação de inconformidade contra a não-homologação da compensação. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)
§ 10. Da decisão que julgar improcedente a manifestação de inconformidade caberá recurso ao Conselho de Contribuintes. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)
§ 11. A manifestação de inconformidade e o recurso de que tratam os §§ 9o e 10 obedecerão ao rito processual do Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972, e enquadram-se no disposto no inciso III do art. 151 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, relativamente ao débito objeto da compensação. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)
§ 12. Será considerada não declarada a compensação nas hipóteses: (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)
I - previstas no § 3o deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)
II - em que o crédito: (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)
a) seja de terceiros; (Incluída pela Lei nº 11.051, de 2004)
b) refira-se a "crédito-prêmio" instituído pelo art. 1o do Decreto-Lei no 491, de 5 de março de 1969; (Incluída pela Lei nº 11.051, de 2004)
c) refira-se a título público; (Incluída pela Lei nº 11.051, de 2004)
d) seja decorrente de decisão judicial não transitada em julgado; ou (Incluída pela Lei nº 11.051, de 2004)
e) não se refira a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal - SRF. (Incluída pela Lei nº 11.051, de 2004)
f) tiver como fundamento a alegação de inconstitucionalidade de lei, exceto nos casos em que a lei: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
1 - tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade ou em ação declaratória de constitucionalidade; (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
2 - tenha tido sua execução suspensa pelo Senado Federal; (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
3 - tenha sido julgada inconstitucional em sentença judicial transitada em julgado a favor do contribuinte; ou (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
4 - seja objeto de súmula vinculante aprovada pelo Supremo Tribunal Federal nos termos do art. 103-A da Constituição Federal. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 13. O disposto nos §§ 2o e 5o a 11 deste artigo não se aplica às hipóteses previstas no § 12 deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)
§ 14. A Secretaria da Receita Federal - SRF disciplinará o disposto neste artigo, inclusive quanto à fixação de critérios de prioridade para apreciação de processos de restituição, de ressarcimento e de compensação. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)
§ 15. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento indeferido ou indevido. (Incluído pela Lei nº 12.249, de 2010)
§ 16. O percentual da multa de que trata o § 15 será de 100% (cem por cento) na hipótese de ressarcimento obtido com falsidade no pedido apresentado pelo sujeito passivo. (Incluído pela Lei nº 12.249, de 2010)
§ 17. Aplica-se a multa prevista no § 15, também, sobre o valor do crédito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo. (Incluído pela Lei nº 12.249, de 2010)
§ 18. No caso de apresentação de manifestação de inconformidade contra a não homologação da compensação, fica suspensa a exigibilidade da multa de ofício de que trata o § 17, ainda que não impugnada essa exigência, enquadrando-se no disposto no inciso III do art. 151 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional. (Incluído pela Lei nº 12.844, de 2013)"
No caso dos autos, consoante relatado, verifico que em face de autorizações judiciais precárias foram prolatadas decisões reconhecendo a existência de direito a créditos-prêmio de IPI, autorizando a compensação destes com créditos tributários da parte ou de terceiros cessionários.
Nesse toar, segundo a autora, "a Delegacia da Receita Federal do Brasil em Maceió/AL, sob o pretexto da reforma da decisão judicial que vigorara em prol dos Cedentes, classificou como "não declarada" as compensações efetuadas entre 2001 e 2002 e remeteu diretamente para dívida ativa os débitos compensados, nunca devidamente constituído", sem qualquer ato prévio de lançamento.
Ora, não há nenhum vício no procedimento levado a efeito pelo Fisco Federal, pois a compensação fora feita antes da decisão transitada em julgado, tão-somente com base em medida antecipatória concedida no bojo dos autos em que se discutia a existência de crédito de IPI em favor da empresa que veio a transferir seus supostos créditos em favor da ora demandante. Não havia, portanto, decisão transitada em julgado reconhecendo o direito de crédito, por isso, as compensações requestadas ocorreram por conta e risco do contribuinte-autor e não do Fisco.
No particular, cumpre ressaltar alguns pontos curiais para o deslinde da questão.
O primeiro deles diz respeito ao significado da expressão "não declarada" do § 12 do art. 74 da Lei n. 9.430/96.
A Declaração de Compensação, nos termos do art. 74 da Lei nº 9.430/96, consiste num instrumento através do qual se documentam 03 (três) operações: (1) o contribuinte indica um débito seu em face do ente arrecadador (2) o contribuinte indica um crédito seu em face do mesmo ente arrecadador, e (3) procede-se à compensação de ambos.
O procedimento inicial, no qual é apontado o saldo devedor, é uma declaração de conhecimento do contribuinte em relação às suas obrigações tributárias. Essa realidade não é apagada pelo fato do Fisco não reconhecer o crédito do contribuinte e/ou o direito à compensação (etapas 2 e 3 da documentação). A norma em comento (art. 74 da Lei nº 9.430/96) enumera alguns créditos que se indicados pelo contribuinte em seu pedido de compensação farão com que esta compensação seja considerada "não declarada". Assim, o que é considerado "não declarado" é a compensação, e não o conhecimento do contribuinte em relação às dívidas que ele mesmo cuidou de apontar.
A propósito, em seu voto no RE 346.084, o Min. Cezar Peluzo mencionou um pensamento de (...) Eco (extraído do Livro Interpretação e Superinterpretação), segundo o qual, muito embora a mensagem possa significar qualquer coisa, há sentido que seria despropositado sugerir. Tal ensinamento é perfeitamente aplicável ao presente caso. Repita-se: o contribuinte não deixa de conhecer o seu débito porque foi descoberto sem crédito para compensar. Ademais, se fica caracterizada a confissão em outras situações de não reconhecimento da compensação pelo Fisco, no meu sentir, não há lógica razoável para que se entenda o contrário justamente quando o suposto crédito do contribuinte é mais frágil, tanto que a compensação é considerada como "não declarada".
No ponto, a compensação autorizada judicialmente, não era definitiva, porquanto a própria existência do direito aos créditos-prêmio era objeto de litígio judicial, de maneira que a extinção dos créditos tributários com os compensados estava condicionada ao trânsito em julgado de decisão nos referidos processos judiciais.
Nessa linha, enquanto pendente de julgamento e subsistindo os efeitos da decisão antecipatória, o crédito tributário objeto da compensação estaria suspenso, já que o Fisco não poderia cobrá-lo.
Acontece que a decisão precária que autorizava a compensação perdeu seus efeitos e aquelas compensações já processadas foram canceladas pela Receita Federal - e tidas como "não declaradas".
Nesse diapasão, é de se ver que os pedidos de compensação não foram aceitos voluntariamente pela Receita Federal do Brasil. As declarações de compensação foram precedidas de ordem judicial que determinou a admissão pela RFB das compensações.
Como é cediço, as medidas antecipatórias dos efeitos da tutela são provisórias, precárias e revogáveis a qualquer tempo. A parte beneficiada tem ciência dessa precariedade, ou seja, de que, em ocorrendo a revogação de tais medidas, as coisas voltam ao seu estado anterior.
Logo, no caso em apreço, com a revogação da tutela antecipada, por força da decisão que julgou prejudicada a MC nº 16.120-AL, em 16/08/2017, deixou de existir decisão judicial em vigor reconhecendo a existência do crédito-prêmio IPI objeto da compensação realizada a justificar o impedimento ao prosseguimento da cobrança dos créditos com eles compensados.
De outro giro, se houve ordem judicial possibilitando ao contribuinte a restituição/compensação de tributos, não há que se exigir tramitação - e processamento - normal dos pedidos de compensação dentro da Secretaria da Receita Federal.
Assim, a contribuinte era sabedora de que sua pretensão subsistia enquanto em vigor a decisão judicial que autorizou a compensação.
Por sinal, como a decisão que autorizava a compensação foi revogada em 2017, não há como se falar em decadência, ainda que fosse o caso de reconhecimento da necessidade de lançamento de ofício, pois não decorrido o lustro legal para tanto.
Ademais, revogada a ordem judicial precária, desapareceu a compensação, mas não o reconhecimento da contribuinte em relação às obrigações tributárias em debate, ainda que para fins de compensação. O sustentáculo da compensação não era ato comissivo e/ou omissivo da autoridade fazendária, e sim ordem judicial, que, por isso, devia ser acompanhada pela parte interessada.
Enfim, entendo que a interpretação pretendida pela contribuinte, além de descabida, a beneficiaria por pretender realizar compensação em desconformidade com o preceito legal contido no art. 170-A do CTN, introduzido pela LC 104/2001 (já vigente à época dos pedidos de declaração de compensação realizados pela autora), que veda a compensação mediante aproveitamento de tributo antes do trânsito em julgado da decisão judicial.
O certo é que, muito embora o direito à compensação tivesse sido conferido por meio de decisão judicial - a qual foi cassada pelo Juízo ad quem - a contribuinte era sabedora de que não poderia compensar o tributo por expressa vedação legal. Assim o fazendo, como dito, além de ser uma forma de reconhecer o débito - o que tornaria desnecessário o lançamento - assumiu o risco de vir a ser revertida a decisão judicial, fazendo surgir para o Fisco o direito de cobrar os débitos declarados, independentemente de qualquer outra providência.
É sabido que a interpretação de um dispositivo legal deve ser condizente com a lógica e com a pertinência sistemática do dispositivo interpretado ao ordenamento jurídico considerado globalmente. É igualmente conhecido o princípio segundo o qual a ninguém é dado se beneficiar da própria torpeza, princípio geral de direito, que deve informar a interpretação de todas as normas jurídicas.
Em outras palavras, a compensação de tributos que vai de encontro à legislação tributária, realizada com fundamento em decisão judicial precária (posteriormente revogada), não tem o condão de excluir o reconhecimento da dívida, vez que, a prevalecer interpretação contrária (a pretendida pela autora), abrir-se-ia a possibilidade de os contribuintes realizarem compensações em desconformidade com a legislação tributária e, mesmo assim, se beneficiarem com a consequente extinção do tributo declarado como devido.
Cumpre ressaltar que compensações efetuadas com supostos créditos de terceiro (como os resultantes de "crédito-prêmio" de IPI), e que foram levadas a efeito com base em decisões judiciais precárias, ocasionaram uma árdua tarefa ao Fisco na tentativa de coibir condutas fraudulentas. Houve uma enxurrada de pedidos de compensação, descobertos, a partir de uma análise mais aprofundada, não respaldados no Ordenamento Jurídico pátrio. Como se sabe, a conclusão sobre o elemento subjetivo é obtida, em princípio, pelo processo dedutivo, com elementos das regras de experiência comum, decorrentes do que acontece em situações semelhantes, ordinariamente. Por isso, eventual boa-fé do beneficiado com transações dessa natureza é até discutível, pois, na grande maioria dos casos, o direito de crédito foi adquirido por valor irrisório, muito aquém do supostamente devido pelo ente público ao contribuinte que o transferiu, donde inafastável a desconfiança sobre a solidez do objeto da transação.
E daí, da permissão de que alguém se beneficie da sua própria torpeza, ou seja, da compensação em desconformidade com preceito legal (o art. 170-A do CTN, notadamente), surgem consequências que ultrapassam as fronteiras da arrecadação tributária (do prejuízo aos cofres públicos). "Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito" (Georges Ripert). Ora, excluindo-se das obrigações tributárias aquele que demonstrou sua capacidade contributiva pelo resultado de atividade econômica semelhante à de outros - para fazer valer exagerado formalismo (necessidade de lançamento de dívida já declarada) - tem-se evidente prejuízo para estes últimos, proveniente da interferência reflexa da tributação na economia, dificultando a livre concorrência. Nesse prisma, cumpre ressaltar que o próprio legislador constituinte deixou clara a necessidade da observância do princípio da neutralidade (art. 146-A da CRFB/88), segundo o qual a tributação não pode se constituir num fator de desequilíbrio da igualdade das condições competitivas. E em não havendo a dita igualdade, de duas uma: ou os contribuintes prejudicados fecham as suas portas ou aderem à prática da evasão/fraude fiscal, o que é ainda pior, pois passam a criar ou alimentar um espírito ludibrioso na sociedade.
In casu, o que se verifica é que independente da norma do art. 17 da MP nº 135/2003 (que deu nova redação ao parágrafo 6º do art. 74 da Lei nº 9.430/96, esclarecendo que "a declaração de compensação constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência dos débitos indevidamente compensados"), a questão é que a declaração apresentada pelo contribuinte informando a ocorrência de um fato gerador e a existência de uma obrigação tributária (com identificação da espécie de tributo, competência do fato gerador, valor devido, etc.) é instrumento hábil para a constituição do crédito tributário e sua cobrança, sendo desnecessária a realização de lançamento de ofício pela autoridade tributária.
Cuida-se, inclusive, de entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça (enunciado 436):
"A entrega da declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco".
Nesse diapasão, malgrado o aludido enunciado tenha sido editado em 2010, todos os precedentes que ensejaram sua edição - em especial o REsp n. 1.101.728-SP (2008/0244024-6), Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado sob o regime dos recursos repetitivos - fazem menção à sedimentação jurisprudencial da matéria nesse sentido, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, muito antes da edição da MP nº 153, de 30 de outubro de 2003.
Nesse sentido, segue abaixo trecho do voto do seu Relator:
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): 1. O acórdão oriundo do TJ/SP não serve para a caracterização da divergência, pois foi proferido pelo Tribunal que prolatou o acórdão recorrido. Segundo a Súmula 13 do STJ, "a divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial". Todavia, o recurso pode ser conhecido pela letra a do permissivo constitucional, já que pois a matéria nele tratada foi devidamente prequestionada. 2. Pela ordem lógica de prejudicialidade, cumpre examinar primeiramente a matéria relacionada com a constituição do crédito tributário. No particular, nenhuma razão assiste aos recorrentes. A jurisprudência desta Corte, é no sentido de que "a apresentação de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF, de Guia de Informação e Apuração do ICMS - GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de constituição do crédito tributário, dispensando, para isso, qualquer outra providência por parte do Fisco", entendimento que foi inclusive ratificado por ocasião do julgamento, por esta 1ª Seção, sob o regime do art. 543-C do CPC, do REsp 962.379, DJ de 28.10.08. Na oportunidade, na condição de relator, proferi voto que, no particular, evocou diversos precedentes da Seção nesse sentido, v.g., AgRg nos EAg 670.326/PR, DJ de 01.08.2006; AgRg nos EREsp 332.322/SC, DJ de 21.11.2005 e AgRg nos EREsp 638.069, este com ementa assim explicitando o tema: "2. Segundo jurisprudência pacífica do STJ, a apresentação, pelo contribuinte, de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF (instituída pela IN-SRF 129/86, atualmente regulada pela IN8 SRF 395/2004, editada com base no art. 5º do DL 2.124/84 e art. 16 da Lei 9.779/99) ou de Guia de Informação e Apuração do ICMS - GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de formalizar a existência (= constituir) do crédito tributário, dispensada, para esse efeito, qualquer outra providência por parte do Fisco"
No voto, constou:
"2. Pois bem, é inteiramente equivocada a afirmação, ainda corrente, de que o lançamento, feito pela autoridade fiscal, é instituto indispensável e sempre presente nos fenômenos tributários e que, ademais, é o único modo para efetivar a constituição do crédito tributário. Contrariando tal afirmação, observou o Ministro Peçanha Martins que "é pacífica a orientação deste Tribunal no sentido de que, nos tributos lançados por homologação, a declaração do contribuinte, através da DCTF, elide a necessidade da constituição formal de débito pelo fisco podendo ser, em caso de não pagamento no prazo, imediatamente inscrito em dívida ativa, tornando-se exigível, independentemente de qualquer procedimento administrativo ou de notificação ao contribuinte" (Recurso especial não conhecido." (REsp 281.867/SC, 2ª T. Min. Peçanha Martins, DJ de 26.05.2003).
Logo, a norma do art. 74, § 6º da Lei nº 9.430/96 (com redação dada pela MP n. 153/2003) não se cuida de inovação, apenas esclarece aquilo que já era sedimentado pela orientação jurisprudencial com base na legislação anterior a ela.
Por outro lado, não prospera a alegação de que o crédito tributário não haveria sido constituído pela declaração da parte autora em razão de a compensação haver sido reputada "não declarada".
O que foi reputado "não declarado" foi a compensação (é dizer, a extinção do crédito tributário pelo crédito alegado pelo contribuinte), não o crédito tributário confessado pelo contribuinte postulante da compensação.
Vale dizer que a norma do parágrafo 12 do art. 74 da Lei nº 9.430/96 (com redação dada pela Lei nº 11.051/2004) em momento algum afirma que o crédito tributário confessado é também reputado não declarado.
Desse modo, em sendo declarada a existência de débito pelo contribuinte (seja para fins de parcelamento, compensação, ou mesmo simples declaração, desacompanhada do pagamento), não se exige a notificação do contribuinte para impugná-lo, pois o lançamento é realizado com base em fatos declarados pelo próprio contribuinte, de maneira que não há mais espaço para discussão administrativa quanto ao valor do crédito tributário.
Consoante se extrai da análise do feito, a demandada foi impedida, por meio de ordem judicial requerida pelo pretenso credor, de exigir as obrigações tributárias objeto do pedido de compensação formulado (seja cobrando-as diretamente, na hipótese de entendê-los constituídos pela declaração do contribuinte; seja constituindo-os, na hipótese de entendimento contrário).
Como cediço, tanto a prescrição quanto a decadência constitui sanções dispostas pelo ordenamento jurídico à inércia do titular de um direito. Sendo assim, não se pode aplicá-las aquele que é impedido de exercê-las por força de determinação judicial, ainda que posteriormente reformada, já que, na situação em testilha, inexiste inércia.
Assim como a concessão de medidas liminares suspende a exigibilidade do crédito tributário, esta também suspende a fluência do prazo prescricional (ou, ainda que se entendesse não constituído o crédito pela declaração do contribuinte, impediria o início da fluência do prazo decadencial, posto que impedido o titular do direito de exercê-lo).
(...)
Destarte, não mercê prosperar a alegação da parte autora porquanto não se verifica qualquer vício que impeça a cobrança imediata dos créditos tributários que a Fazenda vem sendo impedida de exigir há mais de uma década.
Em suma, estando o pedido de compensação atrelado à determinação judicial, não se poderia exigir da Fazenda Nacional o seu indeferimento ou mesmo a constituição do crédito tributário pelo lançamento. Por conseguinte, em sendo a decadência a consequência da inércia do titular de direito, pressupõe a possibilidade de exercício do direito, de maneira que não se pode computar, na hipótese em apreço, em desfavor da Fazenda Pública a fluência de prazo decadencial em relação a exercício de direito que encontrava-se obstado por força de decisão judicial. (...)4. A presente ação anulatória de débito fiscal, com pedido de tutela de urgência, foi ajuizada por Texas Energia LTDA em face da União (Fazenda Nacional), objetivando seja reconhecida a nulidade ou improcedência da cobrança dos débitos alegadamente compensados, por quaisquer dos fundamentos articulados pela demandante. 5. Segundo a exordial a autora protocolou, entre os anos de 2001 a 2002, pedidos de compensação de vários débitos seus com créditos de IPI, cedidos por terceiros, que à época possuíam autorizações judiciais precárias proferidas pelas 1ª e 2ª Vara Federal. 6. Ainda segundo a exordial tais compensações foram realizadas segundo os procedimentos preconizados pela Lei nº 9.430/96, antes das inovações conferidas pela MP nº 135/2003 (com vigência em 31/10/2003), convertida na Lei nº 10.833/2003, que atribuiu natureza de confissão de dívida à Declaração de Compensação. 7. Na sequência, alegou que, passados 18 anos, a Delegacia da Receita Federal do Brasil em Maceió/AL, sob o pretexto da reforma da decisão judicial que vigorava em prol dos cedentes, classificou como "não declaradas" as compensações efetuadas entre 2011 e 2002 e remeteu os débitos compensados para dívida ativa. 8. Disse que o fisco não constituiu os débitos tributários compensados para prevenir a decadência e, assim, deixou de observar a ocorrência da extinção do crédito tributário, seja por força da decadência, seja porque não lhe garantiu o direito de defesa administrativa. 9. A Fazenda Nacional arguiu que não há que se reconhecer a decadência, tendo em vista que as compensações realizadas, bem como a emissão da DCC pela RFB, somente foram concretizadas por ordem judicial expressa, conforme bem explicado nos despachos da RFB anexados ao feito pela própria autora, de modo que não teria restado outra opção à Fazenda que não a formalização da compensação pretendida, sob pena de descumprimento manifesto de decisão judicial. Defendeu que não houve qualquer tipo de inércia por parte do Fisco, que se viu impedido de dar continuidade à cobrança dos créditos discutidos nos processos administrativos referidos na inicial. 10. A lide consiste, basicamente, na pretensão da parte autora em obter provimento jurisdicional que reconheça a decadência das cobranças de débitos alegadamente compensados, com a consequente nulidade dos aludidos débitos objeto dos procedimentos compensatórios elencados na exordial. 11. Nesses autos, em razão de ordem judicial expressa, a DRFB/AL autorizou a compensação dos débitos próprios da autora com os créditos cedidos por terceiro. Assim, em cumprimento à decisão judicial, a RFB emitiu os respectivos "Documentos Comprobatórios de Compensação", momento em que foi oficialmente formalizada a compensação. 12. Posteriormente, a autora recebeu despachos administrativos enviados pela DRFB/AL determinando o prosseguimento da cobrança dos débitos compensados anteriormente, imediatamente após a reforma da sentença pelo TRF5. 13. Sem razão a apelante, porque a compensação considerada pelo Fisco como não-declarada não afasta a natureza de confissão da dívida. São situações distintas. A compensação realizada por meio da confissão da dívida foi rejeitada à míngua de decisão transitada em julgado, mas o efeito dos débitos confessados subsiste. 14. Ademais, o disposto no § 13 do art. 74 daquele diploma legal também não afasta a confissão dos débitos que envolvem a compensação reputada não-declarada, porque tal dispositivo considera não-declarada a compensação tão somente para fins de interposição de recurso administrativo (manifestação de inconformidade e recurso ao Conselho de Contribuintes). 15. Outrossim, não deve prevalecer a tese defendida pela apelante no sentido de que antes de 31/10/2003 (data da edição da Medida Provóira nº 135) havia a necessidade de lançamento de ofício para se cobrar a diferença do crédito tributário declarado em DCTF, decorrente de compensação indevida. 16. É bem verdade que a referida MP, posteriormente convertida na Lei nº 10.833/2003, acrescentou o § 6º ao art. 74 da Lei nº 9.430/96, dispondo que "a declaração de compensação constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência dos débitos indevidamente compensados". 17. Independentemente da aplicação da norma contida da MP nº 135/2003, a declaração apresentada pelo contribuinte informando a ocorrência de um fato gerador e a existência de uma obrigação tributária (com todas as suas características, como identificação da espécie de tributo, competência do fato gerador, valor devido, etc.) sempre foi considerada instrumento suficiente para a constituição do crédito tributário e sua cobrança, sendo desnecessária a realização de lançamento de ofício pela autoridade tributária. Tal entendimento, inclusive, foi sumulado pelo STJ (enunciado 436): 'A entrega da declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco'. Embora o referido enunciado tenha sido editado em 2010, todos os precedentes que ensejaram sua edição - em especial o REsp n. 1.101.728-SP (2008/0244024-6), Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado sob o regime dos recursos repetitivos, fazem menção à sedimentação jurisprudencial da matéria nesse sentido, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, muito antes da edição da MP nº 153, de 30 de outubro de 2003." Assim, conforme o entendimento que se sedimentou na jurisprudência do STJ, o lançamento substitutivo, mesmo antes das modificações legislativas no art. 74 da Lei nº 9.430/96, somente era exigido quando apurada diferença pelo fisco (cf REsp 1502336/AL; AgRg no REsp 1529665/CE; REsp 1332376/PR; REsp 1240110/PR). No mesmo sentido: REsp 1143094/SP (repetitivo); AgRg no AREsp 209050/SC; AgRg no Ag 1361961/SC; EDcl no REsp 1127985/MG; REsp 751776/PR; REsp 701634/SC. 18. No caso concreto, restou evidenciado que os pedidos de compensação não foram aceitos voluntariamente pela Receita Federal, mas por força de determinação judicial. Desse modo, somente com a revogação da tutela antecipada, por força da decisão do STJ que julgou prejudicada a MC 16.120-AL, em 16/08/2017, é que deixou de existir impedimento ao prosseguimento da cobrança dos créditos compensados. 19. Assim, estando o pedido de compensação vinculado à determinação judicial precária, que perdurou até 16/08/2017, não se poderia exigir do Fisco a constituição do crédito tributário pelo lançamento, não restando, a princípio, configurada a alegada decadência. 20. Nesse sentido, em situação similar, já decidiu esta Segunda Turma: "2. Vê-se, assim, que as compensações realizadas pelo autor somente foram concretizadas por decisão judicial expressa, não restando outra opção à Fazenda Nacional senão a formalização da compensação, sob pena de descumprimento de ordem judicial. Tal compensação, autorizada judicialmente, não era, pois, definitiva, já que a própria existência do direito aos créditos era objeto de litígio judicial, pelo que a extinção dos créditos tributários com aqueles compensados estaria condicionada ao trânsito em julgado de decisão favorável ao cedente no referido processo. Não obstante, a decisão autorizativa da compensação perdeu seus efeitos, em decisão que lhe foi desfavorável, e as compensações já processadas foram canceladas. 3. Bem se vê que a decadência não se consumou no caso concreto. A uma, porque a jurisprudência do STJ já se encontra consolidada (REsp 962.379/RS, submetido ao rito do
artigo 543-C, e Súmula nº 436), no sentido de que a declaração de compensação é instrumento de confissão da dívida, por isso, hábil e suficiente, por si só, para constituir o crédito tributário. A duas, porque não faz sentido algum exigir-se que o Fisco realize lançamento de ofício, ainda que o pleito de compensação tenha sido efetivado antes da
Lei n.º 10.833/2003, quando o próprio contribuinte já o fizera." (PJE 0801151-98.2012.4.05.8300, Rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, 2ª Turma, julg. em 29/10/2019)
21. Apelação improvida. Honorários recursais fixados em 1% sobre o valor da causa.
pc
(TRF-5, PROCESSO: 08024067420194058000, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 06/09/2022)