A Lei Anticrime foi aprovada em dezembro de 2019 e ela trouxe uma série de alterações cruciais na área do Direito Penal. Para se ter uma ideia, nessa época, o Presidente da República proibiu cerca de 24 dispositivos desta Lei. Além disso, em abril de 2021, o Congresso Nacional ainda derrubou 16 desses vetos e tornou a medida efetiva.
Esse tema geralmente traz dúvidas entre os profissionais que atuam na área criminal, bem como estudantes de direitos e para quem está prestando concurso público.
Para auxiliar, neste guia completo, detalharemos sobre essas principais alterações que impactaram diretamente o Código Penal, o Código de Processo Penal e explicaremos o que está de fato em vigor, o que está suspenso, além de abordar sobre a Jurisprudência no tema. Acompanhe.
Entenda o que é pacote anticrime
O pacote anticrime refere-se ao série de ações que foram estabelecidas pela Lei N°. 13.964/2019 que aborda sobre as disposições legais e relaciona as alterações do Processo Penal e Legislação Penal.
Ou seja, traz uma abordagem firme no que relaciona a crimes violentos, criminalidade organizada e demais atos ilícitos que são amplamente reprovados pela sociedade.
Nessa realidade, as novas alterações abordam medidas que agravam ainda mais as penas para crimes de alta gravidade e progressão. O limite máximo de cumprimento de pena, por exemplo, foi estendido de 30 para 40 anos e também é exigido que seja cumprido pelo menos 70% da pena para que avance a um regime menos rigoroso.
Essas mudanças têm como intuito atender desde à necessidade da opinião pública, como a real imposição de punições mais graves, que de maneira frequente, recebem uma maior atenção da mídia e sociedade.
Além disso, esse conjunto de medidas vetam que os agressores tenham benefício do Acordo de Não Persecução Penal que estejam relacionados com o feminicídio, com o intuito de reduzir a falta de punição.
Nesse sentido, também houve uma modernização no processo penal, pois houve a introdução do "Juiz de Garantias" no que assume a responsabilidade da etapa investigativa, enquanto o outro magistrado se torna responsabilizado do proferimento da sentença e julgamento.
Como esse pacote funciona na prática
O início do pacote anticrime está relacionado com a ação da Segurança Pública e Ministério da Justiça como resposta ao cenário atual do sistema de justiça criminal desalinhado e desatualizado.
Dessa maneira, uma revisão da legislação pena tornou-se fundamental para que assim seja oferecido um suporte mais eficiente às autoridades vigentes na luta contra criminalidade, além da prevenção de delitos:
- crimes que causaram grande repulsa social;
- crimes considerados hediondos;
- crimes violentos.
Assim sendo, o conjunto de alterações dessas normas brasileiras, que popularmente foi conhecida por esse tempo de "pacote anticrime", foi exposto ao Congresso Nacional em 19 de fevereiro de 2019. Além das revisões do Código Penal, Lei de execuções penais e Processo Penal, também foi introduzido as alterações em várias outras áreas que detalharemos nesse guia logo mais adiante.
Saiba quais são as leis do pacote anticrime
Esse projeto de lei (PL) 1.864/2019 foi reapresentado por vários senadores, como a Eliziane Gama (PPS_MA). Ele engloba os tópicos considerados cruciais no pacote anticrime que foi proposto pelo MJSP.
Esse texto proposto alterou 13 leis e decretos que envolvem várias áreas, como regras do processo penal, atuação policial, banco de dados, situações de corrupção, enriquecimento ilícito etc. Nesse sentido, foi o senador Marcos do Val (PPS-ES) que foi designado relator do projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
Acompanhe quais são as leis sujeitas a essas alterações:
- Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/1941);
- Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984)
- Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940);
- Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990);
- Lei da Escuta Telefônica (Lei 9.296/1996);
- Identificação Criminal (Lei 12.037/2009);
- Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Lei 11.343/2006);
- Lei da Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998);
- Sistema Nacional de Armas (Lei 10.826/2003);
- Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992);
- Presídios Federais de Segurança Máxima (Lei 11.671/2008);
- Recebimento de Denúncias (Lei 13.608/2018);
- Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013).
Quando o pacote anticrime começou a valer
Conforme foi abordado pelo artigo 20 da Lei 13.964/2019, todas as disposições relacionadas ao pacote terão efeito após um período de 30 dias a partir da sua publicação oficial.
Esse pacote de ações passou a ser aplicado no dia 23 de janeiro de 2020, cumprindo, dessa maneira, o período de trinta dias de espera, assim como foi abordado na Lei N°. 13.964/2019.
Proibições do pacote anticrime
No início, o presidente Jair Messias Bolsonaro, vetou 24 elementos. No entanto, durante uma reunião no Congresso Nacional, 16 dos 24 dispositivos proibidos foram reinseridos na Lei M°. 13.964/2019.
Nessa etapa, resta compreender quais foram os artigos originalmente rejeitados pelo veto presidencial e reincorporados na lei relacionada. Confira maiores detalhes abaixo.
Juiz das garantias e comparecimento por videoconferência – Art. 3º-B, parágrafo 1º, CPP
Proíbe a condução da audiência de custódia por esse meio para detentos em flagrante delito ou com Mandado de Prisão.
Entretanto, é relevante ressaltar que o STF emitiu uma permissão temporária por meio de uma decisão provisória para a condução de audiências de custódia via videoconferência durante o período da pandemia de COVID-19.
Homicídios praticados com arma de fogo de uso restrito: Art. 121, parágrafo 2º, VIII, Código Penal
Portanto, a punição para delitos cometidos com o uso de armas de fogo classificadas como restritas ou proibidas é estabelecida entre 12 a 30 anos.
Proteção aos profissionais da segurança pública — Artigo 14-A, parágrafos 3º, 4º e 5º, do Código de Processo Penal, e Artigo 16-A, parágrafos 3º, 4º e 5º, do Decreto-Lei 1.002/69
Aborda a opção de agentes de segurança pública de nomear um advogado particular ou recorrer a um Defensor Público para atuar como seu representante quando estiverem envolvidos em questões de inquéritos policiais e outros processos extrajudiciais.
Crime contra a honra feitos pela internet – Art. 141, § 2º, Código Penal
Com a revogação do veto presidencial, as infrações relacionadas a este intuit agora acarretam em uma pena triplicada.
Análise de DNA — Artigo 9º-A, parte inicial e parágrafos 5º, 6º e 7º, da Lei de Execução Penal
Discorre sobre a obrigatoriedade de submeter o condenado a:
- crime doloso envolvendo violência grave contra indivíduo;
- crime que ameaça a vida;
- crime que ameaça a liberdade sexual;
- crime sexual com um vulnerável.
Dessa forma, é necessário fazer o processo de perfil genético por meio do DNA. Esse procedimento é conduzido de maneira indolor e adequada no momento da entrada no estabelecimento prisional, de acordo com o Artigo 9º-A da Lei de Execuções Penais.
Mudança de regime e conduta exemplar — Artigo 112, parágrafo 7º, da Lei de Execução Penal
Essa lei aborda a oportunidade de restaurar o bom comportamento após um período de um ano desde a ocorrência do evento, ou mesmo antes, conforme o cumprimento do período estipulado para adquirir tal direito, de acordo estabelecido no Artigo 112, Parágrafo 7º da Lei de Execução Penal.
Captação ambiental – Art. 8º-A, parágrafos 2º e 4º, Lei 9.296/96
A implementação da lei de captação ambiental pode ser conduzida, quando necessário, através de operações policiais dissimuladas ou durante o período noturno, com exceção das residências, conforme previsto no inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal.
Além disso, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento antecipado do Ministério Público ou da autoridade policial pode ser usada como evidência de defesa, desde que se comprove a integridade da gravação.
Os vetos que permaneceram válidos estão relacionados à Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) e dizem respeito à possibilidade de realizar acordos de não persecução cível. Os dispositivos vetados são os seguintes:
- Artigo 17-A, inciso I, Lei 8.429/1992;
- Artigo 17-A, inciso II, Lei 8.429/1992;
- Artigo 17-A, inciso III, Lei 8.429/1992;
- Artigo 17-A, parágrafo 1º, Lei 8.429/1992;
- Artigo 17-A, parágrafo 2º, Lei 8.429/1992;
- Artigo 17-A, parágrafo 3º, Lei 8.429/1992;
- Artigo 17-A, parágrafo 4º, Lei 8.429/1992;
- Artigo 17-A, parágrafo 5º, Lei 8.429/1992.
Quais as alterações na Lei da Execução Penal e na Legislação Penal?
Em geral, as sanções incluíram multas, alegações de legítima defesa, restrições ao tempo máximo de encarceramento, possibilidades de liberdade condicional, casos de roubo e considerações sobre prescrição. Veja os detalhes a seguir.
Pena de multa
Uma alteração adicional no contexto do Código Penal é que, após a confirmação da sentença condenatória, a penalidade pecuniária será aplicada sob a supervisão do juiz de execução penal, como estabelecido no Artigo 51. É importante ressaltar que a responsabilidade principal pela execução da multa é atribuída ao Ministério Público.
Legítima defesa
Foi acrescentado um Parágrafo Único ao Artigo 25, o qual estipula que a legítima defesa se aplica também quando um Agente de Segurança Pública age para repelir uma agressão ou ameaça de agressão contra uma vítima que esteja sob a condição de refém.
Assim, essa mudança visa a dar suporte às ações desses agentes em proteção com a sociedade, quando agem estritamente no cumprimento de seu dever.
Limite máximo de cumprimento de pena
Uma outra alteração substancial promovida pelo Pacote Anticrime está relacionado com a ampliação do período de cumprimento de pena por parte de um indivíduo.
Anteriormente, o prazo máximo era estipulado em, no máximo, trinta anos. Contudo, com as modificações introduzidas pela Lei Anticrime, esse limite foi prolongado para quarenta anos, como foi estabelecido no Artigo 75.
Livramento condicional
Uma nova condição foi adicionada para a concessão do Livramento Condicional, exigindo a ausência de infrações graves nos últimos 12 meses.
É relevante ressaltar que, embora essa modificação seja inserida no Código Penal, esse procedimento é uma etapa do processo de Execução Penal, ocorrendo após o encerramento definitivo do processo penal.
Crime de roubo
Também houve uma outra modificação em relação às circunstâncias agravantes no crime de roubo. Houve uma alteração legal anteriormente que eliminou a consideração do uso de arma branca como uma circunstância agravante.
Prescrição
Em relação à prescrição, uma modificação significativa foi introduzida nos incisos do Art. 116 do Código Penal. Agora, o prazo prescricional será suspenso durante a tramitação de Embargos de Declaração ou de Recursos apresentados diante ao STF
Como discutido previamente, uma das mudanças substanciais ocorridas diz respeito ao regime disciplinar diferenciado, que teve sua duração máxima estendida para 02 anos, agora também abrangendo os detentos estrangeiros neste regime.
Além disso, quando há evidências de que o preso exerce liderança em uma facção criminosa com operações em múltiplos Estados, a execução do Regime Disciplinar Diferenciado será realizada em uma instituição prisional federal.
Como mencionado anteriormente, esses indivíduos serão obrigatoriamente submetidos à identificação do perfil genético, conforme estipulado no Art. 9º-A da Lei de Execuções Penais.
Quais as mudanças na legislação processual?
Foram implementadas alterações que abrangem, a adição do juiz de garantias, o acordo de não persecução pena, a gestão da propriedade apreendida por autoridades de segurança pública, a cadeia de custódia, medidas cautelares, detenção em flagrante, assim como a prisão preventiva e sua revisão. Veja os detalhes.
Acordo de não persecução penal
Um aspecto de destaque no contexto da Política Criminal é o Acordo de Não Persecução Penal. Nas circunstâncias em que é aplicado, atua como um mecanismo de reintegração social e diminuição da pena para delitos que não geram grande repúdio na sociedade.
Juiz de garantias
A disposição que delimita o papel do Juiz de Garantias, introduzida pela legislação anticrime, determina que ele terá competência exclusiva durante a fase do Inquérito Policial até a aceitação da denúncia.
A partir desse momento, outro Juiz assumirá a responsabilidade pelo processo até que uma Sentença Condenatória seja emitida.
Uso de propriedade apreendida por autoridades de segurança pública
Outra alteração importante está relacionada à permissão para que os órgãos de Segurança Pública empreguem bens apreendidos, como veículos, no combate ao crime, contanto que haja autorização judicial.
Nesse contexto, a agência de segurança pública encarregada das investigações ou operações de repressão ligadas à infração penal que resultou na apreensão do bem terá prioridade em sua utilização.
Cadeia de custódia
Uma mudança essencial introduzida pela Lei anticrime no Código de Processo Penal diz respeito à implementação da Cadeia de Custódia. Basicamente, trata-se de um procedimento destinado a registrar e preservar completamente todas as evidências e vestígios relacionados à ocorrência de crimes.
O Artigo 158-A define a cadeia de custódia como o conjunto de procedimentos utilizados para registrar e documentar a sequência temporal de um vestígio coletado em locais de crimes ou em vítimas, com o objetivo de acompanhar sua posse e manipulação desde o momento em que é identificado até o momento de sua eliminação.
Medidas cautelares
Uma mudança significativa resultante do Pacote Anticrime está relacionada ao procedimento de emissão de Medidas Cautelares. Na legislação anterior, o Juiz possuía a autoridade de emiti-las por sua própria iniciativa.
Após as alterações introduzidas pelo Pacote Anticrime, o Juiz só está autorizado a emitir tais medidas quando solicitado pelas partes, conforme estabelecido no artigo 282.
Detenção em situação de flagrante e procedimento de apresentação ao juiz
Uma mudança significativa diz respeito à obrigatoriedade da realização da Audiência de Custódia dentro de 24 horas após a prisão, conforme estabelecido pelo Código de Processo Penal.
Anteriormente, as audiências de custódia eram práticas comuns. Assim, o Legislador apenas oficializou essa prática em lei, validando legalmente a abordagem já adotada pelos Tribunais brasileiros no sistema Judiciário.
Essa medida foi adotada com o propósito de assegurar os direitos e garantias fundamentais dos detidos, permitindo a avaliação da legalidade de cada prisão.
A audiência de custódia encontra respaldo na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), também conhecida como "Pacto de San Jose da Costa Rica," ratificada no Brasil por meio do Decreto 678/92.
Assim, esse direito assegura que um indivíduo detido em flagrante seja levado prontamente perante uma autoridade judicial, responsável por avaliar se seus direitos fundamentais foram observados durante a prisão, se esta está em conformidade com a lei, se a detenção preventiva deve ser decretada e se o detido pode ser liberado mediante medidas cautelares ou outras alternativas à prisão.
Prisão preventiva e sua revisão
Ao contrário do que estabelecia a versão anterior, na atualidade, o Juiz não tem a autorização para decretar a Prisão Preventiva por iniciativa própria.
Esta medida só pode ser determinada mediante solicitação do Ministério Público, do querelante, do assistente jurídico, ou por meio de representação apresentada pela autoridade policial.
Também fundamental a importância de revisão da prisão preventiva a cada período de 90 dias, conforme determinado pela Lei. Isso garante que a detenção provisória não se torne uma antecipação da pena, garantindo que sua continuidade seja devidamente justificada.
Qual a Jurisprudência sobre o tema?
Esses são os principais pontos abordados. Acompanhe abaixo.
Tráfico privilegiado
A Lei 13.964/2019 introduziu uma modificação na redação do parágrafo 5º do artigo 112 da Lei de Execuções Penais, eliminando a classificação de hediondez para o Tráfico Privilegiado, seguindo uma tendência já presente nos Tribunais Superiores.
Em resposta a um Habeas Corpus Coletivo movido pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o STJ concedeu a ordem para determinar o cumprimento da pena em regime aberto para todos os condenados no estado por tráfico privilegiado, quando a pena for de um ano e oito meses, conforme decidido no HC 596.603.
Estelionato
As reformas abrangentes no contexto do pacote anticrime também introduziram mudanças substanciais no Crime de Estelionato, agora requerendo que a vítima apresente uma denúncia formal contra o suspeito para que a persecução penal ocorra, exceto nos casos em que o delito é cometido contra a administração pública, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência mental, maiores de 70 anos ou incapazes.
Nesses cenários, a Ação Penal será de natureza pública incondicionada. A controvérsia em debate envolve a aplicação retroativa da exigência de representação em processos já em curso que investigam o crime de estelionato.
De acordo com o entendimento do STJ, o parágrafo 5º do artigo 171 do Código Penal, adicionado pela Lei 13.964/2019, não pode ser retroativamente aplicado aos processos em que o Ministério Público já apresentou denúncia. Isso se deve à proteção das denúncias feitas pelo Ministério Público, em conformidade com o princípio do Ato Jurídico Perfeito, conforme estabelecido na decisão do HC Nº. 573.093 - SC (2020/0086509-0).
O fato é que o pacote anticrime introduz medidas que resultam em penas mais severas para delitos graves, bem como restringe a progressão de pena.
Agora, o período máximo de cumprimento da pena foi ampliado de 30 para 40 anos, e é estipulado que pelo menos 70% da pena seja efetivamente cumprida Essas modificações têm como objetivo atender às demandas da sociedade e à necessidade real de uma punição mais severa para crimes graves que tenham um grande impacto social e midiático.
Sobre o tema, leia também um artigo completo sobre Habeas Corpus.