DECISÃO Vistos, etc. Trata-se de Recurso Especial (ID 67615572), interposto por RENATO SANTOS DA COSTA, com fulcro no
art. 105,
inciso III, alínea a, da
Constituição Federal, em face de acórdão que, proferido pela Primeira Câmara Criminal – 1ª Turma deste Tribunal de Justiça, conheceu do Recurso em Sentido Estrito, rejeitou a preliminar suscitada e, no mérito, negou-lhe provimento, mantendo-se todos os termos do decisum recorrido, estando assim ementado (ID 66447100): PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO QUALIFICADO (
ART. 121,
§2°,
...« (+2151 PALAVRAS) »
...III E IV, DO CP). PRELIMINAR – LEITURA DA DENÚNCIA NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO – AUSÊNCIA DE PROIBIÇÃO LEGAL – PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO – NULIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO - PLEITOS DE IMPRONÚNCIA E ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – INVIABILIDADE – MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA SUFICIENTES AO JUDICIUM ACCUSATIONIS - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. LEGÍTIMA DEFESA NÃO COMPROVADA. RECURSO CONHECIDO, PRELIMINAR REJEITADA E, NO MÉRITO, DESPROVIDO. 1. Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por Renato Santos da Costa, irresignado com o conteúdo da decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Valença/BA, que o pronunciou como incurso nas sanções do art. 121, §2°, III e IV, do Código Penal. 2. Preliminar – Nulidade Processual – Violação aos arts. 204 e 212, do CPP – Rejeitada. É assente o entendimento do STJ no sentido de inexistir proibição legal da leitura da denúncia antes da oitiva de testemunhas. Além disso, a Defesa se descurou de demonstrar efetivo prejuízo ao Acusado, inclusive não há indicativos de que a conduta do Juízo tivesse induzido ou modificado as lembranças dos declarantes sobre os fatos. 3. Mérito – Pleito de impronúncia - Não acolhido. Demonstradas a materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria, consubstanciados nas declarações das testemunhas arroladas pela Acusação, associadas ao interrogatório do Recorrente, não há falar em impronúncia. 4. Absolvição sumária – Alegada legítima defesa – Não comprovada. A situação revelada no contexto instrutório não demonstra, de forma inequívoca, a tese defensiva de legítima defesa, especialmente se comparadas a extensão das lesões apresentadas pelo Réu e aquelas verificadas na vítima. Assim, não resta comprovado que o Recorrente, usando moderadamente dos meios necessários, tenha repelido injusta agressão, atual ou iminente, nos termos do artigo 25, do CP, razão pela qual não pode ser reconhecida a excludente de ilicitude e a pretendida absolvição sumária, neste momento, cabendo ao Conselho de Sentença a solução da controvérsia, em razão de sua competência de matriz constitucional RECURSO CONHECIDO, PRELIMINAR REJEITADA E, NO MÉRITO, DESPROVIDO. Alega o recorrente, em suma, para amparar o Recurso Especial que manejou com fulcro no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, que o acórdão recorrido violou os arts. 23, inciso II e 25 do Código Penal e os arts. 204, 212, 414 e 415 do Código de Processo Penal. O Ministério Público apresentou contrarrazões (ID 68606433). É o relatório. O apelo nobre em análise não reúne condições de admissibilidade. 01. Da violação aos arts. 204 e 212 do Código de Processo Penal: O aresto recorrido não infringiu os dispositivos acima mencionados, porquanto, manteve a sentença de piso que rejeitou a nulidade da prova por ausência de efetiva comprovação de prejuízo na leitura da denúncia na audiência de instrução e julgamento, ao seguinte fundamento: (…) Sucede que, é assente o entendimento do Tribunal da Cidadania, no sentido de que “inexiste proibição legal da leitura da denúncia antes da oitiva de testemunha, de forma que, ausente comprovação de efetivo prejuízo para a parte, não há falar em nulidade processual” (AgRg no HC n. 712.423/GO, relator Ministro OLINDO MENEZES - Desembargador Convocado do TRF 1ª Região -, Sexta Turma, DJe de 14/3/2022)[1]. Nos termos do art. 563 do CPP, o direito processual penal é regido pelo princípio "pas de nullité sans grief", o qual, traduzido, consigna não haver nulidade sem prejuízo. In casu, tem-se que a Defesa se descurou de demonstrar efetivo prejuízo ao Acusado, em razão de ter sido realizada a leitura da exordial acusatória na audiência de instrução, inclusive inexistem indícios de que tal ação tivesse induzido ou modificado as lembranças das testemunhas sobre os fatos. Outrossim, conforme destacado pela d. Procuradoria de Justiça, a leitura da peça acusatória permite que o depoente tome ciência dos fatos que será indagado, sendo tal conduta “incapaz de gerar nulidade ou macular a audiência de instrução, tendo em vista que a denúncia integra os autos, além de constituir peça pública” (ID 60645072). Sendo assim, rejeita-se a preliminar suscitada. Posto isto, em análise das razões recursais, o acórdão recorrido, de modo a afastar a alegada ilicitude da prova por ausência comprobatória de prejuízo ao recorrente, guardou consonância com a jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça, atraindo a aplicação do enunciado 83 da Súmula do STJ, vazada nos seguintes termos: SÚMULA 83/STJ: Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO (ART. 155, § 1º, DO CP). AUSÊNCIA DE "AVISO DE MIRANDA" NA ABORDAGEM POLICIAL. ADVERTÊNCIA EXIGIDA SOMENTE NOS INTERROGATÓRIOS POLICIAL E JUDICIAL. LEITURA DA DENÚNCIA ANTES DA OITIVA DA TESTEMUNHA. AUSÊNCIA DE PROIBIÇÃO LEGAL. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. NULIDADES NÃO CONFIGURADAS. AGRAVO NÃO PROVIDO. (...) 2. Esta Corte Superior possui entendimento segundo o qual inexiste proibição legal da leitura da denúncia antes da oitiva de testemunha, de forma que, ausente comprovação de efetivo prejuízo para a parte, não há falar em nulidade processual (ut, AgRg no HC n. 712.423/GO, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe de 14/3/2022.) 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.465.214/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/3/2024, DJe de 22/3/2024.) (Destaquei) 02. Da violação aos arts. 23, inciso II e 25 do Código Penal e arts. 414 e 415, inciso IV, do Código de Processo Penal: Noutro giro, o acórdão não violou o disposto nos arts. 23, inciso II e 25 do Código Penal, porquanto, no que se refere a alegação de legítima defesa, o aresto manteve a sentença de piso, consignando o seguinte: (…) a situação revelada no contexto instrutório não demonstra, de forma inequívoca, a tese defensiva de legítima defesa, especialmente porque o Réu alegou ter sido golpeado na coxa esquerda, tendo sido o laudo pericial realizado pouco mais de um mês após o delito, constatado “ferida cicatrizada, plana linear, hipercrômica, de 2,5 cm x 0,4 cm, na face anterior da coxa esquerda, ao nível da metade da coxa” e “ferida cicatrizada, plana, ovalar, de 1,5 cm x 0,5 cm, com borda hipercrômica e centro mais hipocrômico, em quadrante superior esquerdo do abdômen, logo abaixo do gradil costal esquerdo” (ID 56263346 – fls. 40/41). (…) Por outro lado, a vítima apresentou “secção parcial de toda a região anterior do pescoço (engorjamento), com exposição de esôfago e traquéia, ambos seccionados. Lesão de nervos e artérias carótidas e jugulares. Apresenta ferida perfuro-cortante na região anterior e média do abdômen, medindo cerca de 8cm, com evisceração de alças intestinais. Outras 10 lesões perfuro-cortantes medindo de 2 a 6cm, assim distribuídas: 02 (duas) na região infraclavicular direita, 05 (cinco) na região lombar direita, 02 (duas) na região do hipocôndrio direito (abdômen), 02 (duas) na região torácica (posterior direita e esquerda), 01 (uma) no antebraço direito, sugestivo de lesão de defesa.” (ID 56263346 – fls. 27/29). Sendo assim, não resta comprovado que o réu, usando moderadamente dos meios necessários, tenha repelido injusta agressão, atual ou iminente, nos termos do artigo 25, do Código Penal, razão pela qual não pode ser reconhecida a excludente de ilicitude e a pretendida absolvição sumária, neste momento, cabendo ao Conselho de Sentença a solução da controvérsia, em razão de sua competência de matriz constitucional. Deste modo, havendo dúvidas em relação a versão apresentada pela Defesa, e restando demonstrada a materialidade e indícios suficientes de autoria, em atenção ao princípio in dubio pro societate, deve o Réu ser submetido a julgamento pelos Juízes naturais da causa. Outrossim, o aresto não violou o disposto no art. 414 e 415, inciso IV, do Código de Processo Penal, visto que, em relação a absolvição sumária, o acórdão manteve a sentença de piso, compreendendo que: (…) No tocante a decisão de impronúncia, essa apenas deve ser proferida quando o julgador não se convencer da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes da autoria ou da participação do denunciado, conforme dispõe o art. 414, do CPP. No caso em tela, em que pese o esforço defensivo, no sentido de afastar a acusação que recai sobre o Acusado, verifica-se que há nos autos prova da materialidade, consubstanciada no boletim de ocorrência (ID 56263346 – fls. 6/7), auto de reconhecimento cadavérico (ID 56263346 – fl. 10), laudo de exame de necrópsia (ID 56263346 – fls. 27/29), laudo de exame pericial (ID 56263346 – fls. 31/39), os quais demonstram que a vítima faleceu de “Engorjamento/Instrumento perfuro-cortante”, e apresentava corte profundo e extenso no pescoço e abdômen, um corte sugestivo de movimento de defesa no antebraço direito, além de lesões perfuro-cortantes provocadas por instrumento tipo faca nas seguintes regiões: a) costas sete perfurações; b) abdômen três perfurações; c) tórax quatro perfurações; d) posterior da cabeça uma perfuração; e) pescoço três perfurações. (…) Vê-se, pois, a existência de indícios suficientes de autoria no feito, aptos a manutenção da decisão de pronúncia, notadamente através das declarações das testemunhas arroladas pela Acusação, associadas ao interrogatório do Recorrente, de modo que não é possível acolher o pleito impronúncia. É cediço que, o agente denunciado por crime doloso contra a vida deve ser julgado por seus pares, sendo essa uma garantia fundamental prevista no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea "d", da Constituição Federal. Desta forma, o juiz singular exerce mero juízo de admissibilidade, sendo a competência para julgamento exclusiva do Conselho de Sentença. Desta forma, apesar de reconhecer a existência de doutrina diversa sobre o tema, o posicionamento majoritário da jurisprudência pátria, ao qual me filio, é no sentido de que, face a natureza perfunctória, prevalece nessa fase o princípio in dubio pro societate, segundo o qual se preserva as elementares do tipo penal a serem submetidas à avaliação dos jurados, dispensando-se fundamentação exauriente. Com efeito, para a decisão de pronúncia basta um mero juízo de probabilidade da acusação, devendo haver, portanto, provas concretas e seguras acerca da materialidade e indícios da autoria delitiva, conforme se verifica na hipótese. Assim, cabe ao juiz, tanto quanto possível, abster-se de revelar um convencimento absoluto quanto ao conjunto probatório, pois esta tarefa compete ao corpo de jurados. Nesse contexto, com efeito, o pleito do recorrente de infirmar as conclusões do acórdão recorrido, de modo a que seja reconhecida a legitima defesa, com a consequente absolvição sumária, demandaria, necessariamente, indevida incursão no acervo fático-probatório delineado nos autos, providência que se revela inviável, nos termos da Súmula 7, do Superior Tribunal de Justiça, vazada nos seguintes termos: SÚMULA 7/STJ: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Para ilustrar o entendimento vale transcrever ementa de aresto do Superior Tribunal de Justiça, verbis: AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO SIMPLES TENTADO. PRONÚNCIA. LEGÍTIMA DEFESA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO CABAL. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA DELITIVA. DESCLASSIFICAÇÃO PELA AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI. NÃO CABIMENTO NO CASO DOS AUTOS. COMPETÊNCIA DO JÚRI. A EXCLUSÃO DO JULGAMENTO DA CAUSA PELO ÓRGÃO POPULAR SOMENTE PODERÁ OCORRER QUANDO NÃO HOUVER ABSOLUTAMENTE NENHUM ELEMENTO QUE INDIQUE A PRESENÇA DO DOLO DE MATAR, DIRETO OU INDIRETO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A Constituição da República conferiu ao Tribunal do Júri a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, consumados e tentados, e assegurou-lhe a soberania dos vereditos. Em respeito ao princípio do juiz natural, a decisão de pronúncia consubstancia mero juízo de admissibilidade da acusação, consoante o disposto no art. 413 do CPP. Para que o acusado seja pronunciado, basta que o juiz esteja convencido da materialidade do delito e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. 2. No caso dos autos, o Magistrado de primeira instância, fundado nas evidências do processo, quanto à materialidade, consignou que ela foi demonstrada pelo laudo traumatológico que atestou as lesões na vítima. Em relação à autoria, asseverou que esta fora corroborada pela oitiva do ofendido e pelo depoimento prestado em juízo por testemunha presencial do fato. 3. Questões referentes à certeza da autoria e à materialidade do delito deverão ser analisadas pelo Corpo de Jurados, órgão constitucionalmente competente para a apreciação do mérito de crimes dolosos contra a vida. Os Juízos antecedentes foram expressos ao consignar que a instrução criminal não comprovou, de forma inequívoca, a ocorrência da legítima defesa, de modo que a competência para o reconhecimento da alegada excludente de ilicitude é do Tribunal do Júri. 4. O mesmo entendimento se aplica à tese da desclassificação do delito, prevista no art. 419 do Código de Processo Penal, ou seja, o juiz só desclassificará o delito diante da certeza da ausência de dolo na conduta imputada ao réu ou de provas inequívocas de que o recorrente desistiu voluntariamente de ceifar a vida da vítima. Em caso de dúvida, compete ao Tribunal do Júri decidir. 5. Afastar as conclusões das instâncias de origem, quanto ao contexto fático, implicaria ofensa ao conteúdo da Súmula 7 do STJ. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg nos EDcl no AREsp n. 2.175.413/PB, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 17/2/2023.) (Destaquei) Ante o exposto, com fulcro no
art. 1.030,
inciso V, do
Código de Processo Civil, inadmito o Recurso Especial. Publique-se. Intimem-se. Salvador (BA), em 04 de setembro de 2024. Desembargador José Alfredo Cerqueira da Silva 2º Vice-Presidente oess//
(TJ-BA, Classe: Recurso em Sentido Estrito, Número do Processo: 0500337-79.2020.8.05.0271, Órgão julgador: 2ª VICE-PRESIDÊNCIA, Relator(a): JOSE ALFREDO CERQUEIRA DA SILVA, Publicado em: 05/09/2024)