A escolha do regime de comunhão de bens envolve uma série de fatores que devem ser considerados na hora de formalizar uma relação.
O regime de comunhão parcial de bens é o mais adotado no Brasil, seja por escolha expressa dos nubentes ou por aplicação legal automática. Compreender suas nuances é fundamental para casais que desejam planejar adequadamente seu patrimônio e evitar conflitos futuros.
Este artigo apresenta, de forma didática, os principais aspectos deste regime matrimonial.
1. BASE LEGAL E CONCEITO
O que é o regime de comunhão parcial de bens?
O regime de comunhão parcial de bens é aquele em que se comunicam (tornam-se comuns ao casal) os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento ou da união estável, permanecendo como particulares os bens que cada cônjuge ou companheiro possuía antes da união e aqueles adquiridos por doação ou herança durante o relacionamento.
Qual a base legal do regime de comunhão parcial?
A disciplina jurídica encontra-se nos artigos 1.658 a 1.666 do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002). O artigo 1.640, caput, estabelece que este é o regime legal supletivo, ou seja, aplica-se automaticamente quando os nubentes não optam por outro regime mediante pacto antenupcial.
Qual o fundamento deste regime?
O fundamento está na proteção ao esforço comum do casal durante a vida conjugal. Presume-se que os bens adquiridos na constância da união são fruto da colaboração mútua, ainda que apenas um dos cônjuges trabalhe formalmente. É uma expressão do princípio da solidariedade familiar e da igualdade entre os cônjuges.
2. FORMALIZAÇÃO DO REGIME
Como se formaliza o regime de comunhão parcial de bens?
A formalização ocorre de duas formas:
a) Automaticamente: Quando os nubentes não elaboram pacto antenupcial escolhendo outro regime, a comunhão parcial se aplica por força de lei (artigo 1.640 do Código Civil).
b) Por escolha expressa: Mesmo sendo o regime legal, o casal pode optar expressamente por ele mediante pacto antenupcial, o que é comum quando desejam incluir cláusulas específicas ou fazer ajustes permitidos pela lei.
O que é o pacto antenupcial e quando é necessário?
O pacto antenupcial é uma escritura pública lavrada em Cartório de Notas na qual os nubentes escolhem o regime de bens do casamento. É obrigatório apenas quando se deseja adotar regime diferente da comunhão parcial ou quando se pretende estabelecer cláusulas especiais dentro do próprio regime de comunhão parcial.
Quais os requisitos para o pacto antenupcial?
- Forma de escritura pública (artigo 1.653 do Código Civil)
- Celebração antes do casamento
- Registro no Cartório de Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges para produzir efeitos perante terceiros (artigo 1.657 do Código Civil)
- Capacidade civil dos nubentes
- Ausência de vícios de consentimento
E na união estável, como se estabelece o regime?
Na união estável, aplica-se também o regime de comunhão parcial de forma automática (artigo 1.725 do Código Civil). Para escolher regime diverso, os companheiros devem celebrar contrato de convivência por escritura pública, estabelecendo as regras patrimoniais que regerão a relação.
3. BENS PARTICULARES (INCOMUNICÁVEIS)
Quais bens NÃO se comunicam no regime de comunhão parcial?
Segundo o artigo 1.659 do Código Civil, são bens particulares:
I - Bens anteriores ao casamento: Tudo que cada cônjuge possuía antes da união permanece particular, incluindo imóveis, veículos, investimentos, quotas sociais, etc.
II - Adquiridos por doação ou herança: Mesmo durante o casamento, bens recebidos gratuitamente por um dos cônjuges não se comunicam, salvo se o doador ou testador determinar expressamente o contrário.
III - Sub-rogados em lugar dos bens particulares: Se um cônjuge vende um imóvel que possuía antes do casamento e compra outro com o mesmo valor, este novo bem permanece particular (sub-rogação).
IV - Obrigações anteriores ao casamento: Dívidas contraídas antes do casamento são de responsabilidade exclusiva do cônjuge que as contraiu.
V - Obrigações provenientes de atos ilícitos: Dívidas decorrentes de atos ilícitos praticados por um dos cônjuges não se comunicam ao outro, salvo se reverteram em benefício do casal.
VI - Bens de uso pessoal: Roupas, instrumentos de trabalho, livros e objetos de uso exclusivo de cada cônjuge.
VII - Proventos do trabalho pessoal: Os rendimentos do trabalho de cada cônjuge são particulares, mas os bens adquiridos com esses rendimentos na constância do casamento comunicam-se.
VIII - Pensões, meios-soldos e montepios: Valores recebidos a título de aposentadoria, pensões alimentícias de relacionamentos anteriores, etc.
Os frutos dos bens particulares se comunicam?
Esta é uma questão importante: os frutos e rendimentos dos bens particulares, quando percebidos na constância do casamento, integram o patrimônio comum (artigo 1.660, V do Código Civil). Por exemplo, se um cônjuge possui um imóvel alugado adquirido antes do casamento, o imóvel é particular, mas os aluguéis recebidos durante o casamento comunicam-se.
4. BENS COMUNS (COMUNICÁVEIS)
Quais bens se comunicam no regime de comunhão parcial?
Comunicam-se os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, incluindo:
- Imóveis comprados durante o casamento (ainda que em nome de apenas um cônjuge)
- Veículos adquiridos na constância da união
- Investimentos financeiros realizados durante o casamento
- Quotas ou ações de empresas adquiridas onerosamente
- Direitos autorais e propriedade intelectual desenvolvidos durante o matrimônio
- Benfeitorias realizadas em bens particulares com recursos comuns
E se apenas um dos cônjuges trabalha?
Mesmo que apenas um dos cônjuges exerça atividade remunerada, os bens adquiridos com sua remuneração durante o casamento são comuns. O Código Civil reconhece o trabalho doméstico e a contribuição indireta ao patrimônio familiar.
Bens adquiridos a crédito durante o casamento são comuns?
Depende do momento do negócio jurídico. Se o bem foi comprado durante o casamento, mesmo que pago posteriormente, comunica-se. Se o compromisso de compra foi anterior ao casamento, mesmo que as parcelas sejam pagas na constância da união, o bem permanece particular, mas o cônjuge que contribuiu com o pagamento tem direito à indenização de sua quota-parte.
5. QUESTÕES PRÁTICAS E SITUAÇÕES ESPECIAIS
É possível mudar o regime de bens durante o casamento?
Sim, o artigo 1.639, §2º do Código Civil permite a alteração do regime de bens mediante autorização judicial, desde que seja em pedido motivado de ambos os cônjuges e não prejudique direitos de terceiros. O procedimento tramita como jurisdição voluntária.
Como se prova que um bem é particular?
A prova pode ser feita por:
- Escritura de compra anterior ao casamento
- Certidão de matrícula do imóvel
- Documentos bancários e comprovantes de pagamento
- Inventário ou escritura de doação
- Qualquer documento que demonstre a origem do bem
Importante: Recomenda-se sempre manter documentação organizada para facilitar eventual partilha.
Como funcionam as dívidas no regime de comunhão parcial?
Dívidas contraídas antes do casamento: São particulares do cônjuge devedor.
Dívidas contraídas durante o casamento:
- Em benefício da família: Respondem ambos os patrimônios
- Em benefício exclusivo de um cônjuge: Responde apenas o patrimônio do devedor
- Decorrentes de ato ilícito: Não se comunicam, salvo se revertidas em proveito do casal
O que acontece com empresas abertas durante o casamento?
Se a empresa foi constituída durante o casamento, as quotas ou ações adquiridas comunicam-se, integrando o patrimônio comum. No entanto, apenas o cônjuge empresário exerce a administração, salvo disposição contratual em contrário. Na partilha, o cônjuge não-empresário tem direito à metade do valor patrimonial das quotas.
6. DISSOLUÇÃO E PARTILHA
Como se faz a partilha no regime de comunhão parcial?
Na dissolução do casamento (divórcio) ou da união estável, procede-se à partilha dos bens comuns. Cada cônjuge ou companheiro tem direito a 50% do patrimônio comum, independentemente de quem consta como titular no documento.
A meação se confunde com herança?
Não. Meação é o direito de cada cônjuge sobre os bens comuns do casal (50%). Herança é o direito sucessório que se abre com a morte. No falecimento, primeiro separa-se a meação do cônjuge sobrevivente (50% dos bens comuns), e sobre a outra metade aplica-se o direito sucessório.
Bens particulares são partilhados?
Não. Os bens particulares permanecem com seu titular original e não integram a partilha. Cada cônjuge sai da união com seus bens particulares e mais 50% dos bens comuns.
7. DIFERENÇAS ENTRE OS REGIMES DE BENS
Qual a diferença entre comunhão parcial e comunhão universal?
Comunhão Parcial:
- Comunicam-se apenas bens adquiridos onerosamente durante o casamento
- Bens anteriores e recebidos por doação/herança são particulares
- É o regime legal (automático)
Comunhão Universal:
- Comunicam-se todos os bens, presentes e futuros (com raras exceções)
- Bens anteriores ao casamento também se comunicam
- Exige pacto antenupcial
- Exceções: bens de uso pessoal, pensões e bens doados com cláusula de incomunicabilidade
E a diferença para a separação total de bens?
Comunhão Parcial:
- Há patrimônio comum (bens adquiridos durante o casamento)
- Existe meação na dissolução
Separação Total:
- Cada cônjuge mantém patrimônio completamente separado
- Não há comunicação de bens adquiridos durante o casamento
- Exige pacto antenupcial (exceto casamento de maiores de 70 anos - regime obrigatório)
- Não há meação, mas pode haver discussão sobre esforço comum (Súmula 377 do STF para união estável)
O que é a separação obrigatória de bens?
É o regime imposto por lei em situações específicas (artigo 1.641 do Código Civil):
- Casamento de pessoa maior de 70 anos
- Casamento com inobservância das causas suspensivas
- Casamento dependente de suprimento judicial
Neste regime, não há comunicação de bens, mas a jurisprudência (Súmula 377 do STF) admite a partilha de bens adquiridos onerosamente durante a união quando comprovado o esforço comum.
E o regime de participação final nos aquestos?
Participação Final nos Aquestos:
- Durante o casamento, cada cônjuge administra seus bens livremente
- Não há meação durante a união
- Na dissolução, calcula-se o acréscimo patrimonial de cada um e divide-se
- Exige pacto antenupcial
- É pouco utilizado no Brasil
Diferença da comunhão parcial: Na comunhão parcial há meação desde a aquisição do bem; nos aquestos, só há partilha no fim do casamento.
8. VANTAGENS E DESVANTAGENS
Quais as vantagens do regime de comunhão parcial?
- Equilíbrio: Protege o patrimônio anterior de cada cônjuge
- Reconhecimento do esforço comum: Valoriza a contribuição mútua durante o casamento
- Simplicidade: Por ser o regime legal, dispensa pacto antenupcial
- Proteção ao trabalho doméstico: Garante direitos ao cônjuge que não trabalha formalmente
- Flexibilidade: Permite ajustes mediante pacto antenupcial
Quais as desvantagens?
- Falta de autonomia patrimonial: Bens adquiridos durante o casamento sempre se comunicam
- Complexidade na comprovação: Pode haver dificuldades em provar a origem particular de bens
- Impacto em heranças futuras: Bens comuns reduzem a herança dos filhos de relacionamentos anteriores
- Questões empresariais: Pode complicar a sucessão empresarial
9. ORIENTAÇÕES PRÁTICAS
Quando o regime de comunhão parcial é mais indicado?
- Casais que iniciam a vida conjugal com patrimônio semelhante
- Primeiras núpcias sem filhos de relacionamentos anteriores
- Casais que desejam equilíbrio entre proteção individual e formação de patrimônio comum
- Situações em que ambos contribuem (direta ou indiretamente) para o sustento familiar
Quando considerar outro regime?
- Se um dos nubentes possui patrimônio significativo anterior
- Existência de filhos de relacionamentos anteriores que se deseja proteger
- Empresários que desejam proteger a empresa familiar
- Casais com grande disparidade patrimonial
- Profissionais liberais com risco de responsabilização patrimonial
Recomendações para evitar conflitos futuros
- Documentação: Mantenha registros organizados de todos os bens particulares
- Transparência: Dialogue abertamente sobre patrimônio antes do casamento
- Planejamento: Considere fazer pacto antenupcial mesmo optando pela comunhão parcial, para estabelecer regras específicas
- Atualização: Revise periodicamente a situação patrimonial do casal
- Assessoria: Consulte advogado especializado antes de decisões patrimoniais importantes
O regime de comunhão parcial de bens representa um modelo equilibrado que protege tanto o patrimônio individual anterior à união quanto reconhece o esforço comum na construção do patrimônio familiar. Sua escolha como regime legal pelo Código Civil reflete a realidade da maioria dos casais brasileiros.
Compreender suas regras, possibilidades e limitações é essencial para um planejamento patrimonial adequado e para prevenir conflitos futuros. Cada casal possui características próprias, e a orientação jurídica especializada é fundamental para tomar a decisão mais adequada à situação específica.
A legislação brasileira oferece diversos regimes matrimoniais justamente para que cada casal possa escolher aquele que melhor atende seus interesses e objetivos, sempre dentro dos limites legais e respeitando os princípios da solidariedade familiar e da boa-fé.
Sobre o tema, veja um modelo de união estável com regime de comunhão parcial de bens.