PJE 0800590-70.2018.4.05.8201 APELAÇÃO CÍVEL
PROCESSUAL CIVIL. RETORNO DO STJ. CIVIL. DMINISTRATIVO. CIVIL. VIA FÉRREA. EDIFICAÇÃO EM ÁREA NON AEDIFICANDI E EM FAIXA DE DOMÍNIO. DESOCUPAÇÃO. DEMOLIÇÃO. STATUS QUO ANTE. ÔNUS DOS OCUPANTES. CABIMENTO. OMISSÃO SANADA. SEM ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES.
1. Feito que retorna do STJ, anulado o acórdão que apreciou os embargos de declaração, com determinação de que seja realizado novo julgamento dos aclaratórios com o expresso enfrentamento da omissão apontada, no caso: "alegação de que o exercício do direito fundamental à moradia restou assegurado com a
Medida Provisória nº 2.220/01, oportunidade na qual União reconheceu e regularizou a posse de imóveis
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...urbanos ocupados para fins exclusivos de moradia, como os que constituem o objeto desta ação, assegurando-lhes a concessão do direito real de uso". 2. Quando da apreciação do mérito pela Segunda Turma deste Regional, na sessão de 23/07/2019, por unanimidade, foi negado provimento à apelação, mantida sentença que julgou procedente ação de reintegração de posse movida pela Ferrovia Transnordestina Logística S/A, determinando a reintegração da posse em favor da parte autora, assim como a remoção/demolição de qualquer estrutura erigida na área de domínio ou na área não edificável. 3. Restou apresentada a seguinte ementa:
"ADMINISTRATIVO. CIVIL. VIA FÉRREA. EDIFICAÇÃO EM ÁREA NON AEDIFICANDI E EM FAIXA DE DOMÍNIO. DESOCUPAÇÃO. DEMOLIÇÃO. CABIMENTO. 1. Apelação de sentença que julgou procedente ação de reintegração de posse movida pela Ferrovia Transnordestina Logística S/A, determinando a reintegração da posse em favor da parte autora, assim como a remoção/demolição de qualquer estrutura erigida na área de domínio ou na área não edificável. Honorários advocatícios sucumbenciais fixados no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), em apreciação equitativa (art. 85, § 8º, CPC/2015), sob condição suspensiva de exigibilidade em relação aos réus agraciados com a gratuidade judiciária. 2. Nos termos do artigo 4º, inciso III, da Lei 6.766/1979, não são edificáveis as áreas com quinze metros de largura ao longo das ferrovias. 3. A área non aedificandi é considerada uma servidão administrativa, sendo, portanto, uma limitação ao exercício da construção pelo particular. 4. Hipótese em que, em razão do dispositivo supra e do exame dos documentos probatórios colacionados aos autos, notadamente do laudo pericial ofertado pelo expert designado pelo juízo, os imóveis dos particulares foram construídos dentro da área que se qualifica como bem público (o perito esclarece que os imóveis dos réus avançam sobre a faixa de domínio e a área não edificável nas seguintes proporções: a) construção erigida a apenas 10,40 metros do eixo da ferrovia, com imóvel residencial encravado parcialmente na faixa de domínio (4,60m) e parcialmente encravado na faixa não edificável (9,08m); b) imóvel construído a apenas 7,50 metros do eixo da ferrovia, encravado parcialmente na faixa de domínio (7,50m) e parcialmente encravado na faixa não edificável (9,08m); c) imóvel a apenas 7,50 metros do eixo da ferrovia, encravado parcialmente na faixa de domínio (7,50m) e parcialmente encravado na faixa não edificável (10,45m); d) imóvel construído a apenas 5,85 metros do eixo da ferrovia, encravado parcialmente na faixa de domínio (9,15m) e parcialmente encravado na faixa não edificável (9,57m); e) imóvel construído a apenas 5,85 metros do eixo da ferrovia, encravado parcialmente na faixa de domínio (9,15m) e parcialmente encravado na faixa não edificável (9,57m). 5. Alegação de que a linha férrea encontra-se inativa que não merece amparo, diante da inexistência nos autos de elementos que indiquem, com segurança, a inatividade referida, mas, ao revés, demonstram que os imóveis, pela sua localização, representam risco a regular tramitação dos trens e a seus passageiros, bem como aos próprios ocupantes dos imóveis. 6. Precedentes da Segunda Turma deste Regional: PJE 08034310320184050000, Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima, Data do Julgamento: 28/11/2018; PJE 0800156-16.2016.4.05.8310, Rel. Des. Fed. Convocado Leonardo Augusto Nunes Coutinho, Data da assinatura: 08/04/2019. 7. Apelação desprovida. Majoração da verba honorária advocatícia sucumbencial, de R$ 1.000,00 (mil reais) para R$ 1.100,00 (mil e cem reais), nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, vigente ao tempo da prolação da sentença, com exigibilidade suspensa em relação aos réus agraciados com a gratuidade judiciária." 4. O art. 1.022 do NCPC prevê o cabimento dos embargos de declaração para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição (inc. I); suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento (inc. II) e para corrigir erro material (inc. III). 5. Em suas razões, os particulares embargantes defendem, dentre outros argumentos, que o exercício do direito fundamental à moradia restou assegurado com a MP 2.220/01, oportunidade na qual União reconheceu e regularizou a posse de imóveis
urbanos ocupados para fins exclusivos de moradia, como os que constituem o objeto da ação, assegurando-lhes a concessão do direito real de uso. 6. O art. 4º, inc. III, da Lei 6.766/79, é claro ao prever a obrigatoriedade da reserva de uma faixa não edificável de quinze metros ao longo das ferrovias, não só por estar em jogo a invasão de área pública, mas, principalmente, ante o perigo que uma construção desse nível pode significar, no momento em que a ferrovia começar a ser utilizada. A despeito do evidente caráter social envolvido, entende-se que não se pode fechar os olhos à situação em foco, sob pena de gerar, na população, um falso sentimento de legitimidade em relação à ocupação das áreas non aedificandi e, assim, tornar cada vez mais árdua a tarefa de manter a mencionada faixa conforme os preceitos legais. E a razão maior desse entendimento cuidar da segurança dos usuários da ferrovia e dos próprios moradores ao seu redor, considerando o risco de acidentes decorrentes dessas construções irregulares em local tão próximo da via férrea. 7. "Deve ser observada a norma prevista no art. 4º, inc. III, da Lei 6.766/79, quanto à obrigatoriedade da faixa de segurança ao longo das ferrovias e, no caso dos autos, a área edificada pela parte apelada efetivamente está dentro da faixa de domínio, a poucos metros dos trilhos. Trata-se de invasão de área pública, e há o perigo das edificações na faixa de segurança para o funcionamento da ferrovia. Comprovada a posse e o esbulho, e sendo irrelevante a data deste por se tratar de bem de natureza pública, tem a agravante o direito de ser reintegrada na posse da área, inclusive com a retirada das edificações construídas pelos agravados, nos termos dos arts. 555,561 e 562, todos do Código de Processo Civil. Não se observa violação ao direito de moradia nem a nenhum dos dispositivos citados pelos requeridos, que ocupam irregularmente bem público." Ver: TRF5, 2ª T., PJE 0801746-76.2016.4.05.8100, Rel. Des. Federal Leonardo Henrique de Cavalcante Carvalho, Data da assinatura: 02/12/2021. 8. Nesse cenário, argumentos como a preservação da função social da propriedade e do direito ao trabalho, como corolário da dignidade humana, não podem ser invocados para lastrear a irregularidade da construção e o esbulho perpetrado, em que pese o contexto social que se insere, notadamente, a inatividade da linha férrea e a manutenção da moradia e/ou subsistência. Ver: TRF5, 2ª T., PJE 0808573-40.2015.4.05.8100, Rel. Des. Federal Paulo Cordeiro, Data da assinatura: 28/10/2021. 9. Em face das disposições supra, bem como do teor do art. 99, inciso II, do art. 100 e do art. 102, todos do Código Civil, observa-se, com base no exame dos documentos probatórios colacionados aos autos, que as construções realizadas estão dentro da faixa de domínio/faixa non aedificandi da ferrovia federal (bem público), não sendo admissível, assim, sua retenção pelos recorridos, devendo ser imposta a desocupação e a demolição dos referidos bens particulares. 10. Tratando-se de área pública ocupada irregularmente, que não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção, sendo, ainda, patente o perigo das edificações na faixa de segurança para o funcionamento da ferrovia, apresenta-se irrelevante a data destes, impondo-se a reintegração da posse na área. 11. Assim, estando o(s) imóvel(is) em questão dentro da faixa de domínio e da área non aedificandi, não merece reproche a sentença recorrida na parte que reconheceu o direito de posse e a consequente necessidade de demolição dos imóveis. 12. Por outro lado, o art. 183, § 3º, da CF/1988 dispõe que "aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural." Porém, "os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião."(art. 183, § 3º, da CF/1988) 13. Já nos termos do art. 1º da Medida Provisória 2.220/2001, que dispõe acerca dos requisitos para o reconhecimento da concessão de uso especial, "aquele que, até 22 de dezembro de 2016, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área com características e finalidade urbanas, e que o utilize para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural". 14. Por seu turno, o Enunciado 340, STF preceitua que: " Desde a vigência do Código Civil, os bens dominiais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião." 15. Insta registrar que a hipótese em tela não corresponde a descrita nos artigos 4º e 5º da referida MP 2.220/2001 ("Art. 4o No caso de a ocupação acarretar risco à vida ou à saúde dos ocupantes, o Poder Público garantirá ao possuidor o exercício do direito de que tratam os arts. 1o e 2o em outro local"; Art. 5o É facultado ao Poder Público assegurar o exercício do direito de que tratam os arts. 1o e 2o em outro local na hipótese de ocupação de imóvel: I - de uso comum do povo; II - destinado a projeto de urbanização; III - de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais; IV - reservado à construção de represas e obras congêneres; ouV - situado em via de comunicação"), primeiro porque a finalidade da área é específica (regular tramitação dos trens e de seus passageiros, em segurança) e não possui finalidade urbana, bem como porque, desde antes da ocupação irregular, o risco à vida dos particulares existe e é por demais conhecido dos mesmos. 16. É certo que à União é facultado impor a concessão de uso, como decisão vinculada, em relação aos bens que integrem seu patrimônio, ocorre que o ônus de tal imposição depende de destinação de recursos públicos para essa finalidade específica. Ademais, a referida MP 2.220/2001 não tem o condão de afastar, por si só, os comandos constitucionais e legais que garantem a reintegração da posse em favor da parte autora.
17. Diante da extensão da malha ferroviária, e da realidade acerca da invasão de espaços públicos de maneira desordenada no território nacional, não cabe ao Judiciário impor a adoção de política pública, de forma a assegurar a todos os invasores, de modo igualitário, outro imóvel urbano ou rural.
18. Embargos declaratórios parcialmente providos, sem atribuição de efeitos modificativos, apenas para sanar a omissão apontada.
nbs
(TRF-5, PROCESSO: 08005907020184058201, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 31/01/2023)