HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA ILICITUDE DE PROVA OBTIDA APÓS O ACESSO A APARELHO CELULAR ENCONTRADO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL SEM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR RELATIVOS À TEMÁTICA SÃO INAPLICÁVEIS NA HIPÓTESE. DISTINÇÃO. NORMAS FUNDAMENTAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. RESTRIÇÃO IMPOSTA PELA ORDEM JURÍDICA.
POSSIBILIDADE. POSSE, USO E FORNECIMENTO DE APARELHO TELEFÔNICO E SIMILARES DENTRO DE ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS. ILICITUDE MANIFESTA E INCONTESTÁVEL. IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL PREVISTA
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...NO ART. 5º. INCISO XII, DA CF/1988. DIREITOS FUNDAMENTAIS NÃO PODEM SER UTILIZADOS PARA A SALVAGUARDA DE PRÁTICAS ILÍCITAS. PRESCINDIBILIDADE DE DECISÃO JUDICIAL PARA O ACESSO AOS DADOS CONTIDOS NO OBJETO. CONTROLE JUDICIAL POSTERIOR. ATUAÇÃO DA POLÍCIA PENAL E DO PODER JUDICIÁRIO EM CONFORMIDADE COM O PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO PENAL E A REGRA DA VEDAÇÃO À SANÇÃO COLETIVA. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.
1. Como é cediço, ambas as Turmas da Terceira Seção deste Tribunal entendem que é ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de aparelho celular, sem prévia autorização judicial. O mencionado entendimento, todavia, deve ser distinguido da situação apresentada nesses autos. Os julgados do STJ concluem pela violação ao art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal, quanto a dados obtidos, sem autorização judicial, de aparelhos celulares apreendidos fora de estabelecimentos prisionais. A controvérsia ora colocada, contudo, se refere à hipótese em que o aparelho é encontrado dentro de estabelecimento prisional, em situação de explícita violação às normas jurídicas que regem a execução penal. 2. De acordo com entendimento pacífico da Suprema Corte, os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto, sendo possível a existência de limitações de ordem jurídica. Os arts. 3º, 38 e 46, todos da LEP, representam hipóteses de restrição legal aos direitos individuais dos presos. Nesse cenário, uma das consequências da imposição da prisão - penal ou processual - é a proibição da comunicação do recluso com o ambiente externo por meios diversos daqueles permitidos pela lei. Para garantir a observância dessa restrição foram editadas diversas normas que têm por objetivo coibir o acesso do segregado a aparelhos telefônicos, de rádio ou similares. Exemplificativamente: art. 50, inciso VII, da Lei n.
7.210/1984; arts. 319-A e 349-A, ambos do Código Penal; art. 4º da Lei n. 10.792/2013.
3. Conforme previsto no art. 41, inciso XV, da LEP, o contato do preso com o mundo exterior é autorizado por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. Mesmo no caso de comunicação por intermédio de correspondência escrita, permitida legalmente, a Suprema Corte firmou jurisprudência no sentido de que, diante da inexistência de liberdades individuais absolutas, é possível que a Administração Penitenciária, sem prévia autorização judicial, acesse o seu conteúdo quando houver inequívoca suspeita de sua utilização como meio para a preparação ou a prática de ilícitos. A necessidade de se resguardar a segurança, a ordem pública e a disciplina prisional, segundo a Corte Suprema, prevalece sobre a reserva constitucional de jurisdição.
4. Nessa conjuntura, se é prescindível decisão judicial para a análise do conteúdo de correspondência a fim de preservar interesses sociais e garantir a disciplina prisional, com mais razão se revela legítimo, para a mesma finalidade, o acesso dos dados e comunicações constantes em aparelhos celulares encontrados ilicitamente dentro do estabelecimento penal, pois a posse, o uso e o fornecimento do citado objeto são expressamente proibidos pelo ordenamento jurídico.
Tratando-se de ilicitude manifesta e incontestável, não há direito ao sigilo e, por consequência, inexiste a possibilidade de invocar a proteção constitucional prevista no art. 5º, inciso XII, da Carta da República. Por certo, os direitos fundamentais não podem ser utilizados para a salvaguarda de práticas ilícitas, não sendo razoável pretender proteger aquele que age em notória desconformidade com as normas de regência.
5. O controle pelo Poder Judiciário será realizado posteriormente e eventuais abusos cometidos deverão ser devidamente apurados e punidos pelos órgãos públicos competentes.
6. No caso em questão, a Polícia Penal, durante procedimento de revista em uma das galerias do presídio, encontrou dois aparelhos celulares, "um escondido embaixo da escadaria próxima a porta do solário e outro em um vão aberto devido a corrosão no batente da ducha". Como não foi localizado, naquele momento, o segregado, que usava e tinha a posse de um desses objetos, os agentes acessaram o conteúdo ali existente, ocasião em que foram encontrados dados do Paciente em aplicativos instalados no referido aparelho.
Identificado o Paciente, o Juízo das Execuções Penais, na audiência de justificação, homologou a falta disciplinar de natureza grave e revogou 1/9 (um nono) dos dias remidos. A atuação da Polícia Penal e do Poder Judiciário foi legítima, estando, inclusive, em conformidade com o princípio da individualização da execução penal e com a regra de que é vedada a sanção coletiva (
art. 45,
§ 3º, da
Lei n. 7.210/1984). Assim, não havendo ilicitude da prova obtida por meio do acesso ao aparelho celular, inexiste nulidade a ser sanada.
7. Ordem denegada.
(STJ, HC 546.830/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 22/03/2021)