PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEMOCRACIA CRISTÃ. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. CONJUNTO DE IRREGULARIDADES. RECURSOS DE FONTE VEDADA E NÃO COMPROVAÇÃO DE DESPESAS. TRANSAÇÕES ENTRE PARTES RELACIONADAS. GRAVIDADE. PRECEDENTES. DESAPROVAÇÃO. 1. Consoante disposto no
art. 31 da
Lei nº 9.096/95 (
art. 12 da Res.–TSE nº 23.604/2019), é vedado aos partidos receber, direta ou indiretamente, recursos de fonte vedada. No caso, a Asepa, em consulta à base de dados do FILIAWEB, constatou que os doadores da legenda, pessoas físicas ocupantes de cargos públicos demissíveis ad nutum e temporários – segundo informações da RAIS 2020 –, não
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...eram filiados à grei no exercício de 2020, sendo, portanto, ilícitas as doações no valor de R$ 9.377,00 (nove mil, trezentos e setenta e sete reais). 2. Em razão do caráter jurisdicional das prestações de contas, a defesa é a última oportunidade para produção de provas, motivo pelo qual deve ser indeferida a juntada de documentos em alegações finais ante a ocorrência da preclusão (PC nº 0600432–34, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 19.5.2023). 3. Conforme dispõe o art. 18 da Res.–TSE nº 23.604/2019, a comprovação dos gastos com recursos do Fundo Partidário requer apresentação de documento fiscal idôneo que contenha descrição detalhada de emitente e destinatário, produto adquirido ou serviços prestados. Nos termos do referido dispositivo, admite–se, ainda, qualquer outro meio idôneo de prova para tal finalidade. Nesse sentido é a jurisprudência desta Corte, segundo a qual "a ausência de documentação fiscal e demais documentos previstos no art. 18 da Res.–TSE 23.464 impede a verificação da regularidade dos gastos, bem como a análise da vinculação dessas despesas com a atividade partidária" (PC nº 0600410–73, Rel. Min. Sergio Banhos, DJe de 3.2.2022). 4. O Parquet e a Asepa identificaram débitos na conta 101054–9, que movimenta recursos do Fundo Partidário, desacompanhados de documentos que dão suporte a despesas no montante de R$ 52.319,08 (cinquenta e dois mil, trezentos e dezenove reais e oito centavos) e de R$ 37.593,03 (trinta e sete mil, quinhentos e noventa e três reais e três centavos), respectivamente. 5. É indevido o uso de verbas públicas sem lastro em documentação idônea, o que impõe o ressarcimento aos cofres públicos desses valores (PC nº 0600219–91, Rel. Min. Sergio Banhos, DJe de 28.3.2023). 6. É irregular despesa com seguro de veículo, no montante de R$ 6.143,14 (seis mil, cento e quarenta e três reais e quatorze centavos), sem lastro documental idôneo, a teor do disposto nos arts. 44, § 1º, da Lei nº 9096/95 e 36, § 2º, da Res.–TSE nº 23.604/2019, valor que deverá ser recolhido ao Erário, atualizado. 7. Afasta–se parcialmente a irregularidade nas despesas com manutenção de veículos de propriedade do partido, quais sejam: aquisição de amortecedores para o veículo Azera FQZ2758 e peças diversas para o veículo Santa Fé OMP0743. Mantém–se, contudo, a irregularidade no valor de R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais), referente à aquisição de 2 (dois) pneus sem identificação do veículo destinatário e, consequentemente, sem vinculação do gasto com a atividade partidária, conforme exigido pelos arts. 44, § 1º, da Lei nº 9096/95 e 36, § 2º, da Res.–TSE 23.604/2019 e pela jurisprudência do TSE (PC nº 0601826–13, Rel. Min. Sergio Banhos, DJe de 11.5.2022), devendo o partido ressarcir essa quantia ao Erário, atualizada. 8. Quanto às despesas com pessoal no montante de R$ 18.013,79 (dezoito mil, treze reais e setenta e nove centavos), verifica–se que o pagamento de gratificação de desempenho a profissional da tesouraria não se mostrou exorbitante, guardando equivalência com a bonificação paga no exercício anterior. Ainda que se questione o pagamento de adicionais aos funcionários das agremiações, em respeito à autonomia partidária, não seria da competência da Justiça Eleitoral se imiscuir em questões afetas à administração interna dos partidos, notadamente quando constatada, pela documentação apresentada, a vinculação da despesa com as atividades partidárias (PC nº 268–60, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 6.6.2019, e PC nº 247–55, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 1º.3.2018). 9. Mantém–se a irregularidade no valor de R$ 1.580,12 (mil, quinhentos e oitenta reais e doze centavos), relativa ao pagamento de mensalidade que teve como beneficiário grupo de profissionais da advocacia no Estado de São Paulo, sem demonstração cabal de que consistia em serviço específico de acompanhamento processual, uma vez que os boletos não descrevem o tipo de serviço prestado, referindo–se apenas às contribuições mensais, as quais devem ser suportadas exclusivamente pelo advogado inscrito na entidade. No caso, não há evidências de que tais gastos foram necessários ao desempenho das atividades jurídico–partidárias, nos termos dos arts. 44, § 1º, da Lei nº 9096/95 e 36, § 2º, da Res.–TSE nº 23.604/2019. Nessa linha: PC nº 0600477–67, referente às contas do DC do exercício financeiro de 2019, Rel. Min. Carlos Horbach, DJe de 29.5.2023. 10. O partido apresentou tempestivamente o instrumento de sublocação firmado com a Fundação Social Democrata Cristã (ID nº 157931678), o que confirma o ajuste entre as partes mediante documentação comprobatória idônea, apta a corroborar os dispêndios no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), realizados à luz dos arts. 18 e 36, § 2º, da Res.–TSE nº 23.604/2019. O citado ajuste faz, inclusive, referência ao contrato de locação firmado entre os proprietários do imóvel – Flávio Carvalho de Vasconcelos e Sérgio Carvalho de Vasconcelos – e a fundação partidária. Os questionamentos acerca do contrato de locação entre a fundação e o senhorio do imóvel devem ser apresentados na prestação de contas da fundação que estão sob fiscalização de foro próprio. 11. Mostrou–se regular o dispêndio com serviço de áudio para instalação de música de espera no aparelho telefônico da sede partidária, no montante de R$ 1.154,50 (mil, cento e cinquenta e quatro reais e cinquenta centavos), diante da juntada de cheques nominais emitidos em favor da empresa contratada, comprovantes bancários e notas fiscais com descrição dos serviços, o que atende o comando da norma de regência e a jurisprudência do TSE (PC nº 0601831–35, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 10.6.2022). 12. A contratação de periódicos usualmente se dá por adesão e por meio de assinatura semestral e/ou anual e com pagamento mensal mediante emissão de boleto. Não há dúvida, conforme documentos juntados aos autos, de que o partido era assinante d'O Estado de S. Paulo (Estadão), sendo regular a despesa no montante de R$ 1.537,89 (mil, quinhentos e trinta e sete reais e oitenta e nove centavos). 13. A agremiação deixou de atender os requisitos inscritos no art. 18 da Res.–TSE nº 23.604/2019 para gastos diversos no total de R$ 1.167,47 (mil, cento e sessenta e sete reais e quarenta e sete centavos), valor a ser devolvido ao Erário, atualizado. 14. A jurisprudência do TSE "não presume a irregularidade nas contratações, custeadas com recursos públicos, de empresa cujo corpo societário mantenha vínculo com dirigente do partido, ante a ausência de previsão legal, de maneira que as reflexões obedecem a critérios, segundo as particularidades de cada caso. Não obstante, a hipótese reclama maior rigor na sua análise em função de a figura do prestador de serviços se confundir com a do dirigente partidário, além de acentuar a possibilidade de conflito de interesses" (PC nº 0600477–67, Rel. Min. Carlos Horbach, DJe de 29.5.2023). 15. Quanto às despesas de publicidade com a empresa Maxam Serviços de Marketing Ltda. no valor de R$ 63.000,00 (sessenta e três mil reais), verifica–se que se trata de prestação de serviços sucessiva – visto que há registro dessa contratação nas prestações de contas do DC referentes a vários exercícios –, a qual, diante dos mesmos apontamentos da Asepa, inclusive de contratação entre partes relacionadas, foi considerada regular no julgamento da PC nº 0601831–35 (exercício 2016) e da PC nº 0600273–57 (exercício 2018), Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 10.6.2022 e de 8.3.2023, respectivamente, e da PC nº 0600477–67 (exercício 2019), Rel. Min. Carlos Horbach, DJe de 29.5.2023. 16. No caso, foram anexados documentos fiscais e contratos regularmente preenchidos, nos termos do art. 18 da Res.–TSE nº 23.604/2019. Nesse contexto, não havendo elementos que revelem que a despesa é superfaturada e/ou que a situação descrita afeta a transparência da transação entre as partes, mostram–se regulares tais dispêndios. 17. Sobre o tema, o Ministro Benedito Gonçalves, relator da PC nº 0601831–35, DJe de 10.6.2022, referente ao exercício de 2016, do DC, discorreu ser despicienda, via de regra, a exigência de provas complementares nos casos em que anexada nota fiscal devidamente preenchida, à exceção da hipótese de haver dúvida justificável quanto à idoneidade dos documentos apresentados ou da própria execução dos serviços. 18. Quanto ao valor de R$ 23.500,00 (vinte e três mil e quinhentos reais), pago à empresa Garum Serviços de Marketing, nota–se que tal contratação também vem sendo considerada regular desde a prestação de contas do DC do exercício de 2016, apesar dos apontamentos da Asepa, inclusive de contratação entre partes relacionadas, diante da apresentação de notas fiscais e contrato de prestação de serviços, com detalhamento das atividades desenvolvidas. Confiram–se, nesse sentido: PC nº 0601831–35 (exercício de 2016), Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 10.6.2022; PC nº 0600422–87 (exercício de 2017), Rel. Min. Carlos Horbach, DJe de 7.2.2022; PC nº 0600273–57 (exercício de 2018), Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 8.3.2023; e PC nº 0600477–67 (exercício de 2019), Rel. Min. Carlos Horbach, DJe de 29.5.2023. 19. Mostrou–se irregular o abastecimento de combustível no estabelecimento de propriedade do presidente da agremiação, no valor de R$ 30.362,13 (trinta mil, trezentos e sessenta e dois reais e treze centavos), haja vista que, nos termos assinalados pelo órgão técnico: (i) não houve demonstração de finalidade das viagens para comprovar sua vinculação com as atividades partidárias; (ii) pagamentos foram feitos em duplicidade e de forma antecipada, sem justificativa razoável; (iii) as notas fiscais emitidas posteriormente para abatimento de tal crédito não discriminam os veículos abastecidos; e (iv) não foram juntados os respectivos cupons de abastecimento. 20. No julgamento da PC nº 0600422–87, DJe de 7.2.2022, e da PC nº 0600477–67, DJe de 29.5.2023, relativas aos exercícios de 2017 e 2019, ambas do DC e de relatoria do Ministro Carlos Horbach, este Tribunal reconheceu "a irregularidade das despesas com a aquisição de combustíveis no posto de propriedade do presidente do partido, em função do conflito de interesses, haja vista a influência direta do dirigente na transação e a impossibilidade de se comprovar a sua economicidade". 21. O conjunto de irregularidades alcança R$ 139.841,97 (cento e trinta e nove mil, oitocentos e quarenta e um reais e noventa e sete centavos), valor equivalente a 6,97% dos recursos do Fundo Partidário aplicados pela legenda em 2020. Assim como deliberado por esta Corte Superior no julgamento das contas do DC referentes aos exercícios de 2016 (PC nº 0601831–35, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 10.6.2022) e 2017 (PC nº 0600477–67, Rel. Min. Carlos Horbach, DJe de 29.5.2023) – em que o percentual tido por irregular também ficou em torno de 6% e cujos apontamentos foram semelhantes e até idênticos aos dos presentes autos, ainda que o percentual irregular seja relativamente baixo –, a prestação de contas deve ser desaprovada ante a constatação de irregularidades graves que comprometem a sua higidez, notadamente as repetidas contratações entre partes relacionadas nos últimos exercícios, a exemplo das despesas com combustíveis em estabelecimento do presidente do partido, a evidenciar conflito de interesses nas transações. 22. Em face das irregularidades e observada a aplicação da sanção de forma proporcional, determina–se a devolução ao Erário, com recursos próprios e valor atualizado, de R$ 130.464,97 (cento e trinta mil, quatrocentos e sessenta e quatro reais e noventa e sete centavos), relativos ao uso irregular de verbas públicas, acrescidos de multa de 5%, conforme preceitua o § 5º do
art. 48 da Res.–TSE nº 23.604/2019. 23. O partido deverá, ainda, recolher ao Tesouro Nacional R$ 9.377,00 (nove mil, trezentos e setenta e sete reais), referentes aos recursos de fonte vedada (
art. 14,
§ 1º, da Res.–TSE nº 23.604/2019), atualizados e com recursos próprios (PC nº 0601762–03, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 6.5.2022). 24. O fato de a grei não ter atingido a cláusula de desempenho não impede a completude do título judicial, e as questões relativas ao seu cumprimento serão examinadas em execução. Precedentes.25. Contas partidárias desaprovadas, com determinações.
(TSE, PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL nº 060034828, Acórdão, Relator(a) Min. André Ramos Tavares, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 247, Data 15/12/2023)