Cuidam os autos de recurso especial interposto por Poliane Bruno de Jesus, por conduto da Defensoria Pública do Estado da Bahia, com fulcro no
art. 105,
III, alíneas “a”, da
Constituição Federal, em face do Acórdão proferido pela Segunda Turma da Segunda Câmara Criminal, de ID 21236914, que negou provimento ao apelo manejado. Alega, em suma, ofensa ao
art. 157, do
Código de Processo Penal (ID 21236920). O recorrido apresentou contrarrazões (ID 235538173). É o relatório. Da leitura detida do in folio, vislumbra-se inviável exercer um juízo prévio
...« (+1880 PALAVRAS) »
...positivo de admissibilidade do recurso especial em testilha. Destaque-se, inicialmente, que não é passível de apreciação, na presente via, os argumentos relativos à violação ao art. 5º, incisos X e XII, da Carta Magna, os quais refogem à competência do Superior Tribunal de Justiça, eis que se trata de tarefa reservada ao Supremo Tribunal Federal, como expressamente prevê o art. 102, III, a, da Constituição Federal. Nesse sentido: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. ANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não cabe ao Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial, o exame de eventual ofensa a dispositivo da Constituição Federal, ainda que para o fim de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência reservada ao Supremo Tribunal Federal. 2. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no AgInt nos EDcl nos EDv nos EAREsp 1685042 - Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA - DJe 09/12/2021 - Decisão: 06/12/2021). Sob outro enfoque, a desconstituição das conclusões alcançadas pela Turma julgadora, acerca da legalidade das provas produzidas, em razão das peculiaridades do caso concreto, demanda, no presente caso, incursão no acervo fático-probatório, o qual encontra óbice no entendimento firmado pelo teor do verbete sumular nº 7, da Corte Infraconstitucional, cuja redação leciona que "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.". De mais a mais, a motivação constante da deliberação Colegiada mostra-se convergente com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, incidindo no caso em tela o quanto previsto no enunciado da Súmula n° 83/STJ: "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.". Com efeito, a Turma Julgadora, ao apreciar a arguição defensiva, posicionou-se nos seguintes termos: Narra a denúncia que no dia 18 de janeiro de 2018, no Hospital de Simões Filho, a Acusada fora presa em flagrante por policiais militares, tendo em vista que que ocultava cerca de 300g (trezentos gramas) de maconha em seu corpo. Segundo consta, a Apelante colocou a droga dentro de sua vagina e, no dia supramencionado, adentrou no Conjunto (...), com o objetivo de entregar o produto ilícito ao interno (...) durante a visita. Apesar de ter passado pela revista, não conseguiu retirar o entorpecente de seu corpo e começou a passar mal, procurando o referido Hospital assim que saiu do presídio. Socorrida pela equipe médica, a Acusada foi submetida a uma cirurgia para a retirada da droga, sendo posteriormente presa em flagrante. 3. DA NULIDADE DAS PROVAS Trata-se de Recurso de Apelação interposto pela Defesa em que suscita, preliminarmente, o reconhecimento da ilicitude das provas, sob a alegação de que foram colhidas com violação ao dever de sigilo médico. No caso dos autos, conforme relatado acima, a Acusada guardou drogas dentro do seu corpo e, como não conseguiu retirar e começou a passar mal, fora ao Hospital, onde se submeteu a uma cirurgia para retirada dos entorpecentes, de forma que o crime veio a conhecimento da autoridade policial. Sabe-se que a relação entre profissionais de saúde e paciente, assim como a de outros profissionais e seus clientes, são regidas pela confiança, sendo obrigação manter sob sigilo os fatos que passem a serem conhecidos pelo médico em decorrência de sua profissão, ofício ou função, a exemplo da doença que acomete o paciente, o diagnóstico, a prescrição, a resposta ao tratamento, dentre outros fatores. Segundo (...) das (...), em seu livro Violação do Sigilo Médico e Exercício Ilegal da Medicina, o sigilo profissional é “a reserva que todo indivíduo deve guardar dos fatos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, fatos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é pedido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua profissão”. O Direito Brasileiro protege essa relação de confiança entre o médico e paciente, tanto que, no artigo 154 do Código Penal, dispõe sobre o crime de violação do segredo profissional, o qual é também resguardado pela Constituição Federal ao inserir como direito fundamental a intimidade e a vida privada das pessoas (art. 5º, X, da CF). Em que pese a obrigação do sigilo médico e a proteção que o reveste, é importante ter em vista que não existem direitos e as garantias absolutas em nosso ordenamento jurídico. Nem mesmo os direitos fundamentais previstos na Constituição são ilimitados, uma vez que encontram os seus limites nos direitos igualmente consagrados na Carta Magna. Assim, podemos dizer que o sigilo médico não é absoluto, mas, sim, relativo, podendo alguma justificativa excepcional romper esse segredo. Na mesma linha de entendimento, o Supremo Tribunal Federal: Ementa: “Segredo profissional. A obrigatoriedade do sigilo profissional do médico não tem caráter absoluto; a matéria, pela sua delicadeza, reclama diversidade de tratamento diante das particularidades de cada caso”. Recurso Extraordinário Criminal n. 91.218-5-SP. 2ª Turma. Relator: Ministro Djaci Falcão. Revista dos Tribunais, 562/407-25 Com base no posicionamento do STF, trago outro conceito de sigilo médico, em que Genival Veloso de França, no livro “Comentários ao código de ética médica” assim o define como: “o silêncio que o profissional da medicina está obrigado a manter sobre fatos de que tomou conhecimento no exercício de seu mister, e que não seja imperativo revelar (grifos feitos). Na hipótese, temos, de um lado, o dever de sigilo profissional e, de outro, a obrigação que qualquer pessoa do povo tem de comunicar à autoridade policial a ocorrência de um crime de ação penal pública. Nessa ponderação de valores, entendo que o sigilo médico deve ceder lugar ao interesse maior de reprimir o cometimento de crimes, não tendo o profissional de saúde qualquer obrigação ética ou profissional de silenciar que a Acusada guardava dentro de seu corpo uma quantidade tão relevante de maconha que não conseguiu retirar por métodos próprios, necessitando de uma intervenção cirúrgica para retirar o produto ilícito. Ora, sabendo como o crime de tráfico tem aumentado no estado e como tem servido de porta de entrada para o cometimento de outros delitos, não pode ser considerado mais relevante o direito de privacidade de uma pessoa que tentava entrar em um presídio para entregar entorpecente a um interno. Ademais, no caso dos fólios, a equipe médica deparou-se com a própria materialidade do crime, estando de frente com a droga ocultada, de forma que não podia, indubitavelmente, fingir que não viu 300 gramas de maconha e simplesmente entregar o entorpecente à Acusada ou destiná-lo a qualquer outro fim que fosse desconhecido pela autoridade policial. Seguindo tal raciocínio, a Lei 3.688/1941, no artigo 66, dispõe ser contravenção penal não comunicar à autoridade competente crime de ação penal pública que tomou conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão. E, de igual forma, o Código de Ética Médica, apesar de impor o segredo médico, excepciona os casos de motivo justo, dever legal ou consentimento do paciente: Art. 73:Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. Entendo, portanto, que havia obrigação legal de comunicar o crime, não sendo a prova revestida de ilegalidade que possa resvalar para a nulidade. (Trecho do Acórdão recorrido). Em situação análoga, o Superior Tribunal de Justiça assim decidiu: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO E CRIMINAL. REQUISIÇÃO DE PRONTUÁRIO. ATENDIMENTO A COTA MINISTERIAL. INVESTIGAÇÃO DE QUEDA ACIDENTAL. ARTS. 11, 102 E 105 DO CÓDIGO DE ÉTICA. QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL. NÃO VERIFICAÇÃO. O sigilo profissional não é absoluto, contém exceções, conforme depreende-se da leitura dos respectivos dispositivos do Código de Ética. A hipótese dos autos abrange as exceções, considerando que a requisição do prontuário médico foi feita pelo juízo, em atendimento à cota ministerial, visando apurar possível prática de crime contra a vida. Precedentes análogos. Recurso desprovido. (RMS 11.453/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 17/06/2003, DJ 25/08/2003, p. 324). PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADEQUAÇÃO. ABORTO PROVOCADO PELA GESTANTE. TRANCAMENTO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 124 DO CP. CONTROLE DIFUSO. MEIO INADEQUADO. TEMA OBJETO DE CONTROLE CONCENTRADO PERANTE O STF NA APDF 442/DF. ILICITUDE DAS PROVAS. QUEBRA DO DEVER DE SIGILO PROFISSIONAL DO MÉDICO. NÃO ACOLHIMENTO DAS TESES DEFENSIVAS. INOCORRÊNCIA DE ILEGALIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo de revisão criminal e de recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado a justificar a concessão da ordem, de ofício. 2. Revela-se inviável a apreciação de matéria por esse Superior Tribunal de Justiça, em sede de controle difuso, diante de afetação do tema em sede de controle concentrado de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. 3. No caso em exame, a inconstitucionalidade da criminalização do abortamento, delito previsto no art. 124 do Código Penal, como bem ressaltou o Ministério Público Federal, em seu parecer, "está em trâmite no Supremo Tribunal Federal, aguardando apreciação daquela Corte Constitucional, a ADPF nº 442, ajuizada 'em face da alegada controvérsia constitucional relevante acerca da recepção dos artigos 124 e 126 do Decreto-lei nº 2.848/1940 (Código Penal), que instituem a criminalização da interrupção voluntária da gravidez (aborto), pela ordem normativa constitucional vigente'; e na qual 'A parte autora defende não recepcionados parcialmente os dispositivos legais impugnados pela Constituição da República. Aponta, como preceitos fundamentais afrontados, os da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da não discriminação, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, da saúde e do planejamento familiar de mulheres, adolescentes e meninas (...)." (ADPF nº 442, Despacho de 24/11/2017, in DJE nº 274, divulgado em 29/11/2017)'." 4. Registra-se que "nem o habeas corpus, nem seu respectivo recurso, traduzem-se em meio adequado para o reconhecimento da ilegalidade do ato normativo em referência."(AgRg no RHC 104.926/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 9/4/2019, DJe 25/4/2019). 5. Sabe-se que o sigilo profissional é norma cogente e que, em verdade, impõe o dever legal de que certas pessoas, em razão de sua qualidade e de seu ofício, não prestem depoimento e/ou declarações, em nome de interesses maiores, também preservados pelo ordenamento jurídico, como o caso do direito à intimidade (art. 154 do Código Penal e art. 207 do Código de Processo Penal). A vedação, porém, não é absoluta, eis que não há que se conceber o sigilo profissional de prática criminosa. 6. A exemplo do sigilo profissional do advogado, já asseverou esta Quinta Turma que "o ordenamento jurídico tutela o sigilo profissional do advogado, que, como detentor de função essencial à Justiça, goza de prerrogativa para o adequado exercício profissional. Entretanto, referida prerrogativa não pode servir de esteio para impunidade de condutas ilícitas" (RHC 22.200/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, DJe 5/4/2010, grifou-se). 7. Na hipótese, a princípio, a conduta do médico em informar à autoridade policial acerca da prática de fato, que até o presente momento configura crime capitulado nos delitos contra a vida, não violou o sigilo profissional, pois amparado em causa excepcional de justa causa, motivo pela qual não se vislumbra, de pronto, ilicitude das provas presentes nos autos, como sustenta a defesa. 8. A situação posta no RE 91.218-5/SP, citado pela defesa, não se aplica ao caso em exame, na medida em que a controvérsia discutida nestes autos cinge-se na declaração ou não de ilicitude de todos os elementos de provas produzidos, oriundos da informação repassada pelo médico à autoridade policial acerca do cometimento em tese de um delito, que perpassa pelo óbito premeditado de um feto de 24 semanas, nascido com vida. 9. Writ não conhecido. (HC 514.617/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 10/09/2019, DJe 16/09/2019). Ante o exposto, inadmito o recurso especial. Publique-se. Intimem-se. Desembargadora Márcia Borges Faria 2ª Vice-Presidente
(TJ-BA, Classe: Apelação, Número do Processo: 0500532-98.2018.8.05.0250, Órgão julgador: 2ª VICE-PRESIDÊNCIA, Relator(a): MARCIA BORGES FARIA, Publicado em: 31/03/2022)