Transmitir o COVID é crime?

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Por Modelo Inicial
19/07/2020  
Transmitir o COVID é crime? - Penal
A gravidade da doença tem surtido reflexos em inúmeras áreas do direito, especialmente na área criminal. Entenda um pouco mais sobre os riscos penais na transmissão do vírus.

Neste artigo:
  1. Não usar máscara é crime?
  2. Outros crimes relacionados ao contágio

Como praticamente todas as respostas no direito: depende.

Depende se o indivíduo sabe ser portador ou sabe que tem fortes indícios de estar contaminado e deixou de realizar testes, exames, isolamento ou outras medidas preventivas, quando orientadas pelo poder público.

O crime se configura quando há uma ordem do poder público para evitar a propagação da doença e ela não é observada. Ou seja, o indivíduo sabe que esta infectado ou, apresenta sérios indícios e descumpre determinação pública preventiva, nos termos previstos do Código Penal:

Infração de medida sanitária preventiva

Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único- A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

Por se tratar de crime formal, basta o descumprimento de determinação do poder público para sua configuração. Ou seja, não se exige que alguém tenha sido contagiado, uma vez que se trata de crime em abstrato.

Não usar máscara é crime?

Importante lembrar que recentemente a Lei 14.019/2020 tornou obrigatório o uso de máscara, configurando o uso de máscara uma determinação do poder público, ao alterar a Lei 13.979/2020 para dispor da seguinte redação:

Art. 3º-A É obrigatório manter boca e nariz cobertos por máscara de proteção individual, conforme a legislação sanitária e na forma de regulamentação estabelecida pelo Poder Executivo federal, para circulação em espaços públicos e privados acessíveis ao público, em vias públicas e em transportes públicos coletivos, bem como em:

I - veículos de transporte remunerado privado individual de passageiros por aplicativo ou por meio de táxis;

II - ônibus, aeronaves ou embarcações de uso coletivo fretados;
(...)

§ 7º A obrigação prevista no caput deste artigo será dispensada no caso de pessoas com transtorno do espectro autista, com deficiência intelectual, com deficiências sensoriais ou com quaisquer outras deficiências que as impeçam de fazer o uso adequado de máscara de proteção facial, conforme declaração médica, que poderá ser obtida por meio digital, bem como no caso de crianças com menos de 3 (três) anos de idade.

§ 8º As máscaras a que se refere o caput deste artigo podem ser artesanais ou industriais.

Portanto, o descumprimento de uma determinação do poder público, infringindo uma medida preventiva em combate a uma pandemia, pode configurar sim um crime.

Outros crimes relacionados ao contágio

O artigo 267 do CP prevê também como conduta criminosa o ato de causar epidemia, disseminando agentes patogênicos(vírus, germes, bactérias, entre outros), com pena prevista de 10 a 15 anos de reclusão. Caso a epidemia causada resulte em morte, a pena é aplicada em dobro.

Ainda no Código Penal, o artigo 131 prevê como crime a exposição intencional de terceiros a a perigo de contágio de doença grave. Para configurar a conduta criminosa é necessário que a pessoa pratique ato de contaminação de maneira dolosa, ou seja, com a finalidade/vontade de passar a doença para outras pessoas. A pena é de 1 a 4 anos de reclusão e multa.

Está em trâmite também, o Projeto de Lei 718/20 altera o Código Penal para punir com o dobro da pena quem, enquanto durar a pandemia da Covid-19, cometer os crimes de perigo de contágio de moléstia grave e de omissão de notificação de doença.

Alguns doutrinadores já referem o enquadramento no crime com a mera ciência de ter o risco de estar infectado, pelo dolo eventual. Afinal, a Lei 13.979/2020 já previu a obrigatoriedade de informar eventual contágio, com a seguinte redação:

Art. 5º Toda pessoa colaborará com as autoridades sanitárias na comunicação imediata de:

I - possíveis contatos com agentes infecciosos do coronavírus;

II - circulação em áreas consideradas como regiões de contaminação pelo coronavírus.

Portanto, já existe uma orientação geral sobre o dever de informar eventual risco. Sobre o tema, já é corriqueiro nos tribunais a condenação pelo descumprimento de cuidados orientados para o controle do mosquito da dengue:

APELAÇÃO CRIMINAL. INFRINGIR DETERMINAÇÃO DO PODER PÚBLICO DESTINADA A IMPEDIR INTRODUÇÃO OU PROPAGAÇÃO DE DOENÇA CONTAGIOSA. FOCOS DO MOSQUITO "AEDES AEGYPTI" NA RESIDÊNCIA DO RÉU. ART. 268 DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADOS. DEPOIMENTO DA NOTICIANTE E PROVA TESTEMUNHAL. CRIME DE MERA CONDUTA E DE PERIGO ABSTRATO. SAÚDE PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PROPAGAÇÃO DE EPIDEMIA. MINORAÇÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS IMPOSTA PARA 1 SALÁRIO MÍNIMO. FIXAÇÃO EM 3 SALÁRIOS MÍNIMOS DESPROPORCIONAL. FIXAÇÃO DA PENA NO MÍNIMO LEGAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.Extrai-se da Sentença: "Da análise dos autos, tem-se que a ré descumpriu as notificações expedidas anteriormente pelos agentes de saúde, nas quais constam as orientações necessárias no sentido de impedir a propagação do mosquito da dengue, sendo encontrados focos de larvas em diversas oportunidades, conforme se extrai do depoimento do Agente de (...) (mov. 39.1). (...). Destaco que o tipo penal do art. 268 do Código Penal tem como elemento subjetivo o dolo, independentemente de qualquer finalidade específica, de maneira que não se faz necessário que o agente deixe a água acumulada com a intenção de captar foco do mosquito "Aedes Aegypti", sendo suficiente que, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, porquanto devidamente advertido, não tome as providências necessárias para evitar a formação das larvas. No que se refere ao pedido da defesa, para reconhecimento do princípio da insignificância, consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal são requisitos para configura-lo: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Ora, a conduta perpetrada por (...) se reveste de periculosidade social, ao passo que a existência de foco do mosquito Aedes Egypti coloca em risco a saúde pública de milhares de pessoas, diante da fácil propagação do mosquito." (TJPR - 4ª Turma Recursal - 0001960-30.2017.8.16.0048 - Assis Chateaubriand - Rel.: Juíza Camila Henning Salmoria - J. 16.09.2019)

Muitas vezes por desconhecimento da gravidade, a população não adota medidas simples para evitar a propagação de doenças fatais, razão pela qual, após ampla divulgação, ciência do risco e descumprimento a alguma medida preventiva, a punição acaba sendo necessária.

Assim, o crime se configura com a simples inobservância às determinações do poder público para impedir a propagação de doença contagiosa, independente de um efetivo dano.

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