PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS) - DEFICIENTE
1. Pedido de concessão de benefício assistencial ao deficiente (DER 17/01/2019 - evento 02, fls. 54).
2. Sentença de parcial procedência lançada nos seguintes termos:
"(...)
Da condição de pessoa portadora de deficiência. No presente caso, o perito judicial atesta no laudo médico (evento 15) que a autora é portadora de neoplasia maligna de mama direito em 11/2018, tendo sido submetida a mastectomia parcial e esvaziamento ganglionar, discreto linfedema de membro superior direito, discreta limitação de movimentos. Esclarece que a autora poderá vir a apresentar incapacidade total e temporária após a realização da cirurgia (de mastectomia total). Aduz que o início da
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...doença se deu em 06/11/2018, conforme documentação acostada a inicial.
Pois bem. Os documentos apresentados pela parte autora atestam que a demandante realizou mastectomia em 13/09/2019 e que apresentava "dificuldade à realização dos últimos da flexão e abdução graus por RM, Em uso da braçadeira" (evento 17 - fl. 02). No mesmo sentido, relatório médico dtado de 25/11/2019, no evento 28 - fls. 01/02.
Já no evento 42 - fl.01, o relatório médico, datado de 22/05/2020, informa que: "paciente com quadro de linfedema pós mastectomia e linfadenectomia evoluindo com linfedema crônico e necessita de afastamento de suas atividades laborais por tempo indeterminado. cid I97.2."
Portanto, verifica-se que os documentos médicos emitidos por órgãos públicos na área da saúde estão em rota de colisão com a conclusão pericial, na medida em que aqueles sugerem que a autora não pode exercer atividade laborativa por tempo indeterminado, ante a gravidade das sequelas decorrentes da doença, ao passo que o laudo pericial indica que a autora não está incapaz para exercer atividade laborativa.
Tendo em conta a divergência acima mencionada, reputo mais consentâneo com a realidade os pareceres médicos oriundos da rede pública de saúde, que atestaram a incapacidade total da parte autora para exercer atividade laborativa. Isso porque, o próprio perito judicial, por ocasião do primeiro laudo, deixou claro que eventual mastectomia total poderia levar a autora a um quadro de incapacidade total, mas, posteriormente, de forma contraditória, ratificou seu primeiro laudo no sentido da inexistência da incapacidade, mesmo a autora tendo sido submetida à mastectomia total, o que revela que a conclusão da rede pública de saúde parece ser a mais acertada no presente caso.
Recorde-se, nesse aspecto, que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo firmar sua convicção em outros elementos de prova, desde que fundamente sua decisão, como no caso em espécie.
Assim, está configurada, desse modo, incapacidade de longo prazo, visto que a autora tem impedimento pelo prazo mínimo de 02 anos.
Não recebimento de outro benefício
Nada nos autos sugere que aa autora receba algum outro benefício (consulta ao CNIS- evento 50), no âmbito da seguridade social ou de outro regime, não havendo, inclusive, qualquer manifestação do réu nesse sentido, e, além disso, consta da verificação social que a parte autora não aufere renda, nem participa de nenhum programa social mantido por quaisquer esferas do governo.
Da miserabilidade
A Lei nº 12.435/2011, que alterou a Lei nº 8.742/93, traçou o conceito próprio de família (art. 20, § 1º), sendo esta composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ainda de acordo com a referida Lei, a família seria incapaz de prover o sustento da parte demandante quando sua renda mensal per capita fosse inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Quanto ao requisito objetivo atinente às condições socioeconômicas, ficou constatado que a parte autora enquadra-se na hipótese disciplinada no art. 20 da Lei n.º 8.742/93.
Segundo a pesquisa social (eventos 18/19), o grupo familiar é composto pela autora, 41 anos de idade, que não aufere renda, pelo marido Daniérik, de 38 anos, que trabalha como servente de pedreiro no mercado informal, recebendo mensalmente cerca de R$1.500,00; pelas filhas (...), de 15 anos, que não aufere renda, e (...) de 05 anos de idade, que não aufere renda.
Assim, considerado o núcleo familiar da parte autora - composto por 04 pessoas (autora, marido e duas filhas menores) - verifica-se que a renda familiar mensal é de R$ 375,00 (trezentos e setenta e cinco reais.
Com efeito, a renda per capita do núcleo familiar da autora é superior a ¼ do salário mínimo vigente, já que o limite legal é atualmente de R$ 249,50 (duzentos e quarenta e nove reais e cinquenta centavos).
Contudo, o Supremo Tribunal Federal, analisando a Reclamação nº 4374, entendeu pela inconstitucionalidade do citado parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, por considerar que o critério da renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Nesse ponto, vale ressaltar parte do voto do Ministro Gilmar Mendes, Relator no julgamento da Reclamação 4374 ajuizada perante o STF, em que o eminente Ministro sustenta que o critério objetivo da renda per capita deveria se orientar pelo valor de meio salário mínimo, já que este referencial econômico é utilizado para a concessão dos demais programas de assistência social no Brasil, in verbis: "Com a criação do Bolsa Família, outros programas e ações de transferência de renda do Governo Federal foram unificados: Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado
à Educação - Bolsa Escola (Lei 10.219/2001); Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA (Lei 10.689 de 2003); Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP 2.206 -1/2001) Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002); Cadastramento
Único do Governo Federal (Decreto 3.811/2001).
Portanto, os programas de assistência social no Brasil utilizam, atualmente, o valor de ½ salário mínimo como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios. Tal fato representa, em primeiro lugar, um indicador bastante razoável de que o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pela LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art. 203, V, da Constituição, possuem o direito ao benefício assistencial. Em segundo lugar, constitui um fato revelador de que o próprio legislador vem reinterpretando o art. 203 da Constituição da República segundo parâmetros econômico-sociais distintos daqueles que serviram de base para a edição da LOAS no início da década de 1990. Esses são fatores que razoavelmente indicam que, ao longo dos vários anos desde a sua promulgação, o § 3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização.".
Dessa forma, a renda per capita no valor de meio salário mínimo constitui-se em critério razoável para aferição da miserabilidade daquele que pleiteia a concessão do benefício assistencial - LOAS.
Portanto, tem-se que o requisito econômico também foi preenchido, já que a renda familiar per capita é inferior ao critério objetivo de meio salário mínimo traçado pelo STF.
Ademais, a recente Lei 13.981, de 23 de março de 2020 que alterou a Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), elevou o limite de renda familiar per capita para meio salário-mínimo:
"Art. 1º O § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 20........................................................................
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo.".
Dessa forma, a renda per capita no valor de meio salário mínimo (R$ 522,00 - quinhentos e vinte e dois reais em fevereiro de 2020) constitui-se em critério razoável para aferição da miserabilidade daquele que pleiteia a concessão do benefício assistencial - LOAS.
Portanto, tem-se que o requisito econômico também foi preenchido, já que a renda familiar per capita, como acima mencionado, é inferior ao limite legal de meio salário mínimo.
Logo, restou também demonstrada a presença do requisito objetivo relacionado à situação econômico-financeira, impondo-se o pagamento do benefício assistencial a partir de 22/05/2020, conforme relatório médico (evento 42).
Registre-se que, nos termos do artigo 21 e seguintes da Lei nº 8.742/1993, cabe ao INSS reavaliar periodicamente a parte autora de modo a constatar a manutenção ou não das condições que determinaram a concessão do benefício, atinente à manutenção da renda familiar.
De rigor, portanto, a procedência do pedido.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, para condenar o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) à obrigação de fazer, consistente em conceder em favor da parte autora o benefício assistencial de prestação continuada, desde a data do relatório médico em 22/05/2020 (evento 42).
Considerando a decisão proferida pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n. 870.947, o valor das prestações atrasadas deverá ser corrigido monetariamente através da aplicação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E, a partir do vencimento de cada prestação.
Incidirão também juros moratórios sobre o valor dessas prestações, a contar da citação do INSS, devendo ser observados os juros aplicados às cadernetas de poupança, tal como estipulado pelo artigo 1º - F da Lei nº 9.494/97, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei nº 11.960/2009.
Assim sendo, a sentença atende ao artigo 38, parágrafo único, da Lei 9.099/95, pois contém os parâmetros de liquidação (cf. Enunciado 32 do FONAJEF).
Por consequência, extingo o feito com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Após o trânsito em julgado, remetam-se os autos à Seção de Contadoria deste Juizado para apresentar o cálculo dos valores atrasados.
Feitos os cálculos, intimem-se as partes para quese manifestem no prazo de 10 (dez) dias, contados nos termos do art. 219 do CPC.
Aquiescendo as partes, expeça-se Requisição de Pagamento.
Provado o direito alegado na inicial, e tendo em vista o perigo de dano, ante o caráter alimentar do benefício ora deferido, concedo a tutela de urgência, determinando ao INSS a implantação do benefício, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, sob pena de imposição de multa diária. Comunique-se o INSS, para imediato cumprimento desta determinação.
Oficie-se ao chefe da agência competente do INSS.
Não há reexame necessário (Lei nº 10.259/2001, art. 13) nem condenação em verba de sucumbência (Lei nº 9.099/95, art. 55).
Caso haja interesse em recorrer desta sentença, cientifico as partes de que o prazo para recurso é de 10 (dez) dias (art. 42 da Lei nº 9.099/95), contados nos termos do art.
219 do CPC.
Publique-se. Intime-se. Registrada eletronicamente.
(...)"3. Recurso da parte autora: requer a fixação da DIB na DER, em 07/01/2019.4. Recurso da parte ré: requer a reforma da sentença, pelos seguintes fundamentos:
"A deficiência deve necessariamente estar presente e estar configurada dentro dos termos legais. Afinal, o benefício assistencial de amparo ao deficiente não é substitutivo do auxílio-doença, nem tampouco versão espúrea de benefício por incapacidade voltado àqueles que não contribuíram para a Previdência Social. Cumpre asseverar, novamente, que a Lei Orgânica da Assistência Social é o amparo último, é a verdadeira lei dos pobres. Jamais intentou substituir políticas de saúde ou a promoção social dos excluídos, mas a salvação daqueles, cuja integração, seja pela idade ou pelo déficit físico ou mental, tornou-se tão absolutamente improvável que só lhes resta o amparo último do Estado.
Por isso, meras alegações de dificuldades financeiras e de recolocação profissional não têm a menor pertinência para com o benefício assistencial.5. Requisitos para concessão do benefício: idade/deficiência e hipossuficiência econômica.6. Quanto à concessão do benefício, mantenho a sentença por seus próprios fundamentos, nos termos do artigo 46, da Lei 9.099/95:7. Considerando a linha de raciocínio da sentença e os documentos que comprovam a realização da cirurgia de mastectomia total em 13/09/2019, julgo configurada a deficiência, tal como definida pela
Lei 8.742/93, a partir desta data. Como não há requerimento administrativo posterior, a DIB deve ser fixada na data da citação, nos termos da
Súmula 576, do STJ, aplicável por analogia.
8. Em razão do exposto, nego provimento ao recurso do INSS e dou parcial provimento ao recurso da parte autora, para fixar a DIB em 29/11/2019.
9. Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação.
10. É o voto.
(TRF 3ª Região, 11ª TURMA RECURSAL DE SÃO PAULO, 18 - RECURSO INOMINADO AUTOR E RÉU - 0002169-32.2019.4.03.6318, Rel. JUIZ(A) FEDERAL MAIRA FELIPE LOURENCO, julgado em 25/02/2021, e-DJF3 Judicial DATA: 03/03/2021)