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Art. 27. Reserva indígena é uma área destinada a servidor de habitat a grupo indígena, com os meios suficientes à sua subsistência.
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Jurisprudências atuais que citam Artigo 27
STJ
EMENTA:
PROCESSUAL E ADMINISTATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AQUISIÇÃO E DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE AS ETNIAS KARIRI-XOCÓ E FULKAXÓ. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. CONSTITUIÇÃO DE RESERVA INDÍGENA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONCLUSÃO. DEMORA EXCESSIVA. INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES. PRAZO. TEMPO SUFICIENTE.1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas ...
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...até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2).2. Não há violação do art. 535 do CPC/1973 quando o Tribunal a quo, no acórdão impugnado, aprecia fundamentadamente a controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, ainda que em sentido contrário à pretensão recursal.3. Quanto à alegação de ilegitimidade passiva da União, verifica-se que a controvérsia foi dirimida pelo Tribunal de origem sob enfoque eminentemente constitucional (art. 231 da CF/88), competindo ao Supremo Tribunal Federal a revisão da matéria, sob pena de usurpação de competência prevista no art. 102 da Carta Magna.4. Hipótese em que a União e a Fundação Nacional do Índio - FUNAI foram condenadas, na ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal, a concluir o Processo Administrativo instaurado pelo Grupo Indígena Fulkaxó, no prazo de 4 (quatro) meses, a contar da intimação da sentença, bem como a destinar área à posse e ocupação dessa tribo, no prazo de 1 (um) ano, a partir do trânsito em julgado, na forma do art. 26 da Lei n. 6.001/1973, ante a impossibilidade de convivência pacífica com os índios da etnia Kariri-Xocó (de quem os primeiros se originam), nas terras originariamente demarcadas pela administração pública.5. Os conflitos entre as etnias decorrem da insuficiência de terras e da discriminação sofrida pelas famílias que se identificam como Fulkaxó por parte da Tribo Kariri-Xocó e de lideranças políticas, notadamente quanto à distribuição de lotes destinados à comunidade e à partilha de recursos ou benefícios adquiridos para toda a aldeia e a outras desavenças relacionadas às decisões políticas, costumes e tradições desses povos indígenas.6. O Tribunal de origem, soberano na análise da circunstâncias fáticas da causa, concluiu pela necessidade de disponibilização ou aquisição imediata de terras para os Fulkaxó, ante a existência de conflito irreversível com o grupo ou com núcleos familiares da etnia Kariri-Xocó, que habitam o mesmo território indígena, notadamente para que aqueles se livrem da discriminação e de alegadas ameaças de mortes, bem como para que se viabilize sua sobrevivência física e cultural de acordo com seus usos, costumes e tradições.7. Infirmar o entendimento alcançado pela Corte de origem, a fim de acolher as teses suscitadas pelos recorrentes, especificamente a de que os conflitos existentes entre as referidas tribos não as impedem de ocupar o mesmo território, demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é inviável na via de recurso especial, em face da Súmula 7 do STJ.8. Os presentes autos não tratam das terras indígenas tradicionais, vale dizer, aquelas cuja posse os índios exercem de forma imemorial, com base nas regras do art. 231 da Constituição Federal - tema submetido à repercussão geral no STF (RE 1.017.366/DF: Tese 1031) -, tampouco sobre o processo administrativo de demarcação e ampliação das terras indígenas Kariri-Xokó, matéria objeto de outra ação ordinária, que se encontra suspensa por determinação da Corte a quo.9. Segundo a legislação de regência, as reservas indígenas poderão ser instituídas em propriedade da União, bem como ser adquiridas mediante compra, doação de terceiros ou desapropriação, na eventualidade de não se verificar a tradicionalidade da ocupação indígena ou se constatar a insuficiência de terra demarcada, sendo possível, ainda, a intervenção do ente federal em terra indígena para a resolução de casos excepcionais, como os de conflito interno irreversível entre grupos tribais, conforme disciplina o art. 20, § 1º, "a", da Lei n. 6.001/1973.10. Não há como afastar, na via estreita do recurso especial, a conclusão das instâncias ordinárias quanto à necessidade de adoção de providência urgente para a solução dos problemas mencionados, nem afirmar que a ampliação da Terra Indígena dos Kariri-Xocó, cujo processo se encontra sobrestado por decisão judicial, resolverá os conflitos existentes entre as etnias, que perduram desde o ano de 2006 e não se restringem à disputa de terras, mas envolvem também questões políticas e culturais.11. Não procede o argumento de ingerência indevida do Poder Judiciário nas diretrizes de políticas públicas, notadamente quando se cuida de reconhecer a omissão estatal na adoção de providências específicas (arts. 26 e 27 da Lei n. 6.001/1973) para a concretização de direitos constitucionais dos indígenas (art. 231 da CF/88).12. Embora se reconheça a complexidade do procedimento de criação de reservas indígenas, o prazo estabelecido para a União e a Funai - até 12 (doze) meses após o trânsito em julgado da sentença condenatória - justifica-se pela urgência da solução dos conflitos, sendo o tempo suficiente para que a administração pública faça o planejamento financeiro e orçamentário dos gastos com a regularização fundiária.13. Recursos especiais parcialmente conhecidos e, nessa extensão, desprovidos.
(STJ, REsp n. 1.623.873/SE, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 28/4/2022.)
Acórdão em AÇÃO CIVIL PÚBLICA |
28/04/2022
TRF-3
EMENTA:
APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS COLETIVOS. POLÍTICAS PÚBLICAS. EDUCAÇÃO. IMPLEMENTAÇÃO POR DETERMINAÇÃO JUDICIAL. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONSTRUÇÃO DE ESCOLA INDÍGENA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DE DEMARCAÇÃO EM CURSO. IRRELEVÂNCIA PARA CONSTRUÇÃO DA ESCOLA. RECURSO NÃO PROVIDO.1. Cuida-se, na origem, de ação civil pública manejada pelo MPF objetivando a condenação da União Federal e do Município de Caarapó/MS a efetivar a construção de uma escola indígena que atenda às necessidades da Comunidade Guyraroká, no prazo de 120 dias.2. O art. 23, V ...
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...da CF/88 dispõe que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação”.3. A União é parte legítima para figurar no polo passivo. Nos termos do art. 211, §2º da CF, a atuação do Município é prioritária na no ensino fundamental e na educação infantil, não excluindo a competência da União, não sendo possível fazer uma interpretação restritiva nesse sentido.4. No presente caso, verifica-se que a construção da escola para atendimento dos indígenas vem se arrastando desde 2005. Segundo relatado pelo MPF, “em dezembro de 2009, foi expedida a Recomendação n. 23/2009, para o fim de recomendar a imediata instalação da escola indígena nas instalações existentes, mas, novamente, o Município respondeu que o orçamento para tal construção não constava no projeto de lei orçamentária de 2012, porquanto não havia decisão jurídica transitada em julgada acerca da tradicional posse indígena na referida área”.5. Além disso, segundo constam nos autos, foram várias as audiências realizadas para que fosse firmado o compromisso de construção da referida escola entre o MPF, o Município de Caarapó e a União Federal, mas todas restaram infrutíferas.6. Constata-se a omissão do Poder Executivo Municipal e Federal no cumprimento do dever constitucional de fornecer educação diferenciada às comunidades Indígenas, consonante dispõe os arts. 205 e 210, §2º, ambos da CF/88.7. Não fere a separação de poderes determinação do Poder Judiciário para que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais. Precedentes.8. Não configura ingerência indevida do Poder Judiciário nas diretrizes de políticas públicas, notadamente quando se cuida de reconhecer a omissão estatal na adoção de providências específicas (arts. 26 e 27 da Lei n. 6.001/1973) para a concretização de direitos constitucionais dos indígenas (art. 231 da CF/88). Precedentes.9. Cumpre ressaltar que a litigiosidade da área em processo de demarcação não pode ser suscitada como empecilho para a construção da escola, pois este não é um requisito para que o direito à educação indígena seja efetivado. Conforme ressaltou o magistrado a quo, a escola poderia ser construída em outro local, pois a Resolução CEB nº 3 de 1999 dispõe apenas que as terras sejam habitadas pelas comunidades indígenas.10. Recurso não provido.
(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0001511-30.2012.4.03.6002, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 23/11/2023, Intimação via sistema DATA: 24/11/2023)
Acórdão em APELAÇÃO CÍVEL |
24/11/2023
TRF-5
EMENTA:
PJE 0800439-14.2021.4.05.8003
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMARCAÇÃO DE TERRA INDÍGENA DO POVO JERIPANKÓ. BAIXO MOXOTÓ. MUNICÍPIO DE PARICONHA/AL. FIXAÇÃO DE PRAZOS PROCEDIMENTAIS PARA QUE A FUNAI CONCLUA A IDENTIFICAÇÃO E DELIMITE AS ÁREAS OCUPADAS. DESCABIMENTO. APELAÇÕES E REMESSA PROVIDAS. 1. Remessa oficial e apelações interpostas pela UNIÃO FEDERAL e pela FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI - contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos termos do art. 487, I, do CPC/2015, para condenar a FUNAI e a União na obrigação de fazer consistente ...
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...em concluir o processo administrativo nº 08620.001692-1993-46 (apenso 08620.075485-2015-94) referente à demarcação das terras indígenas do Povo Jeripankó, de acordo com os prazos adiante delimitados: a) Prazo de 18 meses para conclusão da 1ª fase do processo, de responsabilidade da FUNAI, e remessa do procedimento à fase subsequente; b) Prazo de 6 meses para conclusão da 2ª fase do processo, de responsabilidade da União, e remessa do procedimento à fase subsequente; c) Prazo de 6 meses para conclusão da 3ª fase do processo, de responsabilidade da União, e remessa do procedimento à fase subsequente; d) Prazo de 6 meses para conclusão da 4ª fase do processo, de responsabilidade da União, e remessa do procedimento à fase subsequente; e) Prazo de 6 meses para conclusão da 5ª fase do processo, de responsabilidade da União, e remessa do procedimento à fase subsequente; f) Prazo de 6 meses para análise e julgamento de eventuais recursos interpostos no referido procedimento. 2. A FUNAI sustenta que a realidade em que se encontra a Autarquia, com suas limitações para atender as ordens judiciais, inclusive, devido à pandemia do Coronavírus. Em seguida, abordou a delonga para a conclusão, pois teria ocorrido a substituição do antropólogo no decorrer do trâmite administrativo e por se tratar de processo complexo que envolve estudos de natureza antropológica, etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e fundiária, além de outros estudos que podem vir a ser exigidos. Argumentou, ainda, que a demarcação se trata de ato político e discricionário, não cabendo ao Poder Judiciário interferir nesta decisão, pois estar-se-ia violando a separação entre os poderes e se imiscuindo em seara sem o devido conhecimento global da situação, podendo vir a ocasionar prejuízos à coletividade indigenista. Alega que têm que se observar a reserva do possível e as regras da LINDB quanto às consequências práticas da decisão, bem como que estes autos deveriam ser suspensos conforme se determinou no RE 1.017.365 do STF. Por fim, sustentou que não estariam presentes os requisitos para concessão da tutela de urgência nem tampouco de evidência, pugnando pela improcedência da lide. 3. A UNIÃO FEDERAL asseriu sua ilegitimidade passiva ad causam e ausência de interesse de agir, visto que não haveria, por ora, pretensão resistida de sua parte e, por outro lado, o ordenamento jurídico não comportaria pretensão jurisdicional condicionada. No mérito, argumentou que o objeto pretendido na demanda ofendia a separação dos poderes e os artigos 20 e 22 da LINDB. Defendeu, ainda, a suspensão da demanda por força da decisão do STF no RE 1.017.365. 4. A sentença está fundamentada nos seguintes termos:
"PRELIMINARES
Ausência de interesse de agir
Não prospera a alegação de ausência de interesse de agir, uma vez que a pretensão atende ao trinômio da necessidade-utilidade-adequação da tutela jurisdicional para a solução do conflito de interesses, no caso, o direito do Povo Indígena Jeripankó de ter apreciado seu pleito de conclusão do processo administrativo nº 08620.001692/1993-46 de demarcação das terras indígenas, o que justifica a intervenção estatal.
Da ilegitimidade ad causam da União
A legitimidade da União para figurar no polo passivo da presente demanda está amparada no art. 231 da Constituição Federal e no art. 36, parágrafo único, do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973). Esses dispositivos estabelecem a competência da União para demarcação, proteção e respeito aos bens indígenas, tratando, expressamente, da responsabilidade da União para figurar em litisconsorte ativo ou passivo junto com o órgão federal nas causas judiciais que visem a proteção da posse dos indígenas.
(...)
Assim, demonstrado o interesse de agir a legitimidade da União, afasto as preliminares aventadas.
Da suspensão dos autos por ordem do Supremo Tribunal Federal no RE 1.017.365
O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral na apreciação do RE 1.017.365/SC, afeto ao Tema 1.031, com a seguinte tese em debate: "definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena, à luz das regras dispostas no artigo 231 do texto constitucional".
Na decisão da lavra do Relator Ministro Edson Fachin, publicada no DJE nº 114, divulgado em 08/05/2020, restaram consignadas as seguintes imposições quanto à suspensão:
"(...)
Diante de todas as considerações acima expostas, concedo a tutela provisória incidental requerida, nos termos do pedido, a fim de suspender todos os efeitos do Parecer n.º 001/2017/GAB/CGU/AGU até o final julgamento de mérito do RE 1.017.365 (Tema 1031) já submetido à sistemática da repercussão geral pelo STF.
De consequência, determino à FUNAI que se abstenha de rever todo e qualquer procedimento administrativo de demarcação de terra indígena, com base no Parecer n.º 001/2017/GAB/CGU/AGU até que seja julgado o Tema 1031.
(...)".
A presente lide, contudo, não se enquadra neste precedente. Observe que o objeto afetado trata-se de revisão de processo administrativo de demarcação de terra indígena, ao passo que, no caso, a pretensão versa sobre a movimentação e conclusão de processo administrativo de demarcação, ou seja, processo ainda em andamento, que se encontra pendente de conclusão há mais de 28 (vinte e oito) anos.
Desse modo, resta caracterizado o distinguishing entre a presente demanda e o caso parâmetro, devendo o processo prosseguir a teor do art. 1.037, § 12, I, do CPC.
Apreciadas e afastadas as preliminares, passo ao MÉRITO.
O caso em questão traz a lume a polêmica temática acerca da interferência do Poder Judiciário sobre o poder discricionário da Administração Pública.
O Ministério Público Federal pretende a delimitação do tempo para a conclusão pela FUNAI e a União, por meio do Ministro da Justiça e do Presidente da República, do processo administrativo nº 08620.001692/1993-46 de delimitação de demarcação da terra indígena do Povo Jeripankó, com início em 1993 e que tramita até o presente momento, ou seja, há mais 28 (vinte e oito) anos.
A FUNAI e a União refutam a pretensão, afirmando não haver excessiva delonga na conclusão do processo, sobretudo se consideradas as condições físicas, humanas e financeiras da Autarquia, além da complexidade do processo de demarcação de terras indígenas e as demais interferências exógenas, como a pandemia da Covid-19, que teriam implicado nos trabalhos.
Pois bem.
A Constituição Federal dispõe que são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (art. 231, caput).
No Ato das Disposições Constituições transitórias da Constituição Federal de 1988, sobremencionada, restou estabelecido o prazo de cinco anos, contados a partir da promulgação da Constituição, para que a União concluísse a demarcação das terras indígenas.
A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 143, de 20 de junho de 2002, com entrada em vigor no Brasil em 25 de julho de 2003, dispõe o seguinte:
Artigo 14 1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes. 2. Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias para determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse. 3. Deverão ser instituídos procedimentos adequados no âmbito do sistema jurídico nacional para solucionar as reivindicações de terras formuladas pelos povos interessados.
Ao passo em que a Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas preza que:
Artigo 26 1. Os povos indígenas têm direito às terras, territórios e recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido. 2. Os povos indígenas têm o direito de possuir, utilizar, desenvolver e controlar as terras, territórios e recursos que possuem em razão da propriedade tradicional ou de outra forma tradicional de ocupação ou de utilização, assim como aqueles que de outra forma tenham adquirido. 3. Os Estados assegurarão reconhecimento e proteção jurídicos a essas terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará adequadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da terra dos povos indígenas a que se refiram.
O Estatuto do Índio, por seu turno, estabelece as seguintes diretrizes quanto à demarcação:
Art. 19. As terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder Executivo.
§1º A demarcação promovida nos termos deste artigo, homologada pelo Presidente da República, será registrada em livro próprio do Serviço do Patrimônio da União (SPU) e do registro imobiliário da comarca da situação das terras.
§2º Contra a demarcação processada nos termos deste artigo não caberá a concessão de interdito possessório, facultado aos interessados contra ela recorrer à ação petitória ou demarcatória.
Assim, fora publicado o Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996, que dispõe sobre a demarcação das terras indígenas sob responsabilidade da FUNAI, do Ministro da Justiça e do Presidente da República, discriminada em cinco fases, como se passa a demonstrar:
1ª fase de Identificação e Delimitação - o procedimento se inicia com estudo antropológico de identificação, que será complementado com estudos de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação realizado um grupo especializado, coordenado por antropólogo;
2ª fase da Declaração - decisão do Ministro da Justiça de posse do procedimento, pareceres e provas vindos da FUNAI;
3ª fase da Demarcação Física - da área delimitada por meio de Portaria do Ministro da Justiça;
4ª fase da Homologação - da demarcação das terras indígenas por meio de Decreto do Presidente da República; e
5ª fase do Registro - em Cartório Imobiliário na Comarca respectiva e na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda.
No caso, o processo administrativo de delimitação e demarcação das terras indígenas do Povo Jeripankó fora autuado em 15/07/1993, a partir da apresentação do relatório dos trabalhos de identificação e delimitação da Aldeia Indígena de "Geripankó" de 18/12/1992 (p. 617/697).
De acordo com o teor do Decreto nº 1.775/1996, a 1ª e 5ª fases seriam de responsabilidade da FUNAI, a 2ª e 3ª fases do Ministro da Justiça e a 4ª fase - da homologação do processo demarcatório - do Presidente da República. Note-se que se trata de ato administrativo complexo em que se exige a atuação de mais de um órgão para sua perfectibilização. O ato objeto da presente demanda, registre-se, encontra-se ainda na primeira fase de responsabilidade da FUNAI.
É importante ressaltar que se vindica tão somente a delimitação de tempo para conclusão do processo administrativo, não se pretende aqui a concessão de tutela para reconhecimento e demarcação da terra indígena em si.
Assim, delimitada a lide e especificada as normas regentes no caso, passemos à apreciação da viabilidade legal e prática da pretensão.
Da Separação dos Poderes e da Reserva do Possível
A rigor, a Constituição Federal do Brasil, em seu art. 2º, dispõe que "são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".
Da norma, dessume-se não haver uma separação absoluta entre os poderes, mas uma interdependência caracterizada pela teoria da separação dos poderes de Montesquieu, o qual defendeu o equilíbrio entre os poderes nos seguintes termos:
Montesquieu formulou ainda a técnica do equilíbrio dos três Poderes, distinguindo a faculdade de estatuir da faculdade de impedir, em razão da dinâmica dos Poderes, antecipando assim a noção da técnica dos freios e contrapesos (checks and balances): o veto utilizado pelo Executivo é um exemplo da faculdade de impedir ou frear proposta legislativa.[1]
Destaca-se que o Poder Estatal é entendido como uno atualmente, passando assim, maior parte da doutrina, a considerar a separação das funções do Estado e não mais do Poder. Remonta-se, portanto, a criação do Estado Liberal a preocupação com o controle do exercício das funções do Estado, que passou a ser exercido de maneira interdependente pelos próprios entes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Essa previsão é compatível com o Estado Democrático de Direito, pois visa limitar o abuso do poder, fiscalizando o exercício legítimo de cada função e, por conseguinte, garantir a plenitude dos direitos individuais e sociais.
Com efeito, as funções das três esferas de poder não são exclusivas, pois, apesar de serem acometidas a cada uma das esferas o exercício de tarefas preponderantes, a todas perpetram as funções legislativas, administrativas e judiciárias.
Desse modo, conclui-se que não cabe ao Judiciário a função meramente jurisdicional, de contenção de litígios, visto que, frente à necessidade de substancializar direitos fundamentais, torna-se imprescindível que atue no sentido, como no caso vertente, de fazer cessar possível omissão da Administração Pública que viole direito fundamental à propriedade coletiva, à cultura e, ao fim, à própria existência do grupo indígena Jeripankó, que aguarda há mais de 28 anos pela demarcação de suas terras, sem que isso se configure violação ao princípio da separação das funções.
Assim, o Poder Judiciário deve agir quando a força normativa da Constituição Federal puder ser flexibilizada, sob a tutela do poder discricionário conferido à Administração Pública, cujo exercício, direcionado pela conveniência e oportunidade, deve ser limitado e congruente aos ditames constitucionais e legais que o especifiquem no caso concreto, a fim de não desbordar para ilegitimidade de seus atos, atraindo o controle do Poder Judiciário.
Observe que, no caso, há matéria jornalística da Gazeta de Alagoas de 05/08/1987, que já noticiavam sobre o descaso da FUNAI em relação à demarcação de terra indígena do Povo Jeripankó (p. 747/7449). Como há também, nesse período, registro de ameaças aos índios devido à ocupação da terra indígenas comunicadas à FUNAI (p. 722).
A Constituição Federal foi promulgação em 1988, onde se estabeleceu o prazo de cinco para que a União concluísse a demarcação das terras indígenas. Apesar de ser um prazo prognóstico, não é aceitável, nem tampouco justificável que até o momento, passados mais de 23 (vinte três) anos do prazo estipulado na atual Constituição, sem contar as delongas anteriores, sem que a União tenha dado efetividade ao mandamento constitucional no sentido de assegurar a propriedade coletiva aos povos indígenas e, ao cabo, uma vida digna a essas coletividades, que depende da terra para viver, pois, em regra, é seu único habitat, de onde retiram o sustento de suas famílias e se socializam.
Assim, a delonga na conclusão do processo administrativo de delimitação e demarcação da terra indígena transborda das margens limitantes do poder discricionário conferido à Administração Pública, exigindo-se a atuação do Poder Judiciário frente a patente violação dos princípios constitucionais, das normas supralegais e da legislação interna brasileira, quando se tenta justificar a delonga do processo administrativo se utilizando do poder discricionário para impedir o exercício de um direito elementar à vida dos povos indígenas.
Nesse sentido já decidiu a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no caso do Povo Xucuru, a qual o Brasil encontra-se sujeito desde 10 de dezembro de 1998 (p. 561/616). 94. A Comissão salientou que o direito à propriedade coletiva dos povos indígenas reveste características particulares pela especial relação desses povos com suas terras e territórios tradicionais, de cuja integridade depende sua própria sobrevivência como povo, sendo objeto de proteção jurídica internacional. O território indígena é uma forma de propriedade que não se fundamenta no reconhecimento oficial do Estado, mas no tradicional
uso e posse das terras e recursos.
(...)
118. No mesmo sentido, a Corte estabeleceu que a falta de uma delimitação e demarcação efetiva pelo Estado dos limites do território sobre os quais existe um direito de propriedade coletiva de um povo indígena pode criar um clima de incerteza permanente entre os membros dos referidos povos, porquanto não sabem com certeza até onde se estende geograficamente seu direito de propriedade coletiva e, consequentemente, desconhecem até onde podem usar os respectivos bens, e deles usufruir livremente.
119. A Corte também estabeleceu que, em atenção ao princípio de segurança jurídica, é necessário materializar os direitos territoriais dos povos indígenas mediante a adoção de medidas legislativas e administrativas para criar um mecanismo efetivo de delimitação, demarcação e titulação, que reconheça esses direitos na prática considerando que o reconhecimento dos direitos de propriedade coletiva indígena deve ser garantido por meio
da concessão de um título de propriedade formal, ou outra forma similar de reconhecimento estatal, que ofereça segurança jurídica à posse indígena da terra frente à ação de terceiros ou dos agentes do próprio Estado. Um reconhecimento meramente abstrato ou jurídico das terras, territórios ou recursos indígenas carece de sentido caso não se estabeleça, delimite e demarque fisicamente a propriedade. Ao mesmo tempo, essa demarcação e titulação deve se traduzir no efetivo uso e gozo pacífico da propriedade coletiva.
(...)
130. A jurisprudência deste Tribunal salientou em outros casos que os povos indígenas e tribais têm direito a que existam mecanismos administrativos efetivos e expeditos para proteger, garantir e promover seus direitos sobre os territórios indígenas, mediante os quais se possam levar a cabo os processos de reconhecimento, titulação, demarcação e delimitação de sua propriedade territorial. Os procedimentos mencionados devem cumprir as regras do devido processo legal consagradas nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana.
131. Juntamente com o acima exposto, a Corte reiterou que o direito de toda pessoa a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo perante os juízes ou tribunais competentes, que a ampare contra atos que violem seus direitos fundamentais, "constitui um dos pilares básicos, não só da Convenção Americana, mas do próprio Estado de Direito em uma sociedade democrática no sentido da Convenção". Além disso, no que diz respeito a povos indígenas e tribais, é indispensável que os Estados ofereçam uma proteção efetiva que leve em conta suas particularidades e suas características econômicas e sociais, além de sua situação de especial vulnerabilidade, seu direito consuetudinário, valores, usos e costumes.
(...)
135. A jurisprudência deste Tribunal considerou quatro elementos para determinar se se cumpriu ou não a garantia do prazo razoável, a saber: a) a complexidade do assunto; b) a atividade processual do interessado; c) a conduta das autoridades judiciais; e d) o dano provocado na situação jurídica da pessoa envolvida no processo. Do mesmo modo, o Tribunal julgou, em outras oportunidades, que compete ao Estado justificar, com fundamento nesses critérios, a razão pela qual necessitou do tempo transcorrido para considerar o caso.
136. Nesse sentido, a Corte considera que, conforme sua jurisprudência, a garantia de prazo razoável deve ser interpretada e aplicada com a finalidade de garantir as regras do devido processo legal consagrado no artigo 8º da Convenção Americana, em processos de natureza administrativa, ainda mais quando, por intermédio deles, se pretende proteger, garantir e promover os direitos sobre os territórios indígenas, mediante os quais se possam levar a cabo os processos de reconhecimento, titulação, demarcação e delimitação de sua propriedade territorial.
No caso, não se desconhece da complexidade do processo de demarcação de terras indígenas e da realidade dos entidades brasileiras, incluindo a FUNAI. Contudo, aplicando as variáveis que a Comissão Interamericana considerou para avaliar garantia da duração razoável do processo: i) a complexidade do assunto; ii) a atividade processual do interessado; iii) a conduta das autoridades judiciais; e iv) o dano provocado na situação jurídica da pessoa envolvida no processo, não há justificativa para a delonga de mais 28 anos no processo demarcatório das terras do Povo Jeripankó, senão a vontade clara dirigida a violar seus direitos.
Outrossim, o processo administrativo iniciou-se em 1993, então a desorganização administrativa provocada pela pandemia do coronavírus não é causa determinante para a mora administrativa.
No que toca a reserva do possível, constata-se uma transmutação de finalidade em sua aplicação no Brasil, pois divergente da ideia estabelecida na Alemanha onde surgiu, visto que lá a teoria é aplicada considerando-se a razoabilidade da pretensão perante a prestação de serviços e garantia de direitos pelo Estado; e aqui, considera-se viabilidade econômica do pedido.
Sensível a este desvirtuamento, (...) sustenta que a autêntica teoria da reserva do possível, a qual não se refere direta e unicamente à existência de recursos materiais suficientes para a concretização do direito social, mas à razoabilidade da pretensão deduzida com vistas a sua efetivação, acabou, no Brasil, tornando-se a teoria da reserva do financeiramente possível, na medida em que se considerou como limite absoluto à efetivação de direitos fundamentais sociais (i) a suficiência de recursos públicos e (ii) a previsão orçamentária da respectiva despesa.
Não obstante a teoria da reserva do possível no Brasil ter sido direcionada ao viés econômico, o Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE 410.715-AgR/SP, em decisão de 22 de novembro de 2005, através de voto do ministro Celso de Mello, reconheceu que o princípio da reserva do possível não poderá ser invocado para inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.
Assim, não se pode conceber o exaurimento de direito basilar dos Povos Indígenas sob a alegação do princípio da reserva do possível para justificar a omissão da Administração Pública, sob o risco de negar normatividade jurídica ao próprio texto constitucional e as normas pertinentes ao caos em apreço. Inclusive, perpetuação desse cenário torna o povo indígena ainda mais vulnerável ante a insegurança territorial e social de seu povo sem território definido, o que favorece a dispersão dos membros e a desagregação de famílias, como narrado na peça vestibular.
Neste cenário, portanto, restou demonstrada a omissão/negligência da FUNAI e da União em garantir direito fundamental assegurado constitucionalmente, como à garantia a duração razoável do processo e à proteção aos povos indígenas, sendo, portanto, dever do Poder Judiciário compelir o poder público à execução de políticas governamentais a garantir o exercício desses direitos.
Do atendimento (ou não) às normas da LINDB
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro dispõe que "nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos, sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão (art. 20, caput).
Como já exaustivamente fundamentado e demonstrado, a demanda em questão trata da excessiva mora na conclusão de processo de demarcação de terra indígena, o que tem o condão de, por si só, de violar direitos básicos da coletividade indígena.
Assim, dentro de um prazo razoável, é viável a execução das medidas pretendidas para finalização do processo de demarcação, sobretudo quando já existem estudos de identificação e delimitação realizados no bojo do processo administrativo de demarcação da terra indígena do Povo Jeripankó.
Considerando que as fases do procedimento de demarcação são de responsabilidade ora da FUNAI, ora da União, estabeleço os seguintes prazos para a conclusão de cada uma das fases previstas no Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996:
a) Prazo de 18 meses para conclusão da 1ª fase do processo, de responsabilidade da FUNAI, e remessa do procedimento à fase subsequente;
b) Prazo de 6 meses para conclusão da 2ª fase do processo, de responsabilidade da União, e remessa do procedimento à fase subsequente;
c) Prazo de 6 meses para conclusão da 3ª fase do processo, de responsabilidade da União, e remessa do procedimento à fase subsequente;
d) Prazo de 6 meses para conclusão da 4ª fase do processo, de responsabilidade da União, e remessa do procedimento à fase subsequente;
e) Prazo de 6 meses para conclusão da 5ª fase do processo, de responsabilidade da União, e remessa do procedimento à fase subsequente;
f) Prazo de 6 meses para análise e julgamento de eventuais recursos interpostos no referido procedimento;
Registre-se que a manifestação meritória negativa na fase antecedente desobriga os réus de dar seguimento ao processo nas etapas subsequentes, salvo provimento de recurso.
Aliás, quanto à possibilidade de o Poder Judiciário estabelecer prazos para o processamento do iter de demarcação de terras indígenas, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSOS ESPECIAIS. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. FIXAÇÃO DE PRAZO RAZOÁVEL PARA O ENCERRAMENTO DO PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO. POSSIBILIDADE. 1. Não viola o art. 535 do CPC, tampouco nega a prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia. 2. O aresto atacado abordou todas as questões necessárias à integral solução da lide, concluindo, no entanto, que é possível a fixação, pelo Poder Judiciário, de prazo razoável para que o Poder Executivo proceda à demarcação de todas as terras indígenas dos índios (...). 3. A demarcação de terras indígenas é precedida de processo administrativo, por intermédio do qual são realizados diversos estudos de natureza etno-histórica, antropológica, sociológica, jurídica, cartográfica e ambiental, necessários à comprovação de que a área a ser demarcada constitui terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. O procedimento de demarcação de terras indígenas é constituído de diversas fases, definidas, atualmente, no art. 2º do Decreto 1.775/96. 4. Trata-se de procedimento de alta complexidade, que demanda considerável quantidade de tempo e recursos diversos para atingir os seus objetivos. Entretanto, as autoridades envolvidas no processo de demarcação, conquanto não estejam estritamente vinculadas aos prazos definidos na referida norma, não podem permitir que o excesso de tempo para o seu desfecho acabe por restringir o direito que se busca assegurar. 5. Ademais, o inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, incluído pela EC 45/2004, garante a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. 6. Hipótese em que a demora excessiva na conclusão do procedimento de demarcação da Terra (...) está bem evidenciada, tendo em vista que já se passaram mais de dez anos do início do processo de demarcação, não havendo, no entanto, segundo a documentação existente nos autos, nenhuma perspectiva para o seu encerramento. 7. Em tais circunstâncias, tem-se admitido a intervenção do Poder Judiciário, ainda que se trate de ato administrativo discricionário relacionado à implementação de políticas públicas. 8. "A discricionariedade administrativa é um dever posto ao administrador para que, na multiplicidade das situações fáticas, seja encontrada, dentre as diversas soluções possíveis, a que melhor atenda à finalidade legal. O grau de liberdade inicialmente conferido em abstrato pela norma pode afunilar-se diante do caso concreto, ou até mesmo desaparecer, de modo que o ato administrativo, que inicialmente demandaria um juízo discricionário, pode se reverter em ato cuja atuação do administrador esteja vinculada. Neste caso, a interferência do Poder Judiciário não resultará em ofensa ao princípio da separação dos Poderes, mas restauração da ordem jurídica." (REsp 879.188/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 2.6.2009) 9. Registra-se, ainda, que é por demais razoável o prazo concedido pelo magistrado de primeiro grau de jurisdição para o cumprimento da obrigação de fazer ? consistente em identificar e demarcar todas as terras indígenas dos índios (...) situadas nos municípios pertencentes à jurisdição da Subseção Judiciária de Joinville/SC, nos termos do Decreto 1.775/96, ou, na eventualidade de se concluir pela inexistência de tradicionalidade das terras atualmente ocupadas pelas comunidades de índios (...) na referida região, em criar reservas indígenas, na forma dos arts. 26 e 27 da Lei 6.001/73 ?, sobretudo se se considerar que tal prazo (vinte e quatro meses) somente começará a ser contado a partir do trânsito em julgado da sentença proferida no presente feito. 10. A questão envolvendo eventual violação de preceitos contidos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi examinada pela Corte de origem, carecendo a matéria, portanto, do indispensável prequestionamento. 11. Recursos especiais parcialmente conhecidos e, nessas partes, desprovidos. (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1114012 2009.00.82547-8, DENISE ARRUDA, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:01/12/2009 ..DTPB:.
Diante deste cenário, portanto resta demonstrada a violação à garantia da duração razoável do processo, sendo imperiosa a procedência dos pedidos declinados na exordial". 5. O legislador constituinte foi expresso ao dispor que "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente" (CF, art. 231, §2º). A delimitação, por outro lado, não se verifica somente em virtude da ocupação física dos índios ou de seus aldeamentos, mas, notadamente, em virtude de suas necessidades vitais, culturais e de sua singular relação com a terra que ocupam. 6. Determinou o legislador, ademais, que "a União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição"(CRFB/88, ADCT, art. 67). Esse prazo, todavia, já foi declarado como programático pelo Supremo Tribunal Federal. 7. A demarcação das terras indígenas, na seara infraconstitucional, é regida pela Lei Federal 6.001/1973 e regulamentada pelo Decreto 1.775/1996, instrumentos normativos, outrossim, que foram declarados constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. 8. No caso, o processo administrativo de delimitação e demarcação das terras indígenas do Povo Jeripankó fora autuado em 15/07/1993, a partir da apresentação do relatório dos trabalhos de identificação e delimitação da Aldeia Indígena de "Geripankó" de 18/12/1992 9. A despeito de não haver dúvidas quanto à importância da pretensão perseguida pelo Ministério Público Federal na presente ação civil pública, resta incompatível com a realidade administrativa e a compreensão que tenho do Direito a fixação de prazos para que a autarquia federal, Fundação Nacional do Índio - FUNAI, conclua as diversas fases dos procedimentos administrativos de identificação e reconhecimento das terras pertencentes à Comunidade Indígena do Povo Jeripankó, Baixo Moxotó, localizada no Município de Pariconha/AL. 10. A decisão de implementá-los é matéria inserida no âmbito do poder discricionário da Administração. Daí que, sabe-se bem, ao Poder Judiciário não cabe substituir os Poderes Legislativo e Executivo no exercício de atribuições que lhes são próprias e indelegáveis, sob pena de vulnerar o princípio da separação dos poderes, de base constitucional. 11. Como quer que seja, ainda que se admitisse o acolhimento da medida postulada pelo Ministério Público em sua petição inicial, também não andou bem o decisum vergastado, dado que obriga a Funai a cumprir a obrigação em prazo incompatível com a complexidade do procedimento. É que, realizar tais ações resulta em procedimento complexo e de custo elevado, não se limitando a aspectos jurídicos, mas devem ser analisados aspectos cartográficos, ambientais, sociológicos, étnicos, históricos, dentre outros. Tanto assim é que o Decreto 1.775/21996 prevê um procedimento longo, contabilizando cinco etapas para a finalização e concreção do reconhecimento da área como território indígena, de maneira que se exige um lapso de tempo considerável até a conclusão de todo o procedimento. 12. Por melhor que pareça a iniciativa, não é possível ao Judiciário, desconhecedor das carências da Administração Pública e dos recursos financeiros de que o Administrador dispõe, impor à FUNAI/União a obrigação de executar a medida postulada pelo Parquet Federal, máxime no exíguo prazo de 24 (vinte e quatro) meses. Logo, decidiu com desacerto o juízo de primeiro grau de jurisdição, devendo, pois, ser reformada a sentença. 13. Remessa oficial e apelações providas. Improcedência do pedido. Sem honorários advocatícios.
pc
(TRF-5, PROCESSO: 08004391420214058003, APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 11/10/2022)
Acórdão em APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA |
11/10/2022
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