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Art. 20. Em caráter excepcional e por qualquer dos motivos adiante enumerados, poderá a União intervir, se não houver solução alternativa, em área indígena, determinada a providência por decreto do Presidente da República.
1º A intervenção poderá ser decretada:
a) para pôr termo à luta entre grupos tribais;
b) para combater graves surtos epidêmicos, que possam acarretar o extermínio da comunidade indígena, ou qualquer mal que ponha em risco a integridade do silvícola ou do grupo tribal;
c) por imposição da segurança nacional;
d) para a realização de obras públicas que interessem ao desenvolvimento nacional;
e) para reprimir a turbação ou esbulho em larga escala;
f) para a exploração de riquezas do subsolo de relevante interesse para a segurança e o desenvolvimento nacional.
2º A intervenção executar-se-á nas condições estipuladas no decreto e sempre por meios suasórios, dela podendo resultar, segundo a gravidade do fato, uma ou algumas das medidas seguintes:
a) contenção de hostilidades, evitando-se o emprego de força contra os índios;
b) deslocamento temporário de grupos tribais de uma para outra área;
c) remoção de grupos tribais de uma para outra área.
3º Somente caberá a remoção de grupo tribal quando de todo impossível ou desaconselhável a sua permanência na área sob intervenção, destinando-se à comunidade indígena removida área equivalente à anterior, inclusive quanto às condições ecológicas.
4º A comunidade indígena removida será integralmente ressarcida dos prejuízos decorrentes da remoção.
5º O ato de intervenção terá a assistência direta do órgão federal que exercita a tutela do índio.
Art. 21 oculto » exibir Artigo
Jurisprudências atuais que citam Artigo 20
STJ
EMENTA:
PROCESSUAL E ADMINISTATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AQUISIÇÃO E DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE AS ETNIAS KARIRI-XOCÓ E FULKAXÓ. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE.
CONSTITUIÇÃO DE RESERVA INDÍGENA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONCLUSÃO. DEMORA EXCESSIVA. INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES. PRAZO. TEMPO SUFICIENTE.
1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas
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...até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2).2. Não há violação do art. 535 do CPC/1973 quando o Tribunal a quo, no acórdão impugnado, aprecia fundamentadamente a controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, ainda que em sentido contrário à pretensão recursal.3. Quanto à alegação de ilegitimidade passiva da União, verifica-se que a controvérsia foi dirimida pelo Tribunal de origem sob enfoque eminentemente constitucional (art. 231 da CF/88), competindo ao Supremo Tribunal Federal a revisão da matéria, sob pena de usurpação de competência prevista no art. 102 da Carta Magna.4. Hipótese em que a União e a Fundação Nacional do Índio - FUNAI foram condenadas, na ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal, a concluir o Processo Administrativo instaurado pelo Grupo Indígena Fulkaxó, no prazo de 4 (quatro) meses, a contar da intimação da sentença, bem como a destinar área à posse e ocupação dessa tribo, no prazo de 1 (um) ano, a partir do trânsito em julgado, na forma do art. 26 da Lei n. 6.001/1973, ante a impossibilidade de convivência pacífica com os índios da etnia Kariri-Xocó (de quem os primeiros se originam), nas terras originariamente demarcadas pela administração pública.5. Os conflitos entre as etnias decorrem da insuficiência de terras e da discriminação sofrida pelas famílias que se identificam como Fulkaxó por parte da Tribo Kariri-Xocó e de lideranças políticas, notadamente quanto à distribuição de lotes destinados à comunidade e à partilha de recursos ou benefícios adquiridos para toda a aldeia e a outras desavenças relacionadas às decisões políticas, costumes e tradições desses povos indígenas.6. O Tribunal de origem, soberano na análise da circunstâncias fáticas da causa, concluiu pela necessidade de disponibilização ou aquisição imediata de terras para os Fulkaxó, ante a existência de conflito irreversível com o grupo ou com núcleos familiares da etnia Kariri-Xocó, que habitam o mesmo território indígena, notadamente para que aqueles se livrem da discriminação e de alegadas ameaças de mortes, bem como para que se viabilize sua sobrevivência física e cultural de acordo com seus usos, costumes e tradições.7. Infirmar o entendimento alcançado pela Corte de origem, a fim de acolher as teses suscitadas pelos recorrentes, especificamente a de que os conflitos existentes entre as referidas tribos não as impedem de ocupar o mesmo território, demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é inviável na via de recurso especial, em face da Súmula 7 do STJ.8. Os presentes autos não tratam das terras indígenas tradicionais, vale dizer, aquelas cuja posse os índios exercem de forma imemorial, com base nas regras do art. 231 da Constituição Federal - tema submetido à repercussão geral no STF (RE 1.017.366/DF: Tese 1031) -, tampouco sobre o processo administrativo de demarcação e ampliação das terras indígenas Kariri-Xokó, matéria objeto de outra ação ordinária, que se encontra suspensa por determinação da Corte a quo.9. Segundo a legislação de regência, as reservas indígenas poderão ser instituídas em propriedade da União, bem como ser adquiridas mediante compra, doação de terceiros ou desapropriação, na eventualidade de não se verificar a tradicionalidade da ocupação indígena ou se constatar a insuficiência de terra demarcada, sendo possível, ainda, a intervenção do ente federal em terra indígena para a resolução de casos excepcionais, como os de conflito interno irreversível entre grupos tribais, conforme disciplina o art. 20, § 1º, "a", da Lei n. 6.001/1973.10. Não há como afastar, na via estreita do recurso especial, a conclusão das instâncias ordinárias quanto à necessidade de adoção de providência urgente para a solução dos problemas mencionados, nem afirmar que a ampliação da Terra Indígena dos Kariri-Xocó, cujo processo se encontra sobrestado por decisão judicial, resolverá os conflitos existentes entre as etnias, que perduram desde o ano de 2006 e não se restringem à disputa de terras, mas envolvem também questões políticas e culturais.11. Não procede o argumento de ingerência indevida do Poder Judiciário nas diretrizes de políticas públicas, notadamente quando se cuida de reconhecer a omissão estatal na adoção de providências específicas (arts. 26 e 27 da
Lei n. 6.001/1973) para a concretização de direitos constitucionais dos indígenas (
art. 231 da
CF/88).
12. Embora se reconheça a complexidade do procedimento de criação de reservas indígenas, o prazo estabelecido para a União e a Funai - até 12 (doze) meses após o trânsito em julgado da sentença condenatória - justifica-se pela urgência da solução dos conflitos, sendo o tempo suficiente para que a administração pública faça o planejamento financeiro e orçamentário dos gastos com a regularização fundiária.
13. Recursos especiais parcialmente conhecidos e, nessa extensão, desprovidos.
(STJ, REsp n. 1.623.873/SE, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 28/4/2022.)
Acórdão em AÇÃO CIVIL PÚBLICA |
28/04/2022
TRF-4
EMENTA:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO INTERNO. OCUPAÇÃO DE IMÓVEL POR INDÍGENAS.
ART. 1.015 DO
CPC. TAXATIVIDADE DO ROL. UNIÃO. INTERESSE. LEGITIMIDADE.
I. É questionável o cabimento do agravo de instrumento, uma vez que (a) a questão suscitada pela agravante não se enquadra no rol previsto no
artigo 1.015 do
CPC (que admite a impugnação, por essa via recursal, somente de decisão que exclui litisconsorte (
inciso VII)), e (b) não há risco de inutilidade de sua apreciação somente
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...em sede de apelação (tema n.º 988 do Superior Tribunal de Justiça), nem de eventual preclusão da matéria.
II. Quanto à alegação da União de que o(a) autor(a) não declinou, na petição inicial, causa de pedir ou pedido contra si (artigo 330, inciso I e § 1.º, inciso I, do Código de Processo Civil), verifica-se que houve, ao menos, pedido de intimação da agravante e da FUNAI como terceiros interessados, não se podendo ignorar os brocardos iura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus.
III. É pacífico, no âmbito deste Tribunal, o entendimento segundo qual o ente federal tem legitimidade para integrar o polo passivo de ação em que se discute posse sobre área ocupada por comunidade indígena. Isso porque, por força de mandamento constitucional, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios lhe pertencem (artigo 20, inciso XI), competindo-lhe demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (artigo 231, caput).
IV. De acordo com o artigo 36 da Lei n.º 6.001/1973, a União também possui legitimidade passiva ad causam em demanda possessória, a despeito de (a) a assistência à comunidade indígena ser prestada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas - FUNAI, entidade com personalidade jurídica própria, autonomia administrativa e financeira, competente para estabelecer e executar a política indigenista, em consonância com o disposto na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional (Decreto n.º 4.645/2003 - hoje substituído pelo Decreto n.º 9.010/2017; Decreto-Lei n.º 200/1967;
Lei n.º 5.371/1967; Lei n.º 6.001/1973), e (b) extinto o regime tutelar, não ter, a União, qualquer ingerência sobre o comportamento ou atos praticados por indígenas.
V. Não se pode presumir, nesta fase processual, que será proferida decisão extra petita (
artigos 141,
490,
492 e
557, todos do
CPC, e
artigo 1.210,
§ 2º, do
Código Civil).
(TRF-4, AG 5012234-37.2024.4.04.0000, Relator(a): VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, QUARTA TURMA, Julgado em: 14/08/2024, Publicado em: 15/08/2024)
Acórdão em AGRAVO DE INSTRUMENTO |
15/08/2024
TRF-1
EMENTA:
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. COMUNIDADE INDÍGENA TERENA. MIGRAÇÃO DA ÁREA INDÍGENA BURITI/MS PARA RONDONÓPOLIS/MT. AUMENTO POPULACIONAL. CRESCIMENTO DA EXPLORAÇÃO AGROPECUÁRIA. GARANTIA DA SOBREVIVÊNCIA E DA REPRODUÇÃO FÍSICA E CULTURAL. DESTINAÇÃO DA GLEBA IRIRI. INSUFICIÊNCIA. NECESSIDADE DA REGULARIZAÇÃO DA PORÇÃO DE TERRAS RELATIVA À GLEBA JARINÃ, SITUADA NO ESTADO DE MATO GROSSO. GARANTIA DOS DIREITOS INDÍGENAS.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL,
ART. 231. RESPONSABILIDADE DA FUNAI. MOROSIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS INTERESSADOS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. INTERESSE DE AGIR. PRELIMINARES REJEITADAS. MANUTENÇÃO
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...DA SENTENÇA. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal com o objetivo de condenar a FUNAI na obrigação de fazer consistente em disponibilizar uma área na região sul do Estado de Mato Grosso à Comunidade Indígena Terena, bem como ao pagamento de indenização por danos morais e materiais em valor necessário à aquisição de terras, tendo em vista o movimento migratório de alguns integrantes das suas terras tradicionalmente ocupadas no Estado de Mato Grosso do Sul devido às precárias condições de vida e ao aumento populacional. 2. Na origem, o pedido foi julgado procedente tendo a sentença determinado à FUNAI, ora apelante, a adoção das providências necessárias à regularização da porção de terras relativa à Gleba Jarinã, localizada na região sul do Estado de Mato Grosso, para destinar à Comunidade Indígena Terena a totalidade anteriormente ofertada de 52.200.000 hectares, condenando-a, também, ao pagamento de indenização por danos morais, fixada no valor de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). 3. O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade processual das comunidades indígenas nos processos que lhes digam respeito: ...os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses. Isso em decorrência de todo o arcabouço constitucional, que retirou os indígenas de uma esfera protetiva-diminutiva de suas capacidades, e reconheceu-lhes, dentro de uma noção plural de sociedade que pretendeu regular, a mesma capacidade conferida aos demais cidadãos brasileiros na defesa de seus direitos. (STF, ACO 1100 TPI/SC, relator Ministro EDSON FACHIN, Julgamento: 20/02/2020; DJe 039 Divulg 21/02/2020; Public 26/02/2020). 4. In casu, é indubitável o interesse no resultado da ação por parte do Instituto Ambiental Augusto Leverger IAAL, que atua em projetos aplicados à defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos direitos humanos e dos povos, especialmente de povos indígenas e populações tradicionais e por parte das próprias lideranças indígenas relacionadas nos autos, na medida em que suas terras e suas atividades de cunho econômico, social e cultural foram afetadas pela ausência de atuação concreta e eficaz da FUNAI no sentido de reconhecer o crescimento populacional dessa etnia, o que inviabilizou a permanência nas terras tradicionalmente ocupadas que historicamente vêm sendo expropriadas, culminando na migração dos integrantes da comunidade Terena. Admissão do IAAL na condição de assistente litisconsorcial do Ministério Público Federal, nos termos do art. 124 do CPC, apanhando o processo no estado em que se encontra. 5. Reinterpretando o princípio da congruência nas ações civis públicas, conclui-se pela possibilidade de o juiz deferir providência jurisdicional diversa (inclusive quanto à natureza) da postulada, bem como conceder resultado não requerido expressamente. No caso dos autos, como bem consignado pelo Ministério Público Federal no curso do processo discutiu-se qual área seria a mais indicada para a constituição total da reserva indígena aos Terena, como complementação da Gleba Iriri, a porção ao sul desta área ou a Gleba Jarinã, restando patente o reconhecimento jurídico do pedido quanto à aquisição e destinação de uma área à comunidade e os termos em que ficou acordado, assim como a não ocorrência da perda de objeto da ação. A destinação da Gleba Iriri e da Gleba Jarinã partiu da própria FUNAI e tratou-se de obrigação assumida administrativamente, a qual apenas foi referendada pelo Juízo de origem. Preliminar de violação ao princípio da congruência rejeitada. 6. Não merece prosperar a preliminar de ausência de interesse de agir ao argumento de que a aceitação de parte das terras ofertadas atendeu por completo o pedido inicial, sendo ilógico o aumento da área baseado na necessidade de melhoria da agricultura e pecuária, na medida em que, na espécie, o objeto da lide é a perfeita execução dos direitos já consagrados e regulamentados pelas normas jurídicas, afigurando-se adequada a utilização da ação civil pública para a garantia a áreas de terras com limites compatíveis com a característica agricultora e expansionista dos Terenas, cuja escassez e crescimento populacional acabaram acarretando na busca por novos espaços, tendo na migração de Mato Grosso do Sul/MS para Mato Grosso/MT, a forma de resolução de conflitos, a abertura à exterioridade, para alianças e negociações realizadas dentro da lógica socioculturural daquela comunidade indígena. Preliminar rejeitada. 7. No mérito, o art. 231 da Constituição Federal consagra que são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. 8. A Lei n. 6.001/73 (Estatuto do Índio) em seu art. 26 dispõe acerca da destinação de terras ao povo indígena, independentemente da posse imemorial: A União poderá estabelecer, em qualquer parte do território nacional, áreas destinadas à posse e ocupação pelos índios, onde possam viver e obter meios de subsistência, com direito ao usufruto e utilização das riquezas naturais dos bens nelas existentes, respeitadas as restrições legais. Parágrafo único - as áreas reservadas na forma deste Artigo não se confundem com as de posse imemorial das tribos indígenas, (...); 9. Tanto a legislação como a jurisprudência mais atual permitem intervenções estatais na medida em que as reservas indígenas poderão ser instituídas em propriedade da União, bem como adquiridas mediante compra, doação de terceiros ou desapropriação, na eventualidade de não se verificar a tradicionalidade da ocupação indígena ou se constatar a insuficiência de terra demarcada, sendo possível, ainda, a intervenção do ente federal em terra indígena para a resolução de casos excepcionais, como os de conflito interno irreversível entre grupos tribais, conforme disciplina o art. 20, § 1º, "a", da Lei n. 6.001/1973. Precedentes declinados no voto. 10. No caso dos autos, observa-se que a comunidade indígena Terena percorreu tormentosa trajetória em busca da destinação de terras para o seu povo que sofria com a escassez de espaço físico em sua terra de origem, até se fixarem nas terras que atualmente ocupam, denominadas de Glebas Iriri (com 30.479,1363 ha, cujo titular de domínio é a União), mas objetivam, ainda, a inserção da Gleba Jarinã (com 21.747,4880 ha, cujo titular de domínio é o INCRA/MT), situadas nas proximidades dos municípios de Matupá e Peixoto de Azevedo/MT. 11. Segundo o laudo antropológico produzido no curso do presente processo No estudo da situação colonial vivida pelos Terena, as relações de dominação e subordinação se configuraram em um processo implacável de expropriação territorial dessa sociedade indígena. Associou-se a esse processo a ideologia da aculturação e a política integracionista do Estado brasileiro, que tinha como substrato a concepção evolucionista do mundo. Esse complexo teórico, político e ideológico sustentou e ainda tem sustentado discursos e práticas que negam arbitrariamente a identidade indígena de centenas de pessoas Terena impossibilitadas de desenvolver-se física, cultural e economicamente em áreas indígenas tão reduzidas quanto as de Mato Grosso do Sul. 12. Prossegue o antropólogo: (...)os Terena, em face do esgotamento das condições de vida, em suas áreas demarcadas naquele Estado, continuaram emigrando e se autoafirmando como indígenas onde quer que estejam. Em 1982 um grupo deles migrou da A.I. Buriti (localizada no município de Aquidauana-MS) para o Mato Grosso porque a concentração populacional na área inviabilizava a produção agrícola e condições mínimas de sobrevivência. Além disso, parte daquelas terras indígenas estava invadida por fazendeiros, ressaltando que segundo dados do Departamento de Identificação e Delimitação de Terras Indígenas da própria FUNAI, existem 12 (doze) áreas Indígenas Terena em Mato Grosso do Sul, sendo que todas apresentam problemas de invasão por não-índios e superpopulação. Além disso, há grupos Terena residindo em terras indígenas de outras sociedades, tais como os Guarany nos estados de Mato Grosso do Sul e São Paulo. Isto demonstra que o deslocamento para o Mato Grosso não foi um fato isolado, faz parte de um processo de expropriação que atinge inexoravelmente essa sociedade indígena. Após traçar um quadro da situação de todas as comunidades Terena do País, o laudo antropológico judicial aponta que nenhuma Terra Indigena Terena em Mato Grosso do Sul está livre de invasão. Todas têm processos na Justiça ou sofreram redução de área nos últimos cem anos. Foi assim que os Terena foram sendo confinados em pequenas áreas, sujeitando-se ao trabalho em fazendas da região ou mudaram-se para a periferia das cidades. 13. Conclui o referido laudo que O quadro das terras indígenas Terena em Mato Grosso do Sul reflete a situação a que foi submetida a população indígena naquele Estado, onde várias levas de migrantes de outras regiões do país se instalaram, movidas por políticas governamentais de ocupação de novas fronteiras, somadas às oligarquias rurais locais, aliadas a empresas agropecuárias nacionais, com financiamento e proteção do Estado, que expropriaram de forma brutal as populações indígenas e que O deslocamento de um Grupo Terena para a região de Rondonópolis-MT obedeceu a mesma lógica de seus antepassados, conforme nos demonstra a história com o esgotamento das possibilidades de sobrevivência fisica e sócio-cultural ocorre a imigração de um grupo. Tal lógica Terena serve de justificativa para legitimar o Grupo em Mato Grosso e justificar a aquisição, pelo Estado, de uma área de terras para eles. 14. O laudo antropológico demonstra a situação de vulnerabilidade vivenciada pela comunidade indígena em comento, que constitui uma das maiores do país vivendo em território descontínuo, fragmentado em pequenas porções de terra ladeadas por fazendas, expondo não somente o processo de expropriação, mas também as condições de vida devido à superpopulação característica desse grupo étnico. 15. Como bem consignado no parecer da Procuradoria Regional da República da 1ª Região, a inércia da Autarquia Indigenista em destinar área para a Comunidade Indígena da etnia Terena acarretou evidente lesão aos interesses transindividuais daquela coletividade, restando fartamente demostrada a falta de assistência pelos órgãos responsáveis e toda a sorte de circunstâncias de vulnerabilidade e gravidade a que se submeteram o povo Terena ao longo desses anos, tais como, a falta de um território para sua reprodução física e cultural (descaracterizador sociológico), as condições desumanas em que viveram em acampamentos na periferia de Rondonópolis, o não reconhecimento da identidade étnica do grupo, os óbitos de membros da comunidade em razão da precariedade das condições degradantes da saúde, moradia, alimentação e demais direitos básicos e mínimos existenciais. 16. Sendo o órgão indigenista oficial responsável pela promoção e proteção aos direitos dos povos indígenas de todo o território nacional, não há como dissociar o dever de garantir a principal demanda da vida indígena, que é a terra, vista como condição fundamental para a continuidade da vida e saúde, reprodução social, autodeterminação, para preservação de sua cultura e garantia da sua pluralidade étnica, sendo, no caso, a regularização das glebas destinadas aos Terena de extrema importância para a manutenção dos modos de vida e de sobrevivência da comunidade. 17. O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de que Segundo a legislação de regência, as reservas indígenas poderão ser instituídas em propriedade da União, bem como ser adquiridas mediante compra, doação de terceiros ou desapropriação, na eventualidade de não se verificar a tradicionalidade da ocupação indígena ou se constatar a insuficiência de terra demarcada, sendo possível, ainda, a intervenção do ente federal em terra indígena para a resolução de casos excepcionais, como os de conflito interno irreversível entre grupos tribais, conforme disciplina o art. 20, § 1º, "a", da Lei n. 6.001/1973. (REsp n. 1.623.873/SE, relator Ministro GURGEL DE FARIA, Primeira Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 28/4/2022.) 18. O Estatuto do Índio, Lei n. 6.001/1973 em seu art. 20, §§ 3º e 4º estabelece, inclusive, a possibilidade de § 3º(...)remoção de grupos tribais de uma para outra área quando de todo impossível ou desaconselhável a sua permanência na área sob intervenção, destinando-se à comunidade indígena removida área equivalente à anterior, inclusive quanto às condições ecológicas. § 4º A comunidade indígena removida será integralmente ressarcida dos prejuízos decorrentes da remoção. 19. Com efeito, a Constituição Federal reconhece as terras indígenas como um complexo de direitos originários que consagram uma relação jurídica fundada na figura do indigenato, tradicional instituto com raízes nos tempos da Colônia, sob a premissa de que, nas terras outorgadas a particulares, seria sempre reservado o direito dos índios, naturais senhores dessas terras e titulares de posse histórica e imemorial. 20. A questão posta nos autos não versa sobre terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, e sim sobre o dever de garantia à demarcação e a proteção de glebas de onde os índios extraem a sua sobrevivência e exercem suas atividades, sua reprodução física e cultural, mesmo que não as ocupe pela tradicionalidade. 21. Tratativas infrutíferas culminaram no ajuizamento da presente ação civil pública, a fim de conferir a devida tutela à comunidade indígena Terena e definitivamente buscar a solução efetiva ante a inconcebível e aviltante peregrinação sofrida pela etnia que ficou à mercê da ineficiência da parte ré, circunstância que, evidentemente acarretou em lesão aos interesses transindividuais daquela coletividade, claramente comprovada pelo conjunto probatório constante dos autos, especialmente pela perícia antropológica, sobressaindo a patente conduta de omissão e negligência, o que atrai a condenação à reparação moral e material. 22. Na hipótese, forçoso concluir que embora a FUNAI tenha envidado esforços na realização do procedimento de regularização das áreas em comento e alocação do povo Terena, o processo como um todo não fora efetivamente concluído extrapolando o prazo constitucional para a finalização de providências com tal finalidade (art. 67 ADCT), eis que transcorridos mais de 20 (vinte) anos. 23. Não tendo a FUNAI concluído o processo de regularização de terras que abriguem a comunidade indígena TERENA, há que se reconhecer, na espécie, a flagrante, injustificada e inaceitável inércia do referido órgão em concluir a regularização das terras e a alocação da comunidade indígena, em manifesta violação ao princípio da razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal). 24. Corrobora tal afirmação o relatório de vistoria executada pela própria FUNAI, realizada em julho de 2004, que concluiu que o quadro realmente se configura como de natureza emergencial. Todo um resultado até aqui obtido, através de articulações interinstitucionais, num determinado e raro momento histórico, corre o risco de acabar prejudicada em face de uma inegável falta de presença do INCRA e principalmente do órgão indigenista, no momento em que mais se fazia necessário. Ainda que se possa criticar alguns procedimentos dos Terena, (...) não se pode negar o fato de que lhes faltou um acompanhamento estrutural administrativo adequado, à altura da envergadura e importância dos objetivos. 25. A inércia do Poder Público autoriza a atuação do Poder Judiciário, para suprir-se essa omissão, não havendo que se falar em violação da separação de poderes ou em reserva do possível, na linha da orientação jurisprudencial de nossos tribunais sobre a matéria, sendo inadmissível a omissão quanto à adoção das medidas protetivas à referida comunidade indígena, considerando-se a essencialidade do bem pretendido, impondo-se, na espécie, a intervenção do Poder Judiciário para assegurar o direito à regularização das terras que ocupam e que se encontram constitucionalmente tuteladas (art. 5º, inciso XXXV e art. 231, caput e parágrafos 1º e 2º da Constituição Federal). 26. Não merecem acolhimento as alegações de ausência de demonstração dos danos morais e materiais sofridos pela comunidade indígena Terena, uma vez que o conjunto probatório dos autos atesta os danos sofridos, como expropriações e discriminação havidas durante anos, pois que forçados a saírem de suas terras tradicionais, por ausência completa de condições dignas de sobrevivência. 27. O Estado não garantiu terras para aquela comunidade e não possibilitou sua expansão, diante do evidente crescimento demográfico daquela sociedade indígena, cuja população é uma das maiores do Brasil, sendo que, no caso, a escassez territorial assume um aspecto ainda mais relevante quando se trata dos Terena, visto que são tradicionalmente agricultores. 28. Estando sobejamente demonstrada a omissão do Estado, por meio de sua autarquia indigenista, em relação ao dever de garantir o espaço necessário à sobrevivência do grupo indígena Terena e, considerando que o povo da etnia fora impedido de utilizar suas terras tradicionais por vários anos, deixando assim de usufruir da posse exclusiva de suas terras e de ter acesso irrestrito ao usufruto de seus recursos naturais, clara está a responsabilidade pelos danos materiais, referindo-se aos benefícios que a comunidade indígena deixou de obter em consequência da lesão, impondo-se a regularização da área de 21.700,0000 hectares à reserva indígena, de modo que se lhes destine a totalidade ofertada (52.200.000 hectares), consoante consignado na sentença recorrida. 29. No âmbito coletivo, o valor diretamente fora violado foi a honra, um valor coletivo de consideração social, com sentimento e consciência da própria dignidade pessoal no meio da comunidade em que se vive. Nesse quadro, o pedido de indenização por danos morais se credencia plenamente. 30. É evidente que as constantes migrações da comunidade indígena representam um prejuízo por si só. Os índios sofreram uma perda irreparável por terem sido afastados do seu habitat. Essa circunstância por si só é danosa. 31. O acolhimento do respectivo pedido também se justifica, na medida em que a flagrante omissão do Poder Público em dar cumprimento à garantia constitucional, com a alocação definitiva do povo indígena que migrou para a região de Mato Grosso, violou o patrimônio valorativo dessa comunidade, ou seja, feriu sua própria cultura, em seu aspecto imaterial, uma vez que está impedida de exercer plenamente seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. 32. Em tais casos, o dano moral não corresponde necessariamente à dor moral ou ao sofrimento psíquico, mas está relacionado à lesão à ordem jurídica, vale dizer, representa a violação por ação ou omissão do infrator a interesses coletivos legalmente tutelados, o que é o caso dos autos. 33. Sem reparos, portanto, a sentença que determinou a adoção de providências necessárias à regularização da porção de terras relativa à Gleba Jarinã, localizada na região sul do Estado de Mato Grosso, de modo que seja destinada à Comunidade Indígena Terena a totalidade ofertada de 52.200.000 hectares e condenou a autarquia ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). 34. Apelação da FUNAI desprovida e remessa oficial tida por interposta provida, apenas para consignar que os valores arbitrados a título de danos morais deverão ser destinados a conta bancária de fundo gerido por associação ou qualquer outro tipo de pessoa jurídica constituída pelo povo Terena, e deverão ser gastos em projetos específicos elaborados pelo povo, que beneficiem a coletividade, tudo sob ficalização do MPF, o qual deverá opinar e acompanhar tanto a fase de elaboração dos projetos, fiscalizar a prestação das contas e certificar a regularidade dos gastos, tudo conforme previsto no
art. 13 da
Lei nº 7.347/1985. Precedente do STJ.
(TRF-1, AC 0005499-93.2002.4.01.3600, DESEMBARGADOR FEDERAL FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM, SEXTA TURMA, PJe 18/04/2024 PAG PJe 18/04/2024 PAG)
Acórdão em APELAÇÃO CIVEL |
18/04/2024
TERMOS DE USO DA JURISPRUDÊNCIA
Arts.. 22 ... 25
- Capítulo seguinte
Das Terras Ocupadas
Das Terras dos Índios
(Capítulos
neste Título)
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