DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO.
PORTARIA PGFN 948/2017. PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA NACIONAL. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE RECONHECIMENTO DE RESPONSABILIDADE (PARR). DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO AO SÓCIO-GERENTE. FUNÇÃO ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA DE RESERVA DE JURISDIÇÃO. PREVISÃO LEGAL. ARTIG0 20-D DA
LEI 10.522/2002.
ARTIGO 2º,
§ 5º,
II, DA LEF. CONSTITUCIONALIDADE. INAPLICABILIDADE DE IDPJ.
1. O procedimento administrativo de responsabilidade
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...de terceiros (PARR, previsto na Portaria PGFN 948/2017) tem respaldo legal expresso, nos termos do artigo 20-D, III, da Lei 10.522/2002, aplicando-se exclusivamente nos casos de indícios ou efetiva constatação de dissolução irregular de empresas. Trata-se, de fato, de causa suficiente para impor solidariedade pelas dívidas em aberto ao sócio responsável, conforme as teses firmadas pelo Superior Tribunal de Justiça nos Temas Repetitivos 630 e 981.2. A responsabilização de terceiros em sede administrativa, previamente a qualquer demanda judicial, não é novidade na praxe fiscal e cotidiano da atividade judiciária, havendo inclusive jurisprudência sedimentada na Corte Superior sobre questões que pressupõem o cabimento de tal prática. Nesta linha, firmou-se entendimento de que, constando da inscrição em dívida ativa o nome do corresponsável tributário, a este cabe, na via judicial, discutir a ilegalidade de tal inclusão, por vício formal no procedimento de inclusão, como cerceamento de defesa, ou por não resultar de situação jurídica contemplada pela legislação como apta a gerar tal responsabilidade tributária.3. O exame da legislação e jurisprudência não evidencia impedimento à apuração, na instância fiscal, de responsabilidade tributária de terceiro, desde que observadas garantias formais e instrumentais do processo administrativo e, em particular, requisitos legais próprios para imputação de tal espécie de responsabilidade, em especial face às prescrições do Código Tributário Nacional. Não existe, pois, neste âmbito, reserva judicial para discussão da matéria, sem prejuízo do controle judicial do ato praticado pela Administração, sob perspectiva formal ou material, de sorte que pode ser ajuizada demanda para imputar nulidade por cerceamento de defesa ou por ilegalidade da decisão fiscal, ao reconhecer responsabilidade tributária de terceira fora do que previsto no Código Tributário Nacional e legislação específica.4. A jurisprudência firmada quanto ao mérito próprio do reconhecimento da responsabilidade tributária de terceiro, sem prejuízo de constatações e circunstâncias inerentes à fase administrativa da apuração, permite discussão judicial do ato decisório em si, mas não impede nem cria reserva judicial para tornar inconstitucional ou ilegal o procedimento, quando ainda não ajuizada a dívida. É possível questionar judicialmente a decisão fiscal de redirecionamento administrativo, caso viole os parâmetros, por exemplo, do artigo 135, CTN, ou súmula de jurisprudência da Corte Superior, porém disto não resulta que a previsão, em portaria, de procedimento administrativo de reconhecimento de responsabilidade, a ser promovido junto à Procuradoria da Fazenda Nacional, seja, em si, inconstitucional ou ilegal, até porque, a própria legislação contempla, expressamente, tal previsão (para além do mencionado artigo 20-D, III, da Lei 10.522/2002) ao dispor que o termo de inscrição deve conter o nome do devedor e "dos co-responsáveis", assim remetendo à apuração administrativa de tal responsabilidade (artigo 2º, § 5º, II, da LEF).5. O redirecionamento de cobranças fiscais, em se tratando de contribuinte pessoa jurídica, é usualmente baseado em certidão de oficial de justiça indicando a não localização da devedora no domicílio tributário (por aplicação das Súmulas 435 e Tema Repetitivo 630 do Superior Tribunal de Justiça) ou, alternativamente, por petição fundamentada da exequente informando dados colhidos em sistemas internos (movimentação financeira, pagamento de tributos, declarações de imposto de renda) que evidenciam a existência de dissolução irregular e, comumente, confusão patrimonial. A tentativa de citação judicial frustrada, por não localização da devedora, não é o único caminho hábil a permitir o redirecionamento da cobrança. Precedente do Superior Tribunal de Justiça.6. Em tais casos, não se exige da credora a retificação da CDA. O responsabilizado é incluído diretamente no polo passivo da cobrança, sem qualquer substituição ou emenda do título executivo. Assim, trata-se de questão que passa ao largo da vedação constante da Súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça (como também é o caso em responsabilidade por sucessão. A interpretação que se extrai do entendimento em análise, sempre com vistas a manter coesão e coerência jurisprudencial sobre a matéria (artigo 926 do CPC) é a de que o Superior Tribunal de Justiça admite que, nos casos de responsabilidade tributária indireta por transferência, a imutabilidade do título executivo não seja oponível à satisfação da pretensão fiscal.7. É razoável que assim seja, inclusive. Do contrário se estaria a chancelar que o descumprimento de obrigações normativas várias (regular extinção da pessoa jurídica, comunicação de atos de sucessão empresarial, observância da autonomia patrimonial e existencial de pessoas jurídicas, dentre tantos exemplos) fosse manejado para desonerar os responsáveis das consequências tributárias legalmente previstas para tais situações, favorecendo a prescrição de dívidas não por inércia da credora, mas por limitação das vias de persecução do direito ventilado. Desta maneira, estar-se-ia reduzindo expressivamente as possibilidades de atuação da Administração para fazer cumprir “dever de bem tributar e fiscalizar” (ADI 2.859, Rel. Min DIAS TOFFOLI, Dje 16/10/2016) lastreado, em princípio, em presunção de higidez e legitimidade.8. É certo que a responsabilização por transferência decorre de norma apartada da regra-matriz de incidência tributária. Primeiro, há o estabelecimento da relação jurídica obrigacional tributária, pela prática do fato gerador, e por evento posterior e distinto, controlado por hipótese normativa diversa, há responsabilização de sujeitos outros pela prestação pecuniária originalmente devida. Contudo, o que isto significa é, propriamente, a modificação do sujeito passivo da relação obrigacional tributária, a partir de solidarização da dívida. Trata-se de conteúdo expressamente abrangido pela atividade de lançamento (artigo 142 do CTN) e, de igual forma, “o responsável” é, na terminologia do Código Tributário Nacional, “sujeito passivo” (artigo 121 do CTN). Aplica-se, assim, PARR o arcabouço jurisprudencial a respeito de nulidades e prescrição (material e intercorrente) incidentes em casos que tais. Todavia, não se trata de conteúdo em relação ao qual foi aventada causa de pedir ou produzida prova nestes autos, pelo qual não é possível o respectivo exame na espécie.9. Estabelecido que a responsabilização de terceiros pode ocorrer na via administrativa, por inferências diversas da não localização do devedor no domicílio tributário, e que o redirecionamento de cobrança fiscal em curso é cabível, em que pese a imutabilidade do título executivo, cabe concluir que sob os mesmos parâmetros da solidarização prévia à judicialização da pretensão fiscal (destacadamente a possibilidade de controle judicial a posteriori), nada impede que o Fisco promova retificação de CDA (ato que exsurge pertinente dada a apuração extrajudicial de responsabilidade, a ser submetida a crivo do Judiciário), em cobrança executiva, por força de procedimento de solidarização conduzido ainda que apenas na via administrativa. Vale notar que, de mais a mais, o multimencionado artigo 20-D da Lei 10.522/2002 corrobora expressamente o cabimento do PARR para dívidas ajuizadas, ao apontar que o procedimento de responsabilização de terceiro é possível para "débito inscrito em dívida ativa da União, ajuizado ou não".10. Considerando a atual suspensão da tese firmada no IRDR1/TRF3 (tema: “O redirecionamento de execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios dar-se-ia nos próprios autos da execução fiscal ou em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica”), por força de recursos interpostos aos Tribunais Superiores (cf. REsp 1.869.867, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 03/05/2021), prevalece a aplicabilidade do entendimento reiterado da Corte Superior de que, em casos de dissolução irregular de empresas, não há desconsideração de personalidade jurídica (com o que é prescindível o IDPJ). Note-se que, em linha de princípio, a instauração de procedimento administrativo prévio à solidarização judicial da dívida, promove fortalecimento da garantia de ampla defesa e contraditório, na medida em que a responsabilização do terceiro ocorre mediante contraditório prévio, em sede administrativa, em adição à possibilidade de discussão judicial (o que é, aliás, o próprio fundamento do IDPJ e da tese firmada no IRDR julgado pelo Órgão Especial deste Tribunal).11. Em se tratando de investigação que discute o fato deflagrador de responsabilidade de terceiro, e não o próprio crédito, improcede a alegação da impetrante de que o exercício de ampla defesa no PARR é indevidamente restrito. Com efeito, a dívida em si (e mesmo a responsabilização promovida em sede administrativa) podem ser amplamente discutidos em Juízo, como de praxe. A sistemática do Fisco meramente adiciona instâncias de defesa, como visto.12. O fato de o recurso à decisão inicial proferida no PARR ser apreciado também no âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional não importa em violação ao duplo grau de jurisdição. A uma, porque não há que se confundir "instâncias de jurisdição" com "instituições distintas". No PARR, a impugnação é apreciada pelo “Procurador da Fazenda Nacional em exercício na unidade descentralizada responsável pela inscrição em dívida ativa” (artigo 5º), ao passo em que o recurso é examinado pelo “Procurador-Chefe da Dívida Ativa nas unidades Regionais, o Procurador-Chefe ou o Procurador-Seccional da unidade descentralizada, desde que estes não sejam os responsáveis pela iniciativa da cobrança ou pela decisão recorrida, hipóteses em que o recurso deverá ser submetido à respectiva autoridade imediatamente superior” (artigo 6º, § 3º), instância e autoridade distinta e, inclusive, dotada de hierarquia superior. Depois, cumpre observar que o duplo grau de jurisdição não é direito do sujeito passivo em sede administrativa (e mesmo judicial), sendo frequentes procedimentos de jurisdição única, validados em jurisprudência.13. Das peças amealhadas aos autos, verifica-se que o impetrante se defendeu a tempo e modo, inclusive com manejo de recurso julgado regularmente pela autoridade fiscal na instância competente, nos termos do artigo 56 da Lei 9.784/1999, ao qual se remete o artigo 9º da Portaria PGFN 948/2017, bem como o artigo 20-D, da Lei 10.522/2002. No "mérito" do redirecionamento, o comprovante de inscrição e a situação cadastral não afastam contundentemente os indícios de dissolução irregular por omissão de declarações e emissão de certidões de regularidade fiscal desde 2014. Não é raro que a inscrição permaneça ativa, por falta de baixa, ainda que não esteja mais em atividade a pessoa jurídica, em prática que se reconhece como dissolução irregular. Inexistente qualquer controvérsia em relação à condição do agravante de sócio-administrador ao tempo da constatação dos indícios de dissolução irregular (conforme prelecionado no
Tema Repetitivo 981 do Superior Tribunal de Justiça, cotejado acima), o reconhecimento da responsabilidade tributária não padece de qualquer vício.
14. Apelação e remessa necessária providas.
(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5008792-65.2020.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 03/02/2023, Intimação via sistema DATA: 06/02/2023)