NILTON LACERDA DA SILVA (OAB:BA40213-A) DECISÃO Vistos, etc. Trata-se de Recurso Especial (ID 19157217), interposto por ITAU UNIBANCO S.A., com fundamento no
art. 105,
inciso III, alíneas “a” e “c”, da
Constituição Federal, em desfavor do acórdão (ID 18495770 e ID 18495771) que, proferido pela Terceira Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, negou provimento ao recurso manejado pelo recorrente. Embargos de Declaração conhecidos e inacolhidos (ID 18495782 e ID 18495783) Para ancorar o seu Recurso Especial com suporte na alínea a, do permissivo constitucional, aduz o recorrente, em síntese, contrariedade ao
art. 32...« (+1705 PALAVRAS) »
..., §1º, 2º e 3º do Decreto–Lei 70/66 e ao art. 53 do Código de Defesa do Consumidor. Pela alínea c, sustenta haver divergência jurisprudencial. O recorrido apresentou contrarrazões (ID 19944829). Foi proferida decisão (ID 29723169) determinado o sobrestamento do feito com fundamento no REsp n° 1891498/SP (Tema 1095). Após o julgamento do paradigma acima mencionado, foi proferida decisão (ID 56417476) que determinou a remessa dos autos ao Relator para eventual realização do Juízo de Retratação. A Terceira Câmara Cível proferiu acórdão (ID 65378339) mantendo inalterado o acórdão proferido anteriormente. É o relatório. O apelo nobre em análise não merece prosperar. O acórdão recorrido está assentado nos seguintes termos (ID 18495770): APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS E PERDAS E DANO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – SFH. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. LEILÃO. PERDA DO BEM. ADIMPLEMENTO DE 93% DO TOTAL FINANCIADO. INADIMPLEMENTO DE PEQUENA MONTA. ÔNUS EXCESSIVO AO CONSUMIDOR. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO CREDOR FIDUCIÁRIO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES ADIMPLIDOS PELO MUTUÁRIO. POSSIBILIDADE. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. CONTRATO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Da análise dos autos, verifica-se que o réu promoveu execução extrajudicial e arrematou o imóvel pelo valor de R$ 52.261,75 (cinquenta e dois mil, duzentos e sessenta e um reais e setenta e cinco centavos), conforme dados discriminados na carta de arrematação passada em seu favor (fls. 158/159), para em seguida vendê-lo em novo leilão por R$ 112.500,00 (mais que o dobro), depois de ter recebido 134 das 144 parcelas do mútuo contratado. 2. Impossibilidade de retenção pelo agente financeiro da integralidade dos valores recebidos. Inteligência do artigo 53 do CDC. 3.. À restituição dos valores das prestações pagas pelo, mutuário visa evitar o enriquecimento injustificado da contraparte, que poderá revender o imóvel a terceiros, forrando-se de eventuais prejuízos advindos do inadimplemento do mutuário, como in casu. RECURSO IMPROVIDO. O acórdão proferido em juízo negativo de retratação assentou-se nos seguintes termos (ID 64080379): APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS E PERDAS E DANO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. LEILÃO. PERDA DO BEM. ADIMPLEMENTO DE 93% DO TOTAL FINANCIADO. INADIMPLEMENTO DE PEQUENA MONTA. ÔNUS EXCESSIVO AO CONSUMIDOR. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO CREDOR FIDUCIÁRIO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. NÃO APLICAÇÃO DA TESE JURÍDICA SEDIMENTADA NO RESP DE N.º 1891498/SP (TEMA 1.095) DO STJ. TIPO DE CONTRATO ENTRE OS LITIGANTES QUE NÃO SE ENQUADRA NO REFERIDO TEMA. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO. 1. Cuida-se de Ação de Rescisão Contratual c/c Restituição das Parcelas Pagas e Perdas e Danos. 2. In casu, a partir da análise do caso, vislumbra-se que os litigantes celebraram contrato de compra e venda de imóvel, com garantia hipotecária, em 18/10/1988, com o objetivo de aquisição de imóvel residencial. Contudo, por dificuldades financeiras e desemprego, só conseguiram adimplir 134 das 144 prestações pactuadas. 3. Em que pese o requerimento de refinanciamento de valores inadimplidos, os apelados não obtiveram êxito, o que culminou com execução extrajudicial e consequente perda do bem imóvel arrematado pelo credor/ apelante no importe de R$ 52.261,75 (cinquenta e dois mil, duzentos e sessenta e um reais e setenta e cinco centavos), sendo o bem imóvel posteriormente vendido, com a obtenção de crédito pelo banco réu na quantia de R$ 112.500,00 (cento e doze mil e quinhentos reais). 4. Malgrado a interposição de Recurso Especial pelo banco réu, sob fundamento de violação pelo acórdão recorrido dos arts. 32, §§ 1.º, 2.º e 3.º do Decreto-lei n.º 70/66, bem como o art. 53 do Código de Defesa do Consumidor, este fora sobrestado, dada a pendência de julgamento do REsp n.º 1891498/SP (Tema 1095) pelo Superior Tribunal de Justiça. 5. Nesse contexto, acerca do Tema n.º 1095, fora sedimentada a seguinte tese jurídica: "Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrado em cartório, a resolução do pacto, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, deverá observar a forma prevista na Lei n.º 9.514/97, por se tratar de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor". (REsp n.º 1.891.498/SP, relator Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, julgado em 26/10/2022, DJe de 19/12/2022). 6. Assim, em decorrência da relevância da alienação fiduciária ao mercado imobiliário brasileiro, reconheceu-se inexistir divergência entre o art. 53 do CDC e os ditames da Lei n.º 9.514/1997, contudo, deve-se aplicar a aludida legislação por ser posterior e específica na regulamentação da matéria. 7. Ocorre que o julgado do REsp n.º 1891498/SP (Tema 1095) possui aplicação tão somente quanto aos contratos de compra e venda de imóvel garantido por alienação fiduciária, sendo que o caso em comento versa sobre contrato com garantia hipotecária. 8. Ante o exposto, não há fundamento para retratação do Acórdão proferido. ACÓDÃO MANTIDO. De início, esclareço ser inaplicável ao presente caso o entendimento firmado no REsp n° 1891498/SP (Tema 1095) pelo E. Superior Tribunal de Justiça, haja vista que a supracitada jurisprudência qualificada discute sobre “à prevalência, ou não, do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de resolução do contrato de compra e venda de bem imóvel com cláusula de alienação fiduciária em garantia”, e o presente processo trata sobre contrato de compra e venda de imóvel com garantia hipotecária, matéria diversa, portanto. No que concerne à alegada infringência ao art. 32, §1º, 2º e 3º do Decreto–Lei 70/66 e ao art. 53 do CDC, assentou-se o aresto recorrido nos seguintes termos: Da análise apurada dos fólios, observa-se que o valor de compra do imóvel importou em Cz$ 19.260.770,27, em moeda da época, (fls. 71/79) autor adimpliu a quantia de Cz$ 6.431,132,20, com recursos próprios e FGTS e financiou o saldo devedor de Cz$ 12.829,638,00, em 144 parcelas (12 anos) efetuando o pagamento de 133 parcelas (11 anos e 2 meses). O réu promoveu execução extrajudicial e arrematou o imóvel pelo valor de R$ 52.261,75 (cinquenta e dois mil, duzentos e sessenta e um reais e setenta e cinco centavos), conforme dados discriminados na carta de arrematação passada em seu favor (fls. 158/159), para em seguida vendê-lo em novo leilão por R$ 112.500,00 (mais que o dobro), depois de ter recebido 134 das 144 parcelas do mútuo contratado. Consta-se, portanto, que os autores suportaram extrema desvantagem, pois a adoção dos atos executivos às vésperas da quitação do contrato terminou por ensejar o enriquecimento sem causa por parte do credor. É cediço que a execução extrajudicial realizada com amparo na Lei n.º 70/66 tem como efeito automático a resolução do contrato de financiamento habitacional. O supracitado diploma autoriza a imediata imissão na posse do arrematante depois de ultimado o leilão extrajudicial. Por outro lado, a restituição das quantias pagas pelo mutuário tem amparo no art. 53 do CDC e visa impedir o enriquecimento sem causa do contratante mutuante, que poderá revender o imóvel a terceiros, forrando-se de eventuais prejuízos advindos do inadimplemento do mutuário, como in casu. Com efeito, os arts 884, 885 e 886 do Código Civil, transformaram o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa em norma positivada, in verbis: “Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido. Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir. Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.” Destarte, por se tratar de situação que coloca o consumidor em situação de inegável desvantagem e que enseja o enriquecimento ilícito do credor fiduciário, acertada a sentença ao aplicar o disposto no art. 53 do Código de Defesa do Consumidor, ipsis verbis: “Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.” (…) Outrossim, como brilhantemente consignou o magistrado primevo, “verifica-se o desatendimento da função social do contrato quando há vantagem exagerada para um dos contratantes ou quando um deles suporta uma prestação desproporcional, de modo a afastá-los da tão buscada justiça social. Extrai-se da boa-fé objetiva o dever de lealdade, de cooperação, de agir com correção, positivado no art. 422 do Codigo Civil. E uma cláusula geral que impõe aos contratantes um padrão de conduta proba, honesta e leal. Nesse particular, deve-se ter em mente o encontro entre as finalidades ética e econômica do contrato” (fls. 246/247). (ID 18495771). O posicionamento do acórdão está em consonância com entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, impondo a aplicação da Súmula 83 do STJ. Neste ponto, destaque-se ementa do acórdão proferido no julgamento do AgInt no REsp n. 2.087.385/SP: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DEFICIENTE. AUSÊNCIA. ARTIGO VIOLADO. FALTA DE INDICAÇÃO. SÚMULA Nº 284/STJ. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DISTRATO. CLÁUSULA DE RETENÇÃO. PERCENTUAL. ABUSIVIDADE. REVISÃO. POSSIBILIDADE. NORMA CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO. EXAME. NÃO CABIMENTO. (...) 3. O Superior Tribunal de Justiça entende ser cabível a revisão de distrato de contrato de compra e venda de imóvel em que exista cláusula de decaimento (abusiva), prevendo a perda total ou substancial das prestações pagas pelo consumidor em nítida afronta ao Código de Defesa do Consumidor e aos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual. (...) 5. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 2.087.385/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/5/2024, DJe de 15/5/2024.) Destarte, por consequência lógica, também não é admissível o recurso especial pela alínea c, considerando que a matéria em espeque, como já evidenciado, encontra-se pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça. Aplicável à espécie a Súmula 83 do STJ no seguinte teor: "Não se conhece do recurso especial pela divergência quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida". Ante o exposto, inadmito o Recurso Especial, com fulcro no
art. 1.030,
inciso V, do Código de Ritos. Publique-se. Intimem-se. Salvador(BA), 28 de agosto de 2024. Desembargador José Alfredo Cerqueira da Silva 2° Vice-Presidente ISAON
(TJ-BA, Classe: Apelação, Número do Processo: 0134570-95.2006.8.05.0001, Órgão julgador: 2ª VICE-PRESIDÊNCIA, Relator(a): JOSE ALFREDO CERQUEIRA DA SILVA, Publicado em: 30/08/2024)