CÍVEL. SERVIDOR. AUXÍLIO PRÉ-ESCOLAR. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE RÉ. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.
1. Pedido de declaração de “impossibilidade de desconto do custeio/cota-parte de assistência pré-escolar, com a determinação de restituição do montante descontado, corrigido e acrescido de juros legais, a partir de agosto/18, relativo ao filho do autor;”
2. Conforme consignado na sentença:
“Trata-se de ação ajuizada por servidor público federal objetivando a restituição dos valores descontados de seus vencimentos a título de participação no custeio do auxílio pré-escolar.
Não há razões preliminares a serem apreciadas.
Passo ao exame do mérito.
É garantia constitucional dos trabalhadores urbanos e rurais a assistência
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...gratuita aos filhos e dependentes, desde o nascimento até cinco anos de idade, em creches e pré-escolas, conforme inciso XXV do artigo 7º da Carta Magna.
Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece no inciso IV do artigo 54 que é dever do Estado assegurar o direito das crianças de zero a cinco anos de idade de frequentar creches e pré-escolas.
Visando à aplicação e à regulamentação de tais dispositivos, foi editado o Decreto nº 977/1993, que instituiu o auxílio pré-escolar, pago aos servidores da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional. Contudo, o artigo 6º de referido decreto estipulou que “os planos de assistência pré-escolar serão custeados pelo órgão ou entidade e pelos servidores”, por meio de consignação em folha de pagamento.
Observa-se, portanto, que o Decreto nº 977/1993 extrapolou seu poder de regulamentação ao exonerar a Administração, em parte, de sua obrigação legal de prestar assistência pré-escolar, e ao transferi-la ao servidor público, instituindo participação não prevista em lei.
Sendo assim, são indevidos os descontos efetuados nos vencimentos da parte autora a título de participação no custeio do auxílio pré-escolar, motivo pelo qual o requerido deve proceder à restituição de tais valores.
Nesse sentido:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. ADMINISTRATIVO. AUXÍLIO PRÉ-ESCOLAR. CUSTEIO POR PARTE DO SERVIDOR. UNIFORMIZAÇÃO PRECEDENTE. QUESTÃO DE ORDEM 13. NÃO CONHECIMENTO. Trata-se de pedido de uniformização interposto pela União contra acórdão da 3ª Turma Recursal da Bahia, que negou provimento a recurso interposto pela mesma parte contra a sentença. A Turma Recursal de origem entendeu ser indevida a participação do servidor para fins de custeio da assistência pré-escolar, considerando que o Decreto 977/93 extrapolou a legislação, e manteve a condenação da União a restituir os valores pagos. Alega a recorrente que o acórdão recorrido diverge do entendimento adotado pela Turma Recursal de Sergipe, no julgamento do processo 0501856-17.2013.4.05.8501, no qual foi assentado que não houve excesso de regulamentação pelo Decreto 977/93. O incidente foi admitido pelo Presidente da Turma Recursal de origem e teve sua distribuição determinada pelo eminente Presidente desta Turma. É o breve relatório. O incidente é tempestivo, mas não merece conhecimento. Com efeito, ainda que demonstrada a existência de divergência, esta Turma Nacional já uniformizou a matéria no sentido de que “é inexigível o pagamento do custeio do auxílio pré-escolar por parte do servidor público” (PEDILEF 00405850620124013300, JUIZ FEDERAL FREDERICO AUGUSTO LEOPOLDINO KOEHLER, TNU, DOU 26/02/2016 PÁGINAS 173/301). O acórdão recorrido está em consonância com a uniformização desta Turma, impondo-se o não conhecimento do incidente nos termos da questão de ordem 13. Pelo exposto, NÃO CONHEÇO do pedido de uniformização interposto pela União. Retifique-se a autuação, para que a União conste como requerente e a parte autora como requerida. A Turma, por unanimidade, não conheceu do incidente de uniformização nos termos do voto do(a) Juiz(a) Relator(a). (PEDILEF 00008193920144013311, JUÍZA FEDERAL LUISA HICKEL GAMBA, TNU, DOU 18/05/2017 páginas 99-220.) O grifo não consta do original.
Passo ao dispositivo.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar o requerido à restituição dos valores descontados dos vencimentos da parte autora a título de participação no custeio do auxílio pré-escolar, observada a prescrição quinquenal.
Juros de mora e correção monetária nos termos previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Faço consignar que, por expressa disposição legal, nos termos previstos pelo caput do artigo 3° da Lei n° 10.259/2001 combinado com os artigos 3°, parágrafo 3° e 39 da Lei n° 9.099/1995, o valor da condenação não poderá superar o teto de 60 (sessenta) salários mínimos na data da propositura da ação, sendo ineficaz a sentença na parte que exceder a alçada deste Juizado.
O caso concreto não autoriza a concessão de tutela específica de caráter antecipatório tendo em vista o disposto pelo parágrafo 3º do artigo 300 do Código de Processo Civil.
Com o trânsito em julgado, intime-se a parte ré para, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar planilha das diferenças devidas à parte autora.
Sem condenação em custas e honorários advocatícios.
Publique-se. Intimem-se. Registrada eletronicamente.”3. Recurso do INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SÃO PAULO - IFSAO PAULO: sustenta a ausência de ilegalidade do ato normativo em debate. Afirma que o auxílio pré-escolar não é uma indenização plena, mas parcial, em que pese seu caráter indenizatório, como é o caso do chamado “auxílio-saúde“, muito comum na Administração Pública, o qual é definido como um ressarcimento parcial, para o titular, da despesa com o plano de assistência à saúde. De outro giro, convém ressaltar a inexistência de norma que determine ser responsabilidade somente da Administração Pública do auxílio pré-escolar, o que torna o pleito autoral carente, absolutamente, de amparo legal, uma vez que, ainda que o Estado tenha seu dever, segundo previsto no art. 208, da CF, não tem ele de cumprir esse dever sozinho. De fato, em nenhum momento a Constituição fez essa atribuição exclusivista, como quer fazer crer a parte demandante, mesmo porque é fato que o Estado não alcançaria realizá-lo. De mais a mais, deve-se observar que a Carta Política vigente, de modo indiscutível, optou por arcar integralmente com o auxílio creche ou pré-escolar apenas quanto aos dependentes dos trabalhadores sujeitos ao regime celetista. E sendo mero auxílio – como o próprio nome esclarece – não se pode cogitar de qualquer ilegalidade na cobrança de uma participação financeira por parte do servidor – vale dizer, participação bem menor que aquela promovida pelo Poder Público –, mormente considerando que o benefício está sendo pago pela União aos servidores federais por simples liberalidade, já que, como visto, a responsabilidade pela educação infantil constitui competência dos Municípios, nos termos da Constituição. Vê-se, portanto, a ausência de ilegalidade na coparticipação no custeio, sendo de rigor a improcedência do pedido inicial.4. A despeito das alegações recursais, reputo que a sentença analisou corretamente todas as questões trazidas no recurso inominado, de forma fundamentada, não tendo o recorrente apresentado, em sede recursal, elementos que justifiquem sua modificação. Anote-se que o tema em discussão já foi pacificado pela Turma Nacional de Uniformização (PEDILEF 00405850620124013300), nos seguintes termos:
“EMENTA: ADMINISTRATIVO. AUXÍLIO PRÉ-ESCOLAR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE RECOLHIDOS. CUSTEIO POR PARTE DO SERVIDOR. DECRETO Nº977/93. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EM LEI. INCIDENTE CONHECIDO E IMPROVIDO.- Trata-se de incidente de uniformização movido pela União Federal em face de acórdão de Turma Recursal da Bahia, que manteve a sentença de procedência do pedido de inexigibilidade do pagamento do custeio do auxílio creche por parte do servidor, com a devolução dos respectivos valores recolhidos.- Alega que o Acórdão recorrido incorreu em erro ao reconhecer que a exigência de co-participação dos servidores no custeio do auxílio pré-escolar não encontra amparo no art. 54, inciso IV, da Lei nº8.069/90, tendo o art. 6º, do Decreto nº 977/93 transbordado de sua função regulamentar. Para demonstrar a divergência, aponta julgado da Turma Recursal de Sergipe (Processo nº 0501856-17.2013.4.05.8501) que, em caso idêntico, entendeu que o Decreto nº 977/93 não teria extrapolado do seu poder regulamentar.- In casu, a Turma Recursal da Bahia manteve a sentença de procedência com base nos seguintes argumentos, in verbis: “(...) Quanto ao cerne da irresignação, vê-se que o artigo 54, inciso IV da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) atribui ao Estado o dever de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. O Decreto n. 977/93 regulamenta essa disposição para os dependentes de servidores públicos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, contemplando o seu artigo 7º a possibilidade de que a assistência pré-escolar seja prestada diretamente, por meio de creches próprias, ou indiretamente, mediante valor em pecúnia disponibilizado pelo órgão ou entidade ao servidor, a quem também compete o seu custeio, nos termos do artigo 6º do mesmo ato normativo. 3. Ora, revendo entendimento anteriormente esposado e a despeito do dever de educação dos filhos menores assistir, de igual sorte, aos pais (artigo 229 da Carta Magna de 1988), impende reconhecer que a cota parte exigida dos servidores não encontra amparo no artigo 54, inciso IV da Lei n. 8.069/90, transbordando o artigo 6º do Decreto n. 977/93, nesse ponto, da sua função regulamentar. 4. Ainda que assim não fosse, há violação ao princípio da isonomia, na medida em que o mesmo direito é oferecido aos trabalhadores urbanos e rurais gratuitamente, nos termos do artigo 7º, inciso XXV da Carta Magna de 1988. O artigo 4º, inciso II da Lei n. 9.394/96 atribui ao Estado, por sua vez e também de forma gratuita, o dever de assegurar educação infantil às crianças de até 05(cinco) anos de idade. Descabe, portanto e à míngua de qualquer razoabilidade na distinção do tratamento normativo, exigir o custeio da assistência pré-escolar por parte do servidor, apenas pela circunstância de ostentar tal condição. 5. Considerando que o ônus de assegurar atendimento educacional em creche e pré-escolas às crianças de 0(zero) a 06(seis) anos de idade é intransferível aos servidores, assim decidiu a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, na Apelação Cível n. 0009875-13.2006.4.01.3300 (23/11/2012 e-DJF1 p. 861). (...)”.- Quanto ao cabimento, entendo demonstrada a similitude e a divergência entre o julgado paradigma e o Acórdão recorrido, de modo que passo à análise do mérito.- A meu ver, a Administração Pública, ao instituir obrigação pecuniária sem esteio em lei, extrapolou os limites do poder regulamentar, ferindo de morte o princípio da legalidade. Com efeito, a Constituição e a lei não instituíram a obrigação do servidor custear parte da assistência pré-escolar, mas, ao revés, previu-se tal assistência como dever do Estado, sem a instituição de qualquer contrapartida.- O Decreto nº 977/93 – que não configura lei em sentido formal – criou um encargo aos servidores que só existia para o Estado, tarefa exclusiva da lei, que tem a atribuição de inovar no ordenamento jurídico, transferindo-lhes, em parte, uma obrigação sem previsão legal, ultrapassando sua função regulamentar.- Ora, mesmo que se admitisse a criação da obrigação do custeio do auxílio-creche aos servidores, o único meio viável seria a lei, em atenção ao princípio da legalidade, uma vez que o particular não pode ser obrigado a fazer algo senão em decorrência de lei.- O princípio da legalidade toma contornos próprios quando o destinatário é a Administração Pública: o gerenciamento da coisa pública só pode ser exercido em conformidade com a lei. É que a atividade administrativa é sublegal, só podendo expedir comandos complementares à lei, pautando seu atuar no que a lei autoriza. Só pode agir secundum legem, nunca contra legem ou praeter legem, sob pena de afronta ao Estado de Direito.- Nessa vereda, os decretos e regulamentos devem ser expedidos tão somente para a fiel execução da lei, nos ditames do art. 84, IV da CF/88, haja vista que incumbe à Administração agregar à lei concreção, nunca inaugurar cerceio a direito de terceiros.- Por tudo isso, e ai nda em atenção ao princípio da legalidade, o servidor público, na qualidade de particular, não pode ser compelido a arcar com uma despesa sem embasamento em lei no sentido estrito.- Corroborando o entendimento aqui esposado, colaciono precedente oriundo do Tribunal Regional Federal da 1ª Região: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO ORDINÁRIA COLETIVA - IRRF -AUXÍLIO CRECHE OU PRÉ-ESCOLAR - CUSTEIO - DECADÊNCIA QUINQUENAL (STF, RE N.º 566.621) - JUROS. 1.O Pleno do STF (RE 566621/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, trânsito em julgado em 27.02.2012), sob o signo do art. 543-B do CPC, que concede ao precedente extraordinária eficácia vinculativa que impõe sua adoção em casos análogos, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 4º,segunda parte, da LC 118/2005 e considerou aplicável a decadência quinquenal às ações repetitórias ajuizadas a partir de 09 JUN 2005. 2.É obrigação do Estado garantir o atendimento educacional em creche e pré -escola às crianças de zero a 06/05 anos (art. 208, IV, da CF/88, c/c art. 54, IV, da Lei nº 8.069/90), ônus intransferível aos servidores. 3.O Decreto nº 977/93 (art. 1º, art. 4º e art. 7º) estipulou assistência indireta educacional aos dependentes dos servidores públicos, via percepção de auxílio (creche ou pré - escolar ) em pecúnia. 4.Entende-se (STJ e TRF1) não incidir IRFF sobre verbas "indenizatórias" (caso do auxílio creche ou pré-escolar, instituído para sanar a omissão estatal em cumprir o encargo da oferta regular satisfatória de qualidade em "educação infantil, em creche e pré -escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade"). 5.O art. 6º do Decreto nº 977/93, norma secundária ou de execução da lei (art. 84, IV, da CF/88), é ilegal ao, extrapolando sua função regulamentar, estatuir custeio do beneficiário, dado que, restringindo ou onerando o gozo do direito previsto na Lei nº 8.069/90 (e na CF/88), invadiu seara de lei (norma primária), contrariando-a ou mitigando seus efeitos. 6.Tomando-se em consideração que toda indenização tem como escopo "ressarcir um dano ou compensar um prejuízo" (no caso, a omissão estatal), ecoa antinomia que se pretenda imputar " custeio " para verba que a jurisprudência afirma "indenizatória", repartindo-se com quem não deu causa ao dano/prejuízo o ônus de sua recomposição. E, ainda que se pudesse admitir a instituição do ônus, tal demandaria - se e quando - lei expressa (que não há, irrelevante a só previsão regulamentar). 7.Em tema de tributos (e ônus congêneres), a CF/88 exige atenção à legalidade e à tipicidade (art. 146, III, "a", c/c art. 150, I). 8.Dada a natureza do custeio do " auxílio pré -escola" ou " auxílio creche", não tributária e não remuneratória, mas de caráter cível em geral, devem-se observar os períodos em que se pede a restituição. 9.Sobre os valores de custeio do " auxílio pré -escola ou creche" recolhidos de 29 AGO 2001 a 10 JAN 2003 incidirão juros de mora de 0,5% ao mês; de 11 JAN 2003 a 29 JUN 2009 aplicar-se-á a taxa SELIC, que não se cumula com juros ou correção monetária; de 20 JUN 2009 em diante, o crédito observará os índices de remuneração básica e dos juros aplicados à caderneta de poupança. 10.Apelação dos autores provida em parte. Apelação da FN e remessa oficial providas em parte: prescrição quinquenal. 11.Peças liberadas pelo Relator, em Brasília, 24 de julho de 2012., para publicação do acórdão. (AC 0022316- 60.2005.4.01.3300 / BA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL LUCIANO TOLENTINO AMARAL, Rel. Conv. JUIZ FEDERAL RENATO MARTINS PRATES, SÉTIMA TURMA, e-DJF1 p.590 de 03/08/2012)”(grifos nossos)- Diante do exposto, entendo por inexigível o pagamento do custeio da referida verba por parte do servidor.- Por conseguinte, CONHEÇO do Incidente de Uniformização e NEGO-LHE PROVIMENTO, para fixar a tese de que é inexigível o pagamento do custeio do auxílio pré-escolar por parte do servidor público”. (PEDILEF 00405850620124013300, JUIZ FEDERAL FREDERICO AUGUSTO LEOPOLDINO KOEHLER, TNU, DOU 26/02/2016 PÁGINAS 173/301.).
5. Não obstante a relevância das razões apresentadas pelo recorrente, o fato é que todas as questões suscitadas foram corretamente apreciadas pelo Juízo de Origem, razão pela qual a r. sentença deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos do
art. 46 da
Lei nº 9.099/95. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
6. Recorrente condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação.
(TRF 3ª Região, 11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0006869-28.2021.4.03.6303, Rel. Juiz Federal LUCIANA MELCHIORI BEZERRA, julgado em 14/04/2023, DJEN DATA: 24/04/2023)