PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. DIREITO CONSTITUCIONAL. SEGURO DESEMPREGO. RECEBIDO INDEVIDO. NÃO COMPROVADO. OBREIRO DISPENSADO SEM JUSTA CAUSA. EVIDÊNCIAS MATERIAIS DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. EXISTÊNCIA DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO COMPROVADA. RECONHECIMENTO DA INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO MANTIDA. EXTINÇÃO, SEM EXAME DO MÉRITO, DE AÇÃO MANDAMENTAL. VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE LIMINAR. COBRANÇA ADMINISTRATIVA SUMÁRIA DOS VALORES. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. BLOQUEIO PREVENTIVO DO PIS. NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO RECONHECIDA. OBSERVÂNCIA DA TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. DANO MORAL. CONDICIONAMENTO DA FRUIÇÃO DE BENEFÍCIO SOCIAL À QUITAÇÃO DE DÉBITO INEXISTENTE. MERO DISSABOR. NÃO VERIFICADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS
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...DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL DESPROVIDA. APELAÇÃO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - O seguro-desemprego constitui direito social previsto no artigo 7º, II, da Constituição Federal de 1998, que visa prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa imotivada, inclusive a indireta, bem como aos obreiros comprovadamente resgatados de regimes de trabalho forçado ou da condição análoga à escravidão, nos termos do artigo 2, I, da Lei 7.998/90, com a redação dada pela Lei 10.608/2002.
2 - O artigo 3º da Lei 7.998/90, em sua redação original, exigia como requisitos para a fruição desse benefício transitório, que o trabalhador comprovasse, além da dispensa imotivada.
3 - A Medida Provisória n. 665/2014, posteriormente convertida na Lei n. 13.134/2015, alterou o inciso I do artigo 3º da Lei 7.998/90, a fim de ampliar o prazo de duração do vínculo laboral exigido para a aquisição do direito ao seguro desemprego.
4 - Neste sentido, estabeleceu-se que, por ocasião do primeiro requerimento, o obreiro deveria demonstrar a manutenção do contrato de trabalho por ao menos 12 (doze) meses. Já na segunda solicitação, bastava que o vínculo empregatício tivesse perdurado por 9 (nove) meses. Por fim, nos pedidos subsequentes, seria suficiente a demonstração de que o serviço foi prestado por, no mínimo, 6 (seis) meses.
5 - Por fim, cumpre ressaltar que o direito ao seguro-desemprego é pessoal e intransferível, devendo ser exercido mediante requerimento formulado entre 7 (sete) e 120 (cento e vinte) dias após a rescisão do contrato de trabalho, sob pena de perda do direito ao beneplácito, em virtude da consumação do prazo decadencial, consoante o disposto nos artigos 6º da Lei 7.998/90 e 14 da Resolução 467/05 do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador - CODEFAT.
6 - Compulsando os autos, constata-se que o autor manteve vínculo empregatício com a empresa STILLO METALÚRGICA LTDA., no período de 14/09/1999 a 19/12/2011. Após ter sido dispensado, o demandante se dirigiu à Delegacia Regional do Trabalho de Guarulhos em 16/02/2012, oportunidade em que requereu o benefício de seguro-desemprego (ID 120029464 - p. 45). O pleito, contudo, foi indeferido, sob o fundamento de "código de afastamento FGTS L e TRCT 03 sem direito ao seguro. Além disso, não há depósitos suficientes para a comprovação de vínculo". Em síntese, a União Federal alegou que não poderia conceder o benefício, pois a dispensa teria decorrido de fechamento da empresa e que não havia depósitos fundiários suficientes para comprovar a existência do vínculo empregatício.
7 - Realmente, no termo de rescisão do contrato de trabalho, consta que a causa do afastamento do demandante foi o "fechamento da empresa" (ID 120029464 - p. 43/44).
8 - Acerca desta questão, (...) esclarece que a rescisão por extinção da empresa ou estabelecimento se trata "de modalidade de ruptura contratual que tem merecido do Direito do Trabalho, regra geral, tratamento semelhante ao da dispensa injusta. Considera-se que a extinção da empresa no país, por exemplo, ou do estabelecimento, em certo local ou município, é decisão que se coloca dentro do âmbito do poder diretivo do empregador, sendo, em consequência, inerente ao risco empresarial (…) (princípio da alteridade, art. 2º, caput, CLT, arts. 497 e 498 da CLT; Súmula 44, TST). Nesse quadro, de maneira geral, o término do contrato em virtude do fechamento da empresa ou do estabelecimento provoca o pagamento das verbas rescisórias próprias à resilição unilateral por ato do empregador, ou seja, próprias à dispensa sem justa causa", in Curso de Direito do Trabalho. Editora LTr, 13ª edição, 2014, p. 1201/1202.
9 - Ainda que assim não fosse, o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas anexado aos autos revela que empregadora ainda continuava em plena atividade em 2016 (ID 120029461 - p. 8/11), de modo que se verifica que houve equívoco no preenchimento do termo de rescisão no que se refere ao apontamento da causa do afastamento, circunstância esta que, por óbvio, não pode prejudicar o trabalhador.
10 - Ademais, no próprio comunicado de dispensa tal erro foi retificado ao constar que a extinção do contrato era sem justa causa (motivo 1) (ID 120029464 - p. 45). Aliás, a mesma informação constou no Portal do Ministério do Trabalho e Emprego (ID 120029464 - p. 65/66).
11 - Desse modo, restou plenamente preenchido o requisito do artigo 3, caput, da Lei n. 7.998/90, já que a dispensa foi imotivada.
12 - No mais, não há dúvidas quanto à prestação efetiva de serviços pelo demandante para a empresa empregadora. Neste sentido, foi apresentada cópia da CTPS, na qual está anotado o contrato de trabalho mantido pelo autor com a STILLO METALÚRGICA LTDA. no período de 14/09/1999 a 19/12/2011 (ID 120029460 - p. 36/40). Além disso, o próprio INSS afirmou ter utilizado as contribuições previdenciárias feitas pela referida empresa para conceder o benefício de aposentadoria ao autor (NB 172.666.809-3) (ID 120029465 - p. 83). Não há, portanto, qualquer dúvida razoável sobre a existência do mencionado contrato de trabalho. A insuficiência dos depósitos fundiários efetuados pela empregadora durante a vigência do contrato de trabalho, por si só, não tem o condão de modificar tal conclusão.
13 - Assim, considerando a comprovação da dispensa sem justa causa, após a manutenção de vínculo empregatício por mais de 24 (vinte e quatro) meses consecutivos antes do requerimento administrativo, no qual se recebia salários mensalmente, e diante da circunstância de que não restou demonstrada a existência de qualquer fonte de renda no período posterior à rescisão contratual, conclui-se que o autor preenchia todos os requisitos para a concessão do seguro-desemprego à época, razão pela qual não se verifica qualquer ilegalidade no seu pagamento.
14 - Quanto ao argumento de que a cassação da decisão liminar por acórdão prolatado por esta Corte Regional justificaria o pleito à restituição dos valores, é necessário tecer algumas consideraçõs.
15 - A propósito, verifica-se que o autor impetrou mandado de segurança (Processo n. 0008317-21.2012.4.03.6119) em 07/08/2012, objetivando a liberação das parcelas do seguro-desemprego. Embora seu pleito tenha sido acolhido pela sentença prolatada no respectivo mandamus, esta Corte Regional entendeu por bem extinguir o processo, sem exame do mérito, diante da carência da ação, por falta de interesse processual, na modalidade adequação, já que se considerou necessária a dilação probatória para a comprovação do direito ao beneplácito.
16 - Em nenhum momento, portanto, esta Corte Regional chegou a examinar o mérito da questão - se o benefício era ou não devido -, razão pela qual também é possível promover tal discussão nesta demanda, sendo esdrúxulo falar em violação à res judicata formada na ação mandamental. De fato, apenas se afirmou que o instrumento processual utilizado não era o adequado para veicular a pretensão deduzida pelo autor. Logo, a cassação da liminar não decorreu da constatação do não preenchimento dos requisitos para a fruição do benefício, mas sim foi uma consequência lógica da extinção do processo, sem exame do mérito (ID 120029462 - p. 79 e ID 120029463 - p. 1/2).
17 - Tal desfecho, contudo, fez com que a União Federal elaborasse sumariamente parecer executório em 24/03/2014, para cobrar a imediata restituição dos valores então recebidos pelo obreiro desempregado (ID 120029461 - p. 47/48). Além disso, houve o bloqueio imediato do PIS titularizado pelo autor como "medida preventiva e protetiva do Direito estampado no parecer" (ID 120029461 - p. 49). Não houve, portanto, a instauração de procedimento administrativo, com a abertura de prazo para que o autor apresentasse defesa.
18 - O demandante ainda tentou obstar a cobrança administrativa por meio da impetração de novo Mandado de Segurança (Processo n. 0009307-07.2015.4.03.6119), no entanto, novamente se reconheceu a carência da ação por falta de interesse processual, na modalidade adequação, concluindo-se pela necessidade de dilação probatória para a apreciação da pretensão então deduzida.
19 - A conduta adotada pela Administração Pública, por óbvio, violou frontalmente o princípio do devido processo legal, previsto no artigo 5º, LIV, da Constituição Federal, devendo, por isso, ser reconhecida sua nulidade, sobretudo considerando que o recebimento dos valores não foi indevido, já que o demandante fazia jus ao benefício.
20 - Em decorrência, constatada a legalidade no pagamento do beneplácito e verificada a nulidade no procedimento administrativo de cobrança promovido pela Administração Pública, deve ser reconhecida a inexigibilidade do crédito, bem como determinado o levantamento do bloqueio do PIS titularizado pelo autor (PIS n. 120.458.993-16), eis que a função "preventiva e protetiva do Direito" de tal medida perdeu sua razão de ser.
21 - Por derradeiro, discute-se ainda a exigibilidade de indenização por danos morais sofridos pelo demandante.
22 - Com efeito, além da cobrança administrativa ter violado o princípio do devido processo legal, basilar das garantias constitucionais do cidadão, as medidas então adotadas tiveram impacto gravíssimo na vida laboral posterior do autor.
23 - Realmente, o demandante firmou novo contrato de trabalho com a TRANSVAL - TRANSPORTES E LOGÍSTICA LTDA. - EPP que, iniciado em 03/09/2012, findou-se em 03/092015. Diante da nova dispensa sem justa causa, o autor formulou pedido de seguro-desemprego em 22/09/2015 (ID 120029461 - p. 39/40).
24 - Todavia, diante das medidas adotadas a partir do "parecerexecutório", elaborado em 2014, não só foi obstada a concessão do benefício postulado como se condicionou a liberação das parcelas à restituição dos valores supostamente recebidos de forma indevida.
25 - Ora, é sabido que o seguro-desemprego constitui amparo financeiro temporário destinado ao trabalhador que, dispensado sem justa causa, não possui qualquer outra fonte de recursos para assegurar sua subsistência. Privá-lo de tal direito social fundamental, como meio de constrangê-lo a pagar dívida inexistente, por óbvio, gera um sofrimento que não pode ser equiparado a mero dissabor da vida cotidiana, pois atenta contra a dignidade humana, já que ignora a situação de vulnerabilidade social em que se encontra o trabalhador desempregado. Precedentes.
26 - Assim, em respeito aos princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, fixo o valor da indenização por danos morais em R$ 2.000,00 (dois mil reais), tendo em vista que esta quantia não só atende satisfatoriamente à necessidade de reparação da lesão a direito extrapatrimonial, como também evita o enriquecimento irrazoável do demandante às custas do fundo público, sobretudo considerado o valor do crédito então cobrado pela União Federal de R$ 4.040,51 (quatro mil e quarenta reais e cinquenta e um centavos), atualizado até 2015.
27 - A correção monetária da indenização deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
28 - Os juros de mora devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
29 - A partir da promulgação da EC nº 113/2021, publicada em 09/12/2021, para fins de atualização monetária e compensação da mora, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente.
30 - Honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo do
§3º do
artigo 85 do
CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, uma vez que, sendo as condenações pecuniárias da União Federal suportadas por toda a sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (
art. 85,
§2º, do
CPC), ser fixada moderadamente.
31 - Apelação da União Federal desprovida. Apelação do autor parcialmente provida.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0004337-27.2016.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 26/07/2022, DJEN DATA: 01/08/2022)